295 13 Residência multiprofissional em Saúde Mental: trabalho e formação profissional Marco José de Oliveira Duarte∗ Introdução Este artigo tem como objetivo problematizar a formação em saúde na modalidade da residência integrada e multiprofissional em saúde mental, considerando seus significados e sentidos, historicamente construídos e inscritos na forma de legislações. Sistematiza a referida experiência, a partir da proposta apresentada e aprovada pelos professores que tomam o cotidiano da aprendizagem pelo trabalho como elemento estratégico da formação em saúde mental. Para tanto, no contexto da política de educação permanente em saúde, que nos referencia, apresenta-se também uma historicização da primeira experiência de uma residência multiprofissional na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), articulada a duas unidades acadêmicas, pela Faculdade de Serviço Social e o Instituto de Psicologia, iniciada em 2013, de duração de dois anos, com seis residentes de três áreas de conhecimento diferentes: Enfermagem, Psicologia e Serviço Social, inserida na rede ∗ Assistente Social, Doutor em Serviço Social, Professor Adjunto, Coordenador do PET-SaúdeRedes de Atenção da UERJ, Coordenador do Curso de Especialização Integrado em Saúde Mental na Modalidade Residência Integrada e Multiprofissional em Saúde Mental da UERJ. E-mail: [email protected]. miolo_Livro_servico_social.indd 295 4/11/2014 18:00:13 Trajetória da Faculdade de Serviço Social da UERJ: 70 anos de história 296 pública de saúde mental e atenção psicossocial, fora do cenário tradicional do hospital universitário, como espaço hegemônico da educação em saúde. Neste sentido, na perspectiva da discussão atual sobre a política de educação na saúde, bem como a proposta pedagógica que se baseia na problematização entre as habilidades do núcleo profissional específico das áreas de conhecimento e as necessidades do campo da saúde mental, apresenta-se os desafios e perspectivas e implantação desse curso-residência. A Política de Educação em Saúde: A Residência Multiprofissional como estratégia Nosso ponto de partida foi de se pactuar a gestão da educação e do trabalho em saúde e saúde mental, na perspectiva da defesa da vida e do direito social à saúde, na consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) e em consonância com a Política Nacional de Saúde Mental (BRASIL, 2001) e com a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (BRASIL, 2004), construindo um desenho pedagógico de um curso-residência para o campo público da saúde mental, permitindo aos residentes de diferentes áreas de conhecimento - núcleo profissional - a oportunidade de se relacionar com diversos contextos e níveis de atenção, além da gestão do SUS, de forma interdisciplinar, garantindo a integralidade do cuidado, a universalidade do acesso e com ações intersetoriais, em rede e no território. O Ministério da Saúde definiu a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (BRASIL, 2004) como estratégica do SUS para a formação e o desenvolvimento dos trabalhadores em saúde. Assim, o mesmo é compreendido como um processo educativo que se concretiza no cotidiano do trabalho e possibilita estabelecer espaços coletivos para a reflexão e a avaliação dos atos produzidos nesse contexto. Possibilita ainda (re)construir relações e processos que envolvam: atores; práticas organizacionais; instituição e/ou setores; práticas interinstitucionais e/ou intersetoriais; e políticas nas quais se inscrevem os atos de saúde. Educação Permanente é o conceito pedagógico, no setor da saúde, para efetuar relações orgânicas entre ensino e as ações e serviços e entre docência e atenção à saúde sendo ampliado, na Reforma Sanitária brasileira, para as relações entre formação e gestão setorial, desenvolvimento institucional e miolo_Livro_servico_social.indd 296 4/11/2014 18:00:13 13 Residência multiprofissional em Saúde Mental: trabalho e formação profissional controle social em saúde [...] realiza a agregação entre aprendizado, reflexão crítica sobre o trabalho e resolutividade da clínica e da promoção da saúde coletiva (BRASIL, 2004). 297 Em 2007, portanto, o Ministério da Saúde, aperfeiçoa a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, através da Portaria GM 1.996, de 20 de agosto, definindo novas diretrizes e estratégias para sua implementação e, Recoloca a questão de que as demandas para a formação e desenvolvimento dos trabalhadores no SUS não sejam definidas somente a partir de uma lista de necessidades individuais de atualização e da capacidade de oferta e expertise de uma instituição de ensino, mas considerem, prioritariamente, os problemas cotidianos referentes à atenção à saúde e à organização do trabalho (BRASIL, 2007). Neste sentido, a nova política nacional de educação permanente em saúde reafirma a compreensão e tratamento da gestão da educação na saúde (formação e desenvolvimento), não como uma questão simplesmente técnica, mas de natureza tecnopolítica, uma vez que envolve mudanças nas relações, nos processos, nos atos de saúde, nas organizações e nas pessoas. Implica, portanto, na necessidade de articulação intra e interinstitucional que crie compromissos entre as diferentes redes de gestão, de serviços de saúde e educação e do controle social, possibilitando o enfrentamento criativo dos problemas e uma maior efetividade das ações de saúde e educação. As ações de educação na saúde passam a compor o Pacto de Gestão e do Pacto pela Saúde do SUS. Isso coloca a