VENTILAÇÃO NÃO-INVASIVA NO CARDIOPATA GRAVE
EDUARDO CORRÊA MEYER, GERALDO LORENZI FILHO, GUILHERME
ROBERTO RIBEIRO DE CARVALHO
DE
PAULA PINTO SCHETTINO,
CTI-Adultos — Hospital Israelita Albert Einstein
UTI Respiratória do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo
Endereço para correspondência: Hospital Israelita Albert Einstein — Av. Albert Einstein, 627 — CEP 05651-901 —
São Paulo — SP
A insuficiência cardíaca congestiva leva a aumento na água extravascular pulmonar, redução do volume e da complacência pulmonar e aumento da resistência de vias aéreas, resultando em aumento do trabalho respiratório, aumento do consumo de oxigênio e
aumento da sobrecarga ventricular esquerda. A utilização de pressão positiva contínua nesses pacientes
melhora a oxigenação, diminui o trabalho respiratório, melhora a mecânica pulmonar, reduz a pressão
transmural sobre o ventrículo esquerdo e diminui o retorno venoso, contribuindo para maior desempenho
cardíaco. O uso de pressão positiva contínua diminui
a necessidade de ventilação mecânica no edema agudo de pulmão e reduz o tempo de internação na unidade de terapia intensiva. A utilização de pressão positi-
va contínua noturna em cardiopatas crônicos demonstrou melhora significativa da fração de ejeção durante o
dia, em associação com melhora da classe funcional,
após o tratamento por um mês em pacientes com cardiomiopatia dilatada e apnéia obstrutiva do sono concomitante. O uso de pressão positiva contínua deve ser
entendido não só como o primeiro suporte ventilatório
no edema agudo dos pulmões, como também um tratamento não-farmacológico que tem o potencial de melhorar a função cardíaca nos pacientes clinicamente
estáveis, porém com insuficiência cardíaca grave.
Descritores: pressão positiva contínua, ventilação
não-invasiva, ventilação com pressão positiva, insuficiência respiratória aguda, edema pulmonar, insuficiência cardíaca congestiva.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 1998;3:420-7)
RSCESP (72594)-712
I NTRODUÇÃO
Insuficiência cardíaca esquerda aguda leva a aumento na água extravascular pulmonar, redução do
volume e da complacência pulmonar, e aumento da
resistência pulmonar, resultando em aumento do trabalho respiratório e aumento do consumo de oxigênio por volume ventilado (custo de oxigênio da ventilação)(1, 2) . Em muitos casos, a combinação entre
insuficiência cardíaca esquerda e insuficiência respiratória gera um ciclo vicioso que culmina no edema
agudo dos pulmões, situação clínica na qual o risco
de vida é iminente, a menos que medidas apropriadas e imediatas sejam adotadas.
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No edema pulmonar cardiogênico, apesar da suplementação de oxigênio e da administração de drogas que têm como finalidade reduzir a quantidade de
água extravascular e melhorar o dsempenho miocárdico, muitos pacientes caminham para insuficiência respiratória aguda (3) . A utilização de ventilação mecânica
invasiva restabelece a oxigenação, alivia o trabalho
respiratório e diminui a sensação de dispnéia, porém
essa modalidade ventilatória pode acarretar complicações hemodinâmicas e respiratórias(4) . Porém, hoje sabemos que os mesmos objetivos também podem ser
alcançados, em pacientes selecionados, com o uso da
ventilação não-invasiva com pressão positiva (5) , sem os
riscos inerentes ao uso do tubo traqueal, e com a faci-
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MEYER EC e cols.
Ventilação não-invasiva no cardiopata grave
lidade de descontinuação da ventilação não-invasiva
sempre que necessário.
