revista do tribunal de contas DO ESTADO de minas gerais
outubro | novembro | dezembro 2011 | v. 81 — n. 4 — ano XXIX
Transparência e responsabilidade na
gestão pública*
Maria Coeli Simões Pires
Advogada. Mestre e Doutora em Direito. Professora Adjunta
de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da UFMG.
Secretária de Estado da Casa Civil e de Relações Institucionais
de Minas Gerais.
Resumo: No bojo da ampla discussão do tema da governança, insere-se a nova arquitetura
político-administrativa de difusão do poder decisório, chamada, no Estado de Minas Gerais,
de Estado em Rede. A modelagem parte de múltiplos pressupostos e baseia-se em diversos
princípios, dentre eles os de subsidiariedade, flexibilidade, coordenação e participação
democrática, sintonizando-se com o que há de mais avançado na administração pública do século
XXI. Considerando o desafio da incorporação dos instrumentos de “empoderamento”, o modelo
preordena-se para promover o diálogo, notadamente o intragovernamental, e a capilarização
da governança e da autoridade no território. Em Minas Gerais, busca-se a possibilidade da
participação qualificada da sociedade civil, sem fragilizar o núcleo rígido da autonomia
administrativa. A implantação do modelo corresponde a um 3° estágio da Administração Pública
no Estado, sucedendo à primeira geração do Choque de Gestão, com ênfase fiscal, e à segunda,
de Estado para Resultados. Suas fundações normativas constam na Lei Delegada n. 180, que emite
comando para a integração de órgãos e entidades da Administração Pública Estadual. Destaca-se
ponto fundamental das redes — precisam ser, a um só tempo, efetivas e transparentes quando
atuam — a transparência responde como antídoto à desconfiança estrutural das sociedades
modernas. Deve-se considerar que o despertar do cidadão para a cena política, ao contrário do
suposto, é lento e angustiante, o que representa grande desafio para o Estado e a Sociedade.
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PIRES, Maria Coeli Simões. Transparência e responsabilidade na gestão pública. In: SEMINÁRIO DO TRIBUNAL DE CONTAS DE MINAS
GERAIS, 2011, Belo Horizonte. Estado em Rede e transparência. Belo Horizonte: TCEMG, jun. 2011
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Palavras-chave: Estado em Rede. Governança. Organização do Estado. Modelagem da
Administração Pública.
Doutrina
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1 Origens da democracia e ressentimento histórico em face da ausência
de participação direta. Tentativas trágicas de conciliação
Como sabem todos, a democracia contemporânea tem raízes romanas, não helênicas ou
gregas. O progresso humano, que repercute sobre as dimensões culturais, mas, também,
físicas e geográficas do Estado, afasta, por incompatibilidade fática, a democracia direta
em sua forma pura. Uma espécie de destino trágico, com o qual a política ainda não se
conciliou. Muitas foram as tentativas. Instituíram-se mecanismos de participação direta
circunstancial, tais como o referendum, o plebiscito, o recall, a proposta de lei popular. Em
certos contextos, como nos cantões suíços, sua aplicação surtiu efeitos de uma panaceia,
de um bálsamo despejado sobre uma crepitante fogueira de etnias, línguas e culturas. No
extremo oposto, na vanguardista Califórnia, a democracia direta, desde sua manifestação
mais proeminente, que foi a Proposition 13, conduziu a efeitos antípodas: a bancarrota do
Estado, o endividamento e as rupturas e as sucessões corriqueiras no poder. Tomem-se daí as
dificuldades de construção de uma estrutura de governança que seja capaz de atender, ou
apenas aplacar, esse ressentimento político da democracia participativa.
A República Romana de Cícero, porém, realiza, paradoxalmente, um projeto grego, que é o
projeto platônico. Uma República que se arrima na representação.
De outra parte, conquanto se tenha atualizado o projeto republicano, ressente-se, não com
pouca frequência, da participação direta, da determinação dos cidadãos quanto aos rumos
da coletividade. Um ressentimento que é histórico, porque cultural. Os trabalhos que,
desde a década de 70, tratam do tema da governança buscam, em substância, abordar esse
ressentimento, sem, contudo, pôr às claras suas razões últimas, as quais, antes de possuírem
raízes ideológicas, deitam fincas no campo social.
