INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA À LUZ DO ART. 6º, VIII DO CÓDIGO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR
ANA CAROLINA DE CASSIA FRANCO*
AMILTON LUIZ DE ARRUDA SAMPAIO**
MARCOS VINICIUS MONTEIRO DE OLIVEIRA***
SANDRA MARIA ALMEIDA ABREU DE ANDRADE***
1
Resumo
O presente trabalho pretende fornecer elementos para a melhor compreensão da
defesa do consumidor em juízo, haja vista que a questão do ônus da prova no
Código de Defesa do Consumidor é de grande relevância nos tempos atuais,
consideradas as inúmeras demandas levadas ao Poder Judiciário para solução
de controvérsias sob a égide da lei consumerista, posto que a questão probatória
é fundamental no processo, porque é ela que confirmará a verdade dos fatos
afirmados pela partes, servindo, também, como fundamento da pretensão
jurídica.
Palavras-chave: Prova. Inversão do ônus da prova. Direito do consumidor
Palavras-chave : prova – inversão do ônus da prova – direito do consumidor
INTRODUÇÃO
As provas são de fundamental relevância na sistemática processual, pois não
há dúvida de que são indispensáveis para se chegar à solução da lide.
O Código de Defesa do Consumidor prevê a inversão do ônus da prova em
favor do consumidor como um meio de facilitar sua defesa no processo judicial.
Contudo, o referido dispositivo também prevê determinadas condições para que isso
ocorra.
1
Advogada e Professora do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio,
Especialista em Direitos Difusos e Coletivos pelo Instituto de Educação Continuada da
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - [email protected]; **Advogado e
Professor do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio, Especialista em Direito do
Estado – [email protected] ;
***Advogado e Professor do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio, Especialista
em Direito Civil e Mestre em Direito – [email protected] ;
****Advogada e Defensora da OAB pela IV Turma Disciplinar do TED-Capital, Professora do
Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio, Especialista em Direito Civil e Mestre em
Direito – [email protected] .
A inversão do ônus da prova a favor do consumidor justifica-se como uma
norma, dentre tantas outras previstas no CDC, garantidora do equilíbrio na relação
consumeirista, face a reconhecida vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor
em relação ao fornecedor.
Dessa forma, pretende-se, com o presente artigo, compreender o conteúdo
do princípio da inversão do ônus da prova, enfocando-se seus requisitos, bem como
a delimitação de seu alcance.
1 – COMPREENDENDO O DIREITO DO CONSUMIDOR
O Direito do Consumidor surgiu no século XX e sua origem é justificada por
fatores como, por exemplo, o desenvolvimento tecnológico e científico, que provocou
significativas mudanças na estrutura da produção industrial e, por conseguinte, as
produções em larga escala ou em massa revolucionaram os negócios e as
contratações de bens e serviços, tornando-os pluripessoais e difusos.
Sobre a origem do Direito do Consumidor, destaca-se a lição de Sérgio
Cavalieri Filho :
Na constelação dos novos direitos, o Direito do Consumidor é
estrela de primeira grandeza, quer pela sua finalidade, quer
pela amplitude do seu campo de incidência e, para
entendermos a sua origem, especial atenção merece a
Revolução Industrial. (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 2).
A finalidade das normas consumeiristas não é privilegiar o consumidor. Pelo
contrário, o Direito do Consumidor objetiva alcançar o equilíbrio entre os partícipes
da relação de consumo, quais sejam, consumidor e fornecedor, reconhecendo, por
outro lado, os caracteres da hipossuficiência e vulnerabilidade do consumidor,
conforme o estabelecimento de instrumentos que lhe assegurarão efetiva tutela.
No Brasil, o tema de defesa do consumidor começou a ser discutido, mais
precisamente, no começo dos anos 70.
Sérgio Cavalieri Filho relata que as primeiras associações civis e entidades
governamentais voltadas para o referido assunto foram o Conselho de Defesa do
Consumidor – Rio de Janeiro (1974), a Associação de Defesa e Orientação do
Consumidor – Curitiba (1976), a Associação de Proteção ao Consumidor – Porto
Alegre (1976) e o Sistema Estadual de Proteção ao Consumidor – São Paulo (1976)
(CAVALIERI FILHO, 2008, p. 6).
