Confrontando a mortalidade
materna: A situação da atenção
ao aborto nas unidades
sanitárias do sector público em
Moçambique
Martinho Dgedge, Hailemichael Gebreselassie, Cassimo Bique,
Maria Teresa Victorino, Maria F. Gallo, Ellen M.H. Mitchell, Kara O.
King, Lilia Jamisse, Della Mercedes Correa, Ercilia de Almeida,
Leonardo Chavane
confidencialidade
escolha
contraceptiva
assessibilidade
privacidade
suprimentos
Ipas Aliança Africa
O Ipas Aliança Africa tem trabalhado em parceria com organizações não governamentais
(ONGs), associações de mulheres, adolescentes, grupos comunitários, universidades e
agências governamentais, em mais de dez paises do continente. O Ipas tenta expandir
o acesso ao cuidado com sua saúde reprodutiva, inclusive ao aborto seguro e à atenção
pós-aborto (APA). Através de esforços e colaborações, o Ipas emergiu como uma liderança
regional nos assuntos relacionados aos direitos reprodutivos, especializando-se no
trabalho direto com os sistemas de saúde, serviços e profissionais, com o objetivo de
treiná-los e equipá-los para a realização de um atendimento de alta qualidade.
Missão do Ipas
O Ipas trabalha mundialmente com o objetivo de aumentar a capacidade das mulheres e
adolescentes exercerem seus direitos sexuais e reprodutivos, e para reduzir o número
de mortes e lesões causadas por condições relacionadas ao aborto. Nós procuramos
expandir a disponibilidade, qualidade e sustentabilidade dos serviços relacionados à saúde
reprodutiva e ao aborto, assim como tentamos desenvolver um ambiente favorecedor. O
Ipas acredita que nenhuma mulher deveria precisar arriscar sua vida ou sua saúde devido
à falta de escolhas seguras relativas à sua saúde reprodutiva
Para mais informações sobre os produtos, programas e publicações do Ipas Aliança
Africa, contate:
©2005 Ipas.
Ipas Africa Alliance
P.O. Box 1192,
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Citação Sugerida: Dgedge, Martinho, Hailemichael Gebresalassie, Cassimo Bique, Maria Teresa
Victorino, Maria F. Gallo, Ellen M. H. Mitchell, Kara O. King, Lilia Jamisse, Della Mercedes Correa,
Ercilia de Almeida, and Leonardo Chavane. 2005. Confrontando a mortalidade materna: A situação da
atenção ao aborto nas unidades sanitárias do sector público em Moçambique. Ipas: Maputo,
Moçambique.
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Confrontando a mortalidade
materna: A situação da atenção
ao aborto nas unidades
sanitárias do sector público em
Moçambique
Martinho Dgedge
Hailemichael Gebreselassie
Cassimo Bique
Maria Teresa Victorino
Maria F. Gallo
Ellen M.H. Mitchell
Kara O. King
Lilia Jamisse
Della Mercedes Correa
Ercilia de Almeida
Leonardo Chavane
Agradecimentos
Este trabalho foi financiado pelo Departamento para o Desenvolvimento
Internacional (DFID, para a sigla em inglês) e o ASDI.
Os autores agradecem ao Dr. Momade Bay Ustá pela revisão técnica do
manuscrito.
Agradecemos ao Dr. Alessandro Campione do Departamento de
Informação sobre Saúde do Ministério da Saúde pelo fornecimento das
coordenadas de latitude e longitude.
Agradecemos a Amata Kwizera pela coordenação da publicação e
distribuição em Moçambique.
Somos gratos à Charlotte Hord Smith, Dra. Eunice Brookman-Amissah,
Kezia Scales, Erika Steibelt e Katherine Turner pela colaboração editorial.
Índice
Sumário Executivo .................................................................................................. i
Principais resultados encontrados pela equipe de avaliação ........................ ii
Unidades Sanitárias com serviços de atenção pós-aborto ............................ ii
Aptidão da equipe .......................................................................................... ii
Demora no atendimento................................................................................. ii
Tratamento com internamento versus tratamento ambulatório ...................... ii
Processamento dos instrumentos .................................................................. ii
Manejo da dor ................................................................................................ iii
Privacidade .................................................................................................... iii
Atitudes e desempenho do profissional ......................................................... iii
Serviços de contracepção pós-aborto ........................................................... iii
Qualidade do serviço e direitos das mulheres ............................................... iii
Introdução .............................................................................................................. 1
A Carta Africana sobre os Direitos Humanos e da População ....................... 1
Situação legal sobre o aborto ........................................................................ 3
Acesso ao aborto seguro desde 1986 ........................................................... 3
Capacidade em recursos humanos para tratar do aborto
em condições de risco ................................................................................. 5
Métodos .............................................................................................................. 6
Entrevistas com as mulheres no momento da alta ........................................ 6
Entrevistas com os profissionais responsáveis pela provisão
de esvaziamento intra-uterino e serviços que oferecem
contraceptivos ................................................................................................ 7
Tratamento dos dados e análise .................................................................... 7
Resultados do estudo .......................................................................................... 10
Unidades Sanitárias com serviços de atenção pós-aborto .......................... 10
Características das mulheres participantes ................................................. 10
Características dos profissionais participantes ............................................ 12
Demora no atendimento............................................................................... 12
Tratamento com internamento versus tratamento ambulatório .................... 12
Acesso aos serviços .................................................................................... 12
Misoprostol para a preparação do colo do útero.......................................... 14
Atenção com ênfase na mulher ................................................................... 15
Privacidade .................................................................................................. 17
Manejo da dor .............................................................................................. 18
Atitudes e capacitação do profissional ......................................................... 20
Equipamentos e consumíveis ...................................................................... 24
Serviços de contracepção pós-aborto ......................................................... 25
HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) ......................... 28
Recomendações .................................................................................................. 29
Referências .......................................................................................................... 31
Sumário Executivo
O aborto clandestino
é uma das principais
causas de
mortalidade e
morbilidade materna
nos países em
desenvolvimento em
que o aborto é ilegal
ou não está
disponível em
ambientes seguros.
Dr. Antonio Bugalho
et al. (1996)
Se olharmos para a
pobreza de
Moçambique, eu
posso dizer que ela
tem um rosto de
mulher, e as
mulheres merecem
uma atenção
especial dos nossos
políticos.
Dr. Pascoal Mocumbi
(2001)
Assim como muitos países africanos que emergem de uma guerra civil e
que ainda se encontram a enfrentar necessidades de ajustes estruturais,
Moçambique tem uma baixa utilização de contraceptivos e um alto índice de
mortalidade materna (1000 mortes maternas por cada 100.000 nascimentos
de bebés vivos; OMS, 2004b). O grande número das complicações do aborto
o alto custo que isso acarreta, representam uma pesada responsabilidade
para o sobrecarregado sistema de saúde da nação. As admissões para
atenção pós-aborto constituem mais de 55% de todas as complicações
obstétricas tratadas em Moçambique (Jamisse et al, 2004).
Em resposta às altas taxas de morbilidade e mortalidade, o Ministério da
Saúde de Moçambique, com o apoio técnico e financeiro do Ipas, conduziu
uma ampla avaliação dos serviços relacionados com o aborto em 45
Unidades Sanitárias do sector público, ao longo de 2002 e 2003. O objetivo
da avaliação foi a recomendação de intervenções que possam melhor atender
as necessidades de saúde reprodutiva das mulheres, reduzindo a morbilidade
e a mortalidade maternas em Moçambique. A avaliação consistiu em
entrevistas aos profissionais de saúde a respeito da capacitação e
fornecimento de serviços de aborto e pós-aborto, e de entrevistas com
mulheres sobre a qualidade dos serviços relacionados com o aborto.
Durante uma conferência realizada em Abril de 2004 para divulgar os
resultados da avaliação, foram apresentados importantes parâmetros que
delineavam uma ampla estratégia para reduzir no país a mortalidade materna
causada por abortos realizados em condições de risco. As intervenções
propostas incluíam as seguintes:
·
·
·
·
·
Expansão da educação sobre saúde reprodutiva para a juventude;
Ampliação do acesso à assistência obstétrica de emergência,
incluindo à atenção pós-aborto;
Melhoria do aconselhamento sobre o uso de contraceptivos pósaborto e da provisão dos métodos contraceptivos;
Expansão dos serviços que fornecem aborto seguro para unidades
sanitárias adicionais no sector público;
Verificação da importância que podem ter as taxas cobradas pelos
hospitais aos usuários como obstáculo ao acesso ao aborto
seguro.
Este documento faz um esboço das principais áreas de actuação e traz
recomendações para a melhoria dos serviços de assistência ao aborto no
sector público da saúde em todo o país.
i
Principais resultados encontrados pela equipe de avaliação
·
Unidades Sanitárias com serviços de atenção pós-aborto
Avaliamos 39 hospitais públicos e 6 centros de saúde. Dois dos hospitais
estudados e dois dos centros de saúde não realizavam esvaziamento intrauterino no momento em que a avaliação foi feita.
·
Aptidão da equipe
Cerca de 46% dos Unidades Sanitárias referiu não ter nenhum ou ter apenas
um profissional capacitado com habilidades clínicas para realizar a aspiração
manual intra-uterina (AMIU), e 56% referiu não ter nenhum ou ter apenas um
profissional treinado para o aconselhamento sobre contraceptivo pós-aborto
e para provisão de métodos contraceptivos.
·
·
·
Demora no atendimento
Apesar de tanto as mulheres quanto os profissionais referirem um tempo de
espera longo, desde a chegada até o momento da alta após a realização do
esvaziamento intra-uterino, as mulheres referiram um tempo médio de espera
maior estatisticamente significativo. Os profissionais estimaram um período
de espera médio de 2,2 horas, desde a chegada até o momento do
procedimento, enquanto as mulheres apontaram uma média de 6,2 horas de
espera para o atendimento.
