A L E I T U R A H E G E L I A N A D E ESPINOZA E D E L E I B N I Z
Mafalda de Faria Blanc
Universidade de Lisboa
"Je crois que ce qu'on dit ici pour blämer la raison est ä son
avantage. Lorsqu'elle detruit quelque these, elle édifie la
these o p p o s é e . Et lorsqu'il semble qu'elle détruit en m é m e
temps les deux theses o p p o s é e s , c'est alors qu'elle nous
promet quelque chose de profond, pourvu que nous la
suivions aussi loin qu'elle peut aller..."
Leibniz, Essais de Théodicée,
Discours, § 8 0
Para o i d e a l i s m o a l e m ã o n ã o s i g n i f i c a r a m E s p i n o z a e L e i b n i z duas
esteias f u n e r á r i a s da v e l h a m e t a f í s i c a d o g m á t i c a , que o c r i t i c i s m o i r r e m e d i a v e l m e n t e condenara, mas o g r a n d e recurso, a fonte de i n s p i r a ç ã o , para
l e v a r a b o m t e r m o a . r e c o n s t r u ç ã o , d o que aquele d e m o l i r a - a m e t a f í s i c a ,
a p a r t i r de n o v a s bases c i e n t í f i c a s . C o m efeito, encontra-se a l i , a i n d a u n i d o , o que o k a n t i s m o c i n d i r a , s e m p o d e r a r t i c u l a r depois, de f o r m a capaz:
a c o i s a e m si e o f e n ó m e n o , o sujeito e o o b j e c t o , a l i b e r d a d e e a necessidade, a sensibilidade e o e n t e n d i m e n t o .
A l e i t u r a hegeliana daqueles autores n ã o foge a este q u a d r o
geral,
e m b o r a apresente u m e n f o q u e p a r t i c u l a r , decorrente das e x i g ê n c i a s espec u l a t i v a s inerentes à sua p r ó p r i a p r o b l e m á t i c a e p e r s p e c t i v a
filosófica.
N ã o é , p o r isso, c o m a v i s ã o i m p a r c i a l de u m h i s t o r i a d o r que d e v e m o s
c o n t a r , m e s m o ao abordar a " h i s t ó r i a da f i l o s o f i a "
hegeliana.
Embora
seja mestre na a p r e s e n t a ç ã o estrutural de cada f i l o s o f i a a p a r t i r d o seu
Phihsophica
8, Lisboa, 1996, pp. 95-110.
Mafalda
96
de Faria
Blanc
p r i n c í p i o o r g a n i z a d o r , H e g e l t o r c e sempre a seu f a v o r , a j u i z a n d o v i r t u d e s
e defeitos à l u z d a i d e i a d a sua p r ó p r i a f i l o s o f i a .
T a l p r o c e d i m e n t o , na a p a r ê n c i a r e d u t o r , é t a l v e z u m a
consequência
i n e v i t á v e l de t o d o o a u t ê n t i c o d i á l o g o pensante, que, m a i s a l é m da s i m ples r e p e t i ç ã o d o passado, avance a t é à l i b e r t a ç ã o das suas p o s s i b i l i d a d e s
r e c ô n d i t a s , f a z e n d o - o , assim, r e s s u r g i r a n o v a l u z , c o m o v i g o r e a f o r ç a
acrescidos de u m a v e r d a d e i r a " r e - t o m a ç ã o " c r i a d o r a .
1
1. O s textos e o s e u c o n t e x t o
S ã o d o i s os t e x t o s m a i s s i g n i f i c a t i v o s escritos p o r H e g e l sobre E s p i n o z a e L e i b n i z : a " A n o t a ç ã o " d o segundo l i v r o da Ciência
da Lógica,
e
parte de u m c a p í t u l o , referente à f i l o s o f i a m o d e r n a , d o t e r c e i r o v o l u m e
das Lições
sobre
a História
da Filosofia .
2
D e z anos de i n t e r v a l o os sepa-
r a m , p e r t e n c e n d o o p r i m e i r o ao p e r í o d o de N u r e m b e r g a , e m que H e g e l
e l a b o r a o s i s t e m a d a m a t u r i d a d e , e o segundo, ao p e r í o d o t e r m i n a l dos
grandes cursos de B e r l i m , e m que o f i l ó s o f o d e s e n v o l v e alguns aspectos
p a r c i a i s da v e r s ã o e n c i c l o p é d i c a d o sistema.
N ã o d i f e r e , n o essencial, a a p r e c i a ç ã o feita, nos d o i s casos, à q u e l e s
grandes cartesianos, s a l v o na f o r m a e x p o s i t i v a , r a z ã o s u f i c i e n t e , a nosso
ver, para nos d e t e r m o s , sucessivamente,
numa e noutra abordagem.
É
que, se a p r i m e i r a d á , e m e s t i l o s i n t é t i c o , a p e r s p e c t i v a f u n d a m e n t a l , j á a
segunda, m a i s a n a l í t i c a , a v a n ç a
o detalhe, que c o m p l e t a e
justifica,
m e s m o se i n c o r r e n d o n a l g u m a r e d u n d â n c i a . Esta d i f e r e n ç a de estilos
r e s u l t a do c o n t e x t o d i v e r s o , que i n d u z , n u m a e n o u t r a o b r a , a r e f e r ê n c i a
h i s t ó r i c o - f i l o s ó f i c a , e que nos c u m p r e a n ó s , agora, e l u c i d a r p r e l i m i n a r mente.
A " A n o t a ç ã o " sobre a f i l o s o f i a e s p i n o z i s t a e l e i b n i z i a n a aparece na
t e r c e i r a s e c ç ã o d a Doutrina
da Essência,
na s e q u ê n c i a de u m a p r i m e i r a ,
d e d i c a d a à d e f i n i ç ã o de e s s ê n c i a , e de u m a segunda, consagrada à refutaç ã o dos d u a l i s m o s que l h e e s t ã o associados, p r i n c i p a l m e n t e sob r e g i s t o
1
É a célebre ideia expressa por Heidegger, no início da quarta secção da obra Kant und
das Problem der Metaphysik, 4. ed., Frankfurt, V. Klostermann, 1973, pág. 198:
"Unter der Wiederholung eines Grundproblems verstehen wir die Erschliessung seiner
ursprünglichen, bislang verborgenen Möglichkeitein, durch deren Ausarbeitung es
verwandelt und so erst in seinem Problemgehalt bewahrt wird. Ein Problem bewahren,
heisst aber, es in denjenigen inneren Kräften frei und halten, die es als Problem im
Grunde seines Wesens ermöglichen."
a
2
G.W.F. HEGEL, Wissenschaft der Logik, I I : Anmerkung. Spinozistische und Leibnizische Philosophie, Werke 6, Frankfurt, Suhrkamp, 1969, pp. 195-200 (para as citações, utilizaremos a sigla: Wiss. Log. I I ) . G.W.F. HEGEL, Vorlesungen über die
Geschichte der Philosophie, I I I , Werke 20, Frankfurt, Suhrkamp, 1971, pp. 157-197 e
233-255 (para as citações, usaremos a sigla: Vorl. Gesch. Phil, III).
A Leitura
Hegeliana
de Espinoza
e de
97
Leibniz
k a n t e a n o e c o m o c o n s e q u ê n c i a da d i s t i n ç ã o entre o f e n ó m e n o e a c o i s a
e m si - a b i f u r c a ç ã o entre a t o d o e as partes, a f o r ç a e a sua e x t e r i o r i z a ç ã o , o interior e o exterior .
3
N e s s a ú l t i m a s e c ç ã o , i n i c i a - s e a parte p r o p r i a m e n t e p o s i t i v a e const r u t i v a da Lógica.
Hegel propõe-se
pensar u m a n o v a c o n c e p ç ã o
A b s o l u t o , e m p o l é m i c a aberta c o n t r a a v i s ã o t r a d i c i o n a l d a
do
metafísica,
c e n t r a d a na n o ç ã o de u m a u n i v e r s a l i d a d e abstracta e v a z i a , incapaz de
d a r r a z ã o da r e a l i d a d e c o n t i n g e n t e , a n ã o ser negando-a, o u p e l o a r t i f í c i o
"a p o s t e r i o r i " d a n o ç ã o representativa de c r i a ç ã o , i n d e t e r m i n a d a n o seu
c o n t e ú d o propriamente conceptual.
O A b s o l u t o , de que h á que dar c o n t a , deve entender-se, a f i r m a H e g e l ,
p a r a l á de t o d o o d u a l i s m o , c o m o t o t a l i d a d e substancial, mas efectiva, o
que e x i g e a sua c o m p r e e n s ã o d i n â m i c a c o m o m o v i m e n t o de auto-const i t u i ç ã o , segundo u m a e c o n o m i a processual j u s t i f i c a t i v a d a t o t a l i d a d e e
d a s i n g u l a r i d a d e , d a necessidade e da c o n t i n g ê n c i a .
