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III SEMINÁRIO POLÍTICAS SOCIAIS E CIDADANIA
AUTOR DO TEXTO: Grazielle Souza Dórea
Organização do trabalho e sofrimento das assistentes sociais em unidades de
emergência no Estado da Bahia: o caso do Hospital Geral Roberto Santos.
RESUMO: Visando estabelecer correlações entre a organização do trabalho hospitalar e
sofrimento psíquico dos trabalhadores de saúde (assistentes sociais, enfermeiras e
técnicos de enfermagem) na unidade de emergência do HGRS, a maior do Bahia e das
regiões Norte-Nordeste, foi realizado uma pesquisa exploratória, utilizando como técnicas
da pesquisa a coleta documental, a observação direta intensiva e questionário.
Palavras-chave: Organização do Trabalho. Sofrimento Psíquico. Hospital Geral Roberto
Santos. Emergência. Trabalhadores de Saúde.
Introdução
A escolha da temática foi motivada a partir da vivência profissional da autora no
Serviço Social da Emergência Geral de Adultos (EME) do HGRS. Através da observação
direta participante, verificou-se que o sofrimento psíquico dos trabalhadores não é
admissível até que seja apresentado um atestado médico de uma doença somática.
Nestes casos duas soluções são possíveis: trocar de posto de trabalho (encoberta pela
rotatividade) ou o absenteísmo, sem nenhuma intervenção na organização do trabalho e
mais especificamente nos fatores geradores de sofrimento.
Observa-se ações pontuais de promoção, proteção e prevenção à saúde dos
trabalhadores de saúde nos hospitais públicos da Bahia, sendo necessário estudos e
pesquisas sobre as relações entre saúde e trabalho no ambiente hospitalar para subsidiar
a elaboração e implementação de políticas públicas. Focamos nesse estudo a relação
entre organização do trabalho e sofrimento psíquico.
A relevância desse trabalho é identificar a relação saúde-organização do trabalho
hospitalar-sofrimento psíquico e contribuir para a redução da exposição dos
trabalhadores da emergência às condições de riscos psicossociais, promovendo a
melhoria das suas condições de trabalho, com a finalidade de diminuir os afastamentos
do trabalho por doença somática física e/ou mental, incrementar a produtividade, a
qualidade e dignidade do trabalho, além de favorecer a humanização do atendimento aos
usuários do Sistema Único de Saúde (SUS).
O objetivo geral do presente estudo é estabelecer correlações entre organização
do trabalho hospitalar e sofrimento psíquico dos trabalhadores de saúde na unidade de
emergência do HGRS. Constituem objetivos específicos: conhecer o perfil dos
trabalhadores e a organização do trabalho na emergência; conhecer o padrão de
sintomas psicoemocionais e de uso abusivo de álcool entre os trabalhadores como
elementos indicativos de sofrimento psíquico; identificar os fatores de risco psicossociais
à saúde psíquica dos trabalhadores relacionados à organização do trabalho.
Referencial teórico
O trabalho é a “base da organização social e direito humano fundamental”,
devendo ser realizado “em condições que contribuam para a melhoria da qualidade de
2
vida, a realização pessoal e social dos trabalhadores e sem prejuízo para a sua saúde,
integridade física e mental” (BRASIL, 2005, p.3).
Utilizaremos a definição de trabalho segundo Marx (1987):
O trabalho é um processo de que participam o homem e a
natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação,
impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a
natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas forças.
Põem em movimento as forças naturais de seu corpo - braços e
pernas, cabeças e mãos -, a fim de apropriar-se dos recursos da
natureza, imprimindo-lhe forma útil à vida humana. Atuando assim
sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo
modifica sua própria natureza (p. 211).
O trabalho no ambiente hospitalar possui uma complexidade e singularidade em
relação a outras modalidades de trabalho, por ser um trabalho essencial, diuturno e
noturno, cuidar da saúde das pessoas, muitas vezes em situação de urgência e
emergência, lidar com a dor, doença e morte, além de estar exposto a diversas cargas de
trabalho (físicas, químicas, ergonômicas, biológicas e psicossociais), ocasionando muito
desgaste e tensão.