Tratamento com internamento versus tratamento ambulatório
As mulheres referiram um tempo de espera médio de 17,5 horas desde o
procedimento até a alta, enquanto o tempo de espera médio relatado pelos
profissionais variou de 8,1 horas após a aspiração a vácuo elétrica (AVE) e de
22,6 horas após a curetagem. O longo tempo de espera para a alta indica que
muitas mulheres receberam tratamento para o aborto com internamento
hospitalar. Uma das vantagens de utilizar a aspiração a vácuo ao invés da
curetagem para realizar o esvaziamento intra-uterino é a possibilidade das
mulheres serem tratadas em ambulatório, o que significa menos custos para
o sistema de saúde. A maioria dos principais profissionais dos serviços de
esvaziamento intra-uterino nas 41 unidades sanitárias estudados e que
realizavam esvaziamento intra-uterino no momento em que a avaliação foi
feita referiu o uso da curetagem em seus locais de trabalho (98%). Um número
menor de profissionais referiu o uso da aspiração a vácuo manual (51%) ou
elétrica (20%). A Organização Mundial de Saúde recomenda o uso da aspiração
a vácuo ou do aborto medicamentoso para o esvaziamento intra-uterino no
caso de gravidezes que tenham até 12 semanas completas (OMS, 2003a).
A questão do aborto
induzido e da
morbilidade e
mortalidade maternas
continua a ser um dos
problemas que
Moçambique, assim
como outros países da
região, ainda terá que
enfrentar e resolver nos
próximos anos.
Dr. Pascoal Mocumbi
(2001)
O perfil
demográfico,
econômico e social
de Moçambique ...
demonstra os
desafios existentes
no setor da saúde.
Tem sido
necessário
introduzir novas
abordagens em
termos de políticas
para a saúde, para
maximizar os
escassos recursos
e preparar
condições de
sustentabilidade
para os programas
de saúde.
Dra. Aida Libombo
(2002)
Processamento dos instrumentos
Quase metade (43%) dos profissionais nos 21 Unidades Sanitárias que
realizavam a AMIU no momento da avaliação referiu a ausência de desinfecção
de alto nível antes da reutilização das cânulas de aspiração. Devido à
prevalência de HIV e ao risco de infecções transmitidas pelo sangue, o
ii
processamento dos instrumentos nos Unidades Sanitárias precisa ser
melhorado.
..o aborto é visto
como contribuindo
com 9% das causas
de morte materna
intrahospitalar...estes
dados devem ser
vistos como a ponta
de um icebergue,
pois muitas mulheres
falecem fora do
hospital, enquanto
que para outras a
morte decorre de
complicações
resultantes do aborto
e não são registadas
como tal, devido ao
estigma social e aos
aspectos legais
prevalecentes
actualmente no País.
·
Manejo da dor
Mais de 40% dos profissionais disse não fornecer medicação para dor para as
mulheres submetidas à curetagem ou à AMIU. Entre aqueles que ofereciam
alguma forma de controle da dor, a anestesia geral e os analgésicos não
narcóticos eram os métodos mais frequentemente utilizados na curetagem e na
AMIU, respectivamente.
·
Privacidade
Os principais profissionais dos serviços que oferecem serviços de esvaziamento
intra-uterino referiram a existência de pouca privacidade quer visual quer auditiva
nas áreas de exame (53% e 63%, respectivamente), assim como nas salas
onde o esvaziamento intra-uterino era realizado (39% e 54%, respectivamente).
·
Atitudes e desempenho do profissional
Três por cento dos profissionais apresentava atitudes indiferentes em relação à
AMIU; 11% manifestou opiniões negativas; e 16% referiu falta de conhecimento
sobre este procedimento. A maioria das mulheres não era cumprimentada pelos
profissionais que a atendiam, não era questionada a respeito de sua história
médica ou informada sobre o seu prognóstico e tratamento. Além disso, não
recebia recomendações a respeito dos sinais de alerta indicativos de
complicações.
·
Serviços de contracepção pós-aborto
Apenas 28% das mulheres que não queriam ficar grávidas de novo nos meses
seguintes recebeu um método contraceptivo. Anticonceptivos orais combinados
e anticonceptivos orais a base apenas de progestina eram os métodos
contraceptivos mais disponíveis. Muitas das unidades sanitárias (37%) não
tinham preservativos masculinos para distribuir para os seus clientes.
·
Qualidade do serviço e direitos das mulheres
A atenção com ênfase na mulher inclui três elementos-chave: escolha, acesso
e qualidade. Quando avaliamos os 25 elementos da atenção com ênfase na
mulher, concluímos que a maioria das mulheres referiu ter recebido menos do
que 15 destes elementos.
Dra. Ana Carla Granja
(1996)
Moçambique tem uma grande capacidade clínica e de pesquisa na área do aborto a
nível central, assim como uma abordagem progressista no que diz respeito ao
envolvimento de profissionais de nível médio. Estas forças técnicas e políticas,
combinadas com o amplo apoio de muitos parceiros, sugerem que uma intensificação
de acções no que diz respeito a redução da mortalidade materna relacionada com o
aborto pode ser uma estratégia eficaz para ajudar o país a atingir o seu Objetivo de
Desenvolvimento do Milénio no que concerne à redução da mortalidade materna.
iii
Introdução
O aborto realizado em condições de risco continua a ser uma das principais causas
de mortalidade materna evitável. Estima-se que 19 milhões de mulheres
submetem-se a abortos de risco por ano, dentre as quais 68.000 morrem devido
a complicações deles decorrentes (OMS, 2004a). A taxa de mortalidade materna
em Moçambique é de 1000 mortes para cada 100.000 nascimentos de bebés
vivos, sendo um dos índices mais altos do mundo (OMS, 2004b). Estudos
baseados em hospitais na África subsahariana concluíram que as mortes maternas
relacionadas com abortos atingem o alto índice de 50% (Rogo, 1993). Verificouse que o índice de ocorrência de fatalidade entre as mulheres que se apresentam
no Hospital Central de Maputo com complicações de aborto é de 3% (Machungo
et al., 1997). Pesquisas etnográficas realizadas entre profissionais tradicionais
mostraram que o aborto continua a ser o tratamento mais frequentemente
requisitado (Chapman, 2003).
O número de abortos realizados em condições de risco diminuiria se o número
de gravidezes não planificadas ou indesejadas pudesse ser reduzido. No entanto,
o uso de contraceptivos modernos é baixo entre as mulheres com parceiros em
Moçambique (tão baixo quanto 14% entre as adolescentes) e varia muito, de 5%
na província nortenha de Cabo Delgado a 39% na capital sulista Maputo (INE,
2005). Apenas 7% das mulheres que têm parceiros e moram nas regiões rurais
usam contraceptivos, e estima-se que 28% das que moram em áreas urbanas o
fazem (INE, 2005). Iniciação sexual precoce, gravidez precoce e o abandono de
adolescentes grávidas por seus parceiros do sexo masculino são três problemas
frequentes em Moçambique e que tornam o aborto em condições de risco entre
as adolescentes uma ameaça especial (INE, 2001). Estas estatísticas frisam a
grande necessidade de promover melhorias no aconselhamento sobre o uso de
contraceptivos e na provisão de métodos contraceptivos como uma estratégia de
prevenção primária.
A Carta Africana sobre os Direitos Humanos e da População
Os profissionais de saúde de todos os níveis têm obrigações éticas e legais de
respeitar os direitos das mulheres (OMS, 2003a). Em Julho de 2003,
representantes de 44 países (inclusive Moçambique) que ratificaram a Carta
Africana sobre os Direitos Humanos e da População reuniram-se em Maputo
para assinar um protocolo adicional sobre os direitos das mulheres. O Artigo 3 do
Protocolo afirma o direito à dignidade: “Toda mulher deve ter direito à dignidade
inerente a um ser humano e ao reconhecimento e à proteção dos seus direitos
humanos e legais” (African Union, 2003).
...um número
relativamente
grande de mulheres
continua a arriscar
sua vida ao se
submeter a abortos
realizados em
condições
extremamente
precárias e
perigosas, devido à
falta de acesso aos
serviços seguros.
Dr. Pascoal
Mocumbi (2001)
As estratégias para
combater as
mortes por aborto,
consistem
basicamente em:
prevenir a gravidez
não desejada,
impedir o aborto
em condições de
perigo de saúde
para a mulher,
promover a
legalização do
aborto e tratar as
complicações.
Dra. Ana Carla
Granja (1996)
1
O Artigo 14 (Direitos relativos à Saúde e Reprodução) do Protocolo especifica os
direitos das mulheres relativos à saúde sexual e reprodutiva que devem ser respeitados
e incentivados:
a. o direito de controlar sua fertilidade;
b. o direito de decidir se quer ter filhos, o número de filhos que quer ter e o
espaçamento entre eles;
c. o direito de escolher qualquer método contraceptivo;
d. o direito à autoproteção e de estar protegida contra doenças sexualmente
transmissíveis, incluindo HIV/SIDA;
e. o direito de ser informada a respeito do seu estado de saúde e do estado de
saúde de seu parceiro, particularmente se infectada(o) por doenças
sexualmente transmissíveis, incluindo HIV/SIDA, de acordo com as normas
e práticas internacionalmente reconhecidas;
f. o direito de ter educação sobre planeamento familiar.
(African Union; 2003, p. 16-17)
Além disso, a Carta concordou sobre a necessidade dos países tomarem todas as
providências necessárias para conseguir:
a. fornecer serviços de saúde adequados, acessíveis e possíveis de serem
custeados, incluindo programas de informação, educação e comunicação
para mulheres, especialmente aquelas que vivem em áreas rurais;
b. ...
c. proteger os direitos reprodutivos das mulheres através da autorização do
aborto médico nos casos de agressão sexual, estupro, incesto e quando a
continuação da gravidez coloca em perigo a saúde mental e física da mãe ou
a vida da mãe ou do feto.
(African Union; 2003, p.17)
Os políticos, assim como os profissionais, a todos os níveis, devem transformar estes
acordos em práticas habituais para que melhorias cruciais possam ser realizadas no
que respeita a saúde das mulheres em Moçambique. só quando mulheres e homens
tiverem direitos iguais, particularmente na área da saúde reprodutiva, poderemos
progredir no sentido de diminuir a morbilidade e a mortalidade das mulheres resultantes
de causas evitáveis, como por exemplo o aborto realizado em condições de risco.