2 Teoria da Governança ou do Estado em Rede. Concepção da modelagem:
pressupostos e princípios
O Estado em Rede, sob denominações diversas, é uma arquitetura político-administrativa
de difusão do poder decisório da esfera pública em uma rede articulada de governança, na
qual o ente estatal compartilha sua autoridade internamente e com instituições, instâncias,
organizações e atores diversos, conexionados por pontos nodais que sustentam múltiplas
relações de distensão do poder em lógica pluricêntrica.
Nessa arquitetura, o poder do Estado tem centralidade, mas não pode assumir caráter estático
nem se apresentar infenso às tensões da rede. O modelo busca superar o padrão administrativo
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centralizado e projetar relações abertas, notadamente Estado-sociedade e Estado-cidadão.
Esse modelo constrói sua base de legitimidade por meio de um processo de devolução do Estado
e do poder para a sociedade.
2.1 Paradoxo: Estado em Rede, construção ou desconstrução do Estado
administrativo?
Sabe-se que a estruturação de um complexo institucional administrativo público internamente
diferenciado e autônomo é uma aquisição evolutiva da modernidade.
Nas sociedades pré-modernas, direito, religião, moral, política e família formavam um bloco
indistinto.
Um olhar retrospectivo pode identificar, naquelas sociedades, tão somente equivalentes
funcionais da administração da atualidade, sob a forma de domínios burocráticos no desempenho
de certas atividades. Não havia, portanto, um Estado e uma administração pública organizados.
Só a modernidade e a diferenciação funcional da sociedade em sistemas parciais dotados de códigos
e linguagens específicos foram capazes de criar as bases para a separação do direito, do Estado, e
da função administrativa do amálgama tradicional, dando corpo, então, sob o prisma dessa função,
ao Estado administrativo, como esfera operativa estatal autônoma e vinculada à lei.
O Estado administrativo, correspondente ao sistema funcional administrativo, por sua vez,
assumiu sucessivas modelagens, seja refletindo a própria mudança de concepção política,
seja por apelo ínsito às necessidades operacionais e materiais da função administrativa, nos
sucessivos cenários paradigmáticos.
Projeta-se, hoje, o chamado Estado em Rede, que se desenvolve à luz do paradigma democrático,
com ênfase nos eixos da governança participativa e de administração para a cidadania. Como
já explicitado, um Estado que busca rever seu próprio processo de autonomia e as bases de sua
legitimidade.
Seria o Estado em Rede uma ameaça de desconstrução do Estado administrativo, como dito,
uma aquisição evolutiva da modernidade? Eis uma primeira pauta para a reflexão. A resposta
não é singela.
Em face dessa perplexidade, devem ser analisados os cenários e os pressupostos de um Estado
em Rede; em outra dicção, devem ser alinhados os elementos ou fundamentos que dão suporte
a tal modelagem.
2.2 Pressupostos
O Estado em Rede sustenta-se em múltiplos pressupostos:
1) sociológicos, da sociedade em rede;
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2) jurídicos, na quinta geração de direitos, vocacionados para a inserção do cidadão e
da governança no mundo virtual, e no campo da hermenêutica crítica, com subsídio da
teoria da linguagem;
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3) político-democrático e jurídico-constitucional, na autocompreensão normativa do
Estado Democrático de Direito;
4) fáticos, representados pela intensificação das demandas prestacionais e pela
constatação da impotência e insuficiência do Estado para respostas a multifacetadas
expectativas, mostrando a importância da convergência de atores governamentais,
societais e do mercado.
2.2.1 Pressupostos sociológicos
O sociólogo espanhol Manuel Castells foi o responsável por cunhar, dentre outras, a expressão
“sociedade em rede”, um paradigma catalisador de reformas estruturais, com o objetivo de
introduzir o chamado Estado-Nação no processo econômico, cultural e social, chamado — hoje,
sem qualquer pudor metodológico — de “globalização”.
Por globalização entende-se aqui, a grosso modo, o processo recente e intensivo de trocas,
econômicas e culturais — distinto da internacionalização e de uma simples economia mundial —,
cuja existência é suportada e promovida pelo sistema tecnológico vigente (telecomunicações,
sistemas de informação interativos de resolução avançada e de transporte de alta velocidade
em âmbito mundial, para pessoas e mercadorias).