O PROCON-SP também acrescenta que:
A década de 70 contemplou um marco no país. Em 1976, pelo
Governo do Estado de São Paulo foi criado o primeiro órgão
público de proteção ao consumidor que recebeu o nome de
Grupo Executivo de Proteção ao Consumidor, mais conhecido
como PROCON. Também nessa década houve a promulgação
e implementação de normas direcionadas aos segmentos de
alimentos (Decreto-lei 986/69), saúde (Decreto-lei 211/70) e
habitação (Lei 6649/79 – locação e 6676/79 – loteamento).
(PROCON-SP - procon.sp.gov.)
Ainda segundo Cavalieri, somente na segunda metade da década de 80, após
a implantação do Plano Cruzado e sua celeuma na área econômica, é que, de fato,
foi despertado o interesse nos consumidores brasileiros pela proteção de seus
direitos enquanto tais (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 6).
Vale dizer, também, que na Constituição Federal de 1988, restou definido
como dever do Estado a fomentação à defesa do consumidor e o prazo para
materialização em um código. Vejamos :
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes:
[...]
XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do
consumidor;
Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da
promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do
consumidor. (BRASIL – Constituição Federal, 1988)
A Constituição Federal de 1988, portanto, determinou elevou proteção ao
consumidor à categoria de direito fundamental e princípio a ser obedecido no
tocante à estabilidade da ordem econômica e financeira, cabendo ao Estado
promovê-la, reconhecendo, outrossim, a vulnerabilidade do consumidor na relação
de consumo.
Por fim, e conforme informa o PROCON do Distrito Federal :
Em 3 de janeiro de 1983, o Ministério da Justiça determina
através da portaria nº 7, a publicação do anteprojeto do Código
de defesa do Consumidor, elaborado por uma comissão
designada pelo então Conselho Nacional de Defesa do
Consumidor- CND/MJ, integrada pelos doutores Ada Pelegrinni
Grinover, Daniel Roberto Fink, José Geraldo Brito Filomeno,
Kazuo Watanab e Zelmo Dena.
Os motivos expostos na apresentação do anteprojeto do
Código de Defesa do Consumidor foram os mais relevantes
como o cumprimento do artº 5º, inciso XXXll, da nossa carta
magna de 1988, que determina ao Estado promover, na forma
da lei, a Defesa do Consumidor, e ainda o do preceito
institucional do artº 48 em suas disposições transitórias que
determina prazo de 120 dias a partir da promulgação da
Constituição a elaboração do Código de Defesa do
Consumidor. Entre outras justificativas foi explicada a falta de
legislação das relações de consumo, a inexistência de direitos
específicos
dos
consumidores.
(PROCON/DF
–
http://www.procon.df.gov.br/005/00502001.asp?ttCD_CHAVE=
4678 )
Todavia, cumpre mencionar que foi somente na década de 90, mais
precisamente em 11(onze) de setembro de 1.990, é que foi editada a Lei nº 8.078,
mais conhecida como Código de Defesa do Consumidor, com vistas à proteção do
consumidor, então considerado um microssistema, haja vista ser composto por
normas de direito material e de direito processual, e, por isso, eficaz à tutela do
consumidor.
Na lição de Fernando Borges da Silva :
O que faz do CDC um microssistema normativo eficiente são
os princípios em que se funda. Tais princípios se irradiam
diretamente da Constituição Federal e dão ao consumidor um
tratamento diferenciado em razão da natureza das relações
jurídicas que envolvem os atores desse tipo de relação em uma
economia de mercado. Essas peculiaridades do CDC são, em
regra, inaplicáveis a relações jurídicas subordinadas às normas
gerais (Código Civil, Comercial, Código de Processo Civil etc.).
(SILVA, Fernando Borges da. O Código de Defesa do
Consumidor: um microssistema normativo eficiente? Jus
Navigandi).