Permitir que as mulheres tomem suas próprias resoluções a respeito da sua saúde,
além de ser um direito humano básico, favorece, sem dúvida alguma, a melhoria da
saúde do país como um todo.
2
Situação legal do aborto
A legislação colonial sobre o aborto ainda em vigor em Moçambique não é consistente
com os compromissos internacionais descritos acima. Tecnicamente, a interrupção da
gravidez só é legal no país quando a gravidez ameaça a vida da mulher. Apesar de
muitos especialistas na área da saúde em Moçambique perceberem que existem
vantagens em alterar a estrutura legal para fornecer suporte jurídico aos profissionais
de saúde, a maioria concorda que esta é uma meta a longo prazo.
Em reconhecimento à magnitude da mortalidade materna resultante de abortos feitos
em condições de risco, uma política provisória foi implementada para superar o impasse
legal relativo ao oferecimento de assistência segura ao aborto. Desde 1985, o Ministério
da Saúde tem autorizado serviços de aborto induzido para gravidezes que tenham até
12 semanas, em unidades sanitárias selecionados e que tenham critérios específicos.
Além disso, são oferecidas opções as mulheres grávidas infectadas com HIV, ao longo
de sessões de aconselhamento, como parte de um programa nacional de prevenção
da transmissão de mãe para filhos (PTV).
O Ministério da Saúde tem enfatizado a importância de reduzir a procura pelo aborto
bem como a redução da mortalidade materna a ele relacionada. Isto só pode ocorrer
através da criação de um consenso dentro da sociedade civil para a ampliação das
proteções legais para os profissionais de saúde e da expansão do acesso das mulheres
a toda a variedade de serviços de saúde reprodutiva, incluindo a contracepção.
Acesso ao aborto seguro desde 1986
A atenção ao aborto seguro durante as primeiras 12 semanas de gravidez, a pedido e
com autorização do Diretor do hospital, encontra-se disponível em um número limitado
de unidades sanitárias do sector público. Mais de 3.000 mulheres são autorizadas por
ano (Machungo, 2004). No entanto, Machungo e colegas (1997) demonstraram que o
acesso é, geralmente, limitado a mulheres mais velhas, da região urbana e com poder
aquisitivo mais alto. As mulheres que recebem os serviços de aborto seguro são em
número maior do que as mulheres que se apresentam nos hospitais com complicações
de abortos realizados em condições de risco na comunidade, casadas, com emprego,
brancas, com história de uso de contraceptivos e ensino médio completo (Agadjanian,
1998). Os serviços actuais baseados em hospitais urbanos não alcançam a maioria
das mulheres moçambicanas que têm mais chance de experimentar uma gravidez não
desejada e um aborto em condições de risco – mulheres pobres, das áreas rurais,
jovens ou com menos educação.
A questão da
interrupção da
gravidez no seu
início é uma
necessidade não
satisfeita dentro
das questões
relacionadas com a
saúde reprodutiva e
os direitos da
mulher. Um método
simples e seguro
de interrupção de
gravidez, sem
intervenção
cirúrgica, podia ter
um grande impacto
na saúde
reprodutiva da
mulher porque a
confidencialidade é
melhor preservada
do que com a
evacuação
cirúrgica. Além do
mais, a mulher
pode tomar esta
decisão difícil sem
qualquer
interferência
externa, que
provoque atraso e
diminua a
segurança do
procedimento.
Dr. Antonio
Bugalho et al.
(2000)
A atenção ao aborto tem quatro componentes: 1) serviços de aborto induzido electivo
para casos permitidos por lei; 2) tratamento de emergência das complicações de abortos
espontâneos ou induzidos em condições de risco; 3) aconselhamento contraceptivo
pós-aborto e provisão de métodos para evitar a repetição de abortos; e 4) elos de
3
ligação entre os serviços electivos ou de tratamento e outros atendimentos na área
da saúde reprodutiva.
Em alguns casos
o medo de
sanções
familiares ou
ostracismo social
é tal, que a mulher
com uma gravidez
não desejada
recorre ao
suicídio como
acto de desespero
nos casos em que
o acesso ao
aborto é restrito
ou inexistente.
Intervenções para diminuir a morbilidade e mortalidade maternas devem estar viradas
para uma abordagem com ênfase na mulher em relação aos serviços de atenção
ao aborto. Esta abordagem é direcionada aos vários factores que podem influenciar
as necessidades de saúde individuais de uma mulher, suas circunstâncias pessoais
e sua possibilidade de ter acesso aos serviços (Hyman e Kumar, 2004). Alguns
elementos de uma atenção ao aborto de alta qualidade podem variar, de acordo
com contextos locais e recursos disponíveis. No entanto, existem componentes
que são fundamentais:
·
·
·
O atendimento de cada mulher deve ser adaptado às suas circunstâncias
sociais e necessidades individuais;
Os profissionais de saúde devem dar informações e aconselhamento
precisos e adequados;
Padrões e protocolos aprovados internacionalmente devem ser empregues
nos atendimentos clínicos.
Dra. Ana Carla
Granja (1996)
No nosso país, desde há varios anos que vários Hospitais liberalizaram o
acesso a interrupção voluntária da gravidez (IVG). Para ter acesso a uma IVG
é necessário, no entanto uma série de condicionalismos de carácter
econónomico e social, bem como requisitos clínicos...Certas mulheres
consideram embaraçoso ter de fazer um pedido por escrito para realizar um
acto médico desta natureza, pois algumas podem ter restrições de carácter
social, serem solteiras, adolescentes, viúvas ou por outros motivos
considerarem que a confidencialidade do seu problema será posta em causa.
Outras carecem de informação e educação necessárias para utilizarem estes
serviços ou eles estão longe do seu alcance pois são prestados normalmente
dentro de Hospitais Centrais e Gerais. Outras ainda, não possuem o dinheiro
suficiente para pagarem todas as despesas decorrentes do acto em si...Por
todas estas razões o acesso a uma I.V.G. “legal” está ainda restrito a
determinadas camadas de população feminina urbana com facilidades socioeconómicas.
Dra. Ana Carla Granja (1996)
4
Capacidade em recursos humanos para tratar o aborto em
condições de risco
Enfermeiras-parteiras e enfermeiras de saúde materno-infantil estão a
trabalhar com sucesso, em muitos lugares, em serviços de atenção pósaborto. No entanto, a resistência dos médicos à provisão de serviços
obstétricos por profissionais de nível médio tem sido documentada como
um obstáculo à expansão de atendimento obstétrico essencial por toda
parte em Moçambique (Jamisse et al., 2004). A emigração durante as
duas décadas de guerra civil ocasionou uma escassez de médicos em
Moçambique (Fortney, 2004). Para além disso, questões relativas ao
salário dos médicos também contribuíram para uma carência de médicos
no setor público (Jamisse et al., 2004). Técnicos de cirurgia realizam
actualmente, com sucesso, uma grande variedade de serviços obstétricos
essenciais, como cesariana, histerectomia, curetagem, laqueação de
trompas, laparotomia para gravidez ectópica, e histerorrafia em caso de
perfuração úterina (Vaz et al., 1999). Os técnicos de cirurgia, no entanto,
também são escassos (Jamisse, 2004).
Apresentamos a seguir os resultados da avaliação do Ministério da Saúde
feita em 2002-2003 em serviços de atenção ao aborto de um grupo de
unidades sanitárias do sector público, e fazemos recomendações para a
melhoria da atenção ao aborto. Esperamos que este documento ajude os
defensores da saúde das mulheres, profissionais e administradores da
área da saúde, funcionários do governo e outras pessoas atuantes a
aumentar os seus actuais esforços no sentido de melhorar a saúde e o
bem-estar das mulheres em Moçambique.
O sucesso na
provisão de serviços
de atenção pósaborto (APA) por
profissionais de nível
médio pode
representar uma
oportunidade de
expandir o
fornecimento de
serviços com custo
mais baixo para os
serviços de aborto
seguro, quando as
limitações legais
forem removidas. O
impacto de serviços
de aborto seguro na
mortalidade e
morbilidade maternas
poderia ser
significativo.
Dra. Aida Libombo e
Dr. Momade Bay Ustá
(2001)
Facilitar o acesso ao aborto seguro, ainda quando as condições de legalidade não
são claras, não apenas salva a vida de muitas mulheres e previne o sofrimento
humano, mas tambén poupa valiosos recursos em saúde, o que se torna muito
importante em países em que esse recursos são muito escassos.
Dr. Aníbal Faúndes e José Barzelatto (2004)
5
Métodos
O estudo procurou avaliar os serviços de atenção pós-aborto em todos os hospitais
públicos de Moçambique. No entanto, como sete hospitais públicos ficaram fora da
organização da amostra estudada, a avaliação baseou-se em 39 dos 46 (85%) hospitais
públicos. Avaliamos, também, seis centros de saúde locais das províncias de Nampula
e Maputo. Foram escolhidos centros de saúde das duas províncias onde o Ministério
da Saúde já tinha planos para o aperfeiçoamento dos serviços de atenção ao aborto.
Desta forma, a amostra do estudo compreende 45 unidades sanitárias: 6 centros de
saúde, 27 hospitais distritais, gerais ou rurais, 3 hospitais centrais e 7 hospitais provinciais
(Tabela 1). Dois dos hospitais estudados e dois dos centros de saúde não forneciam
esvaziamento intra-uterino no momento em que a avaliação foi feita.¹ Assim, os resultados
do estudo referem-se aos 41 Unidades Sanitárias restantes que realizavam
esvaziamento intra-uterino. O Mapa 1 mostra a localização de todos os hospitais públicos
de Moçambique, assim como os seis centros de saúde avaliados no estudo.