VENTILAÇÃO
CONCEITO
MECÂNICA NÃO-INVASIVA
—
A ventilação não-invasiva é definida como uma
técnica de ventilação mecânica onde não é empregado
qualquer tipo de prótese traqueal (tubo orotraqueal,
nasotraqueal, ou cânula de traqueostomia), sendo a
conexão entre o ventilador e o paciente feita através
do uso de uma máscara. Dessa forma, diversas modalidades ventilatórias podem ser aplicadas utilizandose essa técnica(6, 7) . Segundo Chatburn e Branson (8,9) ,
quando a ventilação é iniciada e/ou finalizada exclusivamente pelo ventilador, sem qualquer interferência
do paciente, é chamada de mandatória. A ventilação
mandatória pode ser assistida (disparo por pressão ou
fluxo), controlada (disparo por tempo), ou assistida/
controlada (o ciclo é deflagrado de forma mista, predominando o primeiro sinal que surgir). Ventilação
espontânea é aquela em que o paciente de alguma
maneira determina o início e o final da ventilação. A
ventilação espontânea pode ter um suporte pressórico
a cada inspiração (por exemplo, modo pressão de suporte) ou não (por exemplo, pressão positiva contínua
nas vias aéreas). A forma mais estudada de ventilação
mecânica não-invasiva no cardiopata é a pressão positiva contínua (10) . Essa razão deve-se principalmente à
facilidade de instalação do mesmo, bem como à simplicidade de utilização dos equipamentos que fornecem pressão positiva contínua.
HISTÓRICO
A partir da década de 1930, surgiram trabalhos pioneiros, publicados por Motley e colaboradores (11) e
Barach e colaboradores (12,13), que descreveram a técnica e os benefícios do uso da ventilação com pressão
positiva, oferecida através de uma máscara, para pacientes com insuficiência respiratória de variadas etiologias. O uso de pressão positiva contínua fornecida
através de máscara facial, em pacientes com edema
pulmonar, foi primeiramente descrito por Poulton, há
mais de 60 anos(14) . Muitas dessas observações e recomendações referentes ao uso da ventilação não-invasiva permanecem absolutamente atuais, apesar de passado mais de meio século.
A década de 1960 trouxe novos horizontes para a
ventilação mecânica com pressão positiva. A utilização dos conhecimentos de mecânica desenvolvidos
durante a Segunda Guerra Mundial, os avanços tecno-
lógicos, principalmente da eletrônica, provenientes da
corrida espacial, e a incorporação de microprocessadores tornaram os ventiladores artificiais mais sofisticados, confiáveis e acessíveis. A crescente experiência
com o uso das cânulas de traqueostomia e dos tubos
orotraqueais tornou a utilização dessas próteses o procedimento padrão para a ventilação mecânica em Unidades de Terapia Intensiva (4) .
Os tubos traqueais, com os respectivos balonetes
para oclusão da traquéia, mostraram-se de grande utilidade para a manutenção da permeabilidade da via
aérea superior e para a garantia do volume corrente
ofertado durante o suporte ventilatório no atendimento de pacientes graves. Por outro lado, não tardaram a
surgir as descrições de complicações diretamente relacionadas ao uso dessas próteses artificiais(15,16). Hoje
sabemos que, além da lesão local, secundária à isquemia da mucosa da via aérea superior, a agressão aos
mecanismos de defesa pulmonar facilita a ocorrência
de pneumonia nosocomial, sendo esta, atualmente, a
mais temida complicação relacionada à intubação traqueal(17, 18).
O sucesso obtido por Sullivan e colaboradores(19) com
o uso da pressão positiva contínua para o tratamento da
apnéia obstrutiva do sono foi um passo importante para
o retorno da ventilação não-invasiva ao ambiente hospitalar. Esse fato levou ao aperfeiçoamento das máscaras,
tornando-as cada vez mais confortáveis, assim como dos
ventiladores, que passaram a ser desenhados especialmente para a ventilação não-invasiva.