Na perspectiva sociológica, o Estado em Rede, ou Gestão em Rede, é modelagem afeiçoada a
interagir com essa sociedade complexa, globalizada e tecnológica.
2.2.2 Pressupostos jurídicos
O filósofo italiano Norberto Bobbio considerava que os direitos humanos eram direitos
históricos, classificados em três gerações: direitos individuais, da liberdade; direitos sociais,
da igualdade; direitos transindividuais e coletivos, da solidariedade. A doutrina incorporou
novas dimensões: a dos Direitos de Quarta Geração, como os atinentes à manipulação
genética, os da biotecnologia, da bioengenharia, da bioética; e a dos Direitos de Quinta
Geração, relacionados com a inserção do cidadão e da governança no mundo virtual, da
informática e da internet, que abala a segurança jurídica pela ênfase na desterritorialização
das referências, pela fugacidade das soluções no bojo da crise das incertezas.
Tomando-se como válido esse modelo teórico, o que se acerta apenas como critério ilustrativo
a pauta de aproximação, pode-se dizer que o Direito Administrativo é sucessivamente desafiado
a responder, por meio de instrumentos do sistema administrativo, às demandas das gerações de
direito. Sem desprezar as ordens de demandas geracionais anteriores, que persistem na disputa
por acolhida do Estado, tem-se então que os Direitos da Quinta Geração já pressionam o Direito
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Administrativo no quadro hodierno e, certamente, ganharão escala no futuro próximo. Há,
portanto, uma demanda de redesenho do próprio Estado Administrativo para responder a uma
ordem de direitos em um patamar de complexidade própria da geração.
2.2.3 Pressupostos da interpretação jurídica no novo contexto
Vêm em socorro, nessas reflexões, contribuições da Teoria da Linguagem, da Teoria Comunicativa
e da chamada Hermenêutica Crítica, para mostrar a importância da participação dos interessados
na construção e aplicação da norma e do Direito para o processo emancipatório. Nesse sentido,
algumas referências, para as possíveis ilações, dados os limites desta exposição.
No plano da linguagem, o filósofo vienense Wittgenstein ensina que a filosofia destina-se a
explicar pensamentos; busca significados dos enunciados, e não a verdade deles. Assim, toda
filosofia é uma crítica da linguagem.
Habermas investe na reflexão crítica acerca do Direito a partir da Teoria da Ação Comunicativa,
hoje uma reconstrução crítica do papel do Direito moderno nas diversas esferas da ação social,
pressupondo fundamentação jurídica aberta e legitimidade.
Klaus Günther contribui com sua Teoria da Adequabilidade, uma concepção normativa de
coerência que advém de interpretação pragmática de aplicação das normas aos casos concretos,
firmando-se a justificação e a aplicação como procedimentos discursivos distintos.
Com a Hermenêutica Crítica, Ronald Dworkin apreende o direito positivo criticamente, superando
os modelos tradicionais de interpretação e de aplicação do Direito. Ele percebe “ligações
necessárias entre o direito e a comunidade que o criou”, na linha construtivista que ele adota.
Enfim, no plano fenomenológico, a Teoria Crítica do Direito tenta discutir as possibilidades de
uso emancipatório do Direito, renegando a sociologia do Direito do tipo positivista e estimulando
a abordagem dialética do processo histórico-social do Direito.
Vislumbra-se, no Estado em Rede, o ambiente da discursividade democrática capaz de densificar
a interpretação jurídica e os processos decisórios administrativos.
2.2.4 Pressuposto político-democrático e jurídico-constitucional de uma nova identidade
da Administração Pública no Brasil
A autocompreensão normativa do Estado Democrático de Direito instaurada pela Constituição
de 1988 surge intimamente ligada à ideia de que é preciso dar um conteúdo novo ao sistema
administrativo e redefinir suas estruturas e sua identidade, ainda vinculadas a formas e práticas
autoritárias e burocráticas.
Nesse sentido, o novo marco constitucional prevê especial ênfase normativa no processo de
democratização da Administração Pública, isto é, enfatiza a importância da participação da
cidadania e desperta nos administrados o seu papel de coautores, como componentes de
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uma esfera pública de cidadãos ativos, e não de meros clientes e expectadores passivos das
prestações materiais por parte da Administração.
