AÇÃO CIVIL PÚBLICA NO ÂMBITO DA JUSTIÇA DO TRABALHO:
objeto, legitimidade “ad causam”, interesse processual e execução
do julgado
Alexandre Nery de Oliveira
Juiz da 12ª Vara do Trabalho de Brasília/DF;
Pós-Graduado em Direito Constitucional; Professor de Direito Processual
A partir da Constituição de Outubro de 1988, a doutrina trabalhista passou a
deter-se com rito próprio do Processo Civil, a ação civil pública, em decorrência da
norma inserida no inciso III do artigo 129 do Texto Fundamental, que enuncia como
função institucional do Ministério Público “promover o inquérito civil e a ação civil
pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos”, inclusive, na forma do inciso II do citado dispositivo
constitucional, de modo a “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos
serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,
promovendo as medidas necessárias a sua garantia”.
Por conta disso, a doutrina, inicialmente, passou a vislumbrar a possibilidade
da ação civil pública ser postulada também no âmbito juslaboral pelo Ministério Público
do Trabalho, consagrando a hipótese em que os interesses atingidos se vislumbravam
dispersos numa determinada coletividade, ou mesmo além, impossibilitados de serem
definidos os entes coletivos atingidos pela suposta lesão ou ameaça de lesão a direito
trabalhista, direto ou potencial.
Dentre os principais defensores da atribuição institucional do Ministério
Público do Trabalho em relação ao inquérito civil público e à ação civil pública
trabalhista encontra-se o hoje Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, que em
1992, então na qualidade de Subprocurador-Geral do Trabalho, deu andamento
àquela que é tida como a primeira ação civil pública ajuizada perante a Justiça do
Trabalho, proposta perante a Egrégia 6ª Junta de Conciliação e Julgamento de
Brasília/DF após as conclusões do inquérito civil instaurado pela Portaria nº 01, de 02
de janeiro de 1992, publicada no DJU-1 de 06.01.92, p. 14, atendendo provocação da
FENAE — Federação Nacional das Associações de Pessoal da Caixa Econômica
Federal para a investigação quanto ao uso ilegal de mão-de-obra pela CEF-Caixa
Econômica Federal através de intermediação (marchandage).
Com base nas conclusões do inquérito civil, em fevereiro de 1992 o Ministério
Público do Trabalho, pelo então Subprocurador-Geral do Trabalho Ives Gandra da
Silva Martins Filho, ajuizou a conseqüente ação civil pública contra a CEF para
obstaculizar a intermediação havida por ilegal e provocar a realização do necessário
concurso público, tendo aquele feito sido distribuído à Egrégia 6ª Junta de Conciliação
e Julgamento de Brasília, onde tombado sob o nº 372/92.
O exame daquele histórico processo ficou a cargo do então Juiz do Trabalho
Substituto João Carlos Ribeiro de Souza, à época integrante da 10ª Região da Justiça
do Trabalho e hoje emérito Juiz do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 23ª
Região, que, enfrentando aspectos pertinentes à competência da Justiça do Trabalho,
o limite do objeto, a legitimidade e os efeitos do julgado, assim ementou sua sentença,
proferida em sessão de julgamento de 27.04.92:
“Ementa: ADMINISTRAÇÃO INDIRETA. LOCAÇÃO IRREGULAR
DE
MÃO-DE-OBRA
CONFESSADA.