4
O t e r m o " e f e c t i v i d a d e " ( W i r k l i c h k e i t ) , que regista o t í t u l o d a r e f e r i d a
s e c ç ã o , é b e m e l u c i d a t i v o d o p r o g r a m a h e g e l i a n o , m e t o d i c a m e n t e levado
a c a b o ao l o n g o de t r ê s c a p í t u l o s , sob o s i g n o , r e s p e c t i v a m e n t e , de t r ê s
grandes categorias kanteanas -
a t o t a l i d a d e , a necessidade e a a c ç ã o
r e c í p r o c a - para c o n c l u i r c o m a r e i n t e r p r e t a ç ã o da n o ç ã o cartesiana
de
"causa s u i " : n e c e s s á r i a s ó é , e ú n i c a , a s u b s t â n c i a capaz de se p r o d u z i r e
5
m a n t e r p e l a sua p r ó p r i a f o r ç a , s e m e n c o n t r a r o b s t á c u l o e x t e r i o r , a g i n d o
sobre s i , r e v e l a n d o a sua natureza, pela c o n s t i t u i ç ã o dos seres p a r t i c u l a res, seus acidentes o u m o d o s .
N ã o era, p o i s , de estranhar que H e g e l se lembrasse de c o n f r o n t a r a
sua p r ó p r i a c o n c e p ç ã o , q u e faz j u z da c a t e g o r i a de t o t a l i d a d e s e m e x c l u i r
a de i n d i v i d u a l i d a d e , c o m as f i l o s o f i a s de s i n a l c o n t r á r i o de E s p i n o z a e
de L e i b n i z . Trata-se, c o m e f e i t o , aos o l h o s de H e g e l , de d o i s sistemas
u n i l a t e r a i s e c o m p l e m e n t a r e s , c u j a o p o s i ç ã o i l u s t r a o processo c o n t r a d i t ó r i o de c o n s t i t u i ç ã o d o A b s o l u t o .
Resta-nos r e f e r i r e c o m e n t a r a l o c a l i z a ç ã o , a nosso v e r e s t r a t é g i c a , da
" A n o t a ç ã o " . E l a aparece n o t e r m o d o p r i m e i r o c a p í t u l o
da
terceira
3
Como se vê na nota anterior, a anotação aparece, no índice geral da obra, com o sub-título: "Filosofía espinozista e leibniziana".
4
HEGEL, Wiss. Log. I I , pág. 191: "Das Absolute ist nur das Absolute, weil es nicht die
abstráete Identität, sondern die Identität des Seins und Wesens oder die Identität des
Inneren und Ausseren ist."
5
Ibid. pp. 194-195: "Das Absolute als diese sich selbst tragende Bewegung der
Auslegung, als Art und Weise, welche seine absolute Identität mit sich selbst ist, ist
Äusserung, nicht eines Inneren, nicht gegen ein Anderes, sondern ist nur als absolute
sich für sich selbst Manifestieren; es ist so Wirklichkeit."
98
Mafalda
de Faria
Blanc
s e c ç ã o , c o n s a g r a d o à d e f i n i ç ã o p r e l i m i n a r do A b s o l u t o c o m o
efectivida-
de. D e a c o r d o c o m as a n á l i s e s da s e c ç ã o anterior, o A b s o l u t o deve estar
p a r a lá de t o d o o d u a l i s m o , d e v e c o n s t i t u i r u m a totalidade, capaz de abarcar n u m a u n i d a d e e n g l o b a n t e t o d a a realidade, p o r ele e a p a r t i r dele
c o n s t i t u í d a , a t r a v é s de u m processo i m a n e n t e de a u t o - c a u s a ç ã o . O A b s o l u t o s e r á , c o m e f e i t o , real o u e f e c t i v o e, p o r c o n s e g u i n t e , v e r d a d e i r o ,
e n q u a n t o c a p a z de a g i r sobre si p r ó p r i o .
6
O r a , t o d o s estes " i t e m s " e s t ã o presentes n a f i l o s o f i a de E s p i n o z a ,
e m b o r a , c o m o v e r e m o s , de m o d o i n c o m p l e t o e d e f i c i e n t e . A s s i m , é da
t u t e l a i m p l í c i t a d o a u t o r da " É t i c a " , que o c a p í t u l o recebe a sua estruturaç ã o tripartida: a e x p o s i ç ã o do absoluto, o atributo e o m o d o absoluto . A o
7
adoptar a t e r m i n o l o g i a espinozista, H e g e l reconhece
implicitamente a
verdade d a q u e l a f i l o s o f i a , c o r r i g i n d o - a e m b o r a , v e l a d a m e n t e , nas suas
i n s u f i c i ê n c i a s , a t r a v é s de u m debate i m p l í c i t o que, na " A n o t a ç ã o " c o n v o c a r á L e i b n i z c o m o interlocutor e contraponto.
O p r i m e i r o erro a evitar para lograr u m a " e x p o s i ç ã o " (Auslegung)
positiva d o A b s o l u t o , adverte H e g e l n o i n í c i o d o c a p í t u l o que estamos a
c o m e n t a r , é a r e f l e x ã o exterior d o e n t e n d i m e n t o , e m q u e o pensar se
c o l o c a f o r a d o processo de a u t o - c o n s t i t u i ç ã o do A b s o l u t o e c o n s i d e r a as
d e t e r m i n i d a d e s encontradas
c o m o d i s t i n ç õ e s suas, i l u s ó r i a s , p o r t a n t o ,
que v o l t a a a b s o r v e r ( a b - s o l v e r e ) n a i d e n t i d a d e a b s o l u t a .
8
A r e f l e x ã o v e r d a d e i r a , p e l o c o n t r á r i o , é interior ao m o v i m e n t o process u a l da r e a l i d a d e , é esta m e s m a dobrando-se sobre s i , regressando
e x t e r i o r i d a d e d o d e v i r d o ser, r e f l e c t i n d o - s e c o m o essência,
da
para nela se
c o n s t i t u i r c o m o fundamento d o f i n i t o e d o seu s u b s i s t i r . Este
ganha,
a s s i m , c o n s i s t ê n c i a e d i g n i d a d e o n t o l ó g i c a s , pois que, n e l e e p o r ele, é o
p r ó p r i o A b s o l u t o , que se revela, determina e conquista c o m o efectividade .
9
E s t á , deste m o d o , d a d o o m o t e , que v a i dar o t o m à nossa ' A n o t a ç ã o " ,
6
Ibid., pág. 208: "Was wirklich ist, Kann wirken; seine Wirklichkeit gibt etwas Kund
durch das, was es hervorbringt. Sein Verhalten zu Anderem ist die Manifestation
seiner (...)"
7
Constituem, respectivamente, as três alíneas - A, B e C - do capítulo primeiro da
terceira secção da Doutrina da Essência.
8
Wiss. Log. I I , pág. 189: "Aber so steht die Bewegung seiner absoluten Identität
gegenüber. (...) Sie ist das Jenseits der mannigfaltigen Unterschiede und
Bestimmungen und deren Bewegung, welches dem Absoluten im Rücken liegt; sie ist
daher zwar das Aufnehmen derselben, aber zugleich ihr Untergehen; so ist sie die
negative Auslegung des Absoluten, die vorhin erwähnt wurde."
9
Ibid., pág. 193: "In der Tat ist also erst im Modus das Absolute als absolute Identität
gesetzt". E, mais adiante, na pág. 194: "Die wahrhafte Bedeutung des Modus ist daher,
dass er die reflektierende eigene Bewegung des Absoluten ist; ein Bestimmen, aber
nicht, wodurch es ein Anderes würde, sondern nur dessen, was es schon ist; die
durchsichtige Äusserlichkeit, welche das Zeigen seiner selbst ist."
A Leitura
Hegeliana
de Espinoza
e de
99
Leibniz
b e m c o m o a j u s t i f i c a ç ã o d o seu l u g a r e s t r a t é g i c o : no t e r m o da apresentaç ã o p r e l i m i n a r d o c o n c e i t o de A b s o l u t o e antes m e s m o de i n i c i a r a sua
e x p o s i ç ã o p o s i t i v a c o m o efectividade,
a t r a v é s da a b o r d a g e m da
questão
m o d a l e da causalidade, p r e c i s a v a H e g e l de ajustar contas c o m E s p i n o z a ,
de se d e m a r c a r d o seu c o n c e i t o v e r d a d e i r o , mas abstracto, de t o t a l i d a d e ,
r e c o r r e n d o a L e i b n i z c o m o c o n t r a p o n t o e salvaguarda d o j u s t o v a l o r d a
individualidade finita.
V o l t e m o - n o s , agora, p a r a o lado das
Filosofia.
