Com a devida vénia transcrevemos artigo publicado na edição do Jornal de Negócios on line
Ferreira Leite arrasa Gaspar: "Não se pode
governar com base num acto de fé" e "destroçar" o
País
Nuno Carregueiro - [email protected]
O Executivo de Passos Coelho está a ser teimoso, não explica as medidas, está a governar
o País com base num acto de fé e através de modelos e vai acabar por destroçar Portugal
se não mudar de rumo. As palavras, bastante duras, são da ex-líder do PSD, Manuela
Ferreira Leite, que ainda acredita que o corte da TSU não vai avançar, pois é preciso ter
"bom senso".
Manuela Ferreira Leite deu esta noite
uma entrevista à TVI24, onde lançou
duras críticas às medidas de austeridade
anunciadas pelo Governo, centrando a
reprovação na intenção do Governo em
agravar a contribuição dos trabalhadores
Segurança
Social,
por
para
a
contrapartida à descida da taxa social
única das empresas para 18%.
“Onde é que isto nos conduz?”,
questiona Ferreira Leite, alertando para
a necessidade de o Governo fazer uma
análise e apresentar estudos sobre as
medidas que pretende implementar e
depois efectuar uma comunicação aos
portugueses para dizer como estará o
País em 2014.
Salientando que as medidas tomadas até aqui “não têm estado a dar resultados”, adiantou que um
programa de ajustamento desta natureza tem que ser aplicado com “bom senso”, sem que a
contrapartida seja “destruir um país, destroçar um país”.
“Se continuamos a insistir nesta receita, que não está a dar resultados, quando chegarmos ao fim o
País está destroçado”, acusou Ferreira Leite, acrescentando não acreditar que “a troika queira
destruir o País”.
Criticou também o Executivo de Passos Coelho por não dizer aos portugueses qual é o rumo do País.
“Era bom que no anúncio das medidas nos mostrassem para onde vamos, onde pensam que vamos
chegar”, pois não interessa introduzir medidas “se depois o País não se conseguir levantar”. “Se não
alterarmos a política, nada nos indica que vamos melhorar”.
Como alternativa, Ferreira Leite recomenda que se negoceie com quem empresta dinheiro a
Portugal, pois os “credores não estão interessados em que não tenhamos condições para lhes
pagar”.
“Só por teimosia se pode insistir na receita”, disse Ferreira Leite, considerando que nos últimos
agravamentos de impostos já “toda a gente via que não ia dar resultados, já se percebia que não dá
receita”, por isso “devia-se alterar”, pois é para isso que servem as “negociações com a troika”.
Os modelos de Gaspar
A ex-ministra das Finanças do Governo
de Barroso critica também o facto de não
serem conhecidas as negociações com a
troika.
“Não sei quais destas medidas foram
impostas pela troika, quais recusámos,
quais as que propusemos”, lamentou,
acrescentando não ser capaz de “avaliar
o papel pernicioso ou benéfico da visão
que a troika tem” sobre a política que
está a ser seguida.
Questionou também por que motivo é que a redução da TSU é agora considerada “essencial”, se não
se houve “um sindicato, um economista, um empresário a defender” tal decisão. Para Ferreira Leite,
a medida é “altamente perniciosa”, vai “aumentar dramaticamente o desemprego” e só por
“teimosia é que pode vir a ser aplicada”.
Acusou o ministro das Finanças de estar a governar o País através de modelos e com base na
experiência, pois um País é constituído por pessoas e a economia não é uma ciência exacta e
dogmática.
“Sobre o mesmo assunto pode haver várias opiniões válidas. Um País governado com modelos é
algo que me dá um enorme desconforto. Não podemos transformar o País num exercício de
experimentação”, afirmou, acrescentando que se Vítor Gaspar está a tomar medidas “com base no
que dizem os modelos, só por sorte é que acerta”.
“Bom senso vai acabar por imperar”
O que está a faltar muito a este Governo é “bom senso” e fundamentalmente “prudência”.
Sobretudo numa altura em que a “Europa está numa situação que sabemos qual é: complexa e com
poucas soluções”.
“Tínhamos que atravessar uma ponte”. Até aqui “temos percorrido sem problemas”, mas “quando
estamos no meio da ponte”, temos que ter “a maior das precauções”, pois se “vamos tomar as
medidas todas muito depressa” vamos “cair ao fundo e quando surgirem as medidas [na Europa] já
estamos afogados lá em baixo”, ilustrou.