INTERESSE
METAINDIVIDUAL DA GRANDE MASSA QUE SE INSCREVE EM
TODOS OS CONCURSOS PÚBLICOS ABERTOS — AÇÃO CIVIL
PÚBLICA PROCEDENTE EM PARTE. Quando a entidade da
administração indireta confessa que, através de irregular locação
de mão-de-obra, contorna o dever constitucional de admitir
empregados através de concursos públicos, e, com isso, deixa de
vivenciar
o
princípio
do
pleno
emprego,
também
dever
constitucional, está criada ampla área de “conflittualitá” com os
interesses daquela massa que, aos milhares, se inscreve em
todos os concursos públicos. Nas daí a possibilidade de uma ação
civil pública, para cuja promoção tem legitimidade o Ministério
Público (CF, art. 129, III) que, na difícil missão de atuar como Juiz
e como polícia, se transforma em advogado da transformação,
missão mais espinhosa do que a de advogado da conservação
(Bertrand Russel). E competente para conciliar e julgar a
controvérsia é a Justiça do Trabalho, eis que, apesar da
metaindividualidade, o conflito é entre empregador e massa
empregada ou empregatícia (CF, art. 114). INTERESSE PÚBLICO
— PREVALÊNCIA SOBRE O INTERESSE DE CLASSE OU
MASSA — JUÍZO PRETORIANO. O julgador não pode fugir à
realidade de seu tempo e de seu mundo. Faz justiça evitando que
o interesse de classe prevaleça sobre o interesse público e em
tempos de crise, sem perder de vista o restabelecimento do
império da transparência e do cumprimento da lei, evita medidas
drásticas
que
possam,
pelo
afogadilho,
comprometer
o
funcionamento de uma estrutura geradora de empregos e de
riquezas.”
A ação primeira suscitou diversos questionamentos da parte requerida,
inclusive no concernente à competência da Justiça do Trabalho e quanto à
legitimidade ativa para a causa por parte do Ministério Público do Trabalho.
Em lapidar pronunciamento, a sentença do emérito Juiz João Carlos Ribeiro
de Souza enunciou a competência material da Justiça do Trabalho, então à falta de
qualquer regulamentação infraconstitucional específica a respeito, salientando que “a
questão foi posta como uma controvérsia decorrente de interesses envolventes de
relações de trabalho e a única conotação diferente, que pode induzir a erro, é fruto da
natureza mesmo, especialíssima, da ação civil pública, e diz respeito ao pedido de
forçar a ré a adotar determinado comportamento trabalhista, o que ainda está no
campo da competência da Justiça do Trabalho. (...) Isso equivale dizer que, apesar da
metaindividualidade, estamos em face de um conflito, de uma controvérsia decorrente
de relação de trabalho. Matéria de competência trabalhista. E tal controvérsia acha na
Lei 7.347/85 o diploma que a regula, satisfazendo, in totum, os pressupostos do art.
114/CF. A finalidade da demanda não é, pois, d.v. da defesa, imiscuir em poder
discricionário de dirigente empresário e sim a de discutir se a hipótese é mesmo de
poder discricionário ou de simples poder vinculado aos interesses sociais pelos
direitos sociais. Não se discutem minúcias de contratos celebrados entre a ré e as
empresas fornecedoras suas e sim a existência de eventual lesão de direitos
trabalhistas, daí decorrentes, o que é muito diferente, d.v.. (...) Esta ação é civil pública
e, como já se viu, versa direito de massa da competência desta Justiça. Afirmada a
competência em razão da matéria resta dizer que a competência hierárquica nem foi
motivo de discussão e afirmar que, no particular, está correto o raciocínio da inicial,
que se adota. A competência inicial é mesmo da primeira instância e o fôro é o de
Brasília, sede do centro nervoso da ré, aliás. O que aqui, em enganosa aparência,
foge da rotina do dia-a-dia, não deve assustar. Na discussão relativa a interesses
difusos o processo assume caleidoscópicas posições, desafiando a argúcia e a
criatividade do processualista”. E prosseguindo no exame da legitimidade do Ministério
Público do Trabalho e dos aspectos concernentes ao interesse processual de agir, no
caso inequivocamente vinculados à expressão competencial da Justiça do Trabalho,
declarou que, “afirmada a competência desta Justiça cai o argumento que a defesa
levantou para sustentar a ilegitimidade ativa do Ministério Público. Desde a Lei
Complementar 40, de 14.12.1981, e com maior ênfase com a Constituição de 1988, o
Ministério Público ganhou funções institucionais importantes e, como paladino da
Justiça,
tem
na
ação
civil
pública
sua
mais
reconhecida
legitimidade,
constitucionalmente proclamada (artigo 129, III). (...) Existindo, ou mesmo discutindose, a existência de interesse difuso, ao Ministério Público cabe o dever constitucional
de armar dele a proteção. E o fato de a defesa entender que as conseqüências de
uma procedência da ação prejudicaria mais do que beneficiaria à sociedade é própria
da discussão. Evidencia interesses de massa conflitantes, mostra interesses difusos, e
a prevalência de uma outra corrente é questão de mérito, evidentemente, e não
justifica uma carência de ação.”