Segundo Pitta (1999), a insalubridade ou a penosidade do ambiente hospitalar,
“decorre da própria natureza deste trabalho e de sua organização, evidenciados por
sintomas e sinais orgânicos e psíquicos inespecíficos” (p.19). Paradoxalmente, o trabalho
hospitalar é capaz de produzir satisfação e prazer quando condições facilitadoras
permitam aos trabalhadores terem suas tarefas socialmente valorizadas.
Dejours (1949) afirma que a organização do trabalho exerce um impacto sobre o
aparelho psíquico do trabalhador, repercutindo sobre a sua saúde física e mental,
favorecendo o aparecimento de doenças somáticas. Em certas condições emerge um
sofrimento mental fruto do choque entre uma história individual (desejos, projetos,
esperanças) e uma organização do trabalho que a ignora, ou seja, quando o homem não
consegue fazer nenhuma modificação no trabalho que atenda “às suas necessidades
fisiológicas e a seus desejos psicológicos – isso é, quando a relação homem-trabalho é
bloqueada” (p.133). “Por organização do trabalho designamos a divisão do trabalho, o
conteúdo da tarefa (na medida em que ele dela deriva), o sistema hierárquico, as
modalidades de comando, as relações de poder, as questões de responsabilidade etc.”
(p.25). Além disso, menciona que “A forma de que se reveste o sofrimento varia com o
tipo de organização do trabalho” (p.133).
Pitta (1989) acrescenta que a organização do trabalho atua na origem do
sofrimento psíquico, através de elementos como jornada e ritmo de trabalho, relação
com a chefia, controle do trabalhador sobre a execução do trabalho e a distribuição de
tarefas.
[...] a organização do trabalho atua na gênese do sofrimento
psíquico através de alguns elementos facilmente identificáveis,
quais sejam: as jornadas prolongadas de trabalho, os ritmos
acelerados de produção, a pressão claramente repressora e
autoritária instalada numa hierarquia rígida e vertical, a
inexistência ou exigüidade de pausas para descanso ao longo das
jornadas, o não controle do trabalhador sobre a execução do
trabalho, a alienação do trabalho e do trabalhador, a fragmentação
de tarefas e a desqualificação do trabalho realizado e, por
conseguinte, de quem o realiza. Tudo isso como fontes de
3
insatisfação e conseqüente agressão à vida psíquica do trabalhador
vinculadas à organização do trabalho (SILVA apud PITTA, 1999, p.
102-103).
O sofrimento psíquico é “uma manifestação de mal-estar, “distúrbio psíquico
menor”, uma etapa prévia à eclosão de uma situação patologia evidenciável pelos
instrumentos habitualmente utilizados pela clínica” (PITTA, 1999, p.79).
Convém acrescentar que o sofrimento é “concebido como a vivência subjetiva
intermediária entre doença mental descompensada e o conforto (ou bem-estar) psíquico”
(DEJOURS, 1985 apud DEJOURS; ABDOUCHELI, 1994, p.127).
Pitta (1999) menciona ainda que a noção do sofrimento psíquico designa a difusa
zona entre saúde e doença, sendo um conceito preciso no âmbito da Psicopatologia do
Trabalho, estudado por Dejours. Considera que os fatores psicossociais são importantes
na determinação de sintomas e enfermidades, mas a demonstração empírica não é fácil
porque o enfoque dos fatores que influenciam o processo saúde-doença tem sido dado
aos fatores físicos, químicos, neuroquímicos, endócrinos e microbiológicos, ou seja, os
mais evidenciáveis com as técnicas disponíveis.
Dejours (1949) afirma que o sofrimento mental resulta da organização do
trabalho, já que esta organização choca-se frontalmente com a vida mental dos
trabalhadores, mais especificamente, com a esfera das aspirações, motivações e desejos.
Num trabalho rigidamente organizado, com acentuada divisão do trabalho, com pouco
conteúdo significativo e imutável, não é possível nenhuma adaptação do trabalho às
aspirações e competências do trabalhador. Isso exige grande esforço de adaptação ao
trabalhador e quando, por conseguinte são esgotados todos os meios de defesa contra a
exigência física, surge o sofrimento.
Dejours e Abdoucheli (1994) consideram que o sofrimento é inevitável e o desafio
da psicopatologia do trabalho “é definir as ações suscetíveis de modificar o destino do
sofrimento e favorecer sua transformação (e não sua eliminação)” (p.137).
