ISSN 2236-3335
SÁTIRA VICENTINA: SEÇÃO ANTICLERICAL
Bárbara Daiana da Anunciação Nascime nto
Licenc iatura e m Le tras c om Inglê s
[email protected] om
Res umo : Em s uas obras sa t í ri cas , porém chei a s de l i çã o de
mora l , Gi l Vi cent e a prov ei t ou -s e do s eu prest í gi o na cort e pa ra
a pres enta r peça s que ri di cul a ri za vam os há bi t os da nobreza e
do cl e ro. É vá l i do res sa l t a r que o a ut or era ca t ól i co, a ss i m como a ma i ori a da s pes soas que v i v iam em Port uga l dura nt e o
s écul o XVI. N o ent a nto, o que Gi l Vi cent e queri a era propor,
pri nci pa l ment e, o res ta bel eci ment o da rel i gi ã o e do cumpri mento
da s s uas norma s , uma v ez que naquel e moment o a Igrej a pas s ava por uma “deca dência ”. L ogo, em s eus t ra ba l hos el e nã o
cri t i ca a i ns t i tui çã o, dogmas ou hi era rqui as da rel i gi ã o, mas s i m,
a quel es que as corrompia m por também a credi t a r no ca t ol i ci smo.
Pa l av ras –chav e: Sá t i ra s oci a l . Cl ero. Obra v i cent i na .
Abs t ra ct : In hi s sa t i ri ca l works , but ful l of mora l l es son, Gi l
Vi cent e t ook a dva nta ge of hi s reput at i on i n court t o pres ent
pl a ys t ha t ri di cul ed t he ha bi ts of t he nobi l i t y a nd cl ergy. It i s
wort h not i ng t ha t the aut hor wa s Ca t hol i c, l i ke mos t peopl e
who l iv ed i n Port uga l duri ng t he s ixt eent h cent ury. Howev er
what Gi l Vi cent e wa nt ed wa s ma i nl y propos e t he res t ora t i on of
rel i gi on a nd of compl i a nce wi t h i t s s ta nda rds , s i nce t ha t t ime
t he church wa s goi ng t hrough a "deca y". Thus , i n hi s works he
cri t i ci zes t he i ns t i t ut i on, dogma or hi era rchies of r el i gi on, beca us e he a l s o bel i ev ed i n Ca t hol i ci s m, but ra t her, thos e who
corrupt ed.
K eywords: Socia l sa t i re. Cl ergy. Gi l Vi cent e’ s work.
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1 INTRO DU ÇÃO
Gi l Vi cent e, pers ona l i da de ma rca nt e dent ro da l i t era t ura
l us i t a na , dra ma t urgo, poeta e es cri t or, cri ou pers onagens que
era m v ersões cômi cas da s oci eda de burgues a da época , pa ra,
des sa forma , exercer uma crí t i ca i ndi ret a . Dent re os vá ri os t i pos res sa l t a dos e ava l i a dos dent ro da obra Vi cent i na , des ta ca s e a qui o t ra tament o da do a o cl ero e a os s eus repres enta nt es .
Os pers ona gens , que eram dot ados de comporta ment os
própri os e de s emel ha nça s fort es com a rea l i da de e com a s
pes s oa s que cos t umavam ass i s t i r a s peças v i cent i nas , s ã o
cha ma dos de t i pos . Es t es s erv i am pa ra repreender a s oci eda de
fa l s a mora l i s ta da a l ta cl a ss e portuguesa .
O i nt ui t o de cens ura r, ou mel hor, ri di cul a ri zar, era a l cança do com l ouvor em mui t as v ezes, o que gera va probl ema s a
Gi l Vi cent e. N o enta nt o, gerava ta mbém a aut ocrí t i ca nos espect a dores e a recri mi na çã o de cert os comport ament os, pri nci pa l ment e, o comportament o dos fra des da época . Ins i st i ndo em
foca r os cl éri gos, a obra v i cent i na é es t rutura da com a crí t i ca
a o cl ero e a os s eus repres enta nt es des v i rtua dos, ga nanci os os
e munda nos .
2 DESENV O LVIMENTO
Sa be- s e que o t ea t ro v i cent i no t ev e s ua origem e es t rut ura eri gi da s dura nt e o fi m da Idade Médi a, época do t ea t ro
rel i gi os o em que s e fa zi am repres ent a ções do Na t a l , da Pá scoa , ent re out ras , com pequenas fa rs as s obre hi s t óri a s de cl éri gos e frei ra s , a l ém de a ut os dura nt e a proci s sã o de Corpus
Chri s t i .