Reconheceu que se estivesse no Governo não teria adoptado medidas muito diferentes das seguidas
até aqui, mas garante que a atitude perante a troika era diferente. “O meu remédio não seria muito
diferente, pois a orientação é externa. Mas de uma coisa tenho a certeza. Aquilo a que fosse
obrigada a fazer e soubesse que era pernicioso, no mínimo dizia aos portugueses: ‘É mau, mas
tenho que fazer. São eles que mandam. E berrava na Europa. Sou bem comportado e não me
ouvem?”, questionou.
“Não tomaria nunca uma medida que tivesse um impacto tão violento”, ainda por cima sem
benefício no emprego, disse Ferreira Leite, referindo-se à TSU, e usando depois outra analogia:
“ninguém gosta de xarope, mas tomam de olhos fechado pois sabem que é para tratar a doença.
Mas se tomo e estou pior e vem o médico e diz que se tem que tomar mais xarope, ninguém quer
engolir pela segunda vez.”
“Não sei qual é o interesse desta medida surreal” de reduzir a TSU, disse Ferreira Leite, mostrando
ainda esperanças que não avance. “Estou muito convicta de que o bom senso vai acabar por
imperar” e que não se avance com “medidas que terão um efeito dramático no País”.
“Parece que se está a querer ficar
igual à Grécia de propósito”
Lembrou que sempre defendeu que
Portugal não era a Grécia, sobretudo
porque “tínhamos consenso politico,
maioria alargada no Parlamento, acordo
de concertação social e uma máquina
fiscal eficiente”.
Contudo, nos últimos dias quase tudo se
alterou. “Parece que se está a querer
ficar igual à Grécia de propósito”,
lamentou Ferreira Leite, admitindo que
“estamos todos desconfiados com o que
se passa com o CDS”.
Quanto ao consenso social, Ferreira Leite questionou como os sindicatos podem aceitar a redução da
TSU se isso vai agravar o desemprego e como os trabalhadores vão financiar as empresas sabendo
que estas podem falir dentro de dias.
“Quando estou na rua sinto que há um ambiente de enorme desânimo e enorme descrédito”, disse
Ferreira Leite, acrescentando que todos tiveram a noção e estavam mobilizados para a necessidade
e inevitabilidade de fazer sacrifícios, “mas creio que ninguém teve a noção que esse processo
poderia conduzir a que todos ficássemos pobres”.
Como se vai baixar o défice de 4,5% em 2013 para 2,5% em 2014
Além de pedir esclarecimentos sobre como estará o país em 2014 e como decorrem as negociações
com a troika, Ferreira Leite quer também ter mais informação como será o ajustamento orçamental
em 2014.
“Temos esta brutalidade de medidas para 2013, para passar de um défice de 5% [em 2012] para
4,5%. Então como se passa de 4,5% para 2,5% em 2014? Chegaremos a que País? O que é que
resta?”, questionou.
A ex-líder do PSD tem também dúvida sobre como vai conseguir Portugal regressar a uma
trajectória de crescimento. Nessa altura “já não há empresas, faliram”, disse Ferreira Leite,
desabafando que “não consigo imaginar. Isto não pode ser um acto de fé. Não podemos governar
um país com um acto de fé”, só porque “acreditamos que isto vai acontecer”.
Presidente da República não pode servir para lavar consciência dos deputados
Ao longo da entrevista à TVI24, Ferreira Leite repetiu por diversas vezes o
apelo ao bom senso e prudência, tendo em consideração as incógnitas que
existem na Europa. “Não nos devemos precipitar, fazer experiências e sermos
voluntaristas”.
Questionada sobre o papel do Presidente da República, Ferreira Leite
desvalorizou o papel de Cavaco Silva no que diz respeito ao Orçamento do
Estado. Apelou antes aos deputados, que foram eleitos pelas pessoas e não
podem aprovar o Orçamento e esperar depois que o Presidente da República
“lhes lave a consciência”.
“Não nos podemos apoiar naquilo que o Presidente da República pode fazer para nos isentarmos de
exercer as obrigações que cada um”, afirmou Ferreira Leite, lembrando que há muitas formas de um
deputado demonstrar a sua opinião, que no limite pode passar por “abandonar o mandato”.
Defendeu ainda a existência de manifestações, desde que sejam pacíficas e sirvam para mostrar aos
poderes públicos que as “pessoas não aceitam determinado tipo de medidas”.
2012-09-13
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Ferreira Leite arrasa Gaspar: "Não se pode governar com base num