O sofrimento “suscita estratégias defensivas” (DEJOURS; ABDOUCHELI, 1994,
p.12). A função dessas estratégias defensivas é de:
Atenuar ou de combater o sofrimento, às vezes, mesmo de ocultálo integralmente para proteger os trabalhadores de seus efeitos
deletérios sobre sua saúde mental (ou mesmo somática) se
levarmos em conta a economia psicossomática (DEJOURS; JAYET
citando DEJOURS e MARTY, 1994, p. 69).
Essas defesas transformam/ modificam a “percepção que os trabalhadores têm da
realidade que os faz sofrer”, minimizando a percepção dessas pressões patogênicas,
fontes de sofrimento. As estratégias defensivas funcionam numa relação subjetiva com
essas pressões, é uma operação mental que geralmente não modifica essa realidade.
(DEJOURS; ABDOUCHELI, 1994).
Segundo Dejours (1949) “a organização do trabalho não pode ser considerada
como fonte de doença mental” (p.123) porque “Mesmo intenso, o sofrimento é
razoavelmente bem controlado pelas estratégias defensivas, para impedir que se
transforme em patologia” (p. 120).
Para Dejours (1994), esgotados os procedimentos coletivos de defesa, o
sofrimento fica a cargo de cada sujeito individualmente. É no consultório do médico do
trabalho que esse sofrimento aparece. Imerso nas relações sociais de trabalho, ele pode
perceber “uma ligação entre o discurso manifesto do sofrimento e a realidade das
situações de trabalho” dando “um significado não estritamente individual às queixas
4
verbalizadas” (p.60). “Assim, o lugar do médico do trabalho aparece como crucial, sem
equivalente” (p.59).
O médico do trabalho e a Comissão de Higiene, Segurança e Condições do
Trabalho, ocupam uma posição-chave na organização para análise e prevenção da
relação saúde mental-trabalho (DEJOURS; JAYET, 1994).
Pesquisa de campo
O presente estudo foi efetuado no período de dezembro de 2009 a janeiro de
2010. O local de abrangência é a emergência de adultos do HGRS, por ser a maior
Unidade Pública Hospitalar de Atendimento às Urgências e Emergências de natureza
clínica e cirúrgica da Bahia e das regiões Norte e Nordeste. O HGRS conta com 640
leitos, sendo 49 de UTI e 72 na emergência, mais dezenas de leitos extras que garantem
uma ocupação em torno de 700 leitos. O atendimento é prestado exclusivamente pelo
SUS, mantido pela Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (SESAB). Dispõe de recursos
humanos e tecnologia para prestar atendimento nos serviços de média e alta
complexidade. Possui ainda ambulatório de consultas em diversas especialidades.
A pesquisa de campo consistiu em entrevistar os coordenadores dos serviços de
enfermagem e serviço social da emergência para obter informações sobre a organização
do trabalho e distribuição de pessoal por setor. Além disso, foi aplicado um questionário
simples composto de 75 questões, auto-aplicável e auto-explicativo aos assistentes
sociais, enfermeiros e técnicos de enfermagem da emergência do serviço diurno, no
exercício regular de suas atividades, independente do tipo de vínculo empregatício. As
questões referem-se a dados pessoais, informações e percepção dos trabalhadores sobre
a organização do trabalho, estado de saúde e identificação de sintomas psicoemocionais,
prevalência de sofrimento psíquico e de uso de bebida alcoólica dos trabalhadores. 20
questões foram extraídas e adaptadas do Self Report Questionaire (SRQ) para
identificação de sintomas psicoemocionais tomados como expressão de sofrimento
psíquico e outras 4 foram baseadas no CAGE para a detecção do hábito de beber. Em
ambos instrumentos foi estabelecido um ponto de corte acima da qual os trabalhadores
seriam considerados “suspeitos” para sintomas de sofrimento psíquico, escore 7 no caso
do SRQ, ou de uso abusivo de álcool, escore 2 para o CAGE. A organização do trabalho
de campo esteve a cargo exclusivamente da pesquisadora, contando com o auxílio de um
estatístico para mensuração dos dados.