A coleta de dados foi realizada de Julho de 2002 a Janeiro de 2003. Entrevistamos
quatro tipos de pessoas em cada estabelecimento: 1) uma amostra com cerca de 10
pacientes consecutivas submetidas ao esvaziamento intra-uterino devido a
complicações relacionados com o aborto; 2) o profissional responsável pelos serviços
de esvaziamento intra-uterino; 3) o profissional responsável pelos serviços
contraceptivos; e 4) um a cinco profissionais que realizavam esvaziamento intra-uterino.
Os resultados do estudo já foram publicados por Gallo et al., em 2004. Este documento,
entretanto, descreve os achados da avaliação com mais detalhes, relatando,
especificamente, os resultados em cada estabelecimento e província. Além disso,
fornecemos recomendações mais abrangentes.
Entrevistas com as mulheres no momento da alta
Enfermeiras de saúde materno-infantil treinadas realizaram entrevistas, no momento
da alta, a 461 mulheres (9 a 13 em cada estabelecimento) tratadas com esvaziamento
intra-uterino por complicações relacionadas com o aborto. Uma ou duas enfermeiras
em cada instituição, que não estiveram envolvidas com os serviços de atenção pósaborto prestados a estas mulheres, conduziram as entrevistas em uma área do sector
privado. A coordenadora do estudo, uma enfermeira de saúde materno-infantil, treinou
todas as enfermeiras que realizaram as entrevistas. Todas as mulheres submetidas a
algum método de esvaziamento intra-uterino, incluindo aspiração manual intra-uterina
(AMIU), aspiração a vácuo elétrica (AVE) ou curetagem, para tratar complicações
¹ Centro de Saúde 25 de Setembro, Centro de Saúde Anchilo, Hospital Geral Chamanculo e Hospital
Rural Ribáuè.
6
relacionadas com o aborto, eram elegíveis para participar das entrevistas. O recrutamento
não foi baseado na idade gestacional antes do aborto ou no tipo de aborto (espontâneo ou
induzido; seguro ou feito em condições de risco). Antes da alta e da realização da entrevista,
as enfermeiras liam para as possíveis participantes um formulário de consentimento
padronizado, especificando que sua participação era totalmente voluntária e não afectaria
os cuidados com sua saúde, no momento ou no futuro. Entrevistamos apenas participantes
que deram consentimento fundamentado oral.
O questionário abrangia características demográficas, tempo de espera nas unidades
sanitárias, informação recebida sobre o tratamento, informação recebida sobre a assistência
de seguimento, privacidade, manejo da dor, contracepção e satisfação com os serviços.
Não colectamos dados sobre o tipo de aborto experimentado ou detalhes sobre as
complicações do aborto. Também não registramos o tipo de medicação administrada para
o controle da dor ou o método de esvaziamento intra-uterino realizado. Também não
documentamos se alguma mulher recusou-se a participar.
Entrevistas com os profissionais responsáveis pela provisão de
esvaziamento intra-uterino e serviços contraceptivos
Utilizando formulários padronizados para coleta de dados, 18 profissionais (médicos e
enfermeiras de saúde materno-infantil) treinados entrevistaram os principais profissionais
dos serviços de esvaziamento intra-uterino e contracepção em cada estabelecimento. O
questionário direcionado para os profissionais responsáveis pelo esvaziamento intra-uterino
abrangia seis tópicos: informações gerais sobre o estabelecimento; serviços clínicos para
aborto; características das mulheres que necessitavam de esvaziamento intra-uterino;
área de tratamento, equipamentos e consumíveis para a realização do aborto; e capacitação
da equipe. O questionário dirigido aos profissionais dos serviços contraceptivos colectava
informações sobre a frequência do fornecimento de contraceptivos, incluindo os vários
métodos, e aconselhamento. Finalmente, o entrevistador também fazia um breve
questionário, sobre capacitação e atitudes relacionadas à atenção ao aborto, entre um a
cinco profissionais, em cada estabelecimento, que estivessem envolvidos com a realização
de esvaziamento intra-uterino.
Tratamento dos dados e análise
Os dados foram introduzidos no Epi Info 2002 e transportados para SAS 8.02 para análise.
Computamos proporções e médias para descrever a provisão de atenção pós-aborto nas
unidades sanitárias do estudo e nas províncias. Utilizamos o teste-t combinado para
comparar o tempo de espera referido por cada mulher desde a chegada até o tratamento
com o tempo estimado pelo profissional entrevistado no mesmo estabelecimento. Não
pudemos comparar diretamente o tempo de espera desde o tratamento até a alta porque
as questões dirigidas aos profissionais eram diferntes devido aos diferentes tipos de
esvaziamento intra-uterino realizados, e o questionário das mulheres não incluiu perguntas
sobre o método de esvaziamento intra-uterino a que foram submetidas.
7
Tabela 1:Unidades Sanitárias onde foi feito o estudo, por província e
tipo de estabelecimento.
Província
Nome do
estabelecimento
Tipo do
estabelecimento
Cabo Delgado
Cabo Delgado
Cabo Delgado
Cabo Delgado
Gaza
Gaza
Gaza
Gaza
Gaza
Inhambane
Inhambane
Inhambane
Manica
Manica
Maputo
Maputo
Maputo
Maputo
Maputo City
Maputo City
Maputo City
Nampula
Nampula
Nampula
Nampula
Nampula
Nampula
Nampula
Nampula
Nampula
Nampula
Niassa
Niassa
Sofala
Sofala
Sofala
Sofala
Tete
Tete
Tete
Tete
Zambézia
Zambézia
Zambézia
Zambézia
Mocímboa da Praia
Montepuez
Mueda
Pemba
Chibuto
Chicumbane
Chókwè
Manjacaze
Xai-Xai
Chicuque
Inhambane
Vilanculos
Catandica
Chimoio
Magude
Manhiça
Moamba
Xinavane
Chamanculo*
José Macamo
Maputo
25 de Setembro*
Anchilo*
Angoche
Marrere
Moma
Monapo
Nacala-Porto
Namapa
Nampula
Ribáuè*
Cuamba
Lichinga
Beira
Buzi Sede
Marromeu
Nhamatando Sede
Mutarara
Songo
Tete
Ulónguè
Alto Molócuè
Gurué
Mocuba
Quelimane
Hospital rural
Hospital rural
Hospital rural
Hospital provincial
Hospital rural
Hospital rural
Hospital rural
Hospital rural
Hospital provincial
Hospital rural
Hospital provincial
Hospital rural
Hospital rural
Hospital provincial
Centro de Saúde
Hospital distrital
Centro de Saúde
Hospital rural
Hospital geral
Hospital geral
Hospital central
Centro de Saúde
Centro de Saúde
Centro rural
Centro de Saúde
Centro de Saúde
Hospital rural
Hospital geral
Hospital rural
Hospital geral
Hospital rural
Hospital rural
Hospital provincial
Hospital central
Hospital rural
Hospital rural
Hospital rural
Hospital rural
Hospital rural
Hospital provincial
Hospital rural
Hospital rural
Hospital rural
Hospital rural
Hospital provincial
* Não realizava esvaziamento intra-uterino no momento da avaliação.
8
9
Resultados do Estudo
Unidades Sanitárias com serviços de atenção pós-aborto
Avaliamos 39 hospitais públicos e 6 centros de saúde. Dois hospitais e dois dos centros
de saúde do estudo não realizavam esvaziamento intra-uterino no momento em que a
avaliação foi feita (Centro de Saúde 25 de Setembro, Centro de Saúde Anchilo, Hospital
Geral Chamanculo e Hospital Rural Ribáuè). Desta forma, este relatório não inclui dados
sobre estas quatro unidades sanitárias.
Características das mulheres participantes
As mulheres tratadas com esvaziamento intra-uterino para complicações de aborto tinham
uma idade média de 24,4 anos (variando de 14 a 49). As adolescentes (idade de 14 a 19
anos) constituíam 27% da amostra. A maioria das mulheres tinha algum grau de educação
(75%) e eram casadas, companheiras ou viúvas (66%; Tabela 2). Apenas 18% das
mulheres tinha água potável em sua residência e cerca de 27% tinha eletricidade. A
maioria das mulheres (86%) já tivera uma gravidez anterior, e quase metade delas (44%)
já tivera um aborto antes do actual. Entre as mulheres com história de aborto anterior, foi
encontrada uma média de 1,4 abortos anteriores (variando de 1 a 4).
Tabela 2: Características das mulheres
participantes (nº=461).
Idade (em anos)
14-19
20-35
36-49
Escolarização (qualquer)
Estado Civil
Solteira
Casada, companheira ou viúva
Água potável na residência
Eletricidade na residência
Com emprego atualmente
Gravidezes Anteriores
0
1
2-4
>4
Abortos anteriores
0
1
2-4
%
27
66
7
75
(n)
(115)
(287)
(30)
(344)
34
66
18
27
12
(155)
(306)
(84)
(124)
(53)
14
23
44
19
(58)
(91)
(176)
(76)
56
32
12
(190)
(108)
(41)
Adaptado de Gallo et al, 2004.
10
Legenda
Estabelecimentos
com AMIU ou AVE
AMIU
AMIU E
AVE
AVE
SEM AMIU
OU AVE
11
Características dos profissionais participantes
A diferença entre
a vida e a morte
para essas
mulheres com
complicações
depende de seu
acesso aos
serviços e da
qualidade do
atendimento
recebido. Muitas
mortes são
resultado da
demora em
procurar ajuda e
da incapacidade
ou má disposição
do pessoal de
saúde para prover
cuidados que
poderiam ter
salvado essas
vidas.
Dr. Aníbal
Faúndes e José
Barzelatto (2004)
Os questionários sobre esvaziamento intra-uterino foram respondidos por
ginecologistas/obstetras, clínicos gerais e técnicos de cirurgia, enquanto as
entrevistas sobre contracepção foram realizadas, em geral, com enfermeiras
enfermeiras materno-infantil. Os profissionais eram entrevistados no
departamento de obstetrícia (55%), no departamento de ginecologia (13%), ou
nas consultas ou sala de procedimento (32%).