Diversos relatos de sucesso no emprego da ventilação não-invasiva, principalmente com o uso da pressão positiva contínua, para o tratamento da insuficiência respiratória tornaram-se freqüentes (20-22) . Bersten e
colaboradores (3) atenderam 39 pacientes consecutivos
com insuficiência respiratória por edema pulmonar
cardiogênico que foram, após randomização, tratados
segundo a rotina clínica (20 casos), ou esta associada
ao uso da pressão positiva contínua não-invasiva (19
casos). Dos sete pacientes que necessitaram de intubação traqueal, todos pertenciam ao grupo submetido
exclusivamente ao tratamento clínico, e nenhum dos
pacientes do grupo tratado com pressão positiva contínua necessitou de ventilação mecânica invasiva. Neste
trabalho, não houve diferença na mortalidade entre os
grupos.
Um número crescente de trabalhos, criando casuística consistente, foi sucessivamente publicado, enaltecendo o poder de a ventilação não-invasiva evitar a
intubação, e diminuir a freqüência de complicações
relacionadas à ventilação mecânica e o tempo de permanência em Unidades de Cuidados Intensivos para
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Ventilação não-invasiva no cardiopata grave
os pacientes com insuficiência respiratória (23-26) . Recentemente, um estudo
multicêntrico europeu(27) ,
no qual 43 pacientes com
doença pulmonar obstrutiva crônica agudizada foram
randomizados para o tratamento clínico “convencional” comparado com este
associado à ventilação nãoinvasiva (pressão de suporte através de máscara facial), demonstrou redução da
mortalidade hospitalar no
grupo tratado com ventilação não-invasiva, consolidando essa forma de suporte ventilatório na descompensação aguda da doença Figura 1. Aumento da pressão transmural (PTM) do ventrículo esquerdo com uso
pulmonar obstrutiva crôni- de vasopressor e com redução da pressão pleural.
ca. Com relação à insuficiência respiratória aguda, de origem cardiogênica, ain- transmural do ventrículo esquerdo. De fato, a pressão
da não há evidência de redução da mortalidade nesses
transmural do ventrículo esquerdo pode ser traduzida
pacientes, porém vários trabalhos demonstram inequi- na fórmula pressão transmural (PTM) = pressão do
vocamente os benefícios agudos do uso de pressão ventrículo esquerdo (PVE) - pressão pleural (PPL). Por
positiva contínua na insuficiência cardíaca congesti- meio dessa fórmula podemos perceber que a pós-carva(1-3, 10, 28, 29) .
ga do ventrículo esquerdo depende não apenas da pressão da raiz da aorta, como também das variações da
EFEITOS FISIOLÓGICOS DO USO DA
pressão pleural. Na Figura 1, pode-se observar como
PRESSÃO POSITIVA CONTÍNUA
uma diminuição da pressão pleural (manobra de
Müller) pode provocar o mesmo efeito sobre a pósEfeitos hemodinâmicos
carga que o aumento de pressão na raiz da aorta proSabe-se que a pressão intratorácica é capaz de in- vocado pela infusão de uma droga vasopressora.
terferir no desempenho cardíaco(30) . Para a melhor comEm contrapartida, a manobra de Valsalva, que é
preensão dos efeitos fisiológicos da pressão positiva
oposta à manobra de Müller, provoca diminuição do
contínua, iniciaremos esta exposição pelos efeitos fi- gradiente de pressão transmural do ventrículo esquersiológicos da pressão negativa intratorácica. Durante do, tendo efeito de redução da pós-carga desse
a realização voluntária de pressão negativa ventrículo. Na verdade, esses efeitos da pressão
intratorácica, o aumento da capacitância venosa pul- intratorácica sobre a função cardíaca são mais acentumonar diminui o enchimento do ventrículo esquerdo e ados no paciente com insuficiência cardíaca congestiva.