Assim, inverte-se o programa tecnocrático vigente no Estado Social, no qual a Administração
Pública era tratada como uma esfera estranha e fechada aos cidadãos, para uma perspectiva
de concepção, implementação e controle de políticas públicas em cujo ciclo se privilegiam a
participação e o poder reivindicatório da cidadania no âmbito de uma esfera pública adensada.
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Nesse estágio, busca-se ultrapassar a cultura imperante da prevalência do conhecimento
de especialistas, mediante abertura das controvérsias públicas para discussão, de modo a
incorporar soluções discursivamente traçadas pelos sujeitos do ordenamento.
Ora, há uma defasagem entre o patamar de autocompreensão normativa do Estado Democrático
de Direito e o perfil da Administração Pública, que carece de identidade democrática, a justificar
um modelo como o Estado em Rede, que se assenta no processo de autonomia coletiva.
2.2.5 Pressupostos fáticos
Múltiplos desafios práticos motivam a arquitetura de um Estado em Rede.
Nessa linha, tem-se, de um lado, a intensificação das demandas prestacionais no campo dos
serviços públicos, e, de outro, a constatação de que as políticas públicas não se esgotam em
um sítio governamental específico nem em setor exclusivo, o que mostra a impotência e a
insuficiência do Estado para as respostas a essas multifacetadas expectativas, que precisam ser
enfrentadas pelo conjunto dos atores nas dimensões estatal, social e do mercado.
No mesmo diapasão, a intensa conflituosidade decorrente da nova dinâmica social de
pluralidade e de maior interatividade dos cidadãos apela por um esforço coletivo, para superar
essas limitações de responsabilidade do sistema administrativo, em cujo âmbito não encontra
resposta completa e satisfatória para desenvolver arquiteturas de responsabilidade estendida
e de colaboração.
Na mesma ordem de fatores, comparece a resistência às decisões do modelo centralizado,
voltada para a superação do unilateral imposto, que deve ceder lugar ao bilateral ou
plurilateral negociado. Isso como fruto do amadurecimento da sociedade em torno de seu ideal
emancipatório por direitos geracionais complexos, sinal dos tempos hodiernos que adensa os
pressupostos fáticos de um modelo de Administração em Rede, cujo norte deve ser o da gestão
para a cidadania.
2.3 Princípios de organização do Estado em Rede
Diversos são os princípios de organização do Estado em Rede:
a) a subsidiariedade, que orienta a descentralização do poder aos níveis mais próximos
dos cidadãos, para ganhos de eficácia e que indica o parâmetro de compartilhamento da
autoridade;
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b) a flexibilidade, que faz a ponte de um Estado decretador e fechado para um Estado
negociador e aberto às mudanças pactuadas;
c) a coordenação, que permite integrar e unificar a ação administrativa, mediante
mecanismos de compartilhamento de informações e alinhamento de diretrizes e
objetivos, evitando sobreposição de competências e duplicação de níveis decisórios;
d) a participação democrática, que integra a cidadania ativa ao sistema administrativo,
ao ciclo das políticas públicas, assegurando legitimidade e autonomia coletiva e o
progressivo compartilhamento decisório e de responsabilidade;
e) a transparência administrativa, que pressupõe a disponibilização, diretamente
aos interessados e cidadãos, de informações de qualidade relacionadas com a atuação
administrativa por meio de tecnologias próprias, como condição de participação da
cidadania no bojo do processo de autonomia coletiva e de controle social das políticas
públicas. A estruturação dos portais de informação deve, cada vez mais, levar em conta o
papel da informação para esse processo emancipatório;
f) a incorporação de avanços tecnológicos, que se apresenta como imperativo para a
inovação na ambiência administrativa. Uma administração ágil, flexível, descentralizada,
participativa só pode operar em certo nível de complexidade, munida de novos recursos
tecnológicos e alimentada por cultura de inovação. A modernização tecnológica requer
investimentos em equipamentos, na capacitação de recursos humanos e do cidadão e,
ainda, o redesenho das matrizes institucionais do Estado para que estejam abertas a
arquiteturas organizacionais ou procedimentais inovadoras;
g) o aprimoramento dos agentes, que permite aos quadros da Administração capacitação
e desenvolvimento de perfis aptos a colaborar para o funcionamento da Administração em
Rede e, especialmente, para a construção de consensos;
h) a necessária retroalimentação do processo de planejamento e de implementação das
políticas públicas, que permite às unidades administrativas, a partir de uma lógica cíclica
e discursiva, correção dos próprios erros, incorporação de novos desafios, reavaliação dos
métodos, dos fundamentos e das metodologias, de modo permanente.