Demora no atendimento
Apesar de tanto as mulheres quanto os profissionais responsáveis pelos serviços
de esvaziamento intra-uterino referiram esperas longas para o exame, tratamento
e alta, as mulheres referiram tempos de espera maiores. Elas manifestaram um
tempo de espera médio de 1,4 horas desde a chegada até o primeiro exame e
de 5,2 horas desde o primeiro exame ao esvaziamento intra-uterino. Enquanto
os profissionais estimaram o tempo de espera médio desde a chegada à
realização do esvaziamento intra-uterino como sendo de 2,2 horas, as mulheres
referiram uma média de 6,2 horas, o que representa uma diferença
estatisticamente significativa (p<0,0001).
Tratamento com internamento versus tratamento ambulatório
As mulheres referiram um tempo de espera médio de 17,5 horas entre o tratamento
e a alta. A estimativa dos profissionais variou de acordo com o método de
esvaziamento intra-uterino utilizado: 8,1 horas após a AVE; 11,3 horas após a
AMIU; e 22,6 horas após a curetagem. O tempo de espera longo indica que muitas
mulheres receberam assistência ao aborto enquanto internadas. Uma das
vantagens de utilizar a aspiração a vácuo em vez da curetagem para o
esvaziamento intra-uterino é que as mulheres podem ser tratadas em ambulatório,
o que significa custos menores para o sistema de saúde.
Acesso aos serviços
Poucos profissionais responsáveis pelos serviços de esvaziamento intra-uterino
referiram o uso de AMIU ou AVE (51% e 20%, respectivamente) em suas unidades
sanitárias. A utilização da curetagem (98%), um método actualmente
desaconselhado pela OMS, permanece comum. A Tabela 3 mostra que apenas
duas províncias (Manica e Sofala) realizam AMIU ou AVE em todas as unidades
sanitárias estudadas. O Mapa 2 ilustra a provisão de AMIU e AVE em cada
12
estabelecimento avaliado pelo estudo. Nas províncias de Tete e Nampula apenas um
unidade sanitária realizava aspiração intra-uterina. Como a província de Nampula tem
maior densidade populacional (INE, 2005), a melhoria dos serviços nesta província deve
ter um melhor resultado em termos de custo-eficácia para o sistema de saúde do país
do que a melhoria do atendimento em outras áreas menos povoadas.
Tabela 3: Unidades Sanitárias onde foi feito o estudo que
realizam esvaziamento intra-uterino, por método e província (nº=41)
Aspiração à Vácuo
Elétrica
Manual ou
Elétrica
Curetagem
Manual
Província (No. de
unidades sanitárias)
%
%
%
%
Cabo Delgado (4)
100
75
25
75
Gaza (5)
100
60
0
60
Inhambane (3)
100
67
0
67
Manica (2)
100
100
100
100
Hospitais (4)
75
25
50
50
Centros de Saúde (2)
100
0
0
0
Hospitais (5)
100
60
20
60
Centros de Saúde (2)
100
0
0
0
Niassa (2)
100
50
0
50
Sofala (4)
100
100
25
100
Tete (4)
100
25
0
25
Zambézia (4)
100
25
25
50
Maputo
Nampula
A OMS recomenda a utilização da aspiração a vácuo ou um esquema medicamentoso
que combina mifepristona e misoprostol para a realização do esvaziamento intrauterino em gravidezes que tenham até 12 semanas completas (OMS, 2003a). A AMIU
demonstrou ser um método que aumenta substancialmente a segurança e a
exeqüibilidade do procedimento, especialmente em países mais pobres (Jowett, 2000).
A AMIU é um método seguro para esvaziamento intra-uterino, com um índice de
eficácia de 98 a 100% (Greenslade et al., 1993). A curetagem tem uma taxa grande
de complicações, duas a três vezes maior do que a aspiração a vácuo (Grimes e
Cates, 1979). Além disso, a AMIU pode ser realizada de forma fácil e segura por
profissionais de nível médio devidamente treinados, e em ambientes diversos,
enquanto a curetagem é realizada, normalmente, apenas por médicos (Grimes e
Cates, 1979). Esta descentralização dos serviços pode reduzir os custos do
atendimento à saúde. A utilização da AMIU também diminui a dor experimentada
13
durante o procedimento de esvaziamento intra-uterino, não sendo necessário
o uso de anestesia geral, o que possibilita que as mulheres recebam alta mais
cedo.
Misoprostol para a modificação do colo do útero
Quarenta e seis por cento das unidades sanitárias tem misoprostol disponível
para a modificação do colo do útero (Tabela 4). A administração vaginal de 400
microgramas de misoprostol é feita para reduzir a necessidade de dilatação
mecânica do colo. A OMS recomenda o uso de misoprostol para a modificação
do colo do útero em mulheres nulíparas, adolescentes e nas situações em que
o risco de perfuração uterina é alto (por exemplo, anomalias do colo ou do
útero). Em Moçambique, as mulheres costumam esperar 24 horas após a
administração do misoprostol para serem submetidas à aspiração intra-uterina,
ou seja, voltam a unidade sanitária no dia seguinte para a realização do
procedimento. No entanto, a OMS recomenda que a aspiração a vácuo ocorra
três a quatro horas após a administração do misoprostol (OMS, 2003a).
Tabela 4: Unidades Sanitárias do estudo que administram
misoprostol antes da realização da aspiração para o
esvaziamento intra-uterino, por província (nº=41)
Modificação do
cólo do útero
Província (No. de Unidades
Sanitárias)
Cabo Delgado (4)
Gaza (5)
Inhambane (3)
Manica (2)
Maputo
Hospitais (4)
Centros de Saúde (2)
Nampula
Hospitais (5)
Centros de Saúde (2)
Niassa (2)
Sofala (4)
Tete (4)
Zambézia (4)
14
%
0
80
67
50
50
0
40
50
50
100
25
25
Atenção com ênfase na mulher
O Ipas propõe um modelo de atenção ao aborto com ênfase na mulher que consiste
em três elementos-chave: escolha, qualidade e acesso (Hyman e Kumar, 2004). O
desenvolvimento de afinidade com a mulher é essencial para o fornecimento da
assistência com ênfase na mulher, e o profissional deve fazer sempre um esforço
para que isto aconteça em cada encontrocom a mulher. Ao tentar entender as
necessidades individuais de cada mulher, tanto o profissional quanto ela própria
estarão melhor informados para tomar decisões apropriadas sobre o seu atendimento.
Assegurar a privacidade adequada durante todas as etapas da consulta também é
fundamental. Por fim, fornecer às mulheres informações sobre a sua condição,
tratamento e acompanhamento, de forma precisa e oportuna, é essencial para a
provisão de uma assistência de alta qualidade.
Fizemos 25 perguntas sobre atendimento às mulheres que participaram do estudo
uma série de:
1. Você foi informada de que poderia ter um parente ou amigo(a) a seu lado
durante o tratamento?
2. O(a) médico(a) que a atendeu apresentou-se?
3. Perguntaram-lhe sobre a sua história médica?
4. Você foi informada a respeito da sua condição ou problema médico?
5. O(a) médico(a) ou a enfermeira perguntaram- lhe se queria alguma medicação
para minimizar a dor durante o procedimento?
6. Deram-lhe informações sobre o procedimento de aspiração intra-uterina antes
que ele começasse a ser realizado?
7. Você teve oportunidade de fazer perguntas sobre o tratamento antes que
ele fosse realizado?
8. Você foi informada a respeito dos resultados do procedimento?
9. Você foi informada a respeito dos cuidados que deverá ter ao voltar para sua
casa?
10. Foi agendada uma consulta de seguimento para você?
11. Você foi aconselhada a evitar relações sexuais durante alguns dias, até que
o sangramento pare?
12. Você recebeu informações sobre o momento em que seu ciclo menstrual
deverá normalizar-se?
13. Você foi informada de que se não usar um método contraceptivo poderá ter
uma nova gravidez antes mesmo de voltar a menstruar?
14-20. Você foi aconselhada pelo(a) médico(a) ou enfermeira a procurar
imediatamente
o centro de saúde ou hospital mais próximo se experimentar algum dos
seguintes sinais de alerta?
· sangramento durante mais do que duas semanas;
15
· sangramento maior do que o de uma menstruação normal;
· cheiro mais intenso;
· febre;
· calafrios ou sensação de mal-estar;
· tontura, desmaio;
· secreção vaginal com cheiro.
21-25. Você teve privacidade suficiente nos seguintes momentos?
· ao trocar de roupa;
· ao fornecer a sua história médica;
· ao ser examinada;
· durante o procedimento;
· durante a conversa sobre contracepção.
Calculamos uma pontuação de qualidade atribuindo um ponto a cada elemento da
atenção ao aborto com ênfase na mulher relatado pela participante e, depois, fizemos
uma média da pontuação em cada estabelecimento (Tabela 5). A maioria das instituições
teve um pontuação de qualidade inferior a 15, indicando a necessidade de uma acção
imediata. O Hospital Distrital de Manhiça (na província de Maputo), o Hospital Central
Beira (em Sofala) e o Hospital Rural Songo (em Tete) tiveram a menor pontuação,
enquanto que os Hospitais Rurais de Alto Molócuè (na Zambézia) e de Catandica (em
Manica) tiveram a melhor pontuação.