Lições
sobre
a História
da
Neste c u r s o de B e r l i m , o f i l ó s o f o encontra-se n o registo apro-
p r i a d o para u m a e x p o s i ç ã o e a v a l i a ç ã o das filosofias d o passado, c r i t e r i o sa, mas, n e m p o r isso, isenta de pressupostos. S ã o estes que e x p l i c a m , a
nosso ver, a n o t á v e l c o n v e r g ê n c i a , apesar d o i n t e r v a l o t e m p o r a l , d a l e i t u r a a q u i efectuada das f i l o s o f i a s de E s p i n o z a e de L e i b n i z c o m a da ' A n o t a ç ã o " da L ó g i c a . D e t e n h a m o - n o s e n t ã o , a t í t u l o p r o p e d ê u t i c o e c o m o
c o n t e x t u a l i z a ç ã o d o c o m e n t á r i o a que
i r e m o s proceder, na sua
sucinta
explicitação.
É n a p r i m e i r a a l í n e a d a i n t r o d u ç ã o à s " L i ç õ e s sobre H i s t ó r i a da F i l o s o f i a " , i n t i t u l a d a " D e t e r m i n a ç ã o da H i s t ó r i a da F i l o s o f i a " ,
que
Hegel
e x p õ e o seu c o n c e i t o f i l o s ó f i c o da h i s t ó r i a da f i l o s o f i a , que g u i a e i n f o r m a a sua l e i t u r a das f i l o s o f i a s d o p a s s a d o .
10
D e p o i s de afastar a r e p r e s e n t a ç ã o s u p e r f i c i a l da h i s t ó r i a d a
filosofia
c o m o m e r a d o x o g r a f i a b e m c o m o o seu c e p t i c i s m o subjacente, v a i H e g e l
a c l a r a r o seu
c o n c e i t o de
conceptual da h i s t ó r i a da
filosofia,
c o m o m e i o para a
determinação
filosofia".
A Ideia, e x p l i c a , n o processo da sua e f e c t i v a ç ã o , p e r c o r r e u m a
de e s t á d i o s e m o m e n t o s , a f i m de v i r a si e de se t o m a r , e m acto e
(für sich),
o que é e m - s i (an sich),
adveniência
e
auto-constituição
série
para-si
e c o m o v i r t u a l i d a d e . Este processo de
da
Ideia ocorre enquanto
actividade
e s p i r i t u a l , c o m o pensar que concebe: o e s p í r i t o entra e m si p a r a se object i v a r e m d e t e r m i n a ç õ e s f o r m a i s sucessivamente m a i s ricas e p r o f u n d a s ,
a t é perfazer o c i c l o c o m p l e t o d o seu
c o m o sistema o r g â n i c o da
a u t o - c o n h e c i m e n t o e se
verdade. " A f i l o s o f i a
possuir
é, e n t ã o , para s i "
-
c o n c l u i - "o c o n h e c e r deste d e s e n v o l v i m e n t o , e é , c o m o pensar que c o n cebe, este d e s e n v o l v i m e n t o pensante m e s m o . Q u a n t o m a i s este d e s e n v o l v i m e n t o prosperar, m a i s p e r f e i t a s e r á a f i l o s o f i a . "
1 0
1 2
G.W.F. HEGEL, Vorlesungen über Geschichte der Philosophie, l, Werke 18, Frankfurt,
Suhrkamp, 1971, pp. 20-68 (para as citações, usaremos a sigla: Vorl. Gesch. Phil, I).
Desta obra existe uma notável tradução portuguesa de José Barata-Moura, intitulada:
Introdução às Lições sobre História da Filosofia, Lisboa, Porto ed., 1995.
1 Cf.: Vorl. Gesch. Phil, I , pp. 28 a 46.
1
1 2
Utilizámos a referida tradução portuguesa (Introdução, pág. 73), de que aqui damos o
texto alemão: "Die Philosophie ist nun für sich das Erkennen dieser Ertwicklung und
Mafalda
100
A
filosofia
de Faria
Blanc
é , assim, b e m c o m o a sua h i s t ó r i a , sistema e m d e s e n v o l -
v i m e n t o . H e g e l defende a tese de u m p a r a l e l i s m o entre a s u c e s s ã o das
1 3
f i g u r a s l ó g i c a s d o pensar (os d i v e r s o s e s t á d i o s da d e t e r m i n a ç ã o l ó g i c o ¬
- c o n c e p t u a l d a I d e i a ) e a s e q u ê n c i a t e m p o r a l das suas f i g u r a s h i s t ó r i c a s ,
d o n d e d e c o r r e u m c o n c e i t o racional da história da filosofia, n ã o c o m o
a g r e g a d o i n f o r m e de o p i n i õ e s contrastantes, mas c o m o sistema i n t e g r a d o
das c o n f i g u r a ç õ e s p e c u l i a r e s , e m que a I d e i a , no processo do seu desenv o l v i m e n t o t e m p o r a l , se apreende, e x p l i c i t a n d o , n o e l e m e n t o d o pensar e
c o m o d e t e r m i n a ç õ e s suas, a r i q u e z a d o seu c o n t e ú d o i n t e r n o .
1 4
O t o d o d a h i s t ó r i a da f i l o s o f i a é , deste m o d o , o
desenvolvimento
n e c e s s á r i o das diversas c o n f i g u r a ç õ e s f i n i t a s do pensar - da m a i s p o b r e e
abstracta à m a i s r i c a e c o n c r e t a - a t é à o b t e n ç ã o de u m a f i l o s o f i a capaz
de se i g u a l a r na sua f o r m a absoluta ao c o n t e ú d o da I d e i a .
1 5
C a d a f i l o s o f i a , p o r seu l a d o , c o n s t i t u i u m m o m e n t o d o d e s e n v o l v i m e n t o total, ocupa nele u m lugar determinado, onde ganha p e r t i n ê n c i a e
s e n t i d o e é c o m o tal que deve ser ajuizada, para que se lhe possa fazer
j u s t i ç a . P a r a t a l , deve o h i s t o r i a d o r saber d i s c e r n i r entre o q u e nela é
1 6
fugaz e o p r i n c í p i o p a r t i c u l a r que a c o n f i g u r a , e s ó a ele atender nos seus
d e s e n v o l v i m e n t o s e a p l i c a ç õ e s p r i n c i p a i s , enquanto c o n s t i t u i o seu c o n t e ú d o r a c i o n a l , v e r d a d e i r o e eterno, r e c o l h i d o e i n t e g r a d o n u m a mais r i c a
e a m p l a s i s t e m á t i c a pelas f i l o s o f i a s subsequentes.
S ã o estes pressupostos subjacentes à c o n c e p ç ã o h e g e l i a n a da h i s t ó r i a
d a f i l o s o f i a , que nos p e r m i t e m c o m p r e e n d e r a c o n v e r g ê n c i a de p e r s p e c t i vas entre o t e x t o da ' A n o t a ç ã o " e o da " L i ç õ e s " : sob o r e g i s t o d i v e r s o da
l ó g i c a e d a h i s t ó r i a , ambas i n t e r p r e t a m as f i l o s o f i a s de E s p i n o z a e de
L e i b n i z c o m o m o m e n t o s opostos e c o m p l e m e n t a r e s
d o processo c o n -
t r a d i t ó r i o de c o n s t i t u i ç ã o d a I d e i a .
ist als begreifendes Denken selbst diese denkende Entwicklung. Je weiter diese
Entwicklung gedihen, desto vollkommener ist die Philosophie." {Vor. Gesch. Phil, I ,
päg. 46).
'3 Ibid., päg. 47: "So ist die Philosophie System in der Entwicklung, so ist es auch die
Geschichte der Philosophie (...)".
1 4
Ibid., päg. 49: "(...) die Aufeinanderfolge der Systeme der Philosophie in der
Geschichte dieselbe ist als die Aufeinanderfolge in der logischen Ableitung der
Begriffsbestimmungen der Idee."
15
Ibid., päg. 56: "Eine Philosophie, die nicht absolute, mit dem Inhalt identische Form
hat, muss vorübergehen, weil ihre Form nicht die wahre ist."
16
Ibid., päg. 56: "Wie nun i m logischen System des Denkens jede Gestaltung desselben
ihre Stelle hat, auf der sie allein Gültigkeit hat und durch die weiter forschreitende
Entwicklung zu einem untergeordneten Momente herabgezetzt wird, so ist auch jede
Philosophie im ganzen des Ganges eine besondere Entwicklungsstufe und hat ihre
bestimmten Stelle, auf der sie ihren wahrhaften Wert und Bedeutung hat. Nach dieses
Bestimmung ist ihre Besonderheit wesentlich aufzufassen und nach dieser Stelle
anzuerkennen, um ihr recht widerfahren zu lassen."
A Leitura
Hegeliana
de Espinoza
e de
101
Leibniz
2. A " A n o t a ç ã o " d a D o u t r i n a d a E s s ê n c i a
2.1. A filosofía de Espinoza
H e g e l c o m e ç a p o r reconhecer, i m p l i c i t a m e n t e , a verdade da f i l o s o f i a
de E s p i n o z a ao estabelecer a c o r r e s p o n d ê n c i a entre o c o n c e i t o de A b s o l u to a n t e r i o r m e n t e e x p o s t o e a s u b s t â n c i a espinozista. P o r é m , acrescent;i
" ( . . . ) o espinozismo é u m a f i l o s o f i a d e f i c i e n t e , nisso que a reflexão e o seu
d e t e r m i n a r v a r i a d o é u m pensar exterior." .