Mei o a ess as t ra di ções , Gi l Vi cent e começa a des pont a r e
fi ca r fa mos o na cort e port ugues a , s endo cons i dera do o cria dor
do t ea t ro de port uguês . D ei xou qua renta e qua t ro obra s que
fora m reorgani za da s, mas a t é hoj e es sa reorga ni za çã o gera
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pol êmi ca porque nã o s e conhece uma v ers ã o a bs ol uta ment e
confi á v el a res pei to dess a s i t ua ção. Sobre a s epa ra çã o das
obra s, encont ra - s e a s egui nt e orga ni za çã o, t ra zi da em mui t os
l i v ros di dá t i cos , s i t es e out ros mei os : Aut os pas t ori s , que sã o
di á l ogos cômi cos de pa s t ores , os qua s i s ão fi gura s bí bl i ca s ;
Aut os de mora l i da de, os qua i s podem s er subdi v i di dos em obra s que fa l am de Cris t o e obra s que dão ens i nament os rel i gi os os ou mora l ; e a úl t ima di v is ão: a fa rs a, que é uma peça cômi ca de um só a t o, com enredo curt o e pouca s pers ona gens,
ext ra í das do cot i di a no.
Segundo Ant ôni o Sa ra i va em História da L iteratura Portuguesa ( 200 1 ) , o t i po obs erv ado que Gi l Vi cent e ma i s i ns i s t i u em
s a t i ri za r foi o cl éri go, e pri nci pa lment e o fra de. Ess e t ema é
forma do por uma cl as s e numerosa e ba s ta nte pres ent e na s oci eda de port ugues a . Acont eci a que mui t os del es s egui am a
ca rrei ra ecl es i á s t i ca s em v oca çã o, pel a neces s i dade ou pel a
v onta de dos pa i s . Era um mei o de s e l iv ra rem das obri ga ções
mi l i t a res e t erem a v i da as s egura da , poi s os conv ent os pos s uía m os s eus própri os bens ma t eri a i s .
Ai nda de a cordo com Sa ra iva ( 200 1 ) , Gi l Vi cent e cens ura
em s ua s obras a des conformi da de ent re os i dea i s e os a tos
dos frades , poi s a o i nv és de v i v erem com pobreza , uma v i da
de humi l da de e de ora çã o, bus cav am, a nt es , os pra zeres da
v i da, bl as femava m, t i nham mul heres e fi l hos , era m espa da chi ns,
a mbi ci onav am honra s e ca rgos , s us pi rav am cont i nuament e por
bi s pados , e bebi am.
Apesa r de s erem fei t as por um a ut or ca t ól ico, as obras
v i cent i nas a ta cavam com força o s eu a l vo pref eri do, o cl ero; o
que nã o quer di zer que Gi l Vi cent e es t iv esse cri t i ca ndo a rel i gi ã o, a i ns t i t ui çã o de um modo gera l , ma s si m, que el e queri a
recr i mi na r a quel es que nã o s egui am as norma s e det urpa vam o
v erdadei ro s ent i do do cat ol i ci s mo.
D ua s da s mui t as obra s em que el e mos t ra o pa pel
“des confi gura do” do fra de na s oci eda de port uguesa s ão: Auto
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da Barca do Inferno ( peça na qua l a sá t i ra s oci a l s obres sa i
ma is do que o i nt ui t o rel i gi os o) e a F arsa de Inês Pereira .
As obras a cima sã o exempl os de peças em que o a ut or
queri a mora l i za r a pla t ei a e, por i s so, i ns eri u cena s dess es frades “nã o mui t o t radi ci ona i s ”. As s im como fazi a com os out ros
t i pos soci a i s , o a ut or i ns eria ca ra ct erí s t i cas/j ei t os nos pers ona gens rel i gi os os e cons t ruí a cena s pa ra que, quem es t iv ess e
a ss i s t i ndo foss e t ocado de cert a forma, fos s e a l ert a do e a t é
fos s e “reca t equis ado”, no s ent i do de s er ori ent a do pa ra o bem.
Em o Auto da barca do Inferno [ 1 ] , o fra de que pert ence
a o grupo s oci a l Cl ero, é cort es ã o, exces s ivo, a l egre, enga nador e de j ei t o s ens ua l ( pecul i a res percebi da s fa ci l ment e durant e a l ei t ura do aut o) , t em ca ra ct erís t i cas própri a s , mas repres ent a nã o s oment e s eu grupo de ori gem como a t odos os fi éi s
ca t ól i cos , por ta mbém fi ngi rem s a nt i da de e i gua l ment e a o fra de
nã o s egui rem os precei t os da rel i gi ã o como s e dev e e com
v erdadei ra ent rega .