16
Tabela 5: Pontuação de atenção ao aborto com ênfase na mulher baseda nas
respostas das participantes, por estabelecimento avaliado a
Unidade Sanitária
(No. de Mulheres)
Pontuaçãob
Unidade Sanitária
(No. de Mulheres)
Pontuaçãob
NECESSIDADE DE AÇÃO URGENTE (0-14)
Xinavane (11)
10.7
Manhiça (12)
3.0
Manjacaze (12)
10.9
Beira (12)
4.4
Magude (12)
11.9
Songo (9)
5.0
José Macamo (12)
12.3
Marrere (12)
5.9
Marromeu (13)
12.3
Chimoio (12)
6.3
Moma (12)
12.4
Inhambane (13)
6.5
Chibuto (13)
12.8
Chókwè (13)
6.8
Mocuba (12)
12.9
Nhamatando Sede (13)
7.0
Chicuque (12)
13.1
Montepuez (13)
7.1
Chicumbane (13)
13.4
Xai-Xai (11)
7.1
Vilanculos (12)
14.3
Nampula (12)
7.7
Mocímboa da Praia (13)
14.7
Namapa (13)
8.2
NECESSIDADE DE MELHORIAS (15-18)
Quelimane (13)
8.2
Pemba (12)
15.1
Angoche (12)
8.8
Buzi Sede (11)
15.3
Cuamba (13)
9.0
Mueda (13)
15.6
Nacala-Porto (12)
9.1
Gurué (11)
17.1
Maputo (13)
9.9
ALTA QUALIDADE (18+)
Lichinga (12)
10.0
Alto Molócuè (12)
19.5
Monapo (12)
10.4
Catandica (12)
19.9
Moamba (11)
10.5
Faltaram dados dos Unidades Sanitárias: Mutarara, Tete, Ulónguè
Pontuação baseda nos relatos das mulheres a respeito dos 25 elementos da atenção ao aborto
com ênfase na mulher.
a
b
Privacidade
A maioria das mulheres referiu ter tido privacidade suficiente ao trocar de roupa (81%),
fornecer sua história médica (81%), ser examinada (90%) e durante a realização do
procedimento (89%).
Em contraste, os profissionais responsáveis pelos serviços de esvaziamento intra-uterino
demonstraram preocupação a respeito da ausência de privacidade. A Tabela 6 mostra a
proporção de unidades sanitárias com pouca privacidade em cada província. No total, 53%
dos profissionais referiu pouca privacidade visual e 63% referiu pouca privacidade auditiva
na área de exame. As salas de esvaziamento intra-uterino parecem oferecer mais privacidade
do que as salas de exame. Pouca privacidade visual e auditiva na sala de esvaziamento
intra-uterino foi relatada por 39% e 54% dos profissionais, respectivamente.
17
Tabela 6: Unidades Sanitárias do estudo com pouca privacidade
visual e auditiva, por área de tratamento e província (nº=36)a
Área de Exame
Privacidade
Visual
Privacidade
Auditiva
Área de Esvaziamento
Intra-Uterino
Privacidade
Visual
Privacidade
Auditiva
Província
%
(n)
%
(n)
%
(n)
%
Cabo Delgado
Gaza
75
0
(4)
(2)
100 (4)
100 (4)
50
60
(4)
(5)
75 (4)
100 (5)
Inhambane
Manica
100
50
(1)
(2)
100 (1)
0
(2)
0
0
(3)
(2)
33
0
(3)
(2)
Maputo
Hospitais
0
(4)
0
(4)
0
(4)
0
(4)
100
(2)
50
(2)
100
(2)
100 (2)
60
(5)
60
(5)
40
(5)
60
100
(2)
100 (2)
100
(2)
100 (2)
Niassa
Sofala
100
50
(2)
(4)
100 (2)
75 (4)
100
25
(2)
(4)
100 (2)
25 (4)
Tete
Zambézia
0
75
(4)
(4)
25
75
0
50
(4)
(4)
25
50
Centros de
Saúde
Nampula
Hospitais
Centros de
Saúde
(4)
(4)
(n)
(5)
(4)
(4)
ªFaltaram dados de três Unidades Sanitárias na província de Gaza e dois unidades
sanitárias na província de Inhambane.
Manejo da dor
De acordo com os relatos dos profissionais, muitas mulheres que são submetidas
ao esvaziamento intra-uterino não recebem medicação para o controle da dor
durante o procedimento. A Figura 1 mostra que muitas das unidades sanitárias
envolvidas no estudo geralmente não administram medicação para dor para as
mulheres durante a AMIU (42%) ou a curetagem (40%). A anestesia geral (28%)
era o método mais freqüentemente utilizado com mulheres submetidas à curetagem;
analgésicos não narcóticos (23%) era a medicação para dor mais administrada
para as mulheres tratadas com AMIU.
18
Figura 1: Relatos dos profissionais a respeito dos métodos para controle
da dor mais frequentemente utilizados com as mulheres que são
submetidas ao esvaziamento intra-uterino, de acordo com o tipo de
procedimento realizado
42%
Nada
40%
Analgésico
não narcótico
Anestesia Local
Analgésico Narcótico
23%
15%
4%
AMIU(nº=26)
10%
Curetagem
(nº=40)
8%
3%
15%
Sedação Leve
5%
8%
Anestesia Geral
0%
28%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
40%
45%
A maioria das mulheres referiu dor “moderada” (24%) ou “intensa” (41%) durante
o tratamento (Figura 2). Quando estratificadas por províncias, todas as mulheres
na província de Tete (100%) referiram dor moderada ou intensa durante o
procedimento. Algumas mulheres (40%) disseram ter sido questionadas por um(a)
médico(a) ou enfermeira sobre sua vontade de receber medicação para controle
da dor durante o tratamento, e um número menor (28%) referiu ter recebido algum
tipo de medicação para dor durante a intervenção. A proporção de mulheres que
recebeu medicação para o controle da dor nas várias províncias variou de 0% a
50%. Nenhuma das mulheres acompanhadas na província de Tete referiu ter
recebido algum tipo de medicação para o controle da dor durante o tratamento.
19
Figura 2: Relatos das mulheres sobre dor e administração de medicação
para dor, de acordo com a província
Dor “moderada”ou “intensa”
(Nº=454)*
Porcentagem de mulheres
100
Receberam medicação
para a dor (Nº=453)
80
60
40
20
0
Ni
a
a
ss
a
fal
o
S
a
nic
a
M
Inh
a
a
mb
ne
Ga
za
uto
p
Ma
Província
o
ia
ula
éz
ad
p
b
g
l
m
e
m
D
Na
Za
bo
a
C
te
Te
*Faltaram dados de sete mulheres
A OMS recomenda que os profissionais ofereçam a todas as mulheres medicação para
o controle da dor, antes e durante o tratamento (OMS, 2003a). O manejo adequado da
dor é essencial para a atenção ao aborto e pode melhorar, substancialmente, a qualidade
da assistência. Apesar dos analgésicos não narcóticos, como o paracetamol, serem,
normalmente, adequados para reduzir a dor associada à aspiração intra-uterina ou aos
métodos de aborto medicamentoso (Suprapto e Reed, 1984; Matambo et al., 1999),
deve ser oferecido às mulheres diferentes opções para o controle da dor, pois o limiar
de tolerância à dor pode variar entre as pessoas. Os analgésicos não narcóticos estão
incluídos na Lista Modelo de Medicamentos Essenciais da OMS (OMS, 2003b). A
anestesia geral, uma forma mais cara e mais arriscada de controlar a dor, é, geralmente,
desnecessária para o procedimento de aspiração intra-uterina, e pode adiar a alta. A
anestesia geral não é recomendada para o aborto, uma vez que aumenta os riscos
clínicos (OMS, 2003a; Lawson et al., 1994; MacKay et al., 1985). Os profissionais também
devem ser treinados a utilizar o aconselhamento e uma abordagem solidária e humana
como ferramentas auxiliares na redução do desconforto das mulheres. A dor não deve
ser usada como forma de punição para as mulheres que fazem um aborto.
Atitudes e capacitação do profissional
A maior parte dos principais profissionais que realizam o esvaziamento intra-uterino
referiu atitutes satisfatórias em relação à AMIU. O restante disse ser indiferente à AMIU
(3%), ter opiniões negativas (11%) ou não ter conhecimento do procedimento (16%).
Trinta e quatro por cento dos principais profissionais envolvidos no esvaziamento intrauterino disse que a sua unidade sanitária tinha um coordenador ou supervisor
20
responsável pelos serviços de atenção pós-aborto. Das 14 instituições estudadas em
Moçambique que tinham um coordenador, metade delas (nº=7) possuía um supervisor
cuja capacitação incluía aconselhamento contraceptivo pós-aborto e quase todas (nº=12)
possuíam um responsável com treino em habilidades clínicas para realizar AMIU.
Quarenta e seis por cento e 56% dos hospitais do estudo não tinha nenhum ou só tinha
um profissional treinado com habilidades clínicas para realizar AMIU (Tabela 7) e
capacitado para oferecer métodos e aconselhamento contraceptivo pós-aborto (Tabela
8), respectivamente. O Mapa 3 mostra a proporção de profissionais nos unidades
sanitárias estudados que foi treinada para realizar a AMIU. O mapa ilustra que as
províncias de Inhambane e Tete têm uma pequena proporção de profissionais, nas
unidades sanitárias estudadas, treinados para executar este procedimento. Além disso,
sabendo que a província de Nampula tem a maior densidade populacional por quilômetro
quadrado, o aperfeiçoamento das habilidades dos profissionais nesta província pode,
potencialmente, melhorar o atendimento para um número maior de mulheres do que em
outras províncias. Entre os 99 profissionais das 35 unidades sanitárias que completaram
o questionário sobre capacitação em aborto e atitudes em relação à atenção ao aborto,
43% referiu ter recebido treino anterior em assistência obstétrica de emergência em
seus locais de trabalho.
Moçambique é um líder mundial no treino de diversos profissionais na área da saúde
para realizar funções de alto nível (Libombo e Ustá, 2001). Ainda assim, esta avaliação
revelou que a maioria dos Unidades Sanitárias de saúde não tem nenhum ou tem apenas
um membro da equipe capacitado com habilidades clínicas para realizar AMIU. Aumentar
o conhecimento e a consciencialiização sobre a AMIU promovendo, inclusive, treinamento
prático de habilidades para realizá-la, ajudará a melhorar a técnica dos profissionais e
favorecerá seu uso. A capacitação de equipes distribuídas em unidades sanitárias
periféricos, como centros de saúde, é importante para tornar os serviços acessíveis a
um número maior de mulheres. Esforços já estão a ser feitos no sentido de melhorar as
habilidades dos profissionais em Moçambique. Capacitadores foram preparados para
treinar outros profissionais em tudo o que diz respeito a atenção pós-aborto para uma
assistência de qualidade. Em 2003, o Ipas patrocinou uma viagem de estudo para que
diversos gestores de programas pudessem visitar unidades sanitárias de saúde em
Nairobi, Quênia, com o intuito de aprender como os serviços de contracepção podem
ser melhor integrados à atenção pós-aborto. Passos em direção ao melhoramento dos
serviços de atenção pós-aborto devem continuar a ser implementados em toda a nação.