Em artigo posteriormente publicado na Revista LTr nº 55, de julho de 1992, o
eminente jurista Ives Gandra da Silva Martins Filho elucidou a questão da competência
hierárquica, salientando que “quanto à competência funcional, a ação civil pública
deve ser proposta na Junta de Conciliação e Julgamento, tendo em vista a natureza
de dissídio individual, ainda que plúrimo, da ação. Isto porque o conceito técnicojurídico de dissídio coletivo está ligado ao exercício, pela Justiça do Trabalho, do
poder normativo, caracterizado pela criação de normas e condições de trabalho. Ora,
no caso da ação civil pública, não se busca o estabelecimento de novas normas e
condições de trabalho, mas o respeito às já existentes e que podem estar sendo
violadas.” (p. 813).
Tal aspecto competencial hierárquico, enunciado tanto na r. sentença do
emérito Juiz João Carlos Ribeiro de Souza, quanto ainda no artigo doutrinário do
professor e hoje Ministro do Colendo Tribunal Superior do Trabalho Ives Gandra da
Silva Martins Filho, é de suma importância e gerou em dado momento controvérsias
no âmbito dos Tribunais do Trabalho que, acostumados às lides coletivas, chegaram a
entender, em jurisprudência hoje suplantada, que seriam as Cortes e não os Juízos de
Primeiro Grau os competentes para o processo e julgamento das ações civis públicas,
dado o alcance das decisões proferidas em relação aos envolvidos, alcance que
suplanta o mero litígio entre indivíduos. Ocorre que a Lei 7.347/85, dando o norte
preciso dos ritos aplicáveis à ação civil pública, enumera no artigo 2º a competência do
Juízo do local onde ocorrer o dano para o processo e julgamento da demanda
especial, e depois explicitando, no artigo 16, conforme a redação dada pela Lei
9.494/97, que “a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da
competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente
por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra
ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”, a esclarecer, assim, que o
simples fato de jungido a determinada localidade não impedia ao Juízo de Primeiro
Grau o pronunciamento com efeitos sobre todo o grupo, coletividade ou sociedade
jurisdicionada. Por conta disso, ainda que eventual dano repercuta além de
determinada circunscrição judiciária, nem por tal motivo haverá deslocamento
competencial para o Tribunal Regional ou para o Tribunal Superior do Trabalho, eis
que em assim constatado, o dano se estenderia, em verdade, por diversas localidades
a tornar competentes os Juízos com competência territorial sobre os mesmos.
Eventuais questionamentos acerca da uniformização jurisprudencial denotariam,
então, já o exame sob as regras da prevenção processual, na forma do artigo 102 e
seguintes do Código de Processo Civil, restando assim jungida a intervenção dos
Tribunais do Trabalho ao âmbito recursal ou, excepcionalmente, em razão de
mandado de segurança impetrado contra eventual decisão liminar.