responsabilidade pelas ações de educação na saúde na agenda da gestão do SUS, como atividade que pode e deve contribuir para o seu desenvolvimento, para a qualificação profissional dos trabalhadores da área e para a mudança das práticas de saúde em direção ao atendimento dos princípios fundamentais do SUS e suas necessidades. As preocupações com a formação de recursos humanos para o setor público de saúde estiveram presentes no cenário político de concepção do SUS, incluindo na Constituição Federal de 1988, a atribuição da saúde em ordenar a formação dos profissionais da área. O tema compôs as proposições miolo_Livro_servico_social.indd 297 4/11/2014 18:00:13 Trajetória da Faculdade de Serviço Social da UERJ: 70 anos de história 298 do movimento da Reforma Sanitária, presentes na 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, e, na I Conferência Nacional de Recursos Humanos para a Saúde, no mesmo ano, sinalizando a necessidade de modificação nas graduações em saúde e a importância da integração ensino-serviço. Assim, define-se a educação permanente como aprendizagem no trabalho, onde o aprender e o ensinar se incorporam ao cotidiano das organizações e ao trabalho. Ela baseia-se na aprendizagem significativa e na possibilidade de transformar as práticas profissionais e pode ser entendida como aprendizagem-trabalho, ou seja, ela acontece no cotidiano das pessoas e das organizações, esta é a lógica da formação para o trabalho em saúde. A modalidade de Residência Multiprofissional em Saúde é uma das estratégias que articula ensino e serviço como parte da política de educação em saúde, em particular com os profissionais de saúde recém-formados, na perspectiva de ampliação das políticas de recursos humanos em saúde, de modo a garantir uma formação no trabalho em saúde, para as necessidades do SUS e sua consolidação. No entanto, cabe ressaltar que, esse tipo de modalidade de residência multiprofissional, principalmente, para nosso estudo, incluindo a enfermagem e o serviço social, já foi vista na história da política de saúde no país, nos anos de 1970, através do Treinamento Avançado em Serviço (TAS), mas que sofreu um grande refluxo, em 1982, quando da mudança de orientação de não mais financiar os residentes não-médicos (RAMOS, 2010, apud CLOSS, 2013). Destaque que, o sentido da residência como treinamento em serviço e não como formação, ainda é concebido. No ano de 1979, é instituído o Programa de Apoio às Residências (PAR) de Medicina Preventiva, Medicina Social e Saúde Pública, pelo Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social (INAMPS), que vinha desenvolvendo formação multiprofissional desde 1977, através do programa Treinamento Avançado em Serviço (TAS) (CLOSS, 2013, p. 53). No contexto contemporâneo, a partir da Lei Federal 11.129/2005 (BRASIL, 2005), retoma-se, oficialmente, a institucionalização da Residência em Área Profissional da Saúde, no entanto sem sua regulamentação. Esta é “definida como modalidade de ensino de pós-graduação lato sensu, voltada miolo_Livro_servico_social.indd 298 4/11/2014 18:00:13 13 Residência multiprofissional em Saúde Mental: trabalho e formação profissional para a educação em serviço e destinada às categorias profissionais que integram a área de saúde, excetuada a médica”. Neste sentido, na mesma legislação, salienta-se que a Residência deve “favorecer a inserção qualificada dos jovens profissionais da saúde no mercado de trabalho, particularmente em áreas prioritárias do Sistema Único de Saúde” (BRASIL, 2005). Salienta-se que a legislação que trata da Residência está tratando também do Programa Nacional de Inclusão de Jovens (PROJOVEM). No parágrafo 2o, do artigo 13, da mesma Lei, explicita que a Residência dever ser “desenvolvida em regime de dedicação exclusiva e realizada sob supervisão docente-assistencial, de responsabilidade conjunta dos setores da educação e da saúde” (BRASIL, 2005). No sentido de organização e planejamento da Residência Multiprofissional, a legislação cria a Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde – CNRMS, coordenada pelos Ministérios da Saúde e Educação, é a instância colegiada de deliberação sobre as Residências em Saúde do país e tem como atribuições: credenciamento, acreditação, funcionamento, avaliação, registros de certificados dentre tantas outras funções estabelecidas são operadas no interior deste colegiado. No entanto, somente com a Portaria Interministerial nº 2.117 (Ministérios da Saúde e Educação) de 2005, que o governo federal institui a Residência Multiprofissional em Saúde, do Programa Nacional de Residência Profissional na Área de Saúde, para a execução do Programa de Bolsas para a Educação pelo Trabalho1 destinado às categorias profissionais que integram a área da saúde, excetuada a médica2. Contudo, através da Portaria Interministerial nº 45 (MS/MEC), de 2007, é que se regulamenta a Lei de criação das Residências Multiprofissionais em Saúde, e, portanto, define 12 (doze) eixos norteadores para os processos 299 1 Com a Portaria Interministerial nº 1.077/MS/MEC, de 12 de novembro de 2009, institui-se o Programa Nacional de Bolsas para Residências Multiprofissionais e em Área Profissional da Saúde, na forma de Edital. 