O SRQ é um instrumento introduzido por Harding em 1980 para rastreio de
distúrbios não psicóticos ou distúrbios psiquiátricos menores 1. Trata-se de um
instrumento testado e validado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), confiável,
bastante simples, de estrutura binominal sim/ não, com questões claras e, portanto, de
facilidade operacional. No Brasil, foi utilizado pela primeira vez por Busnello e
colaboradores em 1983 nos serviços de atenção primária em Porto Alegre, entretanto,
não foi publicado seus parâmetros de avaliação. Posteriormente Mari, em 1986, utilizou o
mesmo instrumento nos serviços de atenção primária em São Paulo, procedendo a um
cuidadoso trabalho de validação com coeficientes considerados bastante satisfatórios
para estudos similares (PITTA, 1989; 1999).
De acordo com Pitta (1999), o CAGE é um instrumento menos intimidativo de
detecção da Síndrome de Dependência ao álcool, apresentado por Erwing & Rose em
1970, utilizado em diversos países do mundo para a detecção do hábito de beber, cuja
sigla significa a junção das palavras: “Cut-down (cortar o consumo de bebida), Anoyed
1
Distúrbios psiquiátricos menores são transtornos mentais não psicóticos, a exemplo da
depressão e ansiedade (COUTINHO; ALMEIDA-FILHO; MARI, 1999).
5
(aborrecimento por críticas ao comportamento devido à bebida), Guilt (culpa pelo uso de
bebida) e Eye-opener (beber de manhã para aliviar o nervosismo ou ressaca)” (p. 126).
Como instrumento de triagem, foi validado por Mayfield, McLeod e Hall em 1974, nos
pacientes psiquiátricos do Hospital Geral Universitário, alcançando graus satisfatórios de
confiabilidade, mas com a recomendação de realizar avaliação em diferentes grupos
culturais. No Brasil, Masur e Monteiro, em 1983, estudaram a validação deste
instrumento em pacientes psiquiátricos num hospital de São Paulo.
O público alvo engloba o conjunto dos servidores ocupantes dos cargos das
carreiras do Grupo Ocupacional Serviços Públicos de Saúde, criado pela Lei nº. 5.828, de
13 de junho de 1990, e reestruturado pela Lei nº. 8.361, de 23 de setembro de 2002.
Diante da grande abrangência de cargos, delimitamos o estudo às seguintes categorias
funcionais: Assistente Social, Enfermeiro e Técnico em Enfermagem 2. Essas três
categorias foram eleitas por serem majoritárias, juntamente com os médicos, no
universo de profissionais de saúde da EME do HGRS e por realizarem atividades de
gestão, promoção, prevenção, assistência integral e reabilitação à saúde em contato
direto com os pacientes, exigindo competência técnica, no caso do Técnico de
Enfermagem, e superior, nos demais casos. Inicialmente, incluímos a categoria médica
como público alvo, mas diante das dificuldades operacionais a excluímos. Isso porque a
organização do trabalho dos médicos é complexa e existe grande rotatividade entre os
profissionais. Além disso, não obtivemos informações precisas sobre a organização do
trabalho dos médicos e em função do ritmo intenso de trabalho desses profissionais
consideramos que o questionário não seria bem aceito por grande parte da equipe de
médicos sob a justificativa de acarretar transtornos à dinâmica do trabalho.
Consideramos elegíveis apenas os trabalhadores do serviço diurno (das 7 às 19
horas) no exercício regular de suas funções (excetuando aqueles em gozo de férias,
licenças ou afastamentos). Isto porque o trabalho noturno provoca distintas repercussões
à saúde e às relações sociofamiliares dos trabalhadores, além da própria organização e
desenvolvimento do trabalho, que pela amplitude não serão abordadas nesse trabalho.
Visando atender às exigências éticas e científicas da pesquisa envolvendo seres
humanos, o projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa da SESAB, e os sujeitos da pesquisa foram convidados voluntariamente a
assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme preconizam as
Resoluções 196/96 e 251/97 do Conselho Nacional de Saúde.
Utilizamos as abordagens qualitativa e quantitativa na aplicação dos questionários
com questões mistas e entrevistas com perguntas semi-estruturadas. Foi realizada uma
análise estatística descritiva no presente estudo exploratório do tipo corte transversal.