17
O d i a g n ó s t i c o e s t á f e i t o , e c o m o c o m p r e e n d e r a causa d o m a l e as
c o n s e q u ê n c i a s n e g a t i v a s que acarreta é j á m e i o c a m i n h o andado, v a i o
f i l ó s o f o deter-se n a a n á l i s e das i n s u f i c i ê n c i a s d o sistema
espinozista,
c o m o que para t o m a r m e l h o r c o n s c i ê n c i a das a l t e r a ç õ e s a i n t r o d u z i r , de
m o l d e a conseguir u m a s i s t e m á t i c a mais rica e verdadeira.
O a u t o r da " L ó g i c a " p r o c e d e , m e t o d i c a m e n t e , e m t r ê s t e m p o s : c o m e ç a
p o r c a r a c t e r i z a r o p e n s a r de E s p i n o z a n a sua r e l a ç ã o ao A b s o l u t o , passa
de s e g u i d a à a n á l i s e d a e x p o s i ç ã o deste nos seus m o m e n t o s p r i n c i p a i s - o
atributo e o m o d o , para c o n c l u i r e n f i m c o m u m b a l a n ç o e u m a a v a l i a ç ã o
f i l o s ó f i c a f i n a l d o s i s t e m a da " É t i c a " .
E m p r i m e i r o l u g a r , h á que c o n s i d e r a r o c a r á c t e r n e g a t i v o e abstracto
d a s u b s t â n c i a e s p i n o z i s t a : a sua u n i d a d e afirma-se pela n e g a ç ã o e absorç ã o de t o d o o c o n t e ú d o p a r t i c u l a r . E m v e z de nele se d i f e r e n c i a r e
e x p r i m i r , para m e l h o r se r e c o n s t i t u i r na sua f o r m a absoluta, i m ó v e l e
r í g i d a , a s u b s t â n c i a de E s p i n o z a f u n d a a sua a b s o l u t i d a d e na v a l o r a ç ã o
n e g a t i v a da d e t e r m i n i d a d e f i n i t a , s e m d e s c o b r i r nesta a v a l ê n c i a p r o f u n d a
d o seu p o d e r a f i r m a t i v o .
A causa desta d e f e i t u o s a c o n c e p ç ã o reside, pensa H e g e l , n u m a i n s u f i c i e n t e c o n s i d e r a ç ã o d o f u n d a m e n t o o n t o l ó g i c o do pensar. E m b o r a a f i r m e a i m a n ê n c i a deste à s u b s t â n c i a , c o m o m o d o ou a f e c ç ã o sua, o e n t e n d i m e n t o n ã o l h e é c o n s t i t u t i v o , mas p e r i f é r i c o . S e m o p o d e r de d e t e r m i nar e f o r m a r , d o que v e m da f o n t e e n e l a se c o n s u m a , o pensar e s p i n o z a n o m a i s n ã o p o d e d o q u e a c o l h e r c o m o dado e ser-posto as d e t e r m i n a ç õ e s
d o f i n i t o , para as r e c o n d u z i r ao A b s o l u t o .
1 8
Desta c o n c e p ç ã o
e x t e r i o r d o pensar r e s u l t a o c a r á c t e r
formal
da
17
Wiss. Log. II, päg. 195: "Dem Begriffe des Absoluten und dem Verhältnisse der
Reflexion zu demselben, wie es sich hier "dargestellt hat, entspricht der Begriff der
spinozistischen Substanz. Der Spinozismus ist darin eine mangelhafte Philosophie,
dass die Reflexion und deren mannigfaltiges Bestimmen ein äuzerliches Denken ist."
1 8
Ibid., pp. 195-196: "(...) ist das Erkennen die äusserliche Reflexion, welche das (...) als
ein äusserlichen Verstand tätig ist, die Bestimmungen als gegebene aufnimmt und sie
auf das Absolute zurückführt, nicht aber vom diesem ihre Anfänge hernimmt."
Mafalda
102
de Faria
Blanc
e x p o s i ç ã o espinozana d o A b s o l u t o . C o m e f e i t o , apesar d o c o n c e i t o de
"causa s u i " apelar à a p r e s e n t a ç ã o d o A b s o l u t o c o m o u m resultado de si
m e s m o , este é apenas d e f i n i d o c o m o u m a verdade i m e d i a t a , u m pressuposto de t u d o o m a i s ; t a m b é m o atributo,
e s s ê n c i a da s u b s t â n c i a , é considerado
enquanto d e t e r m i n a ç ã o da
u m d i f e r e n c i a r inessencial
da
m e s m a e r e s t i t u í d o à a c ç ã o do e n t e n d i m e n t o , que o a c o l h e c o m o u m a
p a r t i c u l a r i d a d e dada, sem o d e d u z i r a p a r t i r da u n i v e r s a l i d a d e ; f i n a l m e n te, o modo,
e m que r e c a i a d e t e r m i n a ç ã o d o a t r i b u t o , é a i n d a somente
a l g o de posto, u m d a d o n u l o , sem r e f l e x ã o e m s i .
1 9
H á , p o i s , c o n c l u i H e g e l , que fazer o seguinte b a l a n ç o g e r a l da f i l o s o f i a de E s p i n o z a : d o l a d o p o s i t i v o , e s t á a e n u m e r a ç ã o c o m p l e t a dos m o mentos do A b s o l u t o , a universalidade, a particularidade e a singularidade; d o lado n e g a t i v o , e s t á a i n c a p a c i d a d e de realizar a sua d e d u ç ã o real e
de v e r n o t e r c e i r o t e r m o mais d o que u m a m e r a d e t e r m i n i d a d e negativa, a
saber - o m o m e n t o p o s i t i v o d a n e g a ç ã o de si e do reingresso n a i d e n t i d a de p r i m e i r a .
2 0
P o r todas estas r a z õ e s , o e s p i n o z i s m o , a j u í z a H e g e l , é u m e m a n a c i o n i s m o que, de m o d o a n á l o g o à f i l o s o f i a o r i e n t a l , c o n s i d e r a o A b s o l u t o e
a sua i r r a d i a ç ã o c o m o a d e g r a d a ç ã o p r o g r e s s i v a de u m a l u z i n i c i a l , a t é à
c o m p l e t a e x t i n ç ã o d e s i , sem r e t o r n o à fonte.
2.2. Â filosofía de Leibniz
A f i l o s o f i a de L e i b n i z é o e x a c t o c o n t r a p o n t o da de E s p i n o z a e t ã o
u n i l a t e r a l c o m o esta. A t o t a l i d a d e e s t á i g u a l m e n t e presente nela,
mas
d e s l o c o u - s e d a u n i v e r s a l i d a d e abstracta para o p o n t o de v i s t a da i n d i v i d u a l i d a d e , à q u a l a t r i b u i a reflexão em si ( R e f l e x i o n - i n - s i c h ) , que f a l t a v a
ao " m o d o " , para ser m a i s d o que a p a r ê n c i a e x t e r i o r .
21
C o m e f e i t o , a m ó n a d a é u m a t o t a l i d a d e , que c o n s e r v a
o conteúdo
v a r i a d o d o m u n d o , u m u n o - m ú l t i p l o , p o r q u e , ao c o n t r á r i o da s u b s t â n c i a
de E s p i n o z a , p o s s u i e m si a r e f l e x ã o , o pensamento, é a c t i v i d a d e i n t e l e c t u a l de se conhecer, m a n i f e s t a ç ã o de si a s i , u m r e v e l a r i n t e r i o r dos c o n t e ú d o s p a r t i c u l a r e s , que a d e t e r m i n a m e d i f e r e n c i a m .
22
1 9
Ibid., päg. 197: "(...) einerseits ist es unmittelbar Gegebenes, anderseits wird seine
Nichtigkeit nicht als Reflexion-in-sich erkannt."
2 0
Ibid., päg. 198: "Es fehlt daher die Notwendigkeit des Fortgangs des Absoluten zur
Unwesentlichkeit sowie ihre Auflösung an und für sich selbst in die Identität; oder es
mangelt sowohl das Werden der Identität als ihrer Bestimmungen."
2 1
Ibid., päg. 198: "Der Mangel der Reflexion-in-sich
Leibnizischen Monade ergänzt."
2 2
Ibid., päg. 199: "Es ist ein höchst wichtigen Begriff, dass die Veränderungen der
Monade als passivitätslose Aktionen, als Manifestationen ihrer selbst vorgestellt
(...) ist in dem Begriffe der
A Leitura
Hegeliana
de Espinoza
e de
103
Leibniz
E t o d a v i a , este "agere i n se i p s u m " e s p i r i t u a l , que d e v e r i a ser f o n t e de
a u t o n o m i a , é , n o f u n d o , b e m mais heteronomia. E que a m ó n a d a n ã o é
a u t o - p o n e n t e n e m dos c o n t e ú d o s p a r t i c u l a r e s que a d i f e r e n c i a m , n e m das
relações
internas
que
a r e e n v i a m à s outras
mónadas,
mas
encontra
à q u e l e s e a estas c o m o a l g o e m s i , estabelecido p e l a e c o m a c r i a ç ã o .