2 Sabe salientar que o artigo 1º foi alterado com a Portaria Interministerial nº 506/MS/ MEC, de 24 de abril de 2008. Na Portaria Interministerial 45/2007, a carga horária para o desenvolvimento das atividades da residência variava entre 40h a 60h, com a nova Portaria a carga horária máxima é de 60h para o cumprimento da formação. miolo_Livro_servico_social.indd 299 4/11/2014 18:00:13 Trajetória da Faculdade de Serviço Social da UERJ: 70 anos de história 300 de ensino-trabalho nas Residências, nos quais necessitam estar alicerçados e sistematizados na forma de projetos pedagógicos. São eles: I - cenários de educação em serviço representativos da realidade sócio-epidemiológica do País; II - concepção ampliada de saúde que respeite a diversidade, considere o sujeito enquanto ator social responsável por seu processo de vida, inserido num ambiente social, político e cultural; III - política nacional de educação e desenvolvimento no SUS aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde e pactuada entre as distintas esferas de governo; IV - abordagem pedagógica que considere os atores envolvidos como sujeitos do processo de ensino-aprendizagem-trabalho e protagonistas sociais; V - estratégias pedagógicas capazes de utilizar e promover cenários de aprendizagem configurada em itinerário de linhas de cuidado de forma a garantir a formação integral e interdisciplinar; VI - integração ensino-serviço-comunidade por intermédio de parcerias dos programas com os gestores, trabalhadores e usuários, promovendo articulação entre ensino, serviço e gestão; VII - integração de saberes e práticas que permitam construir competências compartilhadas para a consolidação do processo de formação em equipe, tendo em vista a necessidade de mudanças no processo de formação, do trabalho e da gestão na saúde; VIII - integração com diferentes níveis de formação dos Programas de Residência Multiprofissional e em Área Profissional da Saúde com o ensino de educação profissional, graduação e pós-graduação na área da saúde; IX - articulação da Residência Multiprofissional e em Área Profissional da Saúde com a Residência Médica; X - descentralização e regionalização contemplando as necessidades locais, regionais e nacionais de saúde; XI - monitoramento e avaliação pactuados para garantir que o sistema de avaliação formativa seja dialógico e envolva a participação das instituições formadoras, coordenadores de programas, preceptores, tutores, docentes, residentes, gestores e gerentes do SUS e o controle social do SUS, considerando a conformação da política, da execução e da avaliação dos resultados; e miolo_Livro_servico_social.indd 300 4/11/2014 18:00:13 13 Residência multiprofissional em Saúde Mental: trabalho e formação profissional XII - integralidade que contemple todos os níveis da Atenção à Saúde e à Gestão do Sistema (BRASIL, 2007). 301 Desta forma as Residências Multiprofissionais em Saúde são orientadas pelos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), a partir das necessidades e realidades locais e regionais, e abrangem as profissões da área da saúde, a saber: Biomedicina, Ciências Biológicas, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Psicologia, Serviço Social e Terapia Ocupacional (BRASIL, 1998). Cabe ressaltar que esse esforço se deu a partir de uma política interministerial, através de uma comissão própria de Gestão da Educação na Saúde, e isso também só foi possível pelo acúmulo, desde 2003, quando da criação, no âmbito do Ministério da Saúde, do Departamento de Gestão da Educação na Saúde (DGES) e a Secretaria de Gestão do trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), quando o Estado brasileiro toma a questão como política. Em 2008, portanto, a partir do Edital n° 1, de 4 de julho de 2008, a Comissão de Residência Multiprofissional em Saúde e em Área Profissional (CNRMS) convoca as Instituições de Ensino Superior e Órgãos que possuem Programas de Residência Multiprofissional em Saúde e em Área Profissional da Saúde para cadastramento junto à CNRMS, em sistema próprio criado de forma conjunta entre MEC e MS, o SisCNRMS. Não obstante que todo esse movimento das Residências em Saúde não é passivo, não se tem exclusivamente as formas institucionalizadas dos documentos, todo esse processo de visibilidade e mesmo de legislações é produto da ação de sujeitos e coletivos que estão envolvidos com a existência das Residências em Saúde. Tem-se diversos atores desse processo político e social, são os gestores das três esferas governamentais, em particular da saúde e de unidades de saúde; são as universidades, com docentes, técnicos e estudantes e seus movimentos organizados; são os próprios residentes que operam diversos encontros municipais, estaduais e nacionais, bem como todos esses participam de seminários promovidos de forma parceira, a partir da gestão ou mesmo em eventos da área da saúde, ou mesmo de forma autônoma com ou sem os usuários. miolo_Livro_servico_social.indd 301 4/11/2014 18:00:13 Trajetória da Faculdade de Serviço Social da UERJ: 70 anos de história A experiência em curso: A Residência Integrada e Multiprofissional em Saúde Mental 302 A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) tem implantado, ao longo dos anos, em seu Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE), diversos programas de residências em área uniprofissional da saúde, das mais antigas, como a Medicina, pioneira nessa modalidade de formação em serviço, seguem, nos anos de 1970, a do Serviço Social, Enfermagem, Nutrição e Buco-Maxilo-Facial, outra, não tão nova, mais também não tão antiga, tem-se a Psicologia, e mais recentemente, as mais novas, como a Fisioterapia e Fonoaudiologia. Destaca-se que todas as Residências tem unidades acadêmicas que oferecem os cursos de graduação