Vejamos o entendimento do Superior Tribunal de Justiça :
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LEGITIMIDADE
DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. ART. 134 DA CF. ACESSO À JUSTIÇA. DIREITO
FUNDAMENTAL. ART. 5º, XXXV, DA CF. ARTS. 21 DA LEI
7.347/85 E 90 DO CDC. MICROSSISTEMA DE PROTEÇÃO
AOS DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
INSTRUMENTO POR EXCELÊNCIA. LEGITIMIDADE ATIVA
DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL
PÚBLICA RECONHECIDA ANTES MESMO DO ADVENTO DA
LEI 11.448/07. RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICA DO
DIREITO QUE SE PRETENDE TUTELAR. RECURSO NÃO
PROVIDO.
[...]
2. Os arts. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do CDC, como
normas de envio, possibilitaram o surgimento do denominado
Microssistema ou Minissistema de proteção dos interesses ou
direitos coletivos amplo senso, com o qual se comunicam
outras normas, como os Estatutos do Idoso e da Criança e do
Adolescente, a Lei da Ação Popular, a Lei de Improbidade
Administrativa e outras que visam tutelar direitos dessa
natureza, de forma que os instrumentos e institutos podem ser
utilizados para "propiciar sua adequada e efetiva tutela" (art. 83
do CDC). (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO
ESPECIAL Nº 1106515 / MG).
Desse modo, o CDC veio disciplinar, em seis títulos, o sistema nacional de
defesa do consumidor, a relação de consumo, os direitos do consumidor, a
responsabilidade civil dos fornecedores, as práticas comerciais abusivas, a defesa
do consumidor em juízo, as infrações penais, a convenção coletiva de consumo e
disposições finais, cuidando, pois, de tutelar o consumidor e, procurando equilibrar
as relações de consumo, sem ferir o princípio constitucional da isonomia, ou melhor,
tratando os desiguais de modo desigual.
2 – CONTEÚDO E ALCANCE DO PRINCÍPIO DA INVERSÃO DO ÔNUS DA
PROVA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
É no campo da prova que o consumidor enfrenta as maiores dificuldades para
fazer valer seus direitos em juízo.
A finalidade da prova é demonstrar a verdade dos fatos para que o juiz forme
sua convicção baseado na verdade apurada pela produção das provas nos autos do
processo e, assim, possa aplicar o direito ao caso concreto.
Segundo Sérgio Cavalieri Filho, ônus é “uma conduta prevista pela norma no
interesse do próprio onerado, que tem a faculdade de adotá-la. O não-exercício de
um ônus não configura ato ilícito, podendo apenas prejudicar o próprio sujeito
onerado.” (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 290)
Assim, ônus da prova é a incumbência imputada às partes processuais de
trazer aos autos elementos que corroborem o afirmado por elas.
E quando se fala que o ônus da prova incumbe a quem alega, se quer dizer
que a parte deverá agir conforme a lei para conseguir que sua pretensão seja
atendida; logo, é sua incumbência provar suas afirmações, pois, em virtude de sua
omissão, poderá ter sua pretensão negada por insuficiência de provas.
O nosso código processual vigente, em seu art. 333, distribui o ônus da prova
pela posição processual em que a parte se encontra, estabelecendo que ao autor
competirá provar o fato constitutivo do direito que afirma possuir, ou seja, aquele que
uma vez demonstrado leva à procedência do direito pedido. E ao réu, apenas, se
alegar em sua defesa fato impeditivo - para obstacularizar um ou alguns dos efeitos
do pedido do autor; modificativo - para alterar o que foi expresso no pedido, ou
extintivo do direito do autor - para pôr fim a todo o pedido, fazendo cessar a relação
jurídica original, deverá fazer prova de suas alegações.
Portanto, a distribuição do ônus da prova está intimamente relacionada aos
interesses das partes de verem reconhecidos os fatos que alegaram como
fundamento da ação ou da defesa processual, seguindo-se a regra geral de que as
provas sejam propostas por elas, haja vista que a iniciativa oficial deverá ocorrer
apenas quando necessária e, na maioria das vezes, de forma supletiva, uma vez
que o juiz não pode, por impulso oficial, querer suprir a iniciativa das partes.