Out ro a s pect o enfa t i za do no frade é o des res pei t o da
ca t egori a , j á que era um ”homem de Cri s to” e quebrou os v ot os de cas t i da de, ca nt ava , pra t i cav a es grima e t ocava v i ol a , o
que não era comport ament o permi t i do a os fra des , com exceçã o a penas da quebra dos v ot os , que at é hoj e é um pont o
a cent uado na v i da dos que optam por s egui r es sa ca rrei ra espi ri t ua l .
Es s e pers ona gem ent ra em cena com uma moça pel a
mã o, moça ess a que s e chama F l orença e é com quem o fra de
des cumpre o v ot o de cas t i da de. Ess a cena é engra çada e i gua l ment e rel ev a nt e no es t udo s obre o comportament o dos
fra des , s e el e era um fra de nunca poderi a es t a r a compa nha do
com uma pa rcei ra e mui to menos mos t ra r -s e t ã o des env ol to
em t odas as s ua s ha bi l i da des . N ess e moment o Gi l Vi cent e a prov ei ta pa ra es t ender a crí t i ca a t odo o grupo rel i gi os o.
Como j á foi a cent ua do, o fra de a pres ent a comportament os própri os , el e s a bia da nça r, deci di u demons t ra r as s uas ha-
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bi l i da des de es gri ma perant e o D i a bo (s endo que na quela época
a penas os nobres pra t i cava m esgri ma ) e s e a utoa fi rma como
cort es ã o em s ua pri mei ra res pos ta ao D i a bo ( que era quem o
es t ava es perando pa ra j ul gamento j unt o com um a nj o) : “D eo
gra t i as ! Som cort esã o” [ 2 ] , ou s ej a , a ss ume que frequent av a a
cort e ( o que ent ra em cont ra di çã o com os cos t umes da sua
cl a s s e) . E o “pi or” de t udo, é que o fra de mos t ra orgul ho pel o
s eu pass a do.
D ura nt e o s eu j ul ga mento, que é fei t o pel o di a bo, o fra de
s e ut i l i za de a rgumentos de na t ureza rel i gi os a , pois a credi t av a
que por s er um membro do cl ero já t i nha um a cordo com D eus
e que com cert eza i ri a pa ra o Pa ra ís o; a l ém di s s o, el e di zi a reza r mui t o e que fazi a t udo o que os out ros fra des fazi am.
At é que no mei o da conv ersa com o di a bo, el e a rgumenta
que o s a lmo reza do, bem como, o há bi t o que v es t e o pode
l i v ra r da s cha mas i nferna i s : “E es t e há bi t o nom me
v a l ?” [ 3 ] , “com ta nt o s a lmo reza do?” [ 4 ] .
N o enta nt o, na da muda a deci sã o do di abo e o s i l ênci o
reprova dor do Anj o é a s ent ença fi na l do F rade. As s im, o
mesmo percebe que s ó pel o fa t o del e es tá a compa nha do de
F l orença , é o s ufi ci ent e pa ra expl i ca r porque nunca t erá ent ra da no ba t el do Anj o, ev i t ando que es t e t enha de a rgument a r.
L ogo, a s ua s ent ença é a condena ção pelo fa l so mora l is mo
rel i gi os o.
O obj et i vo de Gi l Vi cent e com a cena do fra de no Aut o
da B a rca é cri t i ca r o es t rat o s ocia l Cl ero, poi s el e a credi t ava
que es t e era i nca pa z de prega r as t rês cois as ma i s importa nt es da s ua ca t egoria , que s ã o: a pa z, a verda de e a f é. E
ma is , cri t i ca a a us ênci a de v oca çã o e a di scordâ nci a ent re os
a t os e os i dea i s , que ev i dencia m um comporta mento hi pócri t a.
N a Farsa de Inês Pereira , a pers ona gem cent ra l , Inês ,
quer s e ca sa r e por i s s o s e apres enta de dua s manei ra s dis t i nt a s. Enquant o é s ol t ei ra , gos ta de s e di v ert i r, é a l egre e
pouco a cos tuma da a os a fa zeres domés t i cos . D epois que s e
ca sa com o Es cudei ro e des cobre quem el e rea l ment e é, s e v ê
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obri ga da a reav a l ia r s eus i dea i s . O res ul ta do da des i l usã o de
Inês é mos t ra do no modo como t ra ta Pero Ma rques , s eu s egundo ma ri do. Sem dúv i da, o comportament o de Inês é a crí t i ca cent ra l da peça , ma s nã o a úni ca .
Em s egundo pla no, porém, nã o de menor relev â ncia dent ro do cont ext o da obra de Gi l Vi cent e, encont ramos o des cas o e o rev el a r do comporta ment o do cl ero, por mei o do pa dre
que t ent a a ga rra r L i anor Va z, e do que prov av elment e s e torna rá ama nt e da j ov em Inês .
L i anor Vaz é uma poss ív el v i zi nha , que também é quem
a pres enta Inês a Pero Ma rques , que ent ra na hi s t óri a cont a ndo
à mã e de Inês que um pa dre a a ga rrou no ca mi nho:
Lianor
J e s u a q u e m e eu en co me n d o !
Q u a n t a co u s a q u e s e f a z !
Mãe
Lianor Vaz, que é isso?
Lianor
Venho eu, mana, amarela?
Mãe
M a i s r u i v a q u e u m a p an e l a .
Lianor
N ã o s e i c o mo t e n h o s i s o !
Jesu! Jesu! que farei?
Não sei se me vá a el-Rei,
Se me vá ao Cardeal .
Mãe
C o mo ? e t a m a n h o é o m a l ?
Lianor
T a m an h o ? eu t o d i r e i :
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V i n h a a g o r a p er e l i
Ó r e d o r d a m in h a v i n h a ,
E h u m c l é r i g o , m an a m i n h a ,
P a r d e o s , l a n ço u m ão d e m i ;
Não me podia valer
D i z q u e h av i a d e s a b e r
S ' e r a e u f êm e a , s e m a c h o .
Mãe
H u i ! s e r i a a l g u m mu ch a ch o ,
Q u e b r i n c a v a p o r p r az e r ?
Lianor
S i , mu ch a ch o so b e j a v a
E r a h u m z o t e t a m an h o u ço !
E u a n d av a n o r e t o u ç o ,
T ã o r o u c a q u e n ão f a l a v a .
Q u a n d o o v i p eg a r co m i g o ,
Q u e m ' a ch e i n a q u e l e p ' r i g o :
– A s s o l v e r e i ! - n ão a s s o l v e r á s !
– T o m a r e i ! - n ã o to m a r á s !
– J e s u ! h o m em , q u ' h a s co n t i g o ?
– I r m ã , eu t e a s s o l v er e i
C o b r ev i a i r o d e B r ag a .
– Q u e b r e v i a i r o , o u q u e p r ag a !
Q u e n ão q u er o : a q u i d ' e l - R e i ! –
Q u a n d o v i u r ev o l t a a v o d a ,
F o i e e s f a r r a p o u - me t o d a
O c a b e ç ão d a c a m i s a .
...
Mãe
V i s t e s v ó s t a m an h o m a l ?
Lianor
Eu m'irei ao Cardeal,
E f a r - l h e - e i a s s i m e su r a ,
E c o n t a r l h e - e i a a v en t u r a
Q u e a ch e i n o m eu o l i v a l .
J
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Mãe
Não estás tu arranhada,
D e t e c a r p i r , n a s q u e i x a d a s?
...
N es ta cena , o a ut or Gi l Vi cent e fa z crí t i ca nova ment e a o
grupo que pert ence o cl éri go que t eri a assedi a do L i a nor Va z.
Apesa r de a persona gem L i a nor a fi rma r t er s i do v iol ent a da por
um cl éri go e de não t er s e defendi do (v a l endo - s e de des cul pas
pa ra is s o) por es t a r com as unha s corta da s , t er t i do um a ces s o de t os s e, out ro de ri s o e por i ss o ca usa r s uspei t a s, uma
v ez que nã o a pres ent ava a s ma rcas de a rra nhões causa das
pel o fl a gel o que dev eria s egui r - s e a o es tupro, Gi l Vi cent e quer
most ra r os ma us comport ament os dos fra des da época , fa zendo ent ender que era , s i m, pos s ív el ess e estupro t er a cont eci do.
O out ro moment o em que o a ut or res sa l t a os comporta ment os errôneos dos fra des da época é no fi na l da fa rs a ,
qua ndo Inês Perei ra j á ca sa da com o s egundo ma ri do, Pero
Ma rques , t em um reencont ro com o Ermi t ão, um fl ert e do pa ss a do de Inês , pers ona gem que hav ia t orna do - s e pa dre.
Pa ra o Ermi tã o, dev i a hav er um ca mi nho a percorrer e,
como os ermi tã es v i v ia m ret i ra dos , a s emel ha nça com a rea l ida de era pres erv a da . Ent ã o, no fi m da fa rsa , fi ca s ubent endi do
que Inês va i a t rás dess e ermi t ã o, e por s e t ra t a r de uma s upos ta j orna da rel i gi os a , o ma ri do pode a companha r Inês s em
des confi a r de s uas rea is i nt enções .
Ass i m como no Auto da Barca do Inferno percebe- s e,
t a mbém em A Farsa de Inês Pereira , o comport ament o desv i rt ua do dos rel i gi osos . Por que o Ermi t ão foi fa l a r com Inês ? Por
que hav ia um i nt eress e com v erda dei ro dupl o s ent i do e que s e
s ubent ende era corres pondi do, mas que nã o dev eri a exi st i r
i ndependent ement e de qua l quer s ent i ment o, j á que Inês es t av a
ca sa da e o ermi tã o t i nha uma ca mi nha da rel i gi os a a cumpri r.
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Segundo Ant ôni o Sa ra iv a (200 1 ) es sa cena foi t ã o rea l i st a ,
que na época foi ret i ra da da fa rsa pel a i nqui s i çã o, pois Gi l Vi cent e s erv i u -s e des sas pers ona gens pa ra cri t i ca r os “ma us ”
pa dres de s ua época , corrompi dos pel os i nt eres s es mat eri a i s e
pel os prazeres munda nos .
Ent ã o, a ss i m como em ta nta s out ra s peças , nes ta s Auto
da Barca do Inferno e A F arsa de Inês Pereira , o a ut or a prov ei t a a t emá t i ca rel i gi os a como pret exto pa ra a crí t i ca de cost umes em s eus t ra ba l hos .
Ta l v ez por s er ca t ól i co, o aut or t enha deci di do foca r nes s e as pect o em s ua obra , por querer corri gir cert os cos t umes
e/ou por s e s ent i r ofendi do enquant o crente da rel i gi ã o, uma
v ez que el e percebi a que a corrupção dos va l ores era fei t a
num di s fa rce ri dí cul o fa ci l ment e desmont a do por quem qui s ess e.
N ão era por menos que o públ i co s e reconheci a nos pers onagens v i cent i nos , uma v ez que os persona gens t i nham cara ct erí s t i cas rea is , comportament os que era m concebi dos de
v erdade por mui ta s pes s oa s e por mui t os fra des . Qua ntos frades e F l orenças nã o foram cri t i ca dos , a pa rt i r de obra s como
Aut os e F a rs as , peças que exi s t i ra m pa ra mos t ra r t ambém que
a s di ss i mula ções pas sam s em s erem ques ti ona da s , ma s não
l es a quem es tá v endo?
É cl a ra a i nt ençã o do a ut or em expor de forma s i mpl es e
s a t í ri ca os grandes v í ci os huma nos , forma es s a, que v ia -s e
nos pers ona gens; o que proporci ona uma amost ra do que era
a soci eda de l is boeta ent re o fi m do s écul o XV e o i ní ci o do
s écul o XVI e da pers ona l i dade refl exi v a que t i nha Gi l Vi cent e.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acredi t a ndo no poder de mora l i za çã o do t ea tro pa ra cons egui r a t i ngi r a s pes s oa s, Gi l Vi cent e ut i l i zou - s e de cenas que
most rav am fa t os e s i t ua ções que rev el ava m a degra da çã o dos
cos t umes e a i mora l i dade dos fra des , no i nt ui t o de que a s oci -
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eda de pudess e s e v er como num espel ho e pudess e corri gi r o
s eu erro. As s á t i ra s v i cent i nas que, dent re out ras ca ra ct erí st i ca s eram cont ra o cl ero, a t i ngia m os comport a ment os des v i rtua dos da rel i gi ão com v i ol ência .
O a ut or de obras famosas como o Auto da Barca do Inferno e A Farsa de Inês Pereira , defendeu o i dea l dos bons
cos t umes e exi gi a , a t ra v és do humor e ut i l i za ndo pers ona gens
huma nos , rea is , que a s oci eda de s e reorgani za ss e; pri nci pa l ment e a cla ss e dos cl éri gos .
REFERÊNCIAS
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NOTAS
[1]
N o s i t e N o t a P o s i t i v a , V a n e s s a P e r e i r a t r a z o c o n c e i t o d e A u t o s c o mo
p e ç a s t e a t r a i s d e a s s u n to r e l i g i o s o o u p r o f a n o ; s é r i o o u c ô m i co q u e
t i n h a m a f i n a l i d a d e d e d i v e r t i r , d e m o r a l i z a r o u d e d if u n d i r a f é c r i s t ã .
[2]
Ibidem.
[3]
Ibidem.
[4]
I b i d em .
Recebi do em 22/4 /20 1 2.
Aprov a do em 27/8/20 1 2.
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