2.4 Modelagem
Trata-se de modelagem sintonizada com o que há de mais avançado na administração pública
do século XXI, na perspectiva de universalização do bem-estar. Um modelo transversal de
desenvolvimento tem, nos princípios da intersetorialidade, da colaboração institucional e da
responsabilidade estendida, suas balizas de sucesso.
Nesse sentido, um grande desafio é a incorporação de instrumentos de “empoderamento”
dos atores envolvidos e de instrumentos de pactuação e de formação de consensos, ou seja,
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mecanismos da Administração consensual, em substituição às matrizes tradicionais de circulação
do poder.
A modelagem deve, portanto, promover a capilarização da governança e da autoridade
no território e o diálogo, por meio de canais intragovernamental e extragovernamental e,
sobretudo, federativo.
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O Estado mantém-se em posição central como mediador na composição dos conflitos e
indutor das relações, mas não é o árbitro exclusivo na definição do interesse público. Em
outras palavras: a administração em redes deve buscar os chamados nós de convergência,
identificando as diversas forças sociais e políticas que sobre ela atuam, para, sob a arquitetura
institucional própria, construir os ambientes propícios à tomada de decisões.
Não se defende aqui uma comunicatividade formal e estéril, mas o soerguimento de estruturas
e expedientes administrativos plenos de conteúdo. Já passou o tempo em que os domínios
burocráticos dos serviços públicos eram suficientes para o atendimento das necessidades dos
cidadãos. Hoje, há clara noção da impotência do Estado para responder a todas as demandas.
Demais disso, há um desgaste cada vez mais forte da representação política e da burocracia
estatal. O desconforto com a democracia representativa, inclusive na dimensão territorial, já
beira as raias da crise. Crises que precedem as rupturas.
3 Tendências no Brasil e advertências a partir de experiências externas
O planejamento estatal brasileiro, nos idos da década de 80, sob a gerência de um Celso Furtado,
já tateava a necessidade de construção de governança regional. No âmbito federal, tinham lugar
as autarquias territoriais, que, sem embargo, não conseguiram conviver com as vicissitudes
de suas próprias estruturas e ações com a dimensão de poder que elas representavam. Com
Fernando Henrique Cardoso na presidência, alterou-se a forma, mas não a substância: foram
enfatizados os eixos de planejamento.
Há experiências recentes de planejamento matricial de lógica mais pragmática no âmbito
federal, como os Territórios da Cidadania, e no bojo das políticas sociais unificadas.
O novo desafio que se vislumbra, no âmbito nacional, é o planejamento matricial, que possa
comportar em sua metodologia a diferença e a dimensão da responsabilidade estendida.
A lhaneza da ideia esconde o gigantismo dos desafios. Quiçá, o principal e mais agudo
desafio seja saber dosar a reestruturação, evitando um risco que se põe em alto grau: a
alienação da autoridade, que se tornaria, neste terrível cenário, presa fácil e ingênua para
os interesses particulares.
Na Espanha, José A. Estévez Araújo, em interessante capítulo publicado em obra coletiva
coordenada pela Professora Margarita Boladeras, da Universidade de Barcelona, defende a
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tese segundo a qual os expedientes de governança, adotados na Europa comunitária, calcados
no chamado “Livro Branco da Governança” e no pragmatismo norte-americano, representam
apenas estratégias de privatização do poder político. Justamente aí reside o nó górdio da
atuação com foco no compartilhamento de espaço e poder.