concomitantemente aumenta também o volume
A aplicação de pressão positiva contínua, através
sistólico final do ventrículo esquerdo, refletindo em de máscara facial ou nasal, em pacientes com insuficiredução do desempenho cardíaco(30) . Essa explicação
ência cardíaca congestiva descompensada pode proencontra-se na sugestão de que a pós-carga do vocar aumento agudo no débito cardíaco ou aumento
ventrículo esquerdo relaciona-se mais fielmente à pres- do desempenho do ventrículo esquerdo(1, 2, 10, 29) . Os efeisão transmural do ventrículo esquerdo do que à pres- tos positivos da pressão positiva contínua sobre o desão na raiz da aorta. Durante esforço inspiratório in- sempenho cardíaco podem ser traduzidos como redutenso e prolongado, criam-se pressões negativas
ção da pré-carga, por meio da redução do retorno veintratorácicas de grande magnitude, que modificam o noso, e de redução da pós-carga, por meio de redução
volume sistólico final do ventrículo esquerdo,
da pressão transmural do ventrículo esquerdo. Efeitos
correlacionado diretamente à magnitude de pressão crônicos sobre a melhora da fração de ejeção do
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Ventilação não-invasiva no cardiopata grave
ventrículo esquerdo também foram relatados após a
aplicação noturna diária de pressão positiva contínua
em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva e,
concomitantemente, apnéia obstrutiva do sono (31) .
Os efeitos hemodinâmicos agudos da pressão positiva contínua no cardiopata estável são controversos,
principalmente o efeito sobre o débito cardíaco, que
pode aumentar, diminuir, ou ficar inalterado(2) . Essas
diferenças refletem as variadas populações de
cardiopatas estudadas. Pacientes que respondem à pressão positiva contínua com aumento de débito cardíaco
apresentam, como efeito predominante da pressão positiva contínua, a redução da pós-carga, ao passo que
nos que não respondem o efeito principal da pressão
positiva contínua concentra-se na redução do retorno
venoso(10) . Admite-se que, na insuficiência cardíaca
congestiva, o débito cardíaco seja mais sensível às
modificações da pós-carga do que da pré-carga. Apesar dessas controvérsias sobre a modificação do débito cardíaco induzidas pelo pressão positiva contínua,
há unanimidade sobre os efeitos benéficos da pressão
positiva contínua quando aplicada no paciente com
edema agudo dos pulmões de origem cardiogênica(2) ,
especulando-se, ainda, a colaboração de mecanismos
reflexos para a melhora do desempenho cardíaco(32) .
Efeitos respiratórios
O edema pulmorar cardiogênico causa deterioração da mecânica respiratória, ocorrendo aumento da
resistência de vias aéreas e diminuição da complacência pulmonar(2) . Esses efeitos somados aumentam o
trabalho respiratório e o gasto de oxigênio pela ventilação e provocam uma necessidade de geração de pressões intratorácicas mais negativas para a manutenção
da ventilação. Esse aumento de trabalho respiratório e
redução da pressão pleural submete o paciente a aumento da pós e da pré-carga, bem como a aumento do
consumo de oxigênio, submetendo o paciente
cardiopata a sobrerga adicional a seu sistema circulatório. Já está bem documentado que a aplicação de
pressão positiva contínua nesses pacientes reduz a freqüência respiratória, a PaCO2, a pressão transpulmonar
e o trabalho respiratório(1-3, 33) . Quando o trabalho respiratório foi mensurado utilizando-se medidas da pressão esofágica, pôde-se observar redução nos componentes resistivos e elásticos do sistema respiratório (2) .
No edema pulmonar cardiogênico, a oxigenação
encontra-se afetada pelo aumento de “shunt” pulmonar. A utilização de pressão positiva contínua melhora
a oxigenação desses pacientes reduzindo o “shunt”(1) .
Esse efeito é explicado pela capacidade da pressão
positiva contínua de recrutar unidades alveolares
colapsadas(34) .