Considerando o universo de 18 enfermeiros (as), 54 técnicos (as) de enfermagem e 8
assistentes sociais elegíveis no serviço diurno na emergência de adultos do HGRS,
obtivemos respectivamente, 16 questionários preenchidos de enfermeiros (as), o
equivalente a 88,9% do universo, 35 de técnicos (as), correspondendo a 64,8% e 100%
das assistentes sociais. As perdas ficaram por conta de recusas.
Partindo dos questionários preenchidos, procedemos a uma revisão e codificação
das respostas. Digitamos o banco de dados no programa Excel com procedimentos de
limpeza do banco e realizamos a análise estatística através do software aplicativo
(programa de computador) Statistical Package for the Social Sciences (SPSS).
2
Embora se reconheça a importância de todos os cargos integrantes do Grupo Ocupacional
Serviços Públicos de Saúde e de profissionais que não estão inseridos nesse Grupo, mas que
realizam trabalho no âmbito da saúde, como os maqueiros, vigilantes, auxiliares de serviços gerais,
auxiliares administrativos e recepcionistas.
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Conclusão
Utilizando como instrumento o SRQ-20, constatamos que 56,3% das enfermeiras,
38,2% dos técnicos e 12,5% das assistentes sociais são suspeitos de apresentarem
sofrimento psíquico. Observamos que o percentual maior está situado na categoria das
enfermeiras, mesmo todas elas apresentando um tempo de trabalho na EME de no
máximo 4 anos. Convém ainda destacar que embora apenas uma assistente social tenha
sido considerada suspeita de apresentar sofrimento psíquico, o equivalente a 12,5%, as
outras quatro profissionais (50%), apresentaram um escore elevado e, portanto
próximas de serem também consideradas suspeitas de sofrimento psíquico. Uma
prevalência dessa ordem é bastante expressiva e impõe a análise e reflexão das
correlações aqui mencionadas entre a organização do trabalho e sofrimento dos
trabalhadores, visando mudanças nos processos de trabalho e evitando o aparecimento
de patologias explícitas.
Os trabalhadores também responderam a 4 questões do CAGE, instrumento
específico para detecção do hábito de beber e nenhum deles assumiu o uso de bebida
alcoólica de forma abusiva. Esperamos que o resultado apresentado seja fiel à realidade.
Com base nos resultados da pesquisa, identificamos os seguintes fatores de risco
psicossociais à saúde psíquica dos trabalhadores (enfermeiras, técnicos de enfermagem e
assistentes sociais) relacionados à organização do trabalho na EME geral de adultos do
HGRS: inexistência de período de pausas; tarefas realizadas num ritmo frenético, tempo
corrido; supervisões pouco atuantes, não resolutivas; o cansaço físico e mental; o
trabalho perigoso, especialmente em decorrência da exposição à agressividade dos
usuários insatisfeitos com o atendimento, fator gerador de situações de violência, aos
fatores de risco que podem ocasionar doenças (e, por conseguinte, o risco de acidentes)
e a falta de segurança pessoal e patrimonial; o trabalho insalubre, principalmente pela
exposição a fatores de risco que podem ocasionar doenças, a superlotação de pacientes e
o desconhecimento do diagnóstico prévio para adoção de medidas de proteção; a divisão
e o conteúdo das tarefas, a repartição de comando, responsabilidades e hierarquia, não
“adequados”, por conseguinte, sobrecarga de trabalho; pouca participação nas decisões
sobre o processo de trabalho; falta de valorização e reconhecimento profissional;
ausência de orientação sobre medidas de prevenção, controle de acidentes e de proteção
à exposição aos riscos originários das condições de trabalho; falta de atendimento pelo
médico do trabalho (escuta ativas das queixas de saúde) e o trabalho em turnos.
O ambiente hospitalar, notadamente a emergência, é insalubre e perigoso, além
de necessitar de trabalho em turnos, em decorrência da própria natureza do trabalho.