Efetivamente a Lei 7.347/85, que disciplina a ação civil pública de
responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e
direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, se permitia
vislumbrar o rito aplicável à mesma, doutro lado enunciava regras de complexa
aplicabilidade no seio do processo trabalhista, a partir da enumeração dos objetos
envolvidos na ação civil pública então disciplinada, razão maior para os méritos da
sentença inédita que então se proferira, atendendo igual inédita provocação do
Ministério Público do Trabalho, e que resultou, por tudo, em subseqüente reafirmação
da competência da Justiça do Trabalho e mesmo na específica regulamentação da
ação civil pública em seu âmbito, quando na posterior edição da Lei Complementar nº
75, de 20.05.93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União), a qual explicitou, no
artigo 83, inciso III, competir ao Ministério Público do Trabalho “promover a ação civil
pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando
desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos”, sem prejuízo ainda,
ante o contido no inciso I, de perante os órgãos da Justiça do Trabalho “promover as
ações que lhe sejam atribuídas pela Constituição Federal ou pelas leis trabalhistas”,
tudo a afirmar, no campo legislativo, não apenas a atribuição institucional do Ministério
Público do Trabalho para a ação civil pública trabalhista, e assim sua legitimidade ativa
para a causa, como igualmente, por via conexa, a competência da Justiça do Trabalho
para conhecer as ações civis públicas assim apresentadas, concernentes, sobretudo,
à defesa de interesses trabalhistas coletivos ou difusos.
Nesta linha, a jurisprudência dos Tribunais do Trabalho, verbis:
“Ementa: AÇÃO CIVIL PÚBLICA NA JUSTIÇA DO TRABALHO LEGITIMIDADE ATIVA. Na Justiça do Trabalho, a legitimidade
ativa para propositura da Ação Civil Pública é exclusiva do
Ministério Público do Trabalho. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL ABRANGÊNCIA - ART. 8º, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ENUNCIADO Nº 310/TST. Conforme recente decisão do Colendo
Supremo Tribunal Federal, o art. 8º, III, da Constituição Federal
por si só confere legitimidade ativa aos sindicatos para a "defesa
dos direitos e interesses coletivos e individuais da categoria,
inclusive em questões judiciais ou administrativas", sendo de se
afastar a interpretação limitativa do instituto da substituição
processual no âmbito do Direito do Trabalho empregada pelo
inciso I do Enunciado nº 310/TST.”
TRT — 3ª Região — 3ª Turma Juiz José Roberto Freire Pimenta
RO 5310/95 julgado em 02.08.95 Origem: 2ª JCJ de Juiz de
Fora/MG (sentença da lavra do Juiz Marcelo Paes Menezes)
Acórdão publicado na LTr 60, de março/96.
“Ementa; AÇÃO CIVIL PÚBLICA - COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA.
Apenas quando há expressa disposição legal neste sentido, a
competência originária para conhecer de qualquer demanda deixa
de pertencer ao Juízo de Primeiro Grau. DISTINÇÃO ENTRE
DIREITOS COLETIVOS E DIREITOS DIFUSOS. No julgamento
daqueles há atividade criativa do órgão julgador, enquanto neste o
pronunciamento judicial tem por base norma já existente.
Naqueles os interesses são individualizáveis nas ações de
cumprimento, enquanto nestes os titulares do direito são
inindentificáveis.”
TRT — 1ª Região — Seção de Dissídios Coletivos Juíza Dóris
Castro Neves ACP 210/95 julgado em 28.08.95, declarando a
competência originária de Junta de Conciliação e Julgamento da
Região. Acórdão publicado na LTr 60, de março/96.
“Ementa:
AÇÃO
CIVIL
PÚBLICA.
MINISTÉRIO
PÚBLICO.
LEGITIMIDADE. Ao enumerar, de forma exaustiva, a competência
do Ministério Público do Trabalho, dentre elas, a de promover
ação
civil
pública
para
defesa
de
interesses
coletivos
assegurados, fê-lo a Constituição visando afastar por esse meio
fator de agitação pública, de forma a constituir essa circunstância
elemento imprescindível à condição da ação. Recurso conhecido,
mas não provido.”
TRT — 10ª Região — 1ª Turma Relator Juiz Herácito Pena Júnior
RO 6662/94 Origem: 20ª JCJ de Brasília/DF (sentença da lavra do
Juiz Ricardo Alencar Machado) Acórdão publicado no DJU-3 de
13.06.97.