A combinação dos efeitos sobre a mecânica respiratória, a oxigenação e o sistema circulatório resulta
em melhora no balanço entre a oferta e o consumo de
oxigênio nos pacientes com insuficiência cardíaca
congestiva. A soma desses efeitos pode ser demonstrada na redução da necessidade de ventilação mecânica nos pacientes que se submeteram ao tratamento
com pressão positiva contínua (3) . Teoricamente, o uso
de outras modalidades de ventilação não-invasiva, que
utilizem ventilação assistida (como, por exemplo, pressão de suporte associada a pressão positiva contínua),
no cardiopata agudo traria redução ainda maior do trabalho respiratório, podendo ter efeitos adicionais no
tratamento da insuficiência respiratória aguda de origem cardiogênica. O único trabalho que explora o suporte ventilatório não-invasivo através de ventilação
em dois níveis de pressão (BIPAP) em pacientes com
edema agudo dos pulmões demonstra melhora mais
rápida dos parâmetros ventilatórios na população que
utilizou BIPAP, quando comparada a outra população
que utilizou a pressão positiva contínua. O tempo de
permanência hospitalar, a mortalidade e a necessidade
de ventilação mecânica não foram diferentes entre esses dois grupos, porém a incidência de infarto agudo
do miocárdio na população que utilizou BIPAP foi de
71%, contra 31% do grupo que utilizou pressão positiva contínua(35) . Essa incidência elevada de infarto agudo do miocárdio (mais elevada inclusive que o controle histórico) ressalta a necessidade de novos estudos
para a elucidação da influência de outros modos de
ventilação assistida sobre a hemodinâmica e sobre as
taxas de infarto.
EFEITOS
CRÔNICOS DA PRESSÃO POSITIVA
CONTÍNUA EM PACIENTES COM INSUFICIÊNCIA
CARDÍACA CONGESTIVA
O uso crônico noturno de pressão positiva contínua tem papel importante em pacientes com
concomitância de insuficiência cardíaca congestiva e
distúrbios respiratórios do sono, os quais incluem
apnéia obstrutiva do sono e respiração de CheyneStokes com apnéias centrais. A apnéia obstrutiva do
sono é caracterizada por perda do tono da musculatura
inspiratória das vias aéreas superiores durante o sono,
que é superimposta a uma faringe estreita e altamente
complacente. Como resultado, a faringe colaba durante o sono, levando a apnéias obstrutivas. A respiração
de Cheyne-Stokes é uma forma de respiração periódica, caracterizada por apnéias centrais, que se alternam
com períodos regulares de ventilação, ocorrendo de
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Ventilação não-invasiva no cardiopata grave
forma crescente-decrescente. Portanto, a maior diferença entre apnéia obstrutiva do sono e respiração de Cheyne-Stokes é a caracterização da natureza das apnéias. Enquanto durante a apnéia obstrutiva
do sono o paciente, na tentativa de respirar contra
uma via aérea superior fechada, gera pressão negativa intratorácica, durante a respiração de CheyneStokes não existe geração de esforço respiratório,
o que permite classificar as apnéias como centrais.
A prevalência de apnéia obstrutiva do sono em
populações de indivíduos normais, entre os 30 e os
60 anos de idade, é relativamente alta (aproximadamente 9% em homens e 4% em mulheres)(36) . Em
pacientes com insuficiência cardíaca congestiva,
além de alta incidência de apnéia obstrutiva do sono,
grande número apresenta respiração de CheyneStokes (em torno de 30% de pacientes com insuficiência cardíaca congestiva grave). Quando somados, os distúrbios respiratórios do sono em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva são extremamente comuns, chegando a 45% (37) . Apesar
desses números extremamente altos, o diagnóstico
de distúrbios respiratórios do sono em pacientes
com insuficiência cardíaca congestiva é baixo. O
principal fator está provavelmente relacionado ao
pequeno reconhecimento da importância dos distúrbios respiratórios do sono pela comunidade médica. Adicionalmente, em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva, sintomas como dificuldades para manter o sono, dispnéia noturna, sonolência e fadiga diurna superpõem-se aos sintomas
relacionados à insuficiência cardíaca, tornando o
diagnóstico desses distúrbios ainda mais difícil.
