Venerando Juiz Presidente
Tribunal de Recurso
Dr. Cláudio Ximenes
Díli, 25 de Janeiro de 2013
Processo n.o 580/CO/TDD
54/CO/2012/TR
O magistrado do MINISTÉRIO PÚBLICO, notificado para se pronunciar sobre o pedido de Habeas Corpus formulado pela Defensoria Pública em representação da condenada Lúcia Maria Brandão Freitas Lobato vem, ao abrigo do disposto no art.o 206o, n.o 2, do CPP, dizer o seguinte:
Questão Prévia
Salvo o devido respeito, mas o pedido formulado pela Defensoria Pública, sob a capa de habeas corpus, na realidade outra coisa não é, que a tentativa desesperada da formulação de mais um recurso, quando todas as vias ordinárias e extraordinárias já foram esgotadas.
A providência de habeas corpus destina­se à verificação das situações elencadas no art.o 205o, n.o 2, alíneas a), b), c) e d), do CPP e não reapreciar nulidades do Acórdão do Rua de Colmera, C. P. n.o 34, Dili, Timor-Leste – Tel: 3331365; Fax: 3331147
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Venerando Tribunal de Reurso, já amplamente discutidas, analisadas e decididas a final.
DA ILEGALIDADE DA PRISÃO DA CONDENADA
A providência excepcional de habeas corpus não se substitui nem pode substituir­se aos recursos ordinários, ou seja, não é nem pode ser meio adequado de pôr termo a todas as situações de ilegalidade da prisão. Está reservada, quanto mais não fosse por implicar uma decisão verdadeiramente célere, mais precisamente “no prazo de cinco dias subsequentes”, ut art.º 206º, n.º 3, do Código de Processo Penal, aos casos de ilegalidade grosseira, porque manifesta, indiscutível, sem margem para dúvidas, como o são os casos de prisão “efectuada por entidade incompetente”, “motivada por facto pela qual a lei não permita a sua aplicação”, “mostrarem­se ultrapassados os prazos máximos de duração, nomeadamente as setenta e duas horas para apresentação do detido”, ou para além dos prazos fixados na lei ou decisão judicial, e finalmente “manter­se fora dos locais legalmente permitidos”. Ao habeas corpus em virtude de prisão legal, faz referência o artigo 205º, do CPP. O objectivo é a apreciação da legalidade da prisão a que a pessoa está submetida. Um requisito fulcral desta apreciação é o de que a prisão sob a qual aquela versa seja actual e seja ilegal.
O n.º 1, do art.o 205o, do CPP estipula que: “Qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente detida ou presa pode requerer ao Supremo Tribunal de Justiça, por si ou por qualquer pessoa no gozo dos seus direitos políticos, que lhe seja concedida a providência de habeas corpus”. Esta ilegalidade da detenção ou prisão vem taxativamente enumerada nas alíneas a), b), c) e d), do n.º 2, do aludido artigo.
Delas decorre que a detenção ou prisão é tida como ilegal se foi efectuada ou ordenada por uma entidade que não tinha competência para tal, ter sido motivada por facto pelo qual a lei não permite (inadmissibilidade substantiva), quando se mantiver para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial (insubsistência de pressupostos) e ainda se se mantém fora dos locais permitidos por lei. Analisemos agora cada uma das alíneas supra apontadas. A alínea a) estabelece que a prisão é ilegal quando “efectuada por entidade incompetente”. O que se quer dizer com isto é que se for uma outra entidade, que não um juiz a ordenar a prisão, seja ela preventiva ou em cumprimento de pena, a mesma é ilegal. Ressalva­se o caso de a privação da liberdade à ordem de qualquer outra entidade que não um juiz, caso em que a prisão só é válida se o detido lhe for presente (ao juiz). De uma maneira ou de outra, é impossível conceber a prisão sem a intervenção de um juiz. A efectivação da prisão compete aos órgãos de polícia criminal e antes deve ser emitido um mandato. A alínea b) determina que haverá ilegalidade quando a prisão seja “motivada por facto pelo qual a lei a não permite”.
Nem todas as prisões ordenadas pelo juiz são ilegais, podendo este, fazendo uma errada aplicação do direito, determinar a pena de prisão. Imagine­se o caso de o juiz ordenar uma pena de prisão sem que esteja a decorrer um processo. A alínea c) considera a Rua de Colmera, C. P. n.o 34, Dili, Timor-Leste – Tel: 3331365; Fax: 3331147
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prisão ilegal quando se mantenha “para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial”. Os prazos legais correspondem aos fixados pela lei para a duração máxima da prisão preventiva, os prazos por decisão judicial correspondem aos fixados pelo juiz na determinação da pena na sentença condenatória. Estes prazos também abrangem situações em que, porque se extinguiu a responsabilidade criminal, deve cessar a execução da pena. Seja qual for o caso, necessário é que dele resulte uma violação directa e substancial, em contrariedade imediata e patente com a lei. Há quem considere estes limites demasiado apertados, em proporção com o bem que esta figura visa proteger – o direito à liberdade física.
A natureza residual reside nisto mesmo. No facto do habeas corpus ter um campo de aplicação muito reduzido: as situações que lhe dão lugar são as acima referidas, e só estas. Nas palavras do Juiz Conselheiro do STJ, Fisher Sá Nogueira, “a maior parte das pessoas não sabe o que é o instituto do habeas corpus. As pessoas estão convencidas que em qualquer circunstância podem reagir contra uma prisão. Ora não é bem assim. A via normal é o recurso e o nosso sistema é muito restritivo, funcionando somente em 3 situações muito concretas”.
Pensamos, na nossa humilde condição, que este numerus clausus de aplicação do habeas corpus consagrado no CPP cria uma restrição ao habeas corpus tal como está constitucionalment definido.
Na realidade, havendo uma decisão judicial que ordena a detenção, a prisão preventiva ou o cumprimento da pena por determinada pessoa, dessa decisão cabe recurso nos termos gerais e, não um pedido de habeas corpus, este de natureza bem distinto do recurso.
Habeas Corpus mais não é do que um instrumento na concretização do direito fundamental à liberdade, sendo assim uma garantia privilegiada do direito à liberdade física.
Nas palavras de Germano Marques da Silva temos que: “o habeas corpus é uma providência extraordinária para protecção da liberdade e não um processo de reparação de direitos ofendidos”. 1
Trata­se de um meio extraordinário de impugnação contra detenções ilegais, que visa provocar a intervenção do poder judicial contra abusos da autoridade, particularmente policial, não constitui no ordenamento jurídico timorense um recurso dos recursos e muito menos um recurso contra os recursos.
Não pode servir de meio de impugnação contra decisões judiciais devidamente fundamentadas, proferidas com todas as garantias de defesa e do exercício do contraditório.
E para que se conserve a sua essência e natureza excepcional tem de haver uma acrescida exigência no seu uso, rigor na sua formulação e oportunidade no seu desencadeamento, sob pena de se transformar numa via alternativa de reacção processual às decisões com que se não conforma. 1
Curso de Processo Penal, vol. 2 o, pág. 260.
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Todavia, Vossa Excelência decidirá em seu alto e esclarecido critério consoante for de J U S T I Ç A
Cidade de Dili, 25 de Janeiro de 2013
A magistrada do Ministério Público
/ Angelina Saldanha /
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