“Ementa: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA DO
TRABALHO. É competente a Justiça do Trabalho para conhecer e
julgar a ação civil pública, consoante inciso III, do art. 83, da Lei
Complementar nº 75/93 c/c art. 114 e 129, III, da Lei CF/88, por
tratar-se de defesa de interesse metaindividual, onde está
envolvida
relação
que
abrange
a
legislação
trabalhista,
especificamente, tendo em conta o regime celetista vigorante na
empresa ré, anda que este interesse seja de empregado em
potencial. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Compete ao Ministério
Público do Trabalho promover a ação civil pública no âmbito da
Justiça do Trabalho para a defesa dos interesses coletivos,
quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente
garantidos (art. 83, III, da Lei Complementar 75/93), bem como de
interesses individuais indisponíveis, sociais, difusos e coletivos
desde que ligados de alguma forma ao Direito do Trabalho (art. 6º,
inciso VII, letra "d", da LC 75/93). CONTRATAÇÃO IRREGULAR.
EMPRESA
PÚBLICA.
Tem-se
por
irregular,
posto
que
desatendidas as determinações constitucionais insculpidas no art.
37, inciso II, a contratação por empresa pública de empregado,
sem o pertinente concurso público.”
TRT — 10ª Região — 1ª Turma Relator Juiz Pedro Navarro RO
1859/98 julgado em 18.08.98. Origem: 13ª JCJ de Brasília/DF
(sentença da lavra do Juiz José Leone Cordeiro Leite) Acórdão
publicado no DJU-3 de 04.09.98
A jurisprudência, como a doutrina, tem caminhado no sentido de vislumbrar
apenas a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para a propositura de ação
civil pública perante a Justiça do Trabalho, sobretudo ao argumento de que a
legislação infraconstitucional não pode ser interpretada extensivamente porquanto
inespecífica, à exceção apenas da Lei Complementar nº 75/93, artigo 83, embora a Lei
7.347/85, que retirados os aspectos do objeto envolvido, permitem vislumbrar o rito
aplicável à ação civil pública também no seio da Justiça Especializada, enumere no
seu artigo 5º:
“Art. 5º. A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo
Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios.
Poderão também ser propostas por autarquia, empresa pública,
fundação, sociedade de economia mista ou por associação que: I
— esteja constituída há pelo menos um ano, nos termos da lei
civil; II — inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção
ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre
concorrência, ou ao patrimônio artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico.”
Tal interpretação concernente à restrição concernente à legitimidade para a
ação civil pública mostra-se plausível eis que nenhuma das associações legitimadas
pela Lei 7.347/85 tem em seu objeto social a proteção ao trabalhador, e nenhum dos
entes públicos referidos, à exceção do Ministério Público do Trabalho, tem por
atribuição constitucional a defesa dos interesses sociais dos trabalhadores, no campo
difuso e metaindividual próprio da ação civil pública.
Poder-se-ía divagar na possibilidade dos sindicatos, como associações
especiais, deterem a legitimidade concorrente para a ação civil pública no âmbito
trabalhista, mas então o divórcio do objeto admitido no artigo 5º da Lei 7.347/85 com
as atribuições sindicais estabelecidas no artigo 8º, III, da Constituição Federal exigiria,
inegavelmente, a existência de lei específica a regular a hipótese, somando-se àquela
já estabelecida no artigo 129, III, da Constituição, regulamentada pelo artigo 83 da Lei
Complementar 75/93, no concernente ao Ministério Público do Trabalho.
Definidas as questões alusivas à competência da Justiça do Trabalho e à
legitimidade ativa ad causam e ao interesse de agir por parte do Ministério Público do
Trabalho, em se tratando de ação civil pública, importa delinear o objeto possível de tal
demanda.