21
22
Tabela 7: Hospitais envolvidos no estudo com menos do que
dois membros da equipe capacitados com habilidades clínicas
para realizar a AMIU, por província a
a
Província
Hospital
Cabo Delgado
Cabo Delgado
Inhambane
Inhambane
Inhambane
Manica
Maputo
Nampula
Nampula
Niassa
Tete
Tete
Tete
Tete
Hospital Rural Mocímboa da Praia
Hospital Rural Montepuez
Hospital Rural Chicuque
Hospital Provincial Inhambane
Hospital Rural Vilanculos
Hospital Rural Catandica
Hospital Rural Xinavane
Hospital Rural Angoche
Hospital Central Nampula
Hospital Rural Cuamba
Hospital Rural Mutarara
Hospital Rural Songo
Hospital Provincial Tete
Hospital Rural Ulónguè
Faltaram dados do Hospital Rural de Monapo e do Hospital Ruralde Namapa.
Tabela 8: Hospitais envolvidos no estudo com menos do que dois
membros da equipe com capacitação sobre métodos e
aconselhamento contraceptivo pós-aborto, por provínciaª
Província
Cabo Delgado
Cabo Delgado
Cabo Delgado
Gaza
Inhambane
Inhambane
Inhambane
Manica
Maputo
Maputo
Nampula
Nampula
Nampula
Niassa
Sofala
Tete
Tete
Tete
Hospital
Hospital Rural Mocímboa da Praia
Hospital Rural Montepuez
Hospital Rural Mueda
Hospital Rural Chicumbane
Hospital Rural Chicuque
Hospital Provincial nhambane
Hospital Rural Vilanculos
Hospital Rural Catandica
Hospital Distrital Manhiça
Hospital Rural Xinavane
Hospital Rural Angoche
Hospital Geral Nacala-Porto
Hospital Central Nampula
Hospital Rural Cuamba
Hospital Rural Marromeu
Hospital Rural Mutarara
Hospital Rural Songo
Hospital Rural Ulónguè
a
Faltaram dados do Hospital Rural de Monapo e do Hospital Rural de Namapa.
23
Equipamentos e consumíveis
Profissionais de 61% dos unidades sanitárias referiram que possuíam, na altura, os
instrumentos para realizar a AMIU. As 11 instituições que nunca tinham tido estes
instrumentos referiram diversas razões para sua ausência: falta de conhecimento a
respeito das vantagens (36%), falta de conhecimento sobre a tecnologia (27%) e falta
de consumíveis no mercado (18%).
Entre as unidades sanitárias que tinham os instrumentos de AMIU na altura da avaliação,
84% referiu que a aspiração era usada para o esvaziamento intra-uterino e 63% disse
que a AMIU era disponível em todos os turnos de trabalho. Entre os 7 lugares (Tabela 9)
que tinham aspiradores de válvula simples para AMIU, o número médio de aspiradores
em stock era de 1,9 (SD 1,9). Vinte e um Unidades Sanitárias tinham aspiradores de
válvula dupla para AMIU, com uma média de 6,7 (SD 10,8) aspiradores deste tipo
disponíveis em stock. Os aspiradores de válvula dupla são preferíveis aos aspiradores
de válvula simples porque estes últimos são apropriados apenas para as gravidezes
que estão no início. Cinquenta e sete por cento das instituições tinham cânulas em seu
stock. O número médio de cânulas para AMIU nos tamanhos de 4 a 12 mm variava de
6,8 (SD13,1) a 8,2 (SD 14,6).
Tabela 9: Unidades Sanitárias envolvidas no estudo com equipamentos e
consumíveis, por província
Aspirador para
AMIU
Válvula
Simples
Província (No. de
Unidades Sanitárias)
Cabo Delgado (4)
Gaza (5)
Inhambane (3)
Manica (2)
Maputo
Hospitais(4)
Centros de Saúde (2)
Nampula
Hospitais (5)
Centros de Saúde (2)
Niassa (2)
Sofala (4)
Tete (4)
Zambézia (4)
a
Válvula
Dupla
Cânulas de Bacia ou pia Desinfetante
AMIU
nas salas de
de alto
exame e de nível para
esvaziamento as cânulas
uterino
de AMIUa
%
25
40
33
0
%
50
80
67
100
%
50
80
67
100
%
100
60
33
50
%
100
75
100
50
25
0
50
0
75
0
100
0
100
—
0
0
0
0
25
25
60
50
0
100
0
25
60
50
0
100
25
50
60
0
50
75
50
50
50
—
—
25
0
25
Restrito as Unidades Sanitárias que realizavam a AMIU no momento da avaliação.
24
Os profissionais que realizavam esvaziamento intra-uterino em cerca de 81% das
21 unidades sanitárias que usavam a AMIU referiram observância à regra de deixar
imersos em solução os instrumentos de AMIU, espéculos, tenáculos e pinças, após
cada uso, para tornar mais fácil a sua limpeza posterior. Após esta limpeza, é
necessário fazer uma desinfecção de alto nível para matar os microorganismos
existentes nos instrumentos. Quase metade das unidades sanitárias (43%) não
realizavam a desinfecção de alto nível antes da reutilização das cânulas de AMIU
(Tabela 9). As 12 unidades sanitárias que realizavam a desinfecção de alto nível
referiram a utilização de lixívia ou cloro (58%), glutaraldeído (50%) ou ambos os
métodos (8%). Devido ao risco de infecção, torna-se necessário realizar o
processamento adequado dos instrumentos para melhorar a prevenção de infecções.
Não há dúvida de
que a melhor
maneira de evitar
abortos realizados
em condições de
risco é evitar
gravidezes não
desejadas.
Dr. Pascoal
Mocumbi (2001)
A responsabilidade do processamento dos instrumentos, incluindo a desinfecção de
alto nível, estava a cargo de uma enfermeira de saúde materno-infantil (79% das
unidades sanitárias), uma enfermeira geral (11%), um técnico de cirurgia (5%) ou
outro membro da equipe de apoio (5%). Quase 70% dos que responderam a esta
pergunta considerava que a pessoa responsável por esta função em sua unidade
sanitária tinha recebido orientação adequada a respeito do processamento dos
instrumentos, incluindo os procedimentos de desinfecção de alto nível. Cerca de
59% das instituições tinha uma bacia ou pia com água corrente nas salas de exame
e de esvaziamento intra-uterino. A falta de água limpa nestas localidades torna difícil
a implementação de práticas de controle de infecções. A infra-estrutura de
Moçambique encontra-se ainda intensamente danificada devido à guerra civil que
terminou em 1992. Problemas estruturais e deficiências elétricas e hidráulicas nos
hospitais precisam ser resolvidos para que se possa fornecer uma assistência à
saúde adequada (DHHS, 2005).
Serviços de contracepção pós-aborto
Profissionais em 83% das unidades sanitárias referiram que as suas instituições
forneciam serviços de contracepção. Enquanto que em muitas províncias todos as
unidades sanitárias ofereciam serviços de contracepção, em outras apenas 25%
das suas instituições o fazia (Figura 3). Nas 34 unidades sanitárias que forneciam
serviços de contracepção, os métodos mais frequentemente disponíveis eram os
anticonceptivos orais combinados (97%), os anticonceptivos orais a base apenas
de progestina (97%) e os anticonceptivos injetáveis (97%). De notar que, muitas
unidades sanitárias (37%) não tinham preservativos masculinos disponíveis para
distribuição. Todas as unidades sanitárias estudados nas províncias de Maputo e
Manica tinham preservativos masculinos disponíveis, enquanto que nas províncias
de Niassa e Zambézia nenhuma unidade sanitária tinha preservativos masculinos
em stock (Tabela 10).
Os profissionais referiram que as mulheres que se apresentavam com aborto
incompleto e recebiam tratamento nas suas unidades sanitárias nunca (23%),
raramente (21%), às vezes (26%), frequentemente (23%) ou sempre (8%) recebiam
25
um método de contracepção. Para as mulheres atendidas nos serviços de atenção pósaborto que não recebiam um método de contracepção na unidade sanitária, os
profissionais nunca (8%), raramente (20%), às vezes (8%), frequentemente (28%) ou
sempre (38%) informavam onde elas poderiam obter um.
Os profissionais referiram nunca (18%), raramente (28%), às vezes (3%), frequentemente
(15%) ou sempre (38%) informar as mulheres sobre a possibilidade de ocorrência de
uma nova gravidez antes mesmo do retorno da menstruação.
Figura 3: Unidades Sanitárias que fornecem serviços de
contracepção pós-aborto, por província
Percentagem das
Unidades Sanitárias
100
80
60
40
20
0
a
nic
a
M
la
to
pu
pu
m
a
M
Na
as
Ni
sa
a
fal
o
S
Província
e
do
en
b
le ga
am
oD
nh
I
b
Ca
te
Te
Ga
za
ia
éz
b
m
Za
Seria todavia um erro pensar que mesmo o melhor programa de planeamento familiar
reduziria por completo a procura de aborto induzido. Há várias razões para isto; a
primeira é a de que qualquer método anticonceptivo tem uma taxa de falhas ainda que
muito pequena para alguns, pelo que aplicado a um grande número de utilizadoras o
problema da gravidez não desejada continuaria a existir.
Dr. Ana Carla Granja (1996)
26
Tabela 10: Unidades Sanitárias com stock de métodos contracepção, por
província
Anticonceptivo
injetável
Província (No. de
Unidades Sanitárias)
Cabo Delgado (4)
Gaza (5)
Inhambane (3)
Manica (2)
Maputo
Hospitais (4)
Centros de Saúde (2)
Nampula
Hospitais (5)
Centros de Saúde (2)
Niassa (2)
Sofala (4)
Tete (4)
Zambézia (4)
Preservativo
Masc.