O Código de Defesa do Consumidor estabeleceu, em seu artigo 6º, que,
dentre os direitos básicos do consumidor, encontra-se a inversão do ônus da prova a
favor do consumidor, in verbis :
Art. 6º São direitos básicos do consumidor :
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a
inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil,
quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando
for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de
experiências;
Primeiramente, vale dizer que a inversão do ônus da prova, como um direito
básico do consumidor, não ofende a isonomia das partes. Ao contrário, é um
instrumento processual criado para impedir o desequilíbrio da relação consumeirista,
haja vista que o CODECON adequou-se à realidade social, apresentando um novo
perfil do processo civil, na medida em que tutela não só o direito individual do
consumidor, mas também os direitos coletivos e difusos do consumidor, de modo a
permitir a igualdade substancial também no plano processual.
A norma consumeirista em apreço determina que ficará “a critério do juiz” a
inversão do ônus da prova a favor do consumidor quando estiver presente qualquer
uma das duas alternativas, quais sejam, a verossimilhança das alegações do
consumidor-autor “ou” sua hipossuficiência. Essas são vistas como requisitos de
admissibilidade da inversão do ônus da prova.
Como preleciona Sérgio Cavalieri Filho :
A expressão legal a critério do juiz não significa arbítrio, nem
discricionariedade do magistrado. Critério é aquilo que serve
de base para uma tomada de posição ou apreciação. No
caso, será o critério a ser utilizado pelo juiz na constatação da
verossimilhança das alegações ou da hipossuficiência do
consumidor. Presente uma das duas, o juiz deverá determinar
a inversão, independentemente de requerimento do
interessado. Nesse sentido toda a doutrina e jurisprudência.
(CAVALIERI, FILHO, 2008, p. 293)
Assim sendo, se o julgador, na análise do caso concreto, constatar que estão
presentes um dos requisitos para se aplicar a inversão do ônus da prova, após
verificar, segundo as regras de experiência, que as alegações do autor-consumidor
são verossímeis ou que ele é hipossuficiente, inverterá o ônus da prova a seu favor,
pois não é uma faculdade do julgador, e sim, um direito do consumidor para facilitar
a defesa de seus interesses.
Ainda nas palavras de Sérgio Cavalieri Filho :
A inversão do ônus da prova consiste, em última análise, em
retirar dos ombros do consumidor a carga da prova referente
aos fatos do seu interesse. Presumem-se verdadeiros os fatos
por ele alegados, cabendo ao fornecedor a prova em sentido
contrário. (CAVALIERI, FILHO, 2008, p. 291)
O mencionado autor ainda ressalta que :
Não se trata, portanto, de transferir para o fornecedor o
encargo de provar a veracidade das alegações do consumidor
– o que importaria em obrigá-lo a produzir prova contra si
mesmo - , mas de ter o fornecedor que provar a ocorrência de
fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do
consumidor. Em suma, admitidos como verdadeiros os fatos
alegados pelo consumidor – presunção júris tantum - , cabe ao
fornecedor desfazer essa presunção mediante prova da
ocorrência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos
daqueles que foram alegados pelo consumidor. (CAVALIERI,
FILHO, 2008, p. 295)
Vale acrescentar, ainda, que no CDC estão previstas duas oportunidades de
inversão do ônus da prova : a do art. 6º , inciso VIII, já citada, também conhecida por
inversão “ope judicis”, já que fica “a critério do juiz”, ou melhor, não é uma inversão
legal, uma vez que não decorre de imposição ditada pela própria lei, mas que fica
submetida ao crivo judicial. Também é encontrada aquela prevista no art. 38,
determinando que o ônus da prova cabe a quem patrocinou a informação ou
comunicação publicitária, ou seja, ao fornecedor. Esta é conhecida como “ope legis”,
porque decorre direta e expressamente da lei, razão pela qual ficará o julgador
obrigado a aplicá-la.
No que respeita aos requisitos a serem analisados pelo juiz, no entender de
Beatriz Catarina Dias, ao tratar de princípio da verossimilhança:
“Por verossimilhança entende-se algo semelhante à verdade.