No âmbito trabalhista, à falta de regulamentação específica que não a da Lei
Complementar nº 75/93, pertinente à atuação do Ministério Público do Trabalho em
sede de ação civil pública, ressai o objeto possível da demanda como a defesa dos
interesses
coletivos
ou
difusos,
concernentes
a
direitos
sociais
garantidos
constitucionalmente e pertinentes à relação de trabalho, efetiva ou potencial,
Cumpre, assim, definir o que sejam interesses de ordem coletiva ou de ordem
difusa.
Conforme o emérito professor Ives Gandra da Silva Martins Filho, os
interesses difusos “dizem respeito a pessoas cuja identificação é impossível, dada a
amplitude do bem jurídico a ser guarnecido, desfrutável teoricamente por parcela
considerável da sociedade: indiretamente, o interesse é de toda a sociedade à
proteção do bem em apreço”, enquanto os interesses coletivos são “comuns a uma
determinada coletividade, impondo soluções homogêneas para a composição de
conflitos” (in LTr 56-07, julho/92, p. 809). E prossegue: “A diferenciação entre os
interesses coletivos e os difusos tem por base a maior abrangência destes últimos,
onde o universo de pessoas afetadas pelo ato lesivo não é passível de determinação,
enquanto que, em relação aos interesses coletivos, há uma coletividade concreta e
determinável ligada aos bens jurídicos em disputa” (in LTr 56-07, julho/92, p. 810).
Neste sentido, no campo dos interesses difusos, em que o grupo atingido,
ainda que conhecido, é inindentificável, o Ministério Público age como legítimo
representante, eis que, em suma, a própria sociedade se qualifica no conceito,
enquanto, no campo dos interesses coletivos trabalhistas, transparece a legitimidade
concorrente do Ministério Público do Trabalho e dos sindicatos para atuarem como
representantes do grupo ou categoria atingidos, apenas extraindo-se que, enquanto
não editada norma específica, para a propositura da ação civil pública apenas o
Ministério Público do Trabalho detém a legitimidade ad causam, enquanto ao sindicato
remanescem as demais vias de defesa jurídica e judiciária dos interesses da
respectiva categoria ou grupo, sem prejuízo, contudo, na forma do artigo 6º da Lei
7.347/92, de poder o sindicato representar ao Ministério Público do Trabalho para que
instaure o devido inquérito civil ou mesmo promova a ação civil pública, quando
detentor de informações sobre fatos que constituam objeto possível para a demanda
especial referida.
De tudo, contudo, ocorre sempre a referência à inexistência da norma
procedimental específica pertinente à ação civil pública no âmbito da Justiça do
Trabalho, ensejando ao intérprete a invocação dos preceitos existentes na própria CLT
de modo a resolver, no campo processual, tal discussão. Indubitavelmente, o artigo
769 consolidado indica o caminho mais seguro à procedimentalização da ação civil
pública no seio trabalhista, ao explicitar que o Processo Comum será fonte subsidiária
do Processo do Trabalho quando houver omissão, exceto quando constatada
incompatibilidade com as normas rituais instituídas para a Justiça do Trabalho. Assim
sendo, o rito ordinário trabalhista, concernente àquele descrito para as reclamações
trabalhistas em geral, deve ser seguido tanto quanto possível, com a inserção, nos
momentos próprios, dos preceitos peculiares e especiais pertinentes à ação civil
pública, assim sendo possível o debate no campo liminar e, em seguida, a realização
dos atos processuais em audiência, sejam as tentativas conciliatórias nos momentos
próprios, seja a oportuna apresentação da resposta da parte Ré, instrução plena e
razões finais, até o pronunciamento final do Juízo por meio de regular sentença. Com
relação aos recursos possíveis, há que se considerar apenas que, em relação à
decisão liminar eventualmente concedida, à falta da possibilidade do recurso de
agravo contra decisões interlocutórias, eventual ataque da parte atingida deve, neste
particular, efetivar-se pela via do mandado de segurança junto ao respectivo Tribunal
Regional do Trabalho, e, em relação à sentença, logicamente, o recurso cabível será o
ordinário previsto na própria CLT, dada a similitude com a apelação cível.