Entretanto, é possível minimizar os efeitos desses fatores, flexibilizando a organização do
trabalho, melhorando a ambiência e higienização dos serviços, proporcionando conforto,
segurança, aconchego, privacidade, convívios, interações e integrações entre
trabalhadores, gestores e usuários no espaço de trabalho, além de dispor de mobílias,
materiais e equipamentos de trabalho adequados. Igualmente deve-se investir em
medidas de prevenção, proteção e promoção da saúde do trabalhador, além das relativas
à higiene e segurança no trabalho. Fica, pois, claro que é imprescindível à atuação
efetiva da Unidade de Saúde Ocupacional (USO), da Comissão de Controle de Infecção
Hospitalar (CCIH) e do Núcleo de Epidemiologia, além da criação e funcionamento da
Comissão de Saúde Ocupacional do Trabalhador do SUS no HGRS para identificar as
doenças relacionadas ao trabalho, bem como a monitoração e acompanhamento dos
7
indicadores de saúde dos trabalhadores, de forma a subsidiar as ações, planos e projetos
de vigilância e controle dos riscos advindos dos ambientes, condições e processos de
trabalho, a prevenção e promoção da saúde dos trabalhadores.
No que diz respeito ao trabalho em turnos, é interessante avaliar as
características individuais e o estado geral de saúde dos trabalhadores mais favoráveis à
adaptação ao trabalho em turnos (diurno ou noturno). Além disso, a supervisão de
enfermagem deve verificar entre os plantonistas do serviço, a disposição pessoal, física e
psíquica do trabalhador para a realização de “dobras”, em caráter excepcional e não
impositivo, seguida de um período de descanso. No caso das gestantes, é viável seu
afastamento da EME com o seu consentimento enquanto durar a gestação com a
ocorrência de permutas com outras profissionais da mesma função em setores do HGRS
menos insalubres e perigosos se comparado a EME, promovidas pelas coordenações, sem
prejuízo para o serviço e resguardando o direito da servidora previsto no Estatuto.
A superlotação de pacientes na EME do HGRS é um importante fator de risco
psicossocial à saúde psíquica dos trabalhadores. Entretanto, sabe-se que a superlotação
é resultante da ineficácia da atenção básica de saúde em diversos municípios da Bahia,
principalmente Salvador. Por conseguinte, a EME dos hospitais públicos funcionam como
porta de entrada dos usuários aos serviços do SUS. Em Salvador, a atendimento público
hospitalar é prestado exclusivamente pela SESAB, que por sua vez tem investido na
ampliação da rede com reformas em diversas unidades e novas construções hospitalares.
Espera-se que os novos hospitais causem um impacto positivo no atendimento de
urgência e emergência, reduzindo a demanda absorvida pelo HGRS. Paralelo a isso,
acredita-se que o aumento e otimização do quantitativo de pessoal e uma reestruturação
física da EME do HGRS, levando em consideração a organização do fluxo das demandas
de atendimento médico pelo acolhimento dos pacientes com classificação de risco,
priorizando os casos graves e não mais o atendimento por ordem de chegada, possa
diminuir a superlotação dos pacientes nesta unidade.
Verificamos que as assistentes sociais relocadas da EME para outros setores/
enfermarias do HGRS em função de adoecimento explícito em atestado médico oficial e
gestação não foram substituídas. Isto acarreta maior sobrecarga de trabalho,
comprometimento do atendimento aos usuários e constituí-se em um fator de risco para
o surgimento e/ou agravamento do sofrimento psíquico.
Isto posto, é necessário à efetivação de espaços para interlocuções e
comunicações efetivas, de participação, humanização, e ações de educação permanente,
coesão, solidariedade, apoio e cooperação na equipe de trabalho, além da valorização e
reconhecimento dos trabalhadores para motivá-los a analisar e intervir nos processos de
trabalho, propondo soluções para as situações-problema, cumprirem as atividades além
do que é previsto e prescrito, com qualidade na assistência à população usuária,
preservando sua integridade biopsicossocial, evitando a alienação do trabalho e
fomentando sua autonomia e responsabilidade na prestação dos serviços de saúde.
Desse modo, do trabalho tido como estressante e cansativo (sofrimento patogênico),
pode emergir possibilidades de transformação criativa e reinventiva, vindo a ter um
caráter estruturante: fonte de realização pessoal e gratificante.
Além disso, reiteramos as sugestões apresentadas pelos trabalhadores para melhorar a
organização do trabalho, a seguir: aumentar o quantitativo de pessoal; estabelecer
rotinas, protocolos e fluxos de atendimento; promover treinamentos, capacitações. Além
disso, a equipe de enfermagem (enfermeiras e técnicos) sugeriram: aperfeiçoar a
8
organização do trabalho: divisão do trabalho e distribuição de pessoal; realizar triagem
adequada na admissão de pacientes, desenvolver ações voltadas para motivação,
incentivo e valorização profissional; maior compromisso e dedicação por parte da equipe.