A governança de matriz norte-americana implantada na Europa centra-se em um amálgama
de construtivismo e realismo que pressupõe níveis e padrões culturais diversos dos vigentes no
Brasil, de modo que a transplantação de modelos dificilmente resistiria à aclimatação. Nesse
passo, um Estado em Rede não pode debutar senão nos limites da subsidiariedade e de forma
condizente com o estágio de organização do Estado.
4 O Estado em Rede em Minas Gerais: marco legal, organograma, pilares
do modelo e instrumentos da Governança
O Estado de Minas Gerais inaugura um novo tempo de sua administração. Embora a afirmação
possa ter um colorido de tonalidades pretensiosas, cuida-se, efetivamente, de algo novo:
possibilitar a participação qualificada na condução dos assuntos de Estado, sem fragilizar o
núcleo rígido da autonomia administrativa.
A gestão que acaba de se inaugurar no âmbito do Estado de Minas Gerais chama a seu
modelo de articulação das estruturas de gestão e governança de Estado em Rede. O passo
que enleia, no ambiente do Estado, é o planejamento matricial voltado para as diferenças.
Antes de qualquer esforço para traduzir as características do modelo do Estado, convém
trazer à tona uma realidade que, embora seja repisada por todos os intérpretes da chamada
mineiridade, não chega a ser abordada em sua possibilidade máxima: Minas são muitas.
A frase, de tanto ser repisada, chega a soar como bordão. De toda sorte, é preciso compreender
que uma estrutura reticular pressupõe descontinuidades. São, com efeito, as descontinuidades
geográficas, humanas e políticas que o novo modelo de Administração que se busca implantar
visa a contornar. Esse é ponto nevrálgico: descontinuidades/desigualdades!
Os padrões administrativos de organização do poder decisório, quer sejam concentrados,
quer desconcentrados, quer descentralizados, não respondem a essa questão, pois, em
verdade, permanecem a ela infensos, na medida em que têm como pressuposto, fruto
de certo atavismo, a imagem, diria helênica, da totalidade do poder. Ainda que se tenha
assimilado a representatividade da República romana, não se conseguiu distinguir poder
de autoridade. Ao passo que aquele, sim, é total, esta, que é o âmago da administração,
não o é.
A implementação do modelo de gestão do Estado em Rede corresponde ao 3º estágio da
Administração Pública do Estado de Minas Gerais nos últimos anos de Governo desde 2003.
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O Estado adotou o Choque de Gestão, em 2003, voltado para o equilíbrio fiscal e para o
saneamento da Administração; o Estado para Resultados, com início em 2007, voltado para
a melhoria de indicadores sociais e de desenvolvimento estrutural, a partir de processo de
pactuação de metas, de monitoramento intensivo e de mensuração dos resultados. Agora,
no 3º estágio, mantendo os propósitos de equilíbrio fiscal, de qualidade do gasto público e
o foco nos resultados, busca, porém, inovar nas metodologias de acompanhamento da ação
governamental e avançar no plano de governança para a cidadania.
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O arcabouço do modelo transversal traça como diretrizes: a melhoria dos indicadores
sociais, humanos, econômicos, institucionais e administrativos; a colaboração institucional
e a intersetorialidade nos âmbitos governamental e extragovernamental; e a eficiência
e o compartilhamento da gestão, com a incorporação da participação da sociedade civil
organizada. Esta última é pressuposto para a legitimação, a transparência e a eficácia da gestão
governamental.
4.1 Marco legal
As fundações normativas para aplicação do Estado em Rede em Minas Gerais podem ser
encontradas na Lei Delegada n. 180, de 20 de janeiro de 2011, cujo comando central nesse
particular é o da integração dos órgãos e das entidades da Administração Pública em sistemas
setoriais, agrupados em quatro áreas básicas de atuação, às quais correspondem redes
prioritárias, institucionais e sociais. São elas:
• governança institucional;
• planejamento, gestão e finanças;
• direitos sociais e cidadania;
• desenvolvimento sustentável.
Por meio de decreto, pode ser feita a integração dos diversos órgãos e entidades da
Administração Pública estadual, conforme a necessidade e as demandas vigentes, a articulação
ou a rearticulação de redes, o que garante a flexibilidade e a coordenação inatas ao Estado
em Rede.
