Na Sombra do Homem, À Luz do Saber
Para o Mestre Paulo Meneses
Alfredo de Oliveira Moraes∗
Na década de ’80 do século passado, cursava Filosofia na UNICAP, realizando
um antigo anelo e descobrindo que dos muitos filósofos aos quais me dedicara desde os
tempos de adolescência, havia um que nem mesmo a caminhada sistemática nas
disciplinas do curso conseguira faze-lo compreensível para mim. Era, portanto, um
desafio – de que modo obter a chave de leitura que me permitisse o acesso ao último
dos Sistemas filosóficos? Quem poderia ajudar-me, encaminhar-me? Nesse momento de
inquietações, um dos professores do curso, ao tomar conhecimento dessa minha
angústia, gentilmente indicou-me o Grupo de Estudos Hegel, coordenado pelo Pe. Paulo
Meneses.
Apressei-me em apresentar-me solicitando ser admitido ao Grupo, no qual,
como todos que o buscavam, encontrei a generosa acolhida do mestre. Ao ingressar no
Grupo éramos doze (12) discípulos e o mestre, e disse para mim mesmo – esse número
é mágico, parece que estamos prestes a reviver algo da história, mas de repente não
mais que de repente (como diria o poetinha) houve onze deserções e ficamos sós eu e o
mestre, cheguei mesmo a contemporizar – mestre não há mais grupo, estou numa
situação por demais privilegiada, estou tendo aulas particulares especiais e ocupando
seu precioso tempo que não estava destinado a princípio a uma só pessoa, se desejar
podemos suspender∗∗ os encontros e eu aguardarei a formação de um novo grupo.
Resposta imediata: Nada disso, iremos até o fim!
Eis como teve início minha dupla jornada na senda única do conhecimento:
conheci ao mesmo tempo G.W. F. Hegel e Paulo Gaspar de Meneses, logo descobri que
∗
Professor Adjunto da Universidade Federal de Pernambuco-UFPE, membro do GT-Hegel da ANPOF,
atual Coordenador do Mestrado de Filosofia da UFPE e Presidente da Sociedade Hegel Brasileira.
∗∗
A propósito notem como o uso de suspender aqui aniquila toda possibilidade de seu uso para traduzir
aufheben.
o que me faltava para compreender Hegel não era inteligência ou aptidão para a
Filosofia, mas Cultura geral, isso mesmo Cultura com C maiúscula – conhecimento da
tradição grego-romana, das artes, das ciências, das letras, em fim todo o saber do qual
Pe. Paulo tem sido fiel guardião e eloqüente disseminador.
Com o tempo, de posse da chave hermenêutica que me foi presenteada, fui
aprendendo e apreendendo o Sistema hegeliano, e me tornando discípulo-admirador e
amigo do Pe. Paulo, bem como, a cada dia mais decididamente um hegelianista que se
dedica à exploração do legado de Hegel, a partir do qual fiz monografia de conclusão de
graduação, dissertação de mestrado e tese de doutorado, continuando ainda hoje a
desenvolver pesquisas e estudos. Fundamos juntos, a Sociedade Hegel Brasileira, da
qual Pe. Paulo é Presidente de Honra e eu fui Primeiro Secretário e momentaneamente
ocupo a Presidência, sucedendo ao Denis Rosenfield.
Alexandre o Grande teria dito que devia mais a Aristóteles que o educou ou fez a
sua Bildung do que a seu pai Felipe que lhe trouxe à vida e lhe propiciou um reino,
embora em nada eu me pareça com Alexandre gostaria de parafraseá-lo expressando
minha gratidão ao Pe. Paulo e dizer da minha alegria de poder partilhar em todo esse
tempo de sua amizade e do seu conhecimento. Mestre Paulo não traduz Hegel para o
nosso idioma, ele faz Hegel falar português e realiza o que disse o próprio Hegel acerca
da Ciência, ela é um saber exotérico, assim como para os orientais quando o discípulo
está pronto o mestre aparece, o conhecimento quando surge já tem seu público
preparado para ele, o que é preciso é por esse saber numa linguagem que não seja
estranha ao cotidiano, e nisso se revela a maestria de Pe. Paulo.
Sei que esse é um texto intimista, mas Goethe a quem nosso filósofo tanto
admirava gostava de dizer que se alguém quiser louvar o universal que cante o
particular, pois isso me anima e estou certo de que esse particular que aqui exponho se
universaliza na experiência vivida por muitos dos que tiveram ou têm o privilégio de
conviver com o mestre Paulo Meneses. Sem a sua presença na cena filosófica brasileira
jamais teria sido possível a difusão de conhecimento tão relevante ou mesmo
imprescindível como o que vem do pensamento hegeliano, graças ao seu trabalho o dito
de que só se pode filosofar em alemão perdeu a sua verdade. Aliás, a bem da verdade,
vale dizer que mesmo falantes de outros idiomas estão se valendo da terminologia que
mestre Paulo no árduo trabalho do conceito soube construir, a título de exemplo,
suprassumir já está no espanhol dos comentadores de Hegel como suprasumir.
Quando estive há algum tempo em terras de França, a convite da Universidade
de Poitiers para proferir palestra em evento sobre o legado hegeliano, antes de começar
minha fala dizia para mim mesmo: não fosse o mestre Paulo e eu não estaria vivendo
essa experiência única, pois de um lado o saber que eu iria expor (ainda que não tenha
alcançado o nível que se espera de um discípulo dele) teve início com ele e, de outro
lado, o domínio do idioma de Victor Hugo (ainda que não seja tão bom quanto o
desejado por mim) foi uma barreira que ultrapassei por insistência de mestre Paulo, pois
foi ele quem me “obrigou” a ler em francês nos tempos idos do Instituto de Filosofia
Social.
Assim é que pondo-me na sombra deste grande homem, logrei estar à luz do
saber que dele emana.
Segundo Hegel feliz se diz do homem que se encontra em harmonia consigo
mesmo. Na jovialidade de seus oitenta e poucos anos desejo-lhe muitas realizações e
feliz idades.
De seu discípulo e amigo Alfredo Moraes
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