(para Jornal Igreja Nova. Recife, abril, 2005).
XICÃO XUKURU: “Ele foi plantado para
que dele nasça novos guerreiros”
O dia 20 de maio é de luto para o povo Xukuru do Ororubá em
Pesqueira. Era uma quarta-feira, um dia como outro qualquer da feira semanal
na cidade, momento em que os índios xukurus descem de suas aldeias na
Serra do Ororubá para comercializar seus produtos, comprar os gêneros que
necessitam, resolver alguma pendência, etc. Nesse dia em 1998, quando o
Cacique Xicão estacionava o carro na frente da casa de sua irmã, no Bairro
Xukurus, um estranho se aproximou e a queima roupa disparou vários tiros
assassinando o Cacique ainda dentro do veículo, fugindo o pistoleiro em
seguida.
Com o Cacique Xicão, o povo Xukuru a partir dos anos 1980 retomou a
mobilização por suas terras secularmente invadidas por fazendeiros. Após a
participação na campanha da Assembléia Nacional Constituinte, com a
expressiva liderança e atuação do Cacique, motivados pelas conquistas na
Constituição de 1988, os Xukuru articulados com setores da sociedade civil,
como o CIMI (Conselho Indigenista Missionário, órgão anexo à CNBB),
iniciaram a retomada de seu território tradicional, reocupando áreas de várias
fazendas.
A liderança de Xicão atraiu a ira dos fazendeiros, muitos deles membros
da oligarquia de Pesqueira. Ele passou a receber várias ameaças de morte.
Mesmo após o brutal assassinato de Xicão e posteriormente do líder Chico
Quelé em agosto/2001, embora bastante abalado, o povo Xukuru continuou por
meio da articulação interna, o processo de organização e mobilização pela
conquista de seus direitos, de suas terras hoje reocupadas em cerca de 85%.
Por essa razão, o 20 de maio é também um dia de reconhecimento e
afirmação indígena, de protesto em memória do Cacique Xicão, pela
impunidade das violências contra os povos indígenas e suas lideranças. Nesse
sentido, anualmente ocorre a Assembléia do povo Xukuru quando são
discutidos os problemas e elegidas as prioridades de trabalho para os próximos
meses. Após um ato religioso no centro da mata na Aldeia Pedra D’ Água,
local em que Xicão foi “plantado”, é realizada uma grande caminhada, com a
participação massiva dos Xukuru, além de indígenas de outras delegações de
várias partes do Brasil, aliados e muitas pessoas solidárias com os povos
indígenas, que descem da Serra do Ororubá, passam pelas ruas centrais de
Pesqueira e vão até o local onde Xicão foi assassinado, onde um multidão
fazem um ato público em sua memória.
A leitura da trajetória de atuação do Cacique Xicão nos faz lembrar de
outras lideranças, a exemplo de Margarida Maria Alves, camponesa, líder
sindical em Alagoa Grande/PB, assassinada a mando de fazendeiros nos anos
de 1980, que afirmava “morro, mas não fujo da luta!”. Como Santos Dias, líder
operário, assassinado pela polícia, na mesma época, durante uma greve dos
metalúrgicos em São Paulo, e de tantas outras lideranças mortas na defesa de
uma sociedade plural, de igualdade, justiça e dignidade para todos/as.
A persistência do Cacique Xicão, de Chico Quelé, o empenho, a luta,
suas vidas e de tantos outros/as que lutaram pelo reconhecimento dos direitos
indígenas, da justiça e vida plena, não foi em vão: “Do sangue de Margarida,
margaridas!” e como dizem os Xukuru sobre Xicão, “ele não foi enterrado, ele
foi plantado, para que dele nasça novos guerreiros!”.
Somos chamados/as para testemunhar a
concretização dessas
afirmações no próximo dia 20 de maio indo a Pesqueira.
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Edson Silva é professor no Col. de Aplicação/CENTRO DE EDUCAÇÃO-UFPE.
E-mail: [email protected]
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XICÃO XUKURU: “Ele foi plantado para