Esses sistemas setoriais poderão formar redes de integração institucional no âmbito do Estado e
de outras esferas federativas. Vislumbram-se ainda redes sociais articuladas com a sociedade
civil. Nesse ponto, ganha lugar a clara diretriz para se garantir a subsidiariedade no âmbito
do sistema.
As redes prioritárias definidas pela lei delegada são:
• Rede de Governo Integrado, na área de governança institucional;
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• Rede de Gestão Eficiente e Eficaz e Qualidade e Equilíbrio do Gasto, na área de
planejamento, gestão e finanças;
• Redes de Atendimento em Saúde, de Educação e Desenvolvimento do Capital Humano,
e de Desenvolvimento Social, Proteção, Defesa e Segurança, na área de direitos sociais e
cidadania;
• Redes de Infraestrutura, de Desenvolvimento Rural, de Desenvolvimento Sustentável e de
Cidades, de Tecnologia e Inovação, e de Identidade Mineira, na área de desenvolvimento
sustentável.
4.2 Organograma
O monitoramento da implementação do Estado em Rede está sob a responsabilidade da
Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão, que atuará por meio da Subsecretaria de Gestão
Estratégica Governamental de forma integrada. Também foi criado o Escritório de Prioridades
Estratégicas, que atuará como consultor na proposição de ações e políticas públicas focadas em
áreas como educação, saúde e trabalho e, ainda, uma Subsecretaria de Relações Institucionais,
no âmbito da Secretaria de Estado da Casa Civil e de Relações Institucionais, voltada para o
assessoramento em matéria de integração governamental e nas relações institucionais do Poder
Executivo com outros poderes, instituições essenciais à Justiça e outros segmentos específicos.
Como se depreende, o desafio jaz no fato de que essa estrutura dinâmica e ramificada
dependerá de um constante fluxo informativo — interno e por meio de feedback da própria
sociedade. Para atingir esse nível de excelência, deve-se atentar para a modernização da
estrutura administrativa, a qualificação do servidor público e a implementação de campanhas
institucionais e educativas com foco na integração.
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Assim, revelam-se fundamentais os princípios do Estado em Rede para a coesão desse
processo de mudança. É imperativo lembrar, todavia, que ao fim desse profundo processo
de transformação da cultura administrativista, os reais beneficiários devem sempre ser os
cidadãos — fim último e apto a legitimar qualquer atuação do Estado.
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4.3 Pilares do modelo
A governança se torna chave para a realização do modelo, uma governança que tem o Estado
na centralidade, sem, contudo, extrapolar o seu papel de indutor do desenvolvimento,
de regulador das práticas sociais e de árbitro dos conflitos não disciplináveis pelos meios
consensuais.
Igualmente, a territorialidade deve ser a referência como contraponto às lógicas
desterritorializadas de influência na vida das pessoas. Local e global devem ser tomados como
dimensões de um mesmo estágio civilizatório.
Na mesma linha, apresentam-se como pilares do modelo a prerrogativa regulatória do Estado,
que deve ser qualificada, valorizada e apropriada com responsabilidade; a contratualização
de resultados e de estágios de progresso nas prestações públicas; a densificação da noção de
interesse público, cuja função deve assentar-se em critérios de plausividade, discursividade
democrática, para que se afaste do patamar de legitimidade apriorística do Estado para sua
preservação e arbitragem por força de uma racionalidade abstrata.
4.4 Instrumentos de Governança em Rede
Diversos são os instrumentos de Governança em Rede, seja no campo social, seja na área
institucional, e podem ser enumerados alguns presentes na agenda mineira:
• conferências participativas;
• fóruns de políticas públicas;
• comitês temáticos;
• conferências de serviços;
• consultas públicas;
• agendas setoriais;
• agenda de melhorias.
Há, ainda, outros, voltados para o “empoderamento” dos cidadãos e dos diversos atores, tendo
em vista a gestão compartilhada.
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5 Estado em Rede e transparência
Aqui exsurge um ponto fundamental: sob pena de frustrar expectativas, as redes, de marcada
subsidiariedade, precisam ser absolutamente efetivas quando atuam e, a um só tempo,
transparentes, em todas as circunstâncias. A desconfiança estrutural que se abate sobre as
sociedades modernas e, em especial, sobre a brasileira, mercê do patrimonialismo histórico,
pode pôr a perder um belo projeto. Com efeito, a transparência responde a esse reclame como
antídoto para essa chaga que é a desconfiança estrutural.