relacionados à sua área profissional, exceto das duas últimas. A Residência de Medicina está organicamente vinculada a Faculdade de Ciências Médicas, como as de Enfermagem e Psicologia também são vinculadas as suas unidades acadêmicas, respectivamente, Faculdade de Enfermagem e Instituto de Psicologia, e ainda há a Residência em Enfermagem Obstétrica que vinculada a unidade acadêmica tem como cenários de prática a rede pública de saúde do município. As Residências de Nutrição e de Serviço Social encontram-se em processo de negociação interna com as unidades acadêmicas correlatas. Por sua vez, as Residências de Fisioterapia e de Fonoaudiologia, como já sinalizamos, não têm cursos correlatos na universidade, mas vem se abrindo pactuações entre unidades acadêmicas afins, respectivamente, Faculdade de Medicina e Instituto de Nutrição. Neste contexto emerge a Residência Multiprofissional em Saúde do Idoso, vinculado ao Núcleo de Atenção ao Idoso (NAI), mas que não se sabe de processo algum de vinculação a unidade acadêmica da UERJ. No nosso caso, tomando como questão específica a inserção no campo da saúde mental, essa tem se dado de forma fragmentada entre os programas com caráter intraprofissional, através dos setores da saúde da universidade que desenvolvem ações no referido campo, tais como a Unidade Docente-Assistencial de Psiquiatria e a Unidade Docente-Assistencial em Psicologia Médica e Saúde Mental, ambas localizadas no interior do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) e o Centro de Atenção Psicossocial – CAPS da universidade, fora desse contexto hospitalar, envolvendo-se com unida- miolo_Livro_servico_social.indd 302 4/11/2014 18:00:13 13 Residência multiprofissional em Saúde Mental: trabalho e formação profissional des de saúde sob a responsabilidade da secretaria municipal e estadual de saúde do Rio de Janeiro. Essa experiência fez com que os docentes especializados e/ou envolvidos em tutoria em tais programas, amadurecessem a proposta de uma Residência em Saúde Mental, que se articulasse de forma integrada e cuidadosa como um programa multiprofissional em saúde mental. Ou seja, procurou-se elaborar uma proposta de formação em que interagissem as diversas unidades acadêmicas, os serviços universitários de saúde mental e as unidades de saúde mental das Secretarias Municipal e Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, em conformidade com uma perspectiva de ação mais complexa que envolvesse uma diversidade de profissionais da saúde. As unidades acadêmicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), tais como a Faculdade de Ciências Médicas, o Instituto de Psicologia, a Faculdade de Enfermagem, o Instituto de Nutrição, Faculdade de Odontologia e a Faculdade de Serviço Social vêm, há anos, desenvolvendo ações de ensino, pesquisa e extensão no campo da saúde, e a maioria dessas, em especial, na saúde mental. Com isso respondem à função social da universidade, por meio do Hospital Universitário Pedro Ernesto, nas unidades docente-assistenciais, já citadas, e no Centro de Atenção Psicossocial – CAPS da UERJ, articulada à qualidade do cuidado em saúde mental no contexto do SUS, bem como em outros serviços da rede pública de saúde mental do município e do estado do Rio de Janeiro, e em particular junto a lógica de apoio matricial às equipes da Estratégia de Saúde da Família na Atenção Básica do território. Tais unidades, sempre tiveram como eixo central de seus projetos político-pedagógicos, referenciadas nas Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL 1996), na formação profissional de cada curso, um conjunto de ações que visa um processo de ensino-aprendizagem crítico e propositivo, assegurando a excelência técnico-científica e o compromisso ético-político na valorização e nas necessidades sociais e de vida dos cidadãos de direitos. A parceria com o Centro Psiquiátrico Rio de Janeiro – CPRJ (antigo PAM Venezuela) e a escolha deste como a instituição executora mais importante no projeto da residência multiprofissional em saúde mental justificam-se, pelo fato de que essa unidade é a única junto à Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro – SES-RJ (órgão de financiamento da referida resi- miolo_Livro_servico_social.indd 303 303 4/11/2014 18:00:13 Trajetória da Faculdade de Serviço Social da UERJ: 70 anos de história 304 dência), especializada no tratamento de saúde mental, que oferece diversas modalidades de serviços compartilhados, tais como: Emergência, Enfermaria de Crise, Ambulatório e Hospital-Dia e conta com a presença de uma equipe multidisciplinar no cotidiano do cuidado, além de ser um dos quatro pólos de emergência psiquiátrica da cidade e o único para o estado, desenvolvendo projetos junto a idosos, população em situação de rua, bem como o serviço de assistência domiciliar. Fruto de um convênio que celebram a UERJ e a SES-RJ, através do processo E-08/10667/10 de 13/12/2010, assinado entre os dirigentes responsáveis das referidas instituições em 03/02/2012 e publicado no Diário Oficial do Estado (D. O E.) em 27/02/2012, institui-se a Residência Integrada e Multiprofissional em Saúde Mental da UERJ em convênio com a SES-RJ, reafirmando a área de saúde mental como uma das áreas de prioridades do Pacto pela Vida e do SUS, constituindo-se, assim, a residência multiprofissional em saúde mental no plano estadual de educação permanente do Rio de Janeiro, com financiamento fundo a fundo. Enquanto esse processo transitava pelos trâmites burocráticos