A m ó n a d a de L e i b n i z é , assim, u m m i s t o de a c t i v i d a d e e de p a s s i v i d a d e : i n f i n i t a p e l a f o r m a d a r e f l e x ã o e m s i , f i n i t i z a - a o c o n t e ú d o d o seu ser- e m - s i , q u e ela m e s m a n ã o c o n s t i t u i u . N e m s u b s t â n c i a n e m sujeito, mais
pensada d o que pensante, ela n ã o t e m a i n d a a f o r ç a do " B e g r i f f " hegelian o , sendo i n c a p a z de passar de si m e s m a à e x i s t ê n c i a .
Se a g o r a nos v o l t a m o s para a M ó n a d a absoluta, a l é m d a
afirmação
d o g m á t i c a da u n i d a d e d a e s s ê n c i a e da e x i s t ê n c i a , c o n s t i t u t i v a da p e r f e i ç ã o d i v i n a , t a m b é m n ã o e n c o n t r a m o s a sua p u r a a c t i v i d a d e pensada c o m o
n e g a t i v i d a d e r e f e r i d a a s i , o u seja, c o m o processualidade i n t e r n a , capaz
de se r e p e l i r e de se p ô r c o m o o u t r o : as criaturas e m a n a m de D e u s , sem
q u e se e x p l i q u e o p r o c e s s o d a sua c r i a ç ã o e d a sua m ú t u a d i f e r e n c i a ç ã o .
2 3
H e g e l , p e l o c o n t r á r i o , v a i fazer n o seu sistema a e c o n o m i a da c r i a ç ã o
e d o p o n t o de v i s t a m o n a d o l ó g i c o i d e a l . O A b s o l u t o , c o n s t i t u i n d o - s e no
m o d o , é c i s ã o de si e l e i da r e l a ç ã o das m ó n a d a s , as quais, n ã o se fechand o sobre s i , mas pondo-se p e l a e na sua c i s ã o , inscrevem-se n o m o v i m e n t o de t o t a l i z a ç ã o , e m que a e f e c t i v i d a d e daquele se m a n i f e s t a e c o n s t i t u i
c o m o singularidade.
3. A s " L i ç õ e s sobre H i s t ó r i a da Filosofia"
3.1. A filosofia de E s p i n o z a
M a i s d e s e n v o l v i d o e m b o r a , o t e x t o apresenta u m a e s t r u t u r a s i m i l a r ao
d a ' A n o t a ç ã o " . H e g e l c o m e ç a p o r u m p r o é m i o , e m que faz a caracterizaç ã o g e r a l d a f i l o s o f i a de E s p i n o z a a p a r t i r d o seu " p r i n c í p i o p a r t i c u l a r " ,
desce depois
ao
detalhe
da a n á l i s e , acrescentando à e x p o s i ç ã o
dos
m o m e n t o s do A b s o l u t o a q u e s t ã o da m o r a l , p a r a c o n c l u i r c o m u m a aval i a ç ã o c r í t i c a f i n a l d o sistema. S e m p o d e r e v i t a r r e p e t i ç õ e s , s u b l i n h a r e m o s n o entanto, p o r nossa parte, as n o v i d a d e s , que c o m p l e t a m e c o r r o b o r a m a leitura anterior.
D o p r o é m i o , h á que ressaltar a t ó n i c a h i s t ó r i c a , ausente n a " A n o t a ç ã o " . A s s i m , c o m e ç a H e g e l p o r salientar a f i l i a ç ã o do j u d e u d e A m s t e r -
[werden] und das Prinzipe der Reflexion-in-sich oder der individuation als wesentlich
hervorsteht."
23 Cf.,i7>iW.,päg. 120.
104
Mafalda
de Faria
Blanc
d ã o a Descartes, p o r u m l a d o , e, p o r o u t r o lado, o i n f l u x o nele e x e r c i d o
p e l o p e n s a m e n t o o r i e n t a l . D e s t e c o l h e u , c o m e f e i t o , o p r i n c í p i o da u n i 2 4
dade, que l h e p e r m i t i r i a d e s e n v o l v e r c o m c o n s e q u ê n c i a a i n t u i ç ã o , subjac e n t e à f i l o s o f i a cartesiana, da i d e n t i d a d e entre o p e n s a m e n t o e o real,
mas nesta s u b o r d i n a d a ao d u a l i s m o entre o f i n i t o e o i n f i n i t o .
Espinoza identifica
estes d o i s p l a n o s e m Deus, s e m fazer deste u m
t e r m o d i s t i n t o : s u b o r d i n a n d o t o d o o p a r t i c u l a r à verdade d a s u b s t â n c i a
u n a , ele elevou-se ao p o n t o de p a r t i d a essencial de t o d a a f i l o s o f i a .
Fal-
t o u - l h e , p o r é m , o e l e m e n t o c r i s t ã o da p e r s o n a l i d a d e , o v a l o r da i n d i v i d u a l i d a d e c o n c r e t a , essencial ao m u n d o m o d e r n o , para t e m p e r a r o eleat i s m o e s u p r i r a r i g i d e z da s u b s t â n c i a . C o m e f e i t o , acrescenta H e g e l , s ó
2 5
u m tal d i n a m i s m o e s p i r i t u a l a f a r i a a v a n ç a r d a u n i v e r s a l i d a d e abstracta à
particularidade e à efectividade concreta, p e r m i t i n d o desenvolver
com
p l e n a c o n s e q u ê n c i a a i m p o r t a n t e c o n c e p ç ã o do A b s o l u t o c o m o u n i d a d e
do c o n t r a d i t ó r i o - u m a original r e i n t e r p r e t a ç ã o espinozista do argumento
o n t o l ó g i c o de Descartes, que H e g e l repensaria, e n q u a n t o passagem d o
p e n s a m e n t o , n ã o ao ser abstracto e i n d e t e r m i n a d o , mas à realidade c o n c r e t a e f i n i t a d a natureza.
O filósofo
passa, de seguida,
à a n á l i s e do c o n t e ú d o filosófico
da
" É t i c a " . C o m e ç a por relevar a i n a d e q u a ç ã o do m é t o d o g e o m é t r i c o adopt a d o à f i l o s o f i a , p o i s que, p a r t i n d o de d e f i n i ç õ e s n o m i n a i s , apresentadas
à m a n e i r a de p o s t u l a d o s , n ã o a l c a n ç a o que à q u e l a s o m e n t e i m p o r t a - a
demonstração
d o seu
conteúdo
v e r d a d e i r o . A s s i m , os c o n c e i t o s
26
de
s u b s t â n c i a , a t r i b u t o e m o d o sucedem-se p o r j u s t a p o s i ç ã o , e n ã o d e d u t i v a m e n t e , c o m o seria de esperar. T a m b é m os c o n c e i t o s convergentes
de
"causa de s i " e de " i n f i n i t o " , que r e f e r e m o v e r d a d e i r o A b s o l u t o , e n q u a n t o u n i d a d e d o c o n c e i t o e da e x i s t ê n c i a , n ã o s ã o e x p l o r a d o s na sua d i m e n s ã o e s p e c u l a t i v a , p o i s que, p a r a o a u t o r da " É t i c a " , o c o n c e i t o c a i f o r a d a
e s s ê n c i a , é p e r t e n ç a de u m a r e f l e x ã o e x t e r i o r , e n ã o aquela mesma, auto-constituindo-se c o m o efectividade, determinando-se
c o m o f i n i t a , para,
n a s u b j e c t i v i d a d e pensante, se r e t o m a r c o m o u n i v e r s a l .
E essa e x t e r i o r i d a d e d o pensar que i m p e d e a e x p o s i ç ã o espinozana d o
A b s o l u t o - que H e g e l passa agora a c o n s i d e r a r - de a l c a n ç a r o p l a n o p r o f u n d o d o c o n t e ú d o . O m o n i s m o de E s p i n o z a é c o m p a r a d o à F i l o s o f i a da
2 4
Cf. HEGEL, Vorl. Gesch. Phil., I I I , pp. 157-158.
2 5
Ibid., päg. 166; "Diese Spinozistische Idee ist wahrhaft, als begründet zuzugeben. Die
absolute Substanz ist das Wahre, aber ist noch nicht das ganze Wahre; sie muss auch
als in sich tätig, lebendig gedacht werden und eben dadurch sich als Geist bestimmen."
2 6
Ibid., päg. 172: "Er hat Definitionen aufgestellt, welche diese einfachen Gedanken
erklären, als Koncretes darstellen. Aber das Erforderleiche wäre gewesen, zu
untersuchen, ob dieser Inhalt wahraftig wäre."