Boa-fé é o pilar sobre o qual se devem sustentar os instrumentos de promoção da transparência.
Aliás, são os instrumentos de promoção da transparência que devem fomentar a boa-fé. A
diminuição da opacidade das instituições públicas não se faz com a exposição dos miasmas,
mas, antes, com o fomento à confiança. Ensina o gênio dos anexins que confiança não se
impõe, conquista-se. Conquistá-la é, pois, o horizonte que se deve ter em mira. Cativar
o sentido de pertencimento à cidadania, cultivar o civismo e o humanismo. Ir além da
divulgação dos frios holerites de execução orçamentária, que pouco ou nada dizem ao
cidadão, tampouco se prestam a bons frutos as penas simbólicas e a execração pública dos
ditos corrompidos.
Um cosiddetto sistema de transparência de uma missão excelsa é, em verdade, uma
função de pedagogia cultural, de formação humana e cultivo do espírito político, mesmo
naquelas almas mais rústicas e avessas à civilização. Um professar constante da verdade
republicana.
6 Conclusão
Muito se tem escrito sobre o papel desempenhado por certas instituições no contexto da
implantação de mecanismos de governança, no seio dos quais se busca a força propulsora
capaz de despertar o cidadão para a cena política, despindo-se de seus interesses privados,
assim como o Barão de Münchhausen livra-se de seus cabelos. Uma ideia que vale mais pela
figuração, que por sua aplicabilidade prática. O despertar não se faz, como se supõe, por
milagre. É o despertar de um sono profundo, sendo, portanto, lento, doloroso e angustiante.
Eis aí, senhores, o desafio de todos.
É imperativo da nova discursividade democrática o Estado em Rede, no qual se multiplicam os
interlocutores interessados no processo de consecução do interesse público e concretização
do bem-estar universal. É desafio do Direito Administrativo incorporar por inteiro o princípio
democrático.
Não basta cumprir a lei de ofício, como recomendava Ruy Cirne Lima, se tal cumprimento não
se der de modo que a definição e a implementação do público sejam feitas discursivamente
segundo o código principiológico fundamental. É tarefa comum investir na sustentabilidade
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social do Estado, e esse desiderato é tarefa coletiva e se faz pela cidadania ativa e pela
institucionalidade democrática e legítima.
Doutrina
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Referências
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MINAS GERAIS. Plano de Governo. Minas de todos os mineiros. As redes sociais de
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SANTOS, Boaventura de Souza (Org.). Democratizar a democracia: os caminhos da
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The Civic Culture: Political Attitudes and Democracy in Five Nations, 1963.
Princeton University Press. (com Sidney Verba)
Abstract
Amid the topics of the major discussion about governance, takes part in the new
political-administrative architecture of the decision power diffusion, named,
in the State of Minas Gerais, “Estado em Rede”. The model is constructed from
multiples presuppositions and is based in several principles, including those
of subsidiarity, flexibility, coordination, and democratic participation, tuning
in with the most modern of the twenty-first century public administration.
Considering the challenge of incorporation of the empowerment tools, the
model structures itself to promote dialogue, notably the intragovernamental,
and the capillarization of governance and authority in the territory. In Minas
Gerais, the goal is to obtain qualified participation of the civil society without
weakening the hard core of the administrative autonomy. Implementation of the
model corresponds to the 3rd stage of the Public Administration in the State,
succeeding the first generation of Choque de Gestão, of fiscal emphasis, and
the second, of Estado para Resultados. Its normative foundations are set by
the Lei Delegada n. 180, that commands the integration of the State Public
Administration’s departments. Stands out one major issue of the network —
when working, it needs to be, at the same time, effective and transparent — the
transparency responds like an antidote to the structural distrust of the modern
societies. One must consider that the awakening of the citizen to the political
act, unlike the expectations, is a slow and agonizing process, representing a
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major challenge for the State and Society to overcome.
Keywords: Estado em Rede. Governance. State Organization. Modeling of the Public
Administration
Data de recebimento: 31 ago. 2011
Data de aceite para publicação: 24 out. 2011
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Transparência e responsabilidade na gestão pública*