Os técnicos e as assistentes sociais mencionaram ainda: propiciar estrutura física mais
adequada; executar supervisão efetiva e resolutiva no local de trabalho. As assistentes
sociais acrescentaram as seguintes sugestões: realizar reuniões técnicas regulares e
democratizar as informações. Sucedendo essas sugestões, os técnicos declararam ainda:
prestar assistência e acolhimento de qualidade ao paciente, melhorar o relacionamento
da chefia com os trabalhadores, respeitar a privacidade do paciente, aumentar a
remuneração, aperfeiçoar a atuação da comissão de infecção hospitalar, estender a
quantidade de leitos, melhorar o relacionamento entre a equipe e a higienização, maior
controle em relação ao número de acompanhantes, dispor de segurança e de mais
materiais, tornar melhor as condições de trabalho, agilizar a realização de exames e
procedimentos.
Visando o fortalecimento da gestão do trabalho e educação permanente, a
valorização de uma carreira unificada na saúde e a qualificação dos trabalhadores do
SUS, dentre outros requisitos segundo a orientação e diretrizes do Ministério da Saúde, o
Governador do Estado da Bahia tem a tarefa premente de regulamentar a Lei nº. 11.373
de 05/02/09 (o PCCV).
Igualmente, espera-se que a mesa de negociação permanente em saúde na Bahia
consiga formular e implementar uma Política de Saúde Ocupacional para o Trabalhador
do SUS condizente com os princípios e diretrizes da NOB/RH-SUS e por conseguinte, a
direção do HGRS institua e mantenha uma Comissão de Saúde Ocupacional do
Trabalhador do SUS. Além disso, o estudo sobre o estado de saúde dos trabalhadores
fornece subsídios para a atuação mais efetiva da unidade de saúde ocupacional do HGRS
(a USO).
Para a implementação da NOB/RH-SUS e para efetivar a Gestão do Trabalho no
SUS, é imprescindível que a Coordenação de Recursos Humanos operacionalize seus
conteúdos, dentre os quais destacamos a constituição de colegiados gestores entre os
trabalhadores e gestores/prestadores de serviços de saúde, formalizados pelas Mesas de
Negociação, com participação bilateral e paritária, em uma gestão democrática. Nota-se
que foi um avanço a implantação do colegiado de gestão no HGRS, entretanto é
necessário aprimorá-lo, a fim de que ele seja efetivamente um espaço de articulação,
negociação, pactuação, decisão e de co-gestão entre gestores, trabalhadores e mais
adiante contemple também a participação de representantes dos usuários.
A pesquisa aponta que o tipo de organização e gestão do trabalho na unidade de
emergência do HGRS manifesta indicativos de sofrimento psíquico nos trabalhadores de
saúde, embora tenhamos claro que essa investigação não se esgota nesse trabalho.
Temos a compreensão de que é necessário a articulação entre as condições de
vida individuais e de ordem subjetiva com as condições de trabalho para o
estabelecimento do nexo causal entre organização do trabalho e sofrimento psíquico,
necessitando de instrumental mais consistente e adequado para mensurar essa relação
de determinação. Entretanto, nesse estudo exercitamos estabelecer correlações entre
organização do trabalho hospitalar e sofrimento psíquico dos trabalhadores de saúde na
unidade de emergência do HGRS visando: contribuir para a redução da exposição dos
trabalhadores da emergência às condições de riscos psicossociais, promover a melhoria
das suas condições de trabalho, diminuir os afastamentos do trabalho por doença
somática física e/ou mental, incrementar a produtividade, a qualidade e dignidade do
trabalho, e favorecer a humanização do atendimento aos usuários do SUS. Assim,
evidenciamos o perfil desses trabalhadores e a organização do trabalho nos serviços de
enfermagem e social, conhecemos o padrão de sintomas psicoemocionais e de uso
abusivo de álcool entre os trabalhadores como elementos indicativos de sofrimento
psíquico e identificamos os fatores de risco psicossociais à saúde psíquica dos
trabalhadores relacionados à organização do trabalho.
9
Referências
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