entre UERJ, SES-RJ e Casa Civil do Estado do Rio de Janeiro, tendo em vista que a mesma fomentaria as bolsas da referida residência, no interior da UERJ pactuávamos o projeto de implantação do Curso de Especialização Integrado em Saúde Mental na Modalidade de Residência Integrada e Multiprofssional em Saúde Mental da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), que foi deliberado pelas instâncias máximas institucionais das unidades acadêmicas envolvidas, Faculdade de Serviço Social e Instituto de Psicologia, através dos seus Conselhos Departamentais, segundo o Regimento Interno da Universidade. Através de um modelo de gestão compartilhada entre a Faculdade de Serviço Social e o Instituto de Psicologia, já que a Faculdade de Enfermagem declinou de seu interesse desde o começo de nossas conversas e elaboração do projeto, o Curso de Especialização Integrado em Saúde Mental na Modalidade de Residência Integrada e Multiprofssional em Saúde Mental constitui-se em ensino de pós-graduação Lato Sensu – na perspectiva da formação em saúde, caracterizado como ensino e treinamento em serviço de saúde, com carga horária de 60 horas semanais e duração mínima de 2 (dois) anos, perfazendo um total de 5.760 horas, sendo 1.152 horas (20%) miolo_Livro_servico_social.indd 304 4/11/2014 18:00:13 13 Residência multiprofissional em Saúde Mental: trabalho e formação profissional destinadas às atividades teóricas e 4.608 horas (80%) às atividades práticas, em regime de dedicação exclusiva, conforme disposto na Resolução CNE/ CNS nº 1/07. Destina-se a especializar profissionais da saúde para o campo da saúde mental e atenção psicossocial, contemplando as seguintes categorias profissionais: Enfermagem, Psicologia e Serviço Social. As atividades são realizadas sob a supervisão docente-assistencial, de responsabilidade conjunta dos setores da educação e da saúde, conforme as normas estabelecidas na Lei n° 11.129 (BRASIL, 2005), na Portaria Interministerial 1.077 (BRASIL, 2009), e nas demais Resoluções emanadas pela Comissão Nacional de Residência Multiprofssional e em Área Profissional de Saúde (CNRMS). No âmbito da UERJ, a partir da Deliberação nº 36, de 9 de setembro de 2012, do Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão (CSEPE) da UERJ, que regulamenta os cursos de especialização da UERJ em nível de pós-graduação lato sensu na Modalidade Residência em Saúde, organiza-se a proposta pactuada da existência acadêmica do nosso curso, através da Deliberação nº 30, de 10 de outubro de 2012 pelo CSEPE da UERJ. As atividades de ensino em serviço para a formação no trabalho em saúde é desenvolvido nas dependências das seguintes unidades de saúde, assim tem como cenários de aprendizagem: Centro Psiquiátrico Rio de Janeiro (CPRJ), Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) da UERJ, Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e outras Drogas (CAPSad) Centra Rio, Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e outras Drogas (CAPSad) Mané Garrincha, Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPSi) CARIM da UFRJ e/ou instituições próprias ou conveniadas com a UERJ, sob a responsabilidade técnica-administrativa da Secretaria de Estado de Saúde – SES-RJ e pedagógica da UERJ, através da Faculdade de Serviço Social e do Instituto de Psicologia da UERJ, com apoio técnico-pedagógico de seus respectivos departamentos acadêmicos – Departamento de Fundamentos Teórico-Práticos do Serviço Social e Departamento de Psicologia Clínica. Desta forma, nos cenários de aprendizagem na prática das instituições acima, os residentes estão sob a responsabilidade pedagógica, orientação e supervisão do corpo docente da Faculdade de Serviço Social e do Instituto de Psicologia, bem como dos preceptores (profissionais de nível superior) e tutores (técnicos e/ miolo_Livro_servico_social.indd 305 305 4/11/2014 18:00:13 Trajetória da Faculdade de Serviço Social da UERJ: 70 anos de história 306 ou professores) vinculados a SES-RJ, a UERJ, a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS-RJ) e as outras instituições conveniadas. As atividades de ensino teórico e de ensino teórico-prático na formação para o trabalho em saúde, são desenvolvidas através das disciplinas que são planejadas segundo o calendário acadêmico da UERJ. Assim, o referido curso tem 6 (seis) módulos, a saber: I – Saúde Coletiva e Saúde Mental II – Clínica da Atenção Psicossocial III – Psicanálise e Saúde Mental IV – Clínica Psiquiátrica e Saúde Mental V – Metodologia da Investigação VI – Seminários Avançados em Saúde Mental As disciplinas que são constitutivas em cada módulo são abaixo discriminadas: Quadro de Disciplinas MÓDULO I Saúde Coletiva e Saúde Mental Disciplina 1: Políticas Públicas de Saúde no Brasil e Saúde Mental; Disciplina 2: Constituição do Campo da Saúde Mental e o Movimento da Reforma Psiquiátrica; Disciplina 3: Planejamento, Gestão e Avaliação da Atenção em Saúde Mental MÓDULO II Clínica da Atenção Psicossocial Disciplina 1: CAPS: Clínica e Território ; Disciplina 2: Novos Dispositivos da Atenção Psicossocial ; Disciplina 3: Micropolítica do Trabalho e o Cuidado em Saúde Mental. MÓDULO III Psicanálise e Saúde Mental Disciplina1: Psicanálise e Saúde Mental; Disciplina 2: Fundamentos da Clínica Psicanalítica; Disciplina 3: Psicanálise e Estruturas Clínicas. miolo_Livro_servico_social.indd 306 4/11/2014 18:00:13 13 Residência multiprofissional em Saúde Mental: trabalho e formação profissional MÓDULO IV Clínica Psiquiátrica e Saúde