Durante o sono, em condições normais, existe
redução do metabolismo basal, da atividade nervosa
simpática, da freqüência cardíaca, do débito
cardíaco e da pressão arterial sistêmica. A resultante
de todas essas alterações fisiológicas é uma redução
do trabalho imposto ao miocárdio. Em contraste,
nos pacientes com apnéia obstrutiva do sono, os
múltiplos episódios de apnéias obstrutivas
desencadeiam uma complexa cadeia de eventos
fisiopatológicos que incluem geração de pressão
intratorácica negativa com aumento da pós-carga
imposta ao ventrículo esquerdo, hipoxia, retenção
de CO2, freqüentes despertares, ativação do sistema
nervoso simpático (desencadeada por todos os
mecanismos citados) e aumento cíclico da pressão
arterial sistêmica. Todos os elementos descritos são
potencialmente deletérios para o sistema
cardiovascular, em especial nos pacientes que já
apresentam disfunção cardíaca. O tratamento da
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apnéia obstrutiva do sono em pacientes com
insuficiência cardíaca congestiva é similar ao
tratamento quando na ausência de insuficiência
cardíaca congestiva. O objetivo principal é a
manutenção da patência das vias aéreas superiores
e a prevenção da apnéia e suas conseqüências.
Algumas medidas gerais, como perder peso e evitar
o uso de álcool e de medicamentos sedativos, podem
ajudar a evitar o fechamento das vias aéreas durante
a noite. O tratamento específico de eleição na
maioria dos casos de apnéia obstrutiva do sono é o
uso de pressão positiva contínua. A pressão positiva
contínua elimina as apnéias obstrutivas ao atuar
como uma “tala pneumática” que previne o colapso
das vias aéreas superiores. Malone e colaboradores(31) demonstraram melhora significativa da
fração de ejeção durante o dia em associação com
melhora da classe funcional após o tratamento por
um mês em pacientes com cardiomiopatia dilatada
e apnéia obstrutiva do sono concomitante.
Adicionalmente, a retirada por apenas uma semana
da pressão positiva contínua foi suficiente para
determinar o retorno da fração de ejeção para
valores pré-tratamento(31) .
A respiração de Cheyne Stokes pode existir
como conseqüência de disfunção cardíaca grave ou
de doenças neurológicas. O elemento fisiopatológico principal envolvido na gênese da respiração
de Cheyne-Stokes em pacientes com insuficiência
cardíaca congestiva é a congestão pulmonar, que,
por meio da estimulação vagal, determina hiperventilação e hipocapnia, que, por sua vez, desencadeia
apnéias centrais. A respiração de Cheyne-Stokes não
é somente um marcador de mau prognóstico em
pacientes com insuficiência cardíaca congestiva,
como também existem evidências de que uma vez
estabelecida a respiração de Cheyne Stokes, esta
participa de um ciclo vicioso que contribui para
rápida deterioração cardiovascular. Os elementos
fisiopatológicos que podem estar envolvidos na
deterioração cardíaca em pacientes com respiração
de Cheyne-Stokes incluem despertares freqüentes,
hipoxia recorrente, oscilações da pressão arterial, e
freqüência cardíaca e ativação do sistema nervoso
simpático. Ao contrário da apnéia obstrutiva do
sono, onde o tratamento com pressão positiva contínua elimina as apnéias quase que imediatamente,
o tratamento de respiração de Cheyne-Stokes com
pressão positiva contínua é mais lento e envolve
mecanismos que não são completamente conhecidos. Entre eles incluem-se diminuição da pré e da
pós-carga do ventrículo esquerdo, diminuição do
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MEYER EC e cols.