De acordo com esse princípio, no processo civil o juiz deverá
se contentar, ante as provas produzidas, em descobrir a
verdade aparente.” Ela acrescenta que deve-se ter cuidado
para não relativizar demais este princípio, pois “... é
indispensável que do processo resulte efetiva aparência de
verdade material, sob pena de não ser acolhida a pretensão
por insuficiência de prova - o que eqüivale à ausência ou
insuficiência de verossimilhança” . (DIAS, 1999)
Já o outro requisito que deve ser analisado pelo juiz para que se possa
inverter o ônus da prova na hipótese do art. 6º é o da hipossuficiência do
consumidor, o que se traduz em razão da incapacidade técnica e, muitas vezes,
econômica do consumidor de produzir a prova; sendo possível, contudo, acontecer
que a inversão do ônus da prova a favor de consumidor economicamente favorecido
seja feita em razão da constatação de sua hipossuficiência técnica e informativa a
respeito de um produto ou serviço.
Portanto, é correto afirmar que quando se fala em “hipossuficiência” do
consumidor, se está justamente reconhecendo a condição do consumidor como
parte mais fraca e, também, vulnerável da relação de consumo, em virtude de seu
reduzido conhecimento técnico e informativo sobre os diversos produtos e/ou
serviços que são colocados no mercado de consumo.
3 - MOMENTO PROCESSUAL DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Questão de acirrada controvérsia na doutrina e jurisprudência diz respeito ao
momento processual que deve ser aplicada pelo magistrado a inversão do ônus da
prova, consoante o disposto no artigo 6º, inciso VIII do Código de Defesa do
Consumidor.
A falta de regra específica quanto ao momento processual em que o
magistrado deva decidir sobre a fixação do onus probandi e sobre a necessidade
(ou não) de prévio anúncio, pelo juiz, às partes, da inversão do onus probandi fez
com que doutrina e jurisprudência se posicionassem diferentemente acerca da
questão, existindo, claramente, três grandes correntes de pensamento acerca do
tema.
A primeira corrente, com destaque para João Batista de Almeida, admite a
inversão do ônus da prova já no início do processo, quando o juiz analisa a petição
inicial, em síntese, porque, assim, o réu-fornecedor, ao ser citado, tomará ciência da
inversão, podendo, inclusive, em não se conformando com tal decisão judicial,
interpor recurso de agravo de instrumento, sem qualquer violência aos princípios da
ampla defesa e do contraditório.
Tal entendimento, contudo, enfrenta a dura oposição de Humberto Theodoro
Júnior, segundo o qual :
"Antes da contestação, nem mesmo se sabe quais fatos serão
controvertidos e terão, por isso, de se submeter à prova",
tornando-se, "então, prematuro o expediente do artigo 6º,
inciso VIII, do CDC". (TJ-RJ, Nona Câmara Cível, Relator
Desembargador Joaquim Alves de Brito, julgado em
04/07/2006)
A segunda corrente, majoritária, liderada por Nelson Nery Junior, Rosa Maria
de Andrade Nery, Sérgio Cavalieri Filho e Kazuo Watanabe, parte da ideia de que a
fixação do ônus da prova ou sua inversão não se trata de regra de procedimento e,
sim, de regra de julgamento. Por isso, defendem que a sentença seja o momento
adequado para a aplicação do instituto, haja vista que somente após a instrução do
feito, no momento da valoração da prova, estaria o juiz habilitado a decidir. Aduzem,
por fim, que o fornecedor não poderia alegar cerceamento de defesa por já saber, de
antemão, desde o início do processo, que teria de provar tudo o que estiver ao seu
alcance e for de seu interesse.
Nesse sentido a lição de Kazuo Watanabe :
Quanto ao momento da aplicação da regra de inversão do
ônus da prova, mantemos o mesmo entendimento sustentado
nas edições anteriores : é o do julgamento da causa. É que as
regras de distribuição do ônus da prova são regras de juízo, e
orientam o juiz, quando há um non liquet em matéria de fato, a
respeito da solução a ser dada à causa. Constituem, por igual,
uma indicação às partes quanto à sua atividade probatória.
Com o juízo de verossimilhança, decorrente da aplicação das
regras de experiência, deixa de existir o non liquet (considerase demonstrado o fato afirmado pelo consumidor) e,
consequentemente, motivo algum há para aplicação de
qualquer regra de distribuição do ônus da prova. Por isso
mesmo, como ficou anotado, não se tem verdadeiramente
uma inversão do ônus da prova em semelhante hipótese.