A Leitura
Hegeliana
de Espinoza
e de
Leibniz
105
I d e n t i d a d e de S c h e l l i n g , que t a m b é m ela c o n s i d e r a c o m o subjectivas e
isentas de v e r d a d e as diferentes p e r s p e c t i v a ç õ e s , pelas quais a r a z ã o se
representa o A b s o l u t o . N ã o i n t e g r a n d o aquela neste, c o m o a t o t a l i d a d e
q u e se d e s e n v o l v e e m si mesma, a e x p o s i ç ã o espinozana p e r m a n e c e form a l , n ã o obstante r e f e r i r c o r r e c t a m e n t e os m o m e n t o s d o " c o n c e i t o " (a
t r í a d e s u b s t â n c i a , a t r i b u t o e m o d o , a que c o r r e s p o n d e a u n i v e r s a l i d a d e , a
p a r t i c u l a r i d a d e e a i n d i v i d u a l i d a d e ) e r e l e v a r a " a c t u a l i d a d e " da s u b s t â n cia, o seu d i n a m i s m o c o m o causa i m a n e n t e e n e c e s s á r i a de todas coisas.
É q u e o a u t o r d a " É t i c a " n ã o reconhece, n e m nos a t r i b u t o s n e m nas suas
d e t e r m i n i d a d e s f i n i t a s , u m a estrutura c o n s t i t u t i v a d o A b s o l u t o , inerente
ao p r o c e s s o d o seu a u t o - c o n h e c i m e n t o e e f e c t i v a ç ã o c o n c r e t a , mas t ã o
s o m e n t e a l g o evanescente, u m a n u l i d a d e que n ã o é " e m s i " , que desaparece na e s s ê n c i a o u n ã o se e l e v a a c o n c e i t o . Todas as d i f e r e n ç a s aca2 7
bam
p o r d i s s o l v e r - s e , p o r isso, na i n d i f e r e n ç a da i d e n t i d a d e absoluta,
p o i s q u e o i n d i v í d u o n ã o possui a c o n s i s t ê n c i a de u m e u , a u n i d a d e d a
c o n s c i ê n c i a de s i , que l h e i r i a reconhecer L e i b n i z , mas é somente u m
a g r e g a d o , u m a u n i ã o p r o v i s ó r i a de c o r p o s .
28
N o q u e d i z r e s p e i t o à m o r a l - a parte f u n d a m e n t a l da d o u t r i n a de
E s p i n o z a - , as suas v i r t u d e s e defeitos d e c o r r e m , e m l i n h a directa, d o
p e r f i l g e r a l d a sua o n t o l o g i a . H e g e l s a ú d a f a v o r a v e l m e n t e o seu c a r á c t e r
i n t e l e c t u a l i s t a , segundo o q u a l a v i r t u d e , a l i b e r d a d e e a b e a t i t u d e s ã o
f u n ç ã o d o c o n h e c i m e n t o adequado da verdade, e o seu i n v e r s o , das ideias
confusas e l i m i t a d a s dos sentidos e d a i m a g i n a ç ã o . C o m e f e i t o , pensa
2 9
B e n t o de E s p i n o z a que o s i m p l e s c o n h e c i m e n t o da S u b s t â n c i a ú n i c a e da
e t e r n a necessidade d a n a t u r e z a é s u f i c i e n t e para i n d u z i r p r a t i c a m e n t e o
e s p í r i t o f i n i t o ao a m o r de D e u s e nele reconhecer o a m o r i n t e l e c t u a l i n f i n i t o ao a m o r de D e u s reconhecer o a m o r i n t e l e c t u a l i n f i n i t o , c o m que
D e u s a si m e s m o se ama.
S ó que, se esta é a m o r a l m a i s p u r a , ela é t a m b é m a m a i s abstracta,
observa o f i l ó s o f o a l e m ã o . C o m efeito, a beatitude assim almejada n ã o
3 0
2 7
Ibid., päg. 179: "Das Einzelne als solches fällt in diese Modus (...). Es sind bloss
Modifikationem; was sich auf diesen Unterschied bezieht und dadurch besonders
gesetzt wird, ist nichts an sich. Jede Modifikation ist nur für uns, ausser Gott; sie ist
nicht an und für sich."
2 8
Ibid., päg. 177: "Gott ist die Einheit selbst (...). Und in dieser Einheit ist die
Beschränktheit der Subjektivität des Denkens und der Natürlichkeit untergegangen;
nur Gott ist, alle Weltlichkeit hat keine Wahrheit. Man würde also sein System besser
Akosmismus haben nennen können."
2 9
Ibid., päg. 190: "Man kann so sagen, es gibt keine erhabenere Moral, indem sie allein
dies fordert, ein klare Idee von Gott zu haben."
3 0
Ibid., päg. 192: "Denn Gott kann sich nur zum Zweck und zur Ursache haben; und die
Bestimmung des subjektiven Geistes ist, sich auf ihrer zu richten. Es ist dies so die
höchste, aber auch allgemeine Moral.".
Mafalda
106
de Faria
Blanc
é , c o m o professa o c r i s t i a n i s m o , a eterna b e m - a v e n t u r a n ç a de u m a a l m a
i n d e p e n d e n t e , que o b t e v e a s a l v a ç ã o d o seu Deus a t r a v é s de u m d i f í c i l
c o m b a t e c o n t r a o m a l , mas t ã o s ó a l i b e r t a ç ã o das p r i v a ç õ e s , d o males
i l u s ó r i o s inerentes à i n d i v i d u a ç ã o . E a s u b s t â n c i a , e m q u e o m o d o se
d i s s o l v e , t a m b é m n ã o é a pessoa, o e s p í r i t o c o n c r e t o d o D e u s c r i s t ã o ,
mas, à m a n e i r a da g n o s e o r i e n t a l , a i m p e s s o a l i d a d e d o U n o e t e r n o .
31
D a q u i a r r a n c a H e g e l p a r a u m a a v a l i a ç ã o geral da f i l o s o f i a de E s p i n o za, s e g u n d o t r ê s p o n t o s de v i s t a f u n d a m e n t a i s .
1. ° N ã o se t r a t a de u m a t e í s m o p a n t e í s t a - ateia esta f i l o s o f i a s ó o é
e n q u a n t o n ã o c o n c e b e D e u s c o m o e s p í r i t o - , p o i s que A q u e l e n ã o é u m
t e r m o n e g a d o e m p r o l d a natureza, mas a s u b s t â n c i a ú n i c a e m que se
a b i s m a o u n i v e r s o das d e t e r m i n a ç ã o f e n o m é n i c a s - a s u b j e c t i v i d a d e d o
p e n s a m e n t o e a n a t u r e z a - c o m o d e s t i t u í d a s de v e r d a d e e de r e a l i d a d e ,
d e v e n d o , p o r isso, c o m m a i s r i g o r designar-se c o m o acosmismo .
32
2. ° O m é t o d o m a t e m á t i c o - d e m o n s t r a t i v o de E s p i n o z a é u m c o n h e c i m e n t o m e r a m e n t e f o r m a l , p o i s que p r o v a a p a r t i r d o o b j e c t o , pressuposto
a t í t u l o de d e f i n i ç ã o (a e s s ê n c i a e n q u a n t o e x i s t e n t e ) , s e m o d e m o n s t r a r e
c o n c e b e r n a sua necessidade a t r a v é s da d e r i v a ç ã o das d e t e r m i n a ç õ e s , que
o constituem.
3. ° A s d e t e r m i n a ç õ e s s ã o entendidas c o m o n e g a ç õ e s e D e u s , c o m o o
p o s i t i v o , o a f i r m a t i v o e m e para s i , sem que E s p i n o z a p r e s s i n t a a
ção
da negação,
que o saber r a c i o n a l r e a l i z a n o conceito,
nega-
e que c o n s t i t u i
a verdadeira a f i r m a ç ã o , a forma infinita da espiritualidade e da liberdade.
P o r t e r c o n c e b i d o a n e g a ç ã o de u m m o d o i n c o m p l e t o , o a u t o r da " É t i c a "
n ã o i n t e g r o u o m o m e n t o d a c o n s c i ê n c i a de si e da p e r s o n a l i d a d e
essência. A alma individual,
como todo determinado, é u m a
na
simples
n e g a ç ã o , q u e d e v e r e d u z i r - s e à s u b s t â n c i a una, sem que a sua e x i s t ê n c i a
seja j u s t i f i c a d a na sua f a c t i c i d a d e . N a q u e l a absoluta
indiferenciação,
t o d o s os m o d o s se d i s s o l v e m , s e m que j a m a i s se e x p l i q u e a sua g é n e s e , o
seu d e v i r e o seu s e r .
33
3 1
Ibid., päg. 193; "Gegen die Spinozistiscne allgemeine Substanz empört sich die
Vorstellung der Freiheit des Subjekts; denn dass ich Subjekt, Geist bin usf., - das
Bestimmte ist nach Spinoza alles nur Modifikation."