Mental Disciplina 1: Introdução à Psicopatologia; Disciplina 2: Psiquiatria e Subjetividade; Disciplina 3: Introdução à Psicofarmacologia. MÓDULO V Disciplina 1: Metodologia de Pesquisa I : Metodologia de Investigação MÓDULO VI Seminários Avançados em Saúde Mental 307 Epidemiologia e pesquisa qualitativa; Disciplina 2: Metodologia de Pesquisa II: Epidemiologia e pesquisa qualitativa; Disciplina 3: Orientação do Trabalho de Conclusão da Residência I; Disciplina 4: Orientação do Trabalho de Conclusão da Residência II; Disciplina 5: Oficinas Teórico-Práticas de Ensino, Pesquisa e Supervisão em Serviço I; Discipliina 6: Oficinas Teórico-Práticas de Ensino, Pesquisa e Supervisão em Serviço II. Disciplina 1: Seminários Avançados em Saúde Mental; Disciplina 2: Arte e Saúde Mental; Disciplina 3: Processos Grupais e Saúde Mental. Tendo por objetivo geral, desenvolver um curso de pós-graduação, nos moldes de Residência Multiprofissional e Interdisciplinar em Saúde Mental, com base nas definições e determinações da Política Nacional de Saúde Mental e do SUS, com formação especializada em serviço, sob orientação docente-assistencial, tendo como eixo o cuidado em saúde, visando à qualidade de vida, estruturou-se, assim, o único curso de especialização na modalidade residência multiprofissional em saúde mental da UERJ com vínculo direto com duas unidades acadêmicas, de igual modo a sua congênere no Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB/UFRJ). Os objetivos específicos do referido curso-residência, portanto, são: a) Desenvolver habilidades profissionais para atuação em equipe, de forma interdisciplinar e ética, interagindo com a cultura da popu- miolo_Livro_servico_social.indd 307 4/11/2014 18:00:13 Trajetória da Faculdade de Serviço Social da UERJ: 70 anos de história 308 lação assistida, de forma articulada com os outros profissionais que atuam no sistema de saúde, bem como, nas outras políticas públicas; b) Trabalhar com os dados do diagnóstico epidemiológico considerando características demográficas, sócio-econômicas e culturais, propondo ações voltadas para as necessidades identificadas; c) Conhecer a rede de serviços de saúde mental e de suporte social para atuação em equipes multiprofissionais, na perspectiva interdisciplinar, com vistas ao exercício de ações intersetoriais, à integralidade da atenção e à redução do tempo de hospitalização; d) Promover uma reflexão histórico-crítica sobre a constituição do campo da psiquiatria e da saúde mental; e) Reconhecer as diferentes formas de acolhimento clínico-institucional para o sujeito em sofrimento valorizando a contribuição de diferentes disciplinas e campos de saber; f) Identificar as contribuições da Psicanálise na relativização das noções de normal e patológico e na compreensão das noções de sujeito e laço social; g) Destacar as contribuições da Arte como forma privilegiada de expressão do sujeito e como favorecedora da inserção do sujeito no campo social; h) Considerar as diferentes modalidades de abordagens psicodiagnósticas e psicossociais do sujeito em sofrimento. Além do referencial da Política Nacional de Educação Permanente, a Residência deve ser desenvolvida de modo a articular-se a um sistema de formação de recursos humanos ou, mesmo, contribuir para fortalecê-lo, como prevê a Lei Orgânica da Saúde. Isso implica que a Residência mantenha relações com as formações de graduação e pós-graduação, tais como a integração com estágios da graduação e com os programas de mudança e reorientação da formação em saúde e da educação pelo trabalho para a saúde (PRÓ-SAÚDE e PET-SAÚDE3), além da articulação com núcleos e redes de pesquisa. É nesse sentido que a Residência Multiprofissional em Saúde Mental da UERJ participa das atividades do Programa de Educação pelo Trabalho para 3 PRO-Saúde – Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde; PET-Saúde – Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde. miolo_Livro_servico_social.indd 308 4/11/2014 18:00:13 13 Residência multiprofissional em Saúde Mental: trabalho e formação profissional a Saúde (PET-Saúde) da UERJ, no eixo das Redes de Atenção e em particular no tema da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) no segundo ano, a partir do CAPS/UERJ, junto às 17 (dezessete) das 21(vinte e uma) equipes da Estratégia de Saúde da Família (ESF) do território da Área Programática (AP) 2.2 (engloba os bairros da Tijuca, Vila Isabel, Andaraí, Praça da Bandeira, Grajaú e Maracanã e diversas comunidades faveladas), na forma de apoio matricial ou matriciamento em saúde mental e atenção psicossocial, ações de intersetorialidade, atendimento domiciliar dentre outros. 309 A educação no trabalho em Saúde Mental: apontamentos Durante o primeiro ano da residência, denominados esses de R1, os mesmos cumprem com suas cargas-horárias atividades práticas, no interior do Centro Psiquiátrico Rio de Janeiro (CPRJ), que tem se constituído como referência fundamental na assistência em saúde mental, no município do Rio de Janeiro, para as Áreas Programáticas (AP) 1.0 – região central e parte da AP 3.1 – Maré e região da Ilha do Governador. O CPRJ organizou-se, ao longo dos últimos doze anos de existência, como uma unidade que oferece uma variedade de serviços para uma clientela diferenciada, utilizando como critério de avaliação não só o diagnóstico de transtornos mentais, mas, também, as situações de risco psicossocial. Dentro dessa perspectiva, o CPRJ conta com uma equipe multidisciplinar (médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais e musicoterapeutas) atuante na recepção dos usuários na emergência, em funcionamento vinte e quatro horas, na internação da enfermaria de crise, com sua política de curta permanência, nos seus vinte leitos, no atendimento ambulatorial (consultas individuais e em grupo) e no Hospital-Dia, constituído por oficinas terapêuticas e de produção (geração de trabalho e renda), como de Música, Culinária, Pintura, Teatro, Dança e Costura, dentre outros. O CPRJ por ser a única unidade de saúde mental na região central da cidade do Rio de Janeiro, e por não ser vinculada a Secretaria Municipal de Saúde, existe de forma isolada, como em um deserto. Apesar de obter a maior pontuação entre os hospitais psiquiátricos no estado do Rio de Janeiro, por dois anos consecutivos (2003 e 2004), quando da avaliação do miolo_Livro_servico_social.indd 309 4/11/2014 18:00:13 Trajetória da Faculdade de Serviço Social da UERJ: 70 anos de história 310 PNASH (Programa Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar – versão psiquiatria) e sua estrutura se basear num modelo de co-existência de tantos outros, ele não conseguiu se efetivar como um Centro de Atenção Psicossocial III (24 horas), como salientado na análise de Keusen e Carvalho (2008) quando se pensava em um modelo de transição em saúde mental. É fato que, mesmo como uma estrutura hospitalocêntrica, frente à organização da rede de atenção psicossocial (RAPS) no município do Rio de Janeiro, ao longo dos anos, o CPRJ tem realizado algumas mudanças no campo da saúde mental, abrindo espaço para novas experiências no campo da clínica e da atenção psicossocial como, por exemplo, o Grupo Harmonia Enlouquece, ou ainda, no atendimento às demandas específicas como o Projeto de Atendimento Ambulatorial da Terceira Idade (PATER), o Projeto de Atendimento à População em Situação de Rua, com transtorno mental grave, premiado pelo Ministério da Saúde, em 2001 e o Projeto Geração de Renda. Destaca-se que o CPRJ tem, progressivamente, se tornado um campo para o estudo, a pesquisa e a formação na área de saúde mental, mas priorizando as pesquisas biomédicas, através do Centro de Estudos, do Núcleo de Psicanálise, da Residência Médica, em Psiquiatria (que não se integra na lógica do trabalho em saúde, com a Residência integrada e Multiprofissional em Saúde Mental), de estágios multiprofissionais e de parcerias com instituições de reconhecimento nacional e internacional, tais como a Fundação Instituto Osvaldo Cruz (FIOCRUZ), o Instituto de Psiquiatria da UFRJ (IPUB) e unidades acadêmicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Além da assistência, o CPRJ desenvolveu, há alguns anos, um projeto institucional, que permitiu criar um sistema de informação, capaz de ser utilizado pelas equipes, visando à melhoria da assistência. Neste sentido, a Emergência e o Ambulatório encontram-se informatizados, o que permitiu o cadastramento de todos os prontuários do sistema hospitalar. Durante um ano no CPRJ, além das atividades práticas, os residentes tem diversos espaços de formação no trabalho, como a supervisão geral do campo, as específicas por núcleo profissional, as disciplinas teóricas que são ministradas através do Centro de Estudos e o Núcleo de Psicanálise, algumas na tentativa de integração coma Residência de Psiquiatria, articuladas à miolo_Livro_servico_social.indd 310 4/11/2014 18:00:13 13 Residência multiprofissional em Saúde Mental: trabalho e formação profissional Coordenação Acadêmica do Curso de Especialização Integrado em Saúde Mental na Modalidade Residência Integrada e Multidisciplinar em Saúde Mental da UERJ, bem como reuniões de equipe e sessões clínicas. O segundo ano, denominados os residentes de R2, esses ficam imersos na atenção psicossocial, tendo com referência o CAPS/UERJ, radicalmente diferente da lógica hospitalocêntrica, inclusive na forma de atenção e cuidado aos usuários. Inseridos nos espaços de trabalho dos CAPS (CAPS, CAPSad e CAPSi), os mesmos realizam muitas atividades teórico-práticas e práticas. Dentro desse contexto, temos: oficinas terapêuticas (jardinagem, culinária, simbolização, café dançante, itinerante/território, cine-CAPS etc) de produção (artesanato, mosaico etc), recepção integrada, espaços de supervisão por campo e por núcleo, além da supervisão clínico-institucional junto a equipe interdisciplinar do serviço, apoio matricial ou matriciamento as equipes da ESF do território (articulado ao PET-Saúde) nas unidades básicas de saúde-atenção básica junto com as equipes do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), acompanhamento aos usuários nos Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), iniciativas de desinstitucionalização para o território e para os CAPS, acolhimento, iniciativas de geração de trabalho e renda, participação nas reuniões do Fórum de Saúde Mental-Intersetorial da AP2.2, Conselho Distrital de Saúde, Rede Intersetorial, reuniões de equipe interdisciplinar, elaboração do projeto terapêutico singular dos usuários, discussão dos casos, atendimento individual e grupal, grupo de família, assembléia dentre tantas outras expressões do cotidiano da produção do cuidado na atenção psicossocial. Tomando hoje a institucionalização da Rede de Atenção Psicossocial (BRASIL, 2011), temos outros cenários que os residentes deveriam vivenciar o campo da saúde mental, mas, infelizmente, não temos esses dispositivos assistenciais em nosso território APs, 1.0, 2.1 e 2.2 ou mesmo que