População e Mudanças Climáticas em Zonas Costeiras: implicações
sobre a gestão costeira.
A constatação de que as zonas costeiras ao redor do globo concentram
crescentes populações humanas e atividades econômicas não é nova.
Grandes concentrações urbanas estão próximas ao litoral e contêm portos,
praias atrativas para turistas e importantes plantas industriais. Esses espaços
urbanos são marcados por uma ocupação intensa e por mudanças ambientais
decorrentes de atividades humanas, que implicam em uma série de riscos às
populações e às atividades que ali são realizadas. Essa produção particular do
espaço, condicionada pela atração da localidade e por processos ambientais
de transição entre o oceano e o continente, dão ao ambiente costeiro um status
de lugar privilegiado e frágil, foco de uma ocupação que concentra
desigualdades, oportunidades e riscos em várias partes do planeta (KRON,
2008). Desigual na organização do espaço, que privilegia camadas de maior
renda. Fonte de oportunidades, na atratividade de suas áreas para o turismo e
na facilidade da implantação de indústrias e portos. Mas também riscos, pois
mesmo que em proporções e dimensões específicas, os diferentes grupos
populacionais estão sujeitos aos perigos ambientais, com destaque às
inundações intensas, ressacas e elevação do nível do mar.
Tais riscos tendem a sofrer um acréscimo no futuro. Durante as últimas
décadas, as estimativas do aquecimento global do clima apontadas pelo IPCC
(2007) confirmaram a constante alteração climática pela qual o planeta passou
ao longo de sua história, e trouxeram um conjunto maior de evidências de que
no momento atual, as mudanças climáticas em escalas globais, induzidas por
um aumento das temperaturas médias, ocorrem em ritmo acelerado, trazendo,
portanto, novas e diferenciadas situações de risco para as populações,
acarretando em mudanças nas suas vulnerabilidades. Assim, as zonas
costeiras estarão expostas não só a processos de mudanças climáticas, mas
também ambientais, que implicarão na intensificação dos riscos ambientais
existentes na costa e que afetarão a dinâmica desse espaço.
Tendo esse cenário como base, o objetivo desse artigo é discutir as
implicações de tais mudanças à dinâmica populacional, ou seja, identificar os
principais aspectos que estão sendo considerados na literatura nacional e
internacional acerca da relação entre dinâmica populacional e mudanças
ambientais nos espaços costeiros. Para isso discute-se o que é considerado
como zona costeira, qual e como é a dinâmica populacional nesses espaços e
quais são as implicações da relação entre população e ambiente para a gestão
e a criação de políticas públicas na zona costeira.
Busca-se incorporar análises feitas em diversas escalas, passando pela
global, regional, nacional e local. Porém, o foco está no espaço do Brasil.
Nossa hipótese é a de que a população já é incluída como uma variável
importante nos estudos relativos à zona costeira, porém ainda são poucos os
estudos que captam a sua dinâmica, que efetivamente incorporam mecanismos
de análise capazes de elucidar o movimento e a complexidade da população
humana dentro desse espaço e assim subsidiem melhor as políticas públicas.
Nesse sentido, é possível verificar uma série de estudos que analisam a
presença humana nas costas ao redor do globo. Martinez et al. (2007), por
exemplo, observam os fatores ecológicos, econômicos e populacionais dessas
áreas, considerando como costeiras as áreas distantes em até 100 km ao mar.
Os resultados indicam que ecologicamente a diversidade é característica
marcante e um suporte aos serviços e produtos advindos dos ecossistemas
costeiros, bens valiosos para as sociedades de diversos países, e que em
termos populacionais, residiam nas costas, em 2003, 2,385 bilhões de pessoas
(41% da população mundial). Nesse caso, um dado importante do estudo está
na realização de projeções populacionais, permitindo analisar melhor o
crescimento esperado da população e do seu impacto sob o ecossistema.
Na América Latina, McGranahan et al. (2007), observam que uma das
regiões que sofrerão mais diretamente os impactos da elevação do nível do
mar são as “zona costera de baja altitude”, delimitadas como aquelas com até
10 metros de altitude, localizadas em qualquer distância horizontal à linha
costeira, onde vivem 33,2 milhões de pessoas na América Latina e Caribe. Em
termos absolutos, o Brasil é o país com a maior área e população na costa,
com aproximadamente 11 milhões de pessoas e 122 mil km², respectivamente.
Já proporcionalmente, os países do Caribe possuem as maiores populações e
áreas nesse espaço.
No Brasil, a grande importância das zonas costeiras é refletida em uma
série de aspectos: na valorização de seus ecossistemas, nas existentes infraestruturas de transporte, e na própria dinâmica populacional desse espaço (que
certamente está relacionada aos tópicos anteriores).Apesar de tais questões
serem intrinsecamente relacionados ao padrão de uso do espaço e à dinâmica
da sociedade como um todo, ao estudar as zonas costeiras notamos que a
compreensão da dinâmica da população nesse espaço ainda é escassa.
Nesse contexto, o Ministério do Meio Ambiente do governo brasileiro
organizou alguns importantes avanços para o entendimento e gestão das
zonas costeiras do país. Destacam-se o Projeto de Gestão Integrada da Orla
Marítima – Projeto Orla, que busca articular práticas patrimoniais e ambientais
com o planejamento de uso e ocupação desse espaço, e o Macrodiagnóstico
da Zona Costeira e Marinha do Brasil, que trata dos diversos assuntos
relacionados ao gerenciamento costeiro (MMA, 2008), incluindo tópicos da
dinâmica populacional e relacionando-o com o ambiente através da análise do
risco ambiental dessas populações.
Como principais conclusões, observamos que a população é incluída em
diversos estudos sobre a zona costeira, mas dificilmente são analisados mais
do que o total de volume de pessoas deste espaço. No entanto, estudos em
escalas mais detalhistas examinam mais enfaticamente a dinâmica
populacional, com um nível de precisão maior, já que ocorre a adoção de uma
gama maior de critérios, incluindo tanto características qualitativas como
quantitativas das áreas que serão consideradas costeiras, criando assim,
condições mais claras de subsidiar políticas públicas mais adequadas a gestão
da zona costeira e que considerem a dinâmica demográfica das pessoas nesse
espaço.
Principais referências bibliográficas
IPCC – INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE. Climate
Change 2007: The Physical Science Basis, Summary for Policymakers. 2007
KRON, W. Coasts – The riskiest places on Earth. In: International Conference on
Coastal Engineering (ICCE), September 2008, Hamburg, Germany.
MARTINEZ, M. L. et al. The coasts of our world: Ecological, economic and social
importance. Ecological Economics, Vol 63, No 2-3, pgs. 254-272, 2007.
MCGRANAHAN, G., BALK, D., ANDERSON, B. Cambio Climático y asentamientos
humanos en zonas costeras de baja altitud en América Latina y el Caribe. Medio
Ambiente e Urbanización, n. 67, IIED-AL, Buenos Aires, pp. 5-24, 2007.
MMA. Macrodiagnóstico da Zona Costeira e Marinha do Brasil. Brasília, 2008. 241p.
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