-
Ibid., päg. 195; "Will man ihn aber Atheismus nennen nur deshalb, weil er Gott nicht
von der Welt unterscheidet, so ist dies ungeschickt; man könnte ihn vielmehr
ebensogut einen Akosmisten nennen. (...) Die Welt hat keine wahrhafte Wirklichkeit,
sondern alles dies ist in den Abgrund der einen Identität geworfen."
3 3
Ibid., päg. 196: "Das Negative ist als Nichts vorhanden (im Absoluten ist kein Modus);
(...) in se, in der Substanz (...) ist es gar nicht, nur sein Auflösen, nur seine Rückkehr,
nicht seine Bewegung, Werden und Sein. (...) Das Selbstbewusstsein ist nur aus
diesem Ozean geboren, triefend von diesem Wasser, d.h., nie zur absoluten Selbstheit
Kommend; das Fürsichsein ist durchbohrt, - es fehlt das Feuer."
12
A Leitura
Hegeliana
de Espinoza
e de
107
Leibniz
Desta unilateral a f i r m a ç ã o do momento da totalidade, e m detrimento
da individualidade, vai, conclui Hegel, surgir como r e a c ç ã o , a filosofia
de L e i b n i z - u m p l u r a l i s m o m o n a d o l ó g i c o , que j u s t a m e n t e i n t e g r a , c o m o
m o m e n t o f u n d a m e n t a l , a c o n s c i ê n c i a de si.
3.2. A filosofia de Leibniz
A s s i m c o m o E s p i n o z a , c o m o p o n t o de v i s t a da s u b s t â n c i a ú n i c a , elev o u a f i l o s o f i a ao seu v e r d a d e i r o p o n t o de p a r t i d a , o ser-em-si da u n i v e r s a l i d a d e abstracta, t a m b é m L e i b n i z , c o m o p r i n c í p i o m o n á d i c o
da
i n d i v i d u a l i d a d e d e t e r m i n a d a e m s i , e n c a m i n h o u a e s p e c u l a ç ã o para o seu
p o n t o de chegada, sem, p o r é m , n e m de l o n g e o a l m e j a r , u m a vez que a
sua m ó n a d a , fechada sobre s i , s e m n e x o real c o m as d e m a i s , é s ó o absol u t o ser-para-si d a i n d i v i d u a l i d a d e abstracta, n ã o o ser-em e para-si da
universalidade concreta, a singularidade do conceito absoluto .
34
O e r r o de L e i b n i z , o que o i m p e d i u de v e r m a i s l o n g e o sentido da
v e r d a d e i r a i n d i v i d u a l i d a d e f o i o seu p o n t o de p a r t i d a -
a pluralidade
a b s o l u t a . O c a m i n h o c e r t o para r e e n c o n t r a r a u n i d a d e , o p r i n c í p i o da
c o n t i n u i d a d e , d a i n t e r a c ç ã o das s u b s t â n c i a s estava-lhe
impedido pelo
d u a l i s m o cartesiano d a r e p r e s e n t a ç ã o e d a e x t e n s ã o . Restava o a r t i f í c i o
de u m a u n i d a d e p o s t u l a d a "ad h o c " c o m o garante da c o e s ã o h a r m ó n i c a
d o t o d o - D e u s que, s e m ser e x t e r i o r , é t o d a v i a o u t r o que o u n i v e r s o .
3 5
P o r q u e n ã o soube, t a m b é m ele, d e s e n v o l v e r o p o n t o de v i s t a da s í n t e se, L e i b n i z acabaria d o l a d o de E s p i n o z a , a b s o r v e n d o n u m a u n i d a d e ideal
a a n t e r i o r p l u r a l i d a d e , sem p o d e r e x p l i c a r c o m o é que d e l a e m e r g e o
múltiplo:
"Ele n ã o soube sintetizar na unidade a s e p a r a ç ã o no conceito, que vai até
à destituição de si mesmo, até ao manifestar-se sob a a p a r ê n c i a de uma
substantividade d i s t i n t a . "
36
3 4
Ibid., pág. 233: "Das Grundprinzip des Leibniz ist das Individuelle. So macht er die
andere Seite der Spinozistischen Mitte, die Individualität, das Fürsichsein, die
Monade, aber die gedachte, - nicht als Ich, nicht den absoluten Begriff."
E mais adiante, afirma a título de conclusão, na pág. 255: "Es ist ein Künstliches
System, das auf den Verstandeskategorien des Absolutseins der Vielheit, der
abstradkten Eizelheit begründet ist."
3 5
Ibid., pág. 255: "Es ist eine Metaphysik, die von einer beschränken Verstandesbestimmung ausgeht; dies ist die absolute Vielheit, so daz der Zusammenhang nur als
Kontinuität auf gefasst werden kann. Dadurch ist schon die absolute Einheit
aufgehoben, aber sie ist vorausgesetzt; und die Vermittlung der Einzelnen miteinander
ist nur so zu erklären, dass es Gott ist, der die Harmonie in den Veränderungen der
Einzelnen bestimmt."
3 6
Ibid., pág. 253: "Die Trennung im Begriffe, die bis zum Entlassen aus sich selbst geht,
108
Mafalda
de Faria
N a e x p o s i ç ã o detalhada da filosofia
Blanc
de L e i b n i z ,
q u e passaremos a
e x p o r nos seus p o n t o s m a i s s i g n i f i c a t i v o s , o autor das " L i ç õ e s " refere,
s u c e s s i v a m e n t e , os p o n t o s de v i s t a a c i m a i n d i c a d o s , das m ó n a d a s i n d i viduais e do sistema m o n a d o l ó g i c o ideal, relevando, do p r i m e i r o , o interesse p r i n c i p a l da a n t e c i p a ç ã o d o " c o n c e i t o " , mas t a m b é m as suas i n s u f i c i ê n c i a s e, d o segundo, o p o n t o de c o n f l u ê n c i a das c o n t r a d i ç õ e s d a q u e le, o retrocesso à t e o l o g i a , o l u g a r d a
ininteligibilidade.
N o q u e à m ó n a d a d i z respeito, H e g e l s a ú d a os p r e d i c a d o s da p u r a
a c t i v i d a d e e d a d e t e r m i n a ç ã o i m a n e n t e , c o n d i ç ã o de u m a v e r d a d e i r a d i s t i n ç ã o e i n d i v i d u a ç ã o das s u b s t â n c i a s . A d i f e r e n ç a , a ser r e a l , deve r e l e v a r d a c o i s a e l a m e s m a e n ã o de u m a c o m p a r a ç ã o e x t e r i o r .
3 7
L e i b n i z p e n s o u , de m o d o p r o f u n d o , a d e t e r m i n i d a d e c o m o representaç ã o ( " p e r c e p t i o " ) i n t e r i o r à e s s ê n c i a da s u b s t â n c i a e p o r e l a c o n t i n u a mente
modificada, enquanto
actividade e s p o n t â n e a ,
m o v i d a por
uma
a p e t ê n c i a ( " a p e t i t u s " ) . A m ó n a d a u n i f i c a - s e à m e d i d a que se d i f e r e n c i a e
i n v e r s a m e n t e , s e m n u n c a p e r d e r a sua s i m p l i c i d a d e ; ela c o n s t i t u i , e m si
m e s m a , u m t o d o i d e a l de r e p r e s e n t a ç õ e s , u m u n o - m ú l t i p l o , essa d i f e r e n ç a a b s o l u t a , a que H e g e l , d á o n o m e de " c o n c e i t o " , e nisso consiste, a seu
ver, o "interesse p r i n c i p a l " , a a n t e c i p a ç ã o genial da filosofia l e i b n i z i a n a .
38
Q u a n d o , p o r é m , passa à e l a b o r a ç ã o c o n c r e t a da sua o n t o l o g i a , o f i l ó sofo v a i p r e t e r i r o p o n t o de v i s t a s i n t é t i c o , e m f a v o r de u m a
meramente
unidade
f o r m a l . D i s t i n g u e , assim, a u n i d a d e i n t e r i o r d o v i v e n t e d o
m e r o a g r e g a d o i n o r g â n i c o , a t r a v é s da p r e s e n ç a n a q u e l e de u m a " e n t e l é q u i a " o u m ó n a d a d o m i n a n t e , s e m v e r que se t r a t a de u m a n o ç ã o i m p r ó p r i a , u m a v e z q u e todas as m ó n a d a s s ã o independentes;
tal c o n t r a d i ç ã o
s ó teria sido resolvida c o m a e x p l i c i t a ç ã o daquela c o m o m ó n a d a englobante, c a p a z de se s o b r e p o r à s outras e de r e d u z i r o seu ser e m si a a l g o
de n e g a t i v o . I n c o r r e , a i n d a , L e i b n i z e m a n á l o g o e r r o , ao caracterizar a
3 9
a c t i v i d a d e i n t e l e c t u a l das m ó n a d a s conscientes p e l a a n á l i s e das represent a ç õ e s e r e d u ç ã o de todas as d i f e r e n ç a s a c o n c e i t o s e p r i n c í p i o s gerais,
s e g u n d o u m a l e i de i d e n t i d a d e f o r m a l - o que c o n s t i t u i p r e c i s a m e n t e
a
dem Scheinen in unterschiedene Selbständigkeit, hat er nicht in die Einheit zusammenzufassen gewusst"
3 7
Ibid., päg. 241: "Der Unterschied muss Unterschied an ihm selbst sein, nicht für
unsere Vergleichung, sondern das Subjekt muss an ihm selbst diese eigene Bestimmung haben: die Bestimmung muss dem Individuum immanent sein."