tenhamos algum convênio, como, Consultório na Rua, Centro de Convivência e Cultura, SAMU, Sala e Estabilização, UPA 24h, Pronto Socorro em Hospital Geral, Unidades de Acolhimentos Adulto (UAa) e Infantil (UAi), Leitos de Atenção em Saúde Mental no Hospital Geral e mesmo um CAPSad III ou CAPSIII. Ressalta-se que as disciplinas teóricas são distribuídas entre a Faculdade de Serviço Social e o Instituto de Psicologia, a depender dessas e dos pro- miolo_Livro_servico_social.indd 311 311 4/11/2014 18:00:13 Trajetória da Faculdade de Serviço Social da UERJ: 70 anos de história 312 fessores, contando, quando possível, com profissionais desses cenários de aprendizagem do trabalho em saúde mental. As articulações entre os processos de formação de profissionais - trabalhadores da saúde- e da produção de serviços do setor expressam particularidades da relação geral entre educação e trabalho na sociedade. E nesse sentido, temos operado na tentativa de problematizar permanentemente esses cenários de aprendizagem do trabalho em saúde, na perspectiva de diminuir essa distância e as vezes esse hiato existente. Considerações Finais Por certo, é necessário afirmar que há um conflito entre o predomínio do modelo taylorista/fordista tanto na educação (transferência de conhecimento) quanto no trabalho (modelo de produção) versus a construção de um modelo de transição sob o domínio de uma profunda desigualdade relacionada às dimensões estruturais da vida social. O embate a respeito das relações entre educação e trabalho tem adquirido, no caso da formação para a saúde, um luta ideológica entre correntes que buscam firmar a primazia em um dos dois campos, advogando a centralidade dos métodos e procedimentos de um processo sobre o outro. Assim, na atualidade brasileira, esse duelo foi levado para o âmbito jurídico e institucional, ao fazer-se constar na Constituição Federal cidadã, que compete ao Sistema Único de Saúde (SUS): “ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde” (Art. 200, inciso III). No entanto, podemos afirmar que ainda há muitas dificuldades de interpretação e de concretização desse mandato constitucional, que é impreciso tanto na Lei Orgânica da Saúde como nos relatórios das Conferências Nacionais de Saúde. Uma idéia recorrente na história das relações entre os setores da educação e da saúde tem girado em torno da utilização de incentivos propiciados pelo SUS, através do Ministério da Saúde, para a reordenação curricular das profissões da saúde. Talvez essa seja uma forma para incrementar a tão necessária integração entre a formação profissional e trabalho em saúde. Cabe sinalizar que existem disputas entre as diversas concepções e projetos pedagógicos, portanto políticos, que circunscrevem as dimensões miolo_Livro_servico_social.indd 312 4/11/2014 18:00:13 13 Residência multiprofissional em Saúde Mental: trabalho e formação profissional da formação no trabalho em saúde. Contudo, destaca-se que existe um entendimento, equivocado e elitista, no campo acadêmico stricto sensu, em negligenciar os pressupostos dos processos formativos no trabalho em saúde. E que há, paradoxalmente, uma crença de que a capacitação dos trabalhadores se refletirá necessariamente na melhoria dos serviços e nos níveis de saúde. As resultantes corriqueiras desse conjunto de fatores são: a ineficiência dos processos formativos e a baixa efetividade de seus impactos sobre o trabalho em saúde, bem como a reduzida influência dos serviços na qualificação da educação permanente de seus trabalhadores. Esse quadro impõe que se contextualizem os obstáculos e desafios à articulação educação e trabalho em saúde no cotidiano da formação profissional em saúde. Portanto, é nesse sentido que temos apostado, mas esse investimento não pode se dar de forma isolada e por vontade pessoal, ele tem que ser coletivo. Aliás, o desejo político, do conjunto dos docentes das duas unidades que gerenciam a Residência, é justamente o distanciamento da realidade concreta do cotidiano do trabalho em saúde enquanto cenário da aprendizagem. Mesmo com o processo de implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para o nível superior, em decorrência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) que preconiza um processo de reforma educacional, surgindo o conceito de competências, explicitadas nos documentos das DCN, para as diferentes habilitações superiores aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação – CNE, a temática da educação em saúde é uma questão. Assim, organizar a formação a partir de competências impõe dois grandes desafios: A conformação do referencial de competências, que não pode ser uma lista de itens que desconcerte a profissão, tampouco um reduzido conjunto de grandes funções abstratas; e, a representação e a concepção de profissão, que raramente fundamenta-se numa análise de suas práticas concretas, delineando-se apenas a partir de impressões gerais ou apreensões fragmentadas do fazer (“deve ser”) profissional. Em ambos os casos, tais resultados decorrem da forma usual como esses produtos são elaborados: Ou mediante tumultuado trabalho de comissões ou contribuições desconexas de diversos grupos de interesse; Ou o labo- miolo_Livro_servico_social.indd 313 313 4/11/2014 18:00:13 Trajetória da Faculdade de Serviço Social da UERJ: 70 anos de história 314 rioso trabalho técnico que, periodicamente, analise o processo de trabalho e revise o referencial de competências das profissões, passando a seguir pelo crivo de instâncias