(WATANABE, 2004, p. 796)
Todavia, essa corrente também recebeu severas críticas de doutrinadores
como, por exemplo, José Carlos Barbosa Moreira (apud "Julgamento e Ônus da
Prova", Temas de Direito Processual Civil, 2ª série, São Paulo : Saraiva, 1997, fls.
75 e 76).
José Maria Rosa Tesheiner, ao se manifestar sobre a questão, in "Sobre o
ônus da prova", Estudos em Homenagem a Egas Dirceu Moniz de Aragão,
in www.tex.pro.br, aduz que :
Dizer que a parte pode prever a inversão do ônus da prova,
sempre que fundada a ação em relação de consumo implica
negação do caráter judicial dessa inversão. O Código de
Proteção e Defesa do Consumidor é expresso: a inversão
ocorre a critério do juiz que, portanto, pode determiná-la ou
não. Não é de se supor que a lei haja imposto à parte o ônus
adicional de adivinhar o critério que o juiz ou tribunal irá adotar
na sentença ou no acórdão.
Por fim, uma terceira corrente, encabeçada por nomes como, por exemplo,
Luis Antônio Rizzatto Nunes, Galeno Lacerda e Voltaire de Lima Moraes, e que vem
ganhando fôlego, defende que o momento adequado para a inversão do ônus da
prova seja por ocasião do saneamento do processo, quando, então, serão fixados,
pelo juiz todos os pontos controvertidos da lide, sustentando que, nesse momento, o
contraditório já fora instaurado, motivo pelo qual o juiz já possui elementos
suficientes para aferição da presença dos requisitos legais para o deferimento da
inversão, sem que se venha, ademais, se surpreender à defesa.
Nesse sentido, colacionamos o posicionamento de Rizzatto Nunes :
Então, novamente, o raciocínio é de singela lógica : é preciso
que o juiz se manifeste no processo para saber se a
hipossuficiêcia foi reconhecida.
E, já que assim é, o momento processual mais adequado para
a decisão sobre a inversão do ônus da prova é o situado entre
o pedido inicial e o saneador. Na maior parte dos casos, a fase
processual posterior à contestação e na qual se prepara a fase
instrutória, indo até o saneador, ou neste, será o melhor
momento.
Não vemos qualquer sentido, diante da norma do CDC, que
não gera inversão automática (à exceção doa art. 38), que o
magistrado venha a decidir apenas na sentença a respeito da
inversão, como se fosse uma surpresa a ser revelada para as
partes. (RIZZATTO NUNES, 2009, p. 785)
Após a análise de tais posicionamentos, reconhece-se que o melhor
momento para a inversão do ônus da prova é no despacho saneador, haja vista que
o feito já está maduro e o contraditório formado, ressaltando-se apenas que nos
casos de processos que tramitam perante os Juizados Especiais Cíveis, ex vi dos
artigos 28 e 33 ambos da Lei 9.099/1995, que determinam que as provas serão
produzidas em audiência de instrução e julgamento, momento procedimental em que
a atividade de saneamento ocorrerá, a inversão do ônus da prova deverá ser feita
nessa ocasião, com fundamento no artigo 29 da Lei 9.099/1995, facultando-se,
outrossim, ao réu-fornecedor a possibilidade ulterior de produzir provas decorrentes
desse seu novo ônus.
4- CONSIDERAÇÕES FINAIS
O consumidor, consoante o CODECON, é reconhecido como sendo a parte
mais fraca da relação de consumo, uma vez que se submete ao poder do fornecedor
para satisfazer suas necessidades de consumo.
Por tal motivo é que a tutela jurídica do consumidor, em razão de sua
vulnerabilidade e hipossuficiência, proporciona-lhe amplo acesso à ordem jurídica
justa e estabelece, dessa maneira, o equilíbrio e a paridade de armas aos litigantes
em uma demanda de consumo.
O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 6º, inciso VIII, estabeleceu
como um direito básico do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos em
juízo, inclusive, com a possibilidade de inversão do ônus da prova a seu favor,
ficando a critério do juiz tal decisão, quando for verossímil a alegação do autorconsumidor ou quando este for hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de
experiência.