Os provimentos judiciais emitidos em decorrência da ação civil pública, como
antes dito, detém efeito erga omnes, conforme artigo 16 da Lei 7.347/85, podendo
decorrer de exame liminar, com ou sem justificação prévia, na forma do artigo 12 do
referido diploma legal, que não exige maiores requisitos para a concessão ou
denegação, assim inserindo o exame dentro dos princípios inerentes ao poder geral de
cautela conferido aos Juízes, consistindo esta, e ainda a sentença, em provimento que
pode determinar “o cumprimento da atividade devida ou a cessação da atividade
nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for
suficiente ou incompatível, independentemente de requerimento do autor”, conforme
artigo 11.
Com relação à execução da decisão proferida em sede de ação civil pública,
seja de caráter liminar, seja de caráter sentencial, em regra se verifica a existência de
pedido mandamental, consistente em postular-se a ordem judicial para o implemento
de certa obrigação de fazer ou para constranger a parte Ré a não fazer algo,
eventualmente implicando também a condenação ao pagamento de multas
originariamente fixadas ou estipuladas como sanção por eventual descumprimento da
ordem judicial, tendo tal decisão, como se disse alhures, efeito erga omnes, tudo
conforme disciplinam os artigos 11 e 16 da Lei 7.347/85, de modo, assim, a ter o
provimento judicial a eficácia no impor a prática ou a omissão de determinado ato
concreto, lesivo à ordem jurídica trabalhista, no contexto de certo grupo ou
coletividade, ou no contexto geral em razão dos interesses difusos envolvidos. Dado o
caráter mandamental, a própria intimação da decisão liminar ou sentencial
consubstancia-se no provimento capaz de impedir o ato nocivo, independentemente
do trânsito em julgado, notadamente pelo caráter meramente devolutivo dos recursos
ordinários trabalhistas, sempre excetuada a possibilidade de conceder-se efeito
suspensivo ao recurso para evitar dano irreparável à parte Ré (artigo 14) ou ver-se
alcançada a suspensão pela concessão de segurança pelo Tribunal. Quanto à
execução remanescente, que refoge ao âmbito mandamental, em regra decorrente da
aplicação de multas (astreintes — artigo 644 do CPC), a mesma se regulará pelas
regras próprias da CLT pertinentes à execução trabalhista, inclusive as normas de
subsidiariedade do processo executivo fiscal e em seguida do processo executivo
cível, não denotando, assim, maiores dificuldades ao julgador fazer aplicado o
provimento emitido.
Concluindo, a ação civil pública denota, no âmbito trabalhista, pertinente à
defesa dos interesses coletivos ou difusos relacionados aos direitos sociais dos
trabalhadores, campo fértil para a atuação do Ministério Público do Trabalho como
fiscal da ordem jurídica laboral, perante a Justiça do Trabalho, competente para dirimir
as relações de trabalho, inclusive potencialmente afrontadas, ou seja, aquelas
relações de trabalho que, conquanto ainda não efetivadas, denotam necessidade de
proteção do Estado-Juiz, permitindo aos Juízos de Primeiro Grau agirem, nos limites
de sua competência territorial, ou conforme as regras de prevenção, para
determinarem a prática de ato certo ou impedirem a deflagração de outros que
consubstanciem dano ao interesse questionado e violação do direito garantido pelo
Direito do Trabalho, diretamente ou segundo os princípios laborais extraídos da
Constituição Federal, em provimento de caráter mandamental sujeita ao crivo
revisional dos Tribunais do Trabalho, seja no exame de mandados de segurança
contra decisões de caráter irrecorrível de imediato, seja no exame de recursos contra
as demais decisões adotadas, decisões que alcançam toda a sociedade, além dos
grupos ou categorias envolvidos, pelo efeito erga omnes das liminares e sentenças
proferidas.
Cuiabá/MT, 19 de novembro de 1999.
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