^
Ibid., päg. 243: "Diese Idealität in der Monade ist in ihr selbst ein Ganzes, so dass
diese Unterschiede nur Vorstellungen sind. Dies ist das Interessante der Leibnizischen
Philosophie."
3 9
Ibid., pp. 245-246: "Hätte Leibniz sich nicht mit dem Worte Herrschaft beholfen unf
dies eben näher entwickelt, so hätte eben diese übergreifende Monade die anderen
aufgehoben, als negativ gesetzt (...)."
A Leitura
Hegeliana
de Espinoza
e de
109
Leibniz
n e g a ç ã o da r e l a ç ã o e d o "conceito", entendido, à maneira
hegeliana,
c o m o u n i d a d e de d i f e r e n ç a s . N o t o p o d a a n á l i s e , encontra-se a M ó n a d a
4 0
a b s o l u t a o u d i v i n a , c o m o algo d i s t i n t o daquelas m ó n a d a s , c u j a u n i d a d e é
d e f i n i d a , p o r u m l a d o , à m a n e i r a f o r m a l d a e s s ê n c i a mais g e r a l , p o r o u t r o
l a d o , c o m o u n i d a d e de c o n t r á r i o s ( p o t ê n c i a e a c t o ) , p o r é m " à m a r g e m de
t o d o o c o n c e i t o " . P o s t u l a d a , mas n ã o c o m p r e e n d i d a n a sua a r t i c u l a ç ã o
41
c o m a m u l t i p l i c i d a d e , a U n i d a d e d i v i n a é , n a f i l o s o f i a de L e i b n i z , esse
l u g a r a t ó p i c o d a s o l u ç ã o das c o n t r a d i ç õ e s registadas, mas n ã o r e s o l v i d a s ,
ao n í v e l d o f i n i t o .
4 2
O
princípio
de i n d i v i d u a ç ã o , c o n v e n i e n t e m e n t e
pensado, c o n t i n h a
p o t e n c i a l bastante p a r a d e s e n v o l v e r c o m c o e r ê n c i a a e v o l u ç ã o a u t ó n o m a
d o u n i v e r s o , s e m o recurso a r t i f i c i a l à o n t o - t e o - l o g i a . B a s t a r i a , para t a l ,
t e r d e s e n v o l v i d o o p r i n c í p i o d a espontaneidade a p e t i t i v a d a m ó n a d a , resp o n s á v e l pela e v o l u ç ã o d a r e p r e s e n t a ç ã o d a t o t a l i d a d e nela. P o r é m , era
f u n d a m e n t a l n ã o fechar a m ó n a d a sobre s i , n ã o a i m p e d i r de c o m u n i c a r ,
de i n t e r a g i r c o m outras - m o r m e n t e o c o r p o e os seus m o v i m e n t o s - ,
p a r a q u e a r e p r e s e n t a ç ã o ganhasse i n f l u x o e c o o r d e n a ç ã o c o m o restante
c o n j u n t o das m ó n a d a s .
4 3
N ã o f o i esse, c o m o é sabido, o c a m i n h o t r i l h a d o p o r L e i b n i z . O p r i n c í p i o d a i n c o m u n i c a b i l i d a d e das s u b s t â n c i a s
d i r e c ç ã o dos o u t r o s cartesianos
obrigou-o a inflectir na
a sua f i l o s o f i a ,
buscando
e m Deus o
garante, mais p o s t u l a d o d o q u e c o m p r e e n d i d o , d a c o e s ã o ú l t i m a entre as
partes subsistentes e a u t ó n o m a s d o u n i v e r s o . E m c o n t r a p a r t i d a , o p o n t o
de v i s t a i n i c i a l d a i n d i v i d u a l i d a d e s u b s t a n t i v a e a u t ó n o m a é p r e t e r i d o ,
p a r a se c o n v e r t e r e m a l g o i d e a l e ser a b s o r v i d o p o r D e u s " .
4 4
I n c a p a z de a r t i c u l a r i n t r i n s e c a m e n t e a t r a j e c t ó r i a das r e p r e s e n t a ç õ e s e
a das coisas externas, a t r a v é s d a c a t e g o r i a de a c ç ã o r e c í p r o c a , o f i l ó s o f o
falharia o p r i n c í p i o do desenvolvimento d i n â m i c o e a u t ó n o m o do univer-
4 0
Ibid., pp. 246-247: "Die Analyse ist eben die beliebte Vorstellung von Auflösung in
einfache Begriffe und Sätze, - eine Auflösung, die ihre Beziehung vernichtet, also in
der Tat einen Übergang in das Entgegengesetzte macht, ohne Bewusstsein darüber zu
haben, und darum auch den Begriff ausschliesst."
4 1
Ibid., päg. 247: "(...) es ist die Einheit der Möglichkeit und Wirklichkeit, aber auf
begrifflose Weise."
4 2
Ibid., päg. 255: "Soweit Gedanken fortgehen, so weit das Universum; wo das
Begreifen aufhört, hört das Universum auf, und es fängt Gott an (...). Es wird von
Bestimmtem ausgegangen: dies und jenes ist notwendig, aber wir begreifen die Einheit
dieser Momente nicht; diese fallt dann in Gott. Gott ist also gleichsam die Gosse,
worin alle die Widersprüche zusammenlaufen."
«
Cf. Ibid., päg. 254.
4 4
Ibid., päg. 254: "Vor Gott waren sie nicht selbständig; in Gott sind sie absorbiert,
ideell."
110
Mafalda
de Faria
Blanc
so, v e n d o - s e o b r i g a d o a delegar n a T r a n s c e n d ê n c i a essa f o r ç a primitiva
activa ( v i s p r i m i t i v a a c t i v a ) , que c o m e ç a r a p o r a t r i b u i r à m ó n a d a .
T u d o nos f a z crer, que H e g e l c o n c o r d a r i a e m a p r o x i m a r a h a r m o n i a
p r é - e s t a b e l e c i d a de L e i b n i z do o c a s i o n a l i s m o de M a l e b r a n c h e . E t o d a v i a ,
nunca o nome do Oratoriano é referido, talvez porque, c o m o afirmara o
a u t o r das " L i ç õ e s " , n o i n í c i o das breves p á g i n a s a ele consagradas:
"A fdosofia de Malebranche tem exactamente o mesmo c o n t e ú d o do espinozismo, só que exposto de outra forma, de um modo mais piedoso, mais
teológico." .
45
M a i s do que simplesmente
omitido, podemos
c o n s i d e r a r , assim,
o
n o m e de M a l e b r a n c h e s u b e n t e n d i d o , s e m p r e que E s p i n o z a é c h a m a d o a
s i t u a r a f i l o s o f i a de L e i b n i z . É que este é , para H e g e l , u m n o m e b e m mais
sonante, p o i s q u e o r i g i n a l m e n t e r e p r e s e n t a t i v o do p r i n c í p i o de totalidade,
c o m que c o n t r a s t a o i g u a l m e n t e u n i l a t e r a l p r i n c í p i o l e i b n i z i a n o d a individualidade - c o m o esperamos t ê - l o m o s t r a d o ao l o n g o destas p á g i n a s .
RESUME
L A L E C T U R E H E G E L I E N N E D E SPINOZA E T D E L E I B N I Z
L a lecture hegelienne des philosophies de Spinoza et de Leibniz est presentee
par ['analyse comparative des textes de l'"Anotation" de la Science
et des Legans sur l'Histoire
de la
de la
Logique
Philosophie.
On conclut que les contextes et les dates differentes des deux textes ne chan¬
gent pas le fond de l'interpretation hegelienne des deux cartesiens, laquelle
mesure par rapport ä sa propre conception de l'Absolu ces deux philosophies,
comprenant leur principe - unilateral et contradictoire - de la totalite (Spinoza) et
de l'individualite (Leibniz) comme un moment indispensable, mais depasse, de
l'auto-conception de lTdee.
Ibid., päg. 197: "Ein Form, die dem Spinozismus an der Seite steht und auch eine
vollendete Entwicklung der Cartesianischer Philosophie ist, ist die Form, in der
Malebranche diese Philosophie vorgestellt hat; es ist Spinozismus in anderer, frommer,
theologischer Form."
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A LEITURA HEGELIANA DE ESPINOZA E DE LEIBNIZ Mafalda de