Desse modo, é correto afirmar que se o julgador, após verificar, segundo as
regras de experiência, que estão presentes os requisitos para a inversão do ônus da
prova ex vi do art. 6º, VII do CDC, inverterá o ônus da prova em favor do
consumidor, cabendo ao réu-fornecedor produzir prova capaz de ilidir a presunção
de verossimilhança das alegações do autor-consumidor ou a hipossuficiência que
favorece o consumidor, bem como das excludentes de responsabilidade previstas
nos artigos 12, § 3º, incisos I,II e III, e 14, § 3º, incisos I, II, ambos do Código de
Defesa do Consumidor.
Vale dizer que o juiz não cria novo encargo probatório ao réu-fornecedor
quando determina a inversão do ônus da prova. Constatados um dos requisitos, ele
apenas admite como verdadeiros os fatos alegados pelo autor-consumidor e o libera
da produção da prova sobre os fatos constitutivos de seu direito, sem que sobre ele
recaia a conseqüência da inexistência de tais fatos, cabendo, a partir daí,
exclusivamente, ao fornecedor produzir provas dos fatos impeditivos, modificativos
ou extintivos do direito do autor-consumidor.
Como foi observado anteriormente, existem divergências doutrinárias no
tocante ao momento processual adequado para aplicação da inversão do ônus da
prova em lides consumeiristas. E nosso ponto de vista já fora exposto no sentido de
que o momento processual mais adequado para a inversão do ônus da prova há que
se dar por ocasião do saneador, por estarem os pontos controvertidos já fixados
pelo magistrado e por este ser o momento processual anterior à instrução do
processo, evitando-se, assim, prejuízos à ampla defesa do fornecedor, visto que
será previamente informado do ônus que lhe caberá, ou, até mesmo, para insurgirse contra aquela decisão judicial.
5. REFERÊNCIAS
ALMEIDA, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor, 2ª edição, São
Paulo : Saraiva, 2006.
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor, 1990.
BRASIL. Constituição Federal, 1988.
DIAS, Beatriz Catarina. A Jurisdição na Tutela Antecipada. São Paulo: Saraiva,
1999.
FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Direito do Consumidor . São Paulo: Atlas,
2008.
__________. Programa de Responsabilidade Civil, 2ª ed., Rio de Janeiro :
Malheiros Editores, 2000.
FREITAS CÂMARA, Alexandre. Lições de Direito Processual Civil, 8ª ed., Rio de
Janeiro : Lúmen Júris, volume I, 2002.
MATOS, Cecília. O Ônus da Prova no Código de Defesa do Consumidor.
Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de direito da Universidade de
São Paulo, sob a orientação do Professor Doutor Kazuo Watanabe, 1993.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Julgamento e Ônus da Prova : Temas de Direito
Processual Civil, 2ª série. São Paulo : Saraiva, 1997, fls. 75 e 76.
NUNES, Luis Antônio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor, 4 ed., São Paulo:
Saraiva, 2009.
PROCON/DF – Histórico do Código de Defesa do Consumidor. Disponível em :
http://www.procon.df.gov.br/005/00502001.asp?ttCD_CHAVE=4678.
Acesso
em
15.09.2011.
PROCON/PR – Histórico do Direito do Consumidor No Mundo. Disponível em :
http://www.procon.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=416. Acesso
em 04.08.2011 às 16h42.
SILVA, Fernando Borges da. O Código de Defesa do Consumidor: um
microssistema normativo eficiente?. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 873, 23
nov. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/7564>. Acesso em: 15.11.
2011 às 12h56.
TESHEINER, José Maria Rosa, in "Sobre o ônus da prova" : Estudos em
Homenagem a Egas Dirceu Moniz de Aragão, in www.tex.pro.br.
WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado
pelos autores do anteprojeto, 8. ed., Rio de Janeiro : Forense Universitária , 2004.
WATANABE, Kazuo. Anotações de palestra proferida no XXI Encontro Nacional de
Defesa do Consumidor, ocorrido em João Pessoa /PB, em 21.06.01.
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INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO DIREITO DO CONSUMIDOR