AnticonAnticonceptivo
Dispositivo
ceptivo oral oral a base ape- Intra-uterino
combinado nas de progestina
%
75
60
67
100
%
50
60
67
100
%
75
60
67
100
%
75
60
67
100
%
25
60
67
50
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
75
25
80
50
0
75
75
0
100
100
100
100
75
25
100
100
100
100
75
25
80
100
100
25
50
0
A Tabela 11 mostra que as mulheres referiram uma ausência total de informação sobre
contracepção, assim como a falta de provisão de métodos de contracepção. A maior parte
delas não recebia informações sobre contracepção, sugestões sobre métodos ou não
tinha tido a possibilidade de escolher um método. Nenhuma das mulheres na província de
Tete referiu ter recebido informação sobre contraceptivos (Tabela 11).
Trinta e sete por cento das mulheres que disseram não desejar uma nova gravidez nos
meses subseqüentes foi questionada a respeito do método contraceptivo de sua escolha.
Apenas 28% das mulheres que não desejavam outra gravidez referiu ter recebido um
método de contracepção. Menos da metade (49%) referiu privacidade adequada durante
as conversas sobre contracepção. A Tabela 11 compara as experiências das mulheres
com os serviços de contracepção pós-aborto nas diversas províncias.
A OMS recomenda que todas as mulheres atendidas nos serviços de atenção pós-aborto
recebam aconselhamento contraceptivo, incluindo contracepção de emergência, antes de
deixar o estabelecimento de saúde e voltar para suas casas (OMS, 2003a). Johnson e
colegas concluíram que quando as mulheres recebem métodos de contracepção eficazes
no momento em que são atendidas nos serviços de atenção pós-aborto, ocorrem menos
gravidezes não planificadas e menos abortos repetidos ao longo do ano seguinte (Johnson
et al., 2002). Nenhum método contraceptivo é ideal para todas as mulheres. Ao permitir
que elas selecionem o método de sua escolha entre as opções disponíveis e adequadas,
as chances do método ser usado com continuidade aumentam e, com isso, o risco de
gravidezes não planificadas diminui.
27
Tabela 11: Relatos das mulheres sobre os serviços de contracepção pós-aborto,
por província
Recebeu
informação
sobre
contracepçãoa
Província
Cabo Delgado
Gaza
Inhambane
Manica
Maputo
Nampula
Niassa
Sofala
Tete
Zambézia
%
68
52
37
65
52
25
18
54
0
68
(n)
(41)
(52)
(30)
(20)
(58)
(44)
(11)
(26)
(7)
(41)
O método
Perguntaram- Recebeu um
Privacidade
contraceptivo lhe sobre o
método
adequada
foi sugeridoa
método de contraceptivoa
durante a
sua
conversa
escolhaa
sobre
contracepção
%
65
60
35
58
44
43
29
53
0
54
(n)
(46)
(58)
(37)
(24)
(63)
(76)
(24)
(36)
(9)
(46)
%
62
31
37
43
48
12
9
40
0
56
(n)
(42)
(52)
(30)
(21)
(58)
(43)
(11)
(25)
(7)
(41)
%
68
31
28
57
29
19
9
40
0
58
(n)
(38)
(52)
(29)
(21)
(58)
(43)
(11)
(25)
(7)
(40)
%
67
23
3
43
34
7
20
35
0
18
(n)
(42)
(52)
(30)
(21)
(58)
(43)
(10)
(23)
(7)
(40)
a
Entre as mulheres que disseram não desejar outra gravidez nos meses subseqüentes.
HIV e outras doenças de transmissão sexual (DSTs)
Foi demonstrado que as mulheres moçambicanas que são tratadas nos serviços de
atenção pós-aborto têm uma alta incidência de DSTs (Machungo et al., 2002). No
entanto, poucas mulheres que participaram desta avaliação referiram ter recebido
preservativos. Moçambique é um dos países africanos mais seriamente afectados
pelo HIV/SIDA (Libombo e Ustá, 2001). Portanto, o aconselhamento contraceptivo
pós-aborto deveria incluir a promoção de preservativos, com o objetivo não apenas
contraceptivo mas, também, para evitar a transmissão do HIV e das DTSs.
28
Recomendações
1. Clarificar a política de Moçambique relativa à permissão de funcionamento
de serviços de aborto em unidades sanitárias do sector público de saúde
através de diretrizes escritas que sobre normas e práticas. Estas diretrizes
devem especificar claramente a responsabilidade do profissional no que
diz respeito a assistência ao aborto.
2. Adaptar-se às recomendações da OMS passando a utilizar a aspiração a
vácuo ou o aborto medicamentoso para o esvaziamento intra-uterino.
3. Capacitar e apoiar os profissionais de nível médio em centros de saúde e
hospitais rurais e gerais, para que eles possam fornecer atenção integral
ao aborto, incluindo aspiração a vácuo e aborto medicamentoso para o
esvaziamento intra-uterino. O Ministério da Saúde deve ajudar as unidades
sanitárias a obter os instrumentos de AMIU. A descentralização dos serviços
de aborto vai diminuir os custos para o sistema de saúde e melhorar o
acesso das mulheres a esses serviços.
4. Garantir que todas as unidades sanitárias façam uso da desinfecção de
alto nível para processar as cânulas de AMIU que serão reutilizadas.
5. Assegurar que as unidades sanitárias forneçam atenção com ênfase na
mulher para todas as que forem atendidas nos serviços de atenção ao
aborto.
6.
Assegurar privacidade e confidencialidade durante todas as etapas da
consulta clínica da mulher: exame, tratamento, recuperação e
aconselhamento.
7. Reduzir o tempo de espera, actualmente de 24 horas, entre a administração
do misoprostol e a realização da AMIU, para 3 a 4 horas, para que o
atendimento possa ser todo feito em uma só visita a unidade sanitária, ao
invés de duas. Isto reduzirá os custos para a equipe e para a mulher, e
diminuirá, também, as perdas por não comparecimento à consulta seguinte,
quando o tratamento (aspiração) seria realizado.
... os serviços
atuais para
interrupção da
gravidez, baseados
em hospitais,
devem ser
estendidos para
além do nível
provincial,
alcançando
hospitais distritais
e rurais em todo o
país.
Dr. Pascoal
Mocumbi (2001)
Acreditamos que
um “consenso
básico” sobre o
aborto seja
eventualmente
possível, tendo
como um dos
fundamentos o
respeito pela
diversidade, que
supõe que todas
as pessoas são
capazes de actuar
como agentes
morais completos.
Dr. Aníbal Faúndes
e José Barzelatto
(2004)
8. Assegurar que as mulheres submetidas à aspiração para o esvaziamento
intra-uterino recebam aconselhamento e apoio verbal. Permitir que cada
mulher escolha a opção para controle da dor que lhe parecer melhor. Se
ela escolher analgésicos orais, eles devem ser administrados 30 minutos
antes do início do procedimento. Bloqueio paracervical, ansiolíticos ou
sedação podem ser apropriados para mulheres muito ansiosas. A anestesia
geral deve ser utilizada apenas em casos extremos.
29
9. Capacitar pelo menos dois membros da equipe de cada unidade sanitária
em habilidades clínicas para realizar a AMIU e aconselhamento
contraceptivo pós-aborto com provisão de métodos.
... ser possível
oferecer regulação
menstural e aborto
electivo em todo o
país, e a melhoria
do acesso
significará menos
gravidezes não
desejadas, e o
aborto clandestino
se tornará exceção.
Dr. Pascoal
Mocumbi (2001)
A capacidade de
monitorização e
avaliação, incluindo o
sistema de
fiscalização,
ainda é limitada,
apesar de terem sido
desenvolvidos
indicadores de
processos no campo
da assistência
obstétrica de
emergência e
algumas equipes
técnicas distritais
terem sido treinadas
para fazer colecta de
dados; mas o
sistema de
controle de
informações precisa
ser reforçado.
Dra. Aida Libombo
(2002)
10. Treinar supervisores nas províncias para monitorar a qualidade do
atendimento nos distritos e unidades sanitárias.
11. Incorporar a atenção ao aborto no currículo das escolas formadoras de
profissionais de saúde – particularmente aquelas que capacitam os vários
profissionais de nível médio (por exemplo, técnicos, enfermeiras,
funcionários da administração médica).
12. Garantir que todas as mulheres atendidas nos serviços de atenção ao aborto
recebam aconselhamento contraceptivo antes da alta. As mulheres precisam
compreender que sua fertilidade pode voltar ao normal em apenas 10 dias;
devem ser informadas a respeito dos métodos disponíveis para evitar uma
nova gravidez; e devem receber o método de contracepção na unidade
sanitária em que foram atendidas ou, se não for possível, precisam ser
encaminhadas a outra instituição onde possam obter o método. Já que
nenhum método de contracepção é ideal para todas as mulheres, cada
uma delas deve ter a possibilidade de escolher, entre as opções disponíveis
e adequadas, a que melhor se adequa à sua situação.
13. Garantir que todos as unidades sanitárias forneçam preservativos e
aconselhamento sobre redução de riscos, para evitar a transmissão do
HIV e outras DTSs, uma vez que a prevalência de HIV é muito alta entre a
população do país.
14. Realizar pesquisas que promovam uma melhor compreensão dos motivos
que ocasionam os problemas actuais, assim como uma avaliação da
exequibilidade de abordagens alternativas que possam atender melhor as
necessidades das mulheres moçambicanas. Moçambique tem muitos
pesquisadores experientes no campo do aborto, e o país deve aproveitar
os especialistas disponíveis para continuar o estudo da exequibilidade de
novos modelos de assistência descentralizada.
O Ministério da Saúde está dedicar muita atenção ao papel dos trabalhadores
que actuam na área da saúde fornecendo abortos ilegais, com a perspectiva
de criar condições que melhorem o seu desempenho. O advento de métodos
medicamentosos apropriados para a interrupção da gravidez, facilmente
disponíveis, acessíveis financeiramente e clinicamente seguros, pode
contribuir para reduzir a discrepância entre a grande demanda e os limitados
recursos geralmente encontrados nos serviços dos hospitais públicos.
Dr. Pascoal Mocumbi (2001)
30
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