Ventilação não-invasiva no cardiopata grave
trabalho respiratório e melhora da função cardíaca
com diminuição da congestão pulmonar e sua conseqüente hiperventilação. A pressão positiva contínua também funciona como uma resistência expiratória que pode elevar o CO2 e estabilizar o sistema respiratório. Vários trabalhos demonstraram que
a aplicação de pressão positiva contínua noturna em
pacientes clinicamente estáveis sob terapia máxima para a insuficiência cardíaca congestiva, por
períodos de um a três meses, levou à melhora de
grande número de parâmetros. Entre eles incluemse: melhora da força da musculatura respiratória,
redução da atividade nervosa simpática, redução de
regurgitação mitral com concomitante redução dos
níveis de fator natriurético atrial e aumento da fração de ejeção(38-40) .
Portanto, o reconhecimento e o tratamento adequado de distúrbios respiratórios do sono associados a insuficiência cardíaca congestiva por meio de
pressão positiva contínua envolvem não só a melhora da qualidade do sono e sintomas de sonolência diurna, mas principalmente deve ser entendido
como um tratamento não-farmacológico, que tem o
potencial de melhorar a função cardíaca nos paci-
NONINVASIVE
entes clinicamente estáveis, porém com insuficiência cardíaca grave.
CONCLUSÃO
A utilização da pressão positiva contínua em
cardiopatas já faz parte do arsenal terapêutico nãofarmacológico. O benefício da pressão positiva contínua no edema agudo dos pulmões sobre as condições
respiratórias e hemodinâmicas é indiscutível. Está definido que a pressão positiva contínua melhora a
oxigenação e diminui o trabalho respiratório e o esforço ventilatório, reduzindo a necessidade de intubação
e de ventilação mecânica. A pressão positiva contínua
reduz a pressão transmural do ventrículo esquerdo,
sugerindo melhora do desempenho cardíaco. Os efeitos da utilização da pressão positiva contínua noturna
em cardiopatas crônicos parecem promissores no tratamento do cardiopata estável, principalmente se este
apresentar distúrbio do sono concomitante.
Ainda faltam estudos que correlacionem esses efeitos benéficos (agudos e crônicos) com a influência
sobre a mortalidade dos pacientes com insuficiência
cardíaca grave.
VENTILATION IN THE SEVERE CONGESTIVE HEART FAILURE PATIENT
EDUARDO CORRÊA MEYER, GERALDO LORENZI FILHO, GUILHERME DE PAULA PINTO SCHETTINO, R OBERTO
RIBEIRO DE CARVALHO
Congestive heart failure results in an increase in extravascular lung water, a reduction in lung volume and
lung compliance, and an increase in airway resistance, promoting an increase in oxygen consumption and a left
ventricle overload. The use of continuous positive airway pressure in the congestive heart failure patient improves oxygenation, work of breathing, and lung mechanical properties. Continuous positive airway pressure
improves heart performance by reducing left ventricle transmural pressure and decreasing venous return. The
use of continuous positive airway pressure in the acute pulmonary edema reduces the need of mechanical ventilation and the duration of intensive care unit stay. After one month treatment with nocturnal continuous positive airway pressure, stable congestive heart failure patients with coexisting obstructive sleep apnoea syndrome
showed a significantly improve in the left ventricle ejection fraction during the day, and an improve in the
functional class. Continuous positive airway pressure should not only be considered as the first ventilatory
strategy choice in the acute pulmonary edema, but also a non pharmacologic therapy for the stable but severe
congestive heart failure patient.
Key words: continuous positive airway pressure, noninvasive ventilation, positive-pressure ventilation, acute
respiratory failure, pulmonary edema, congestive heart failure.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 1998;3:420-7)
RSCESP (72594)-712
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo Vol 8 N o 3 Mai/Jun 1998
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MEYER EC e cols.
Ventilação não-invasiva no cardiopata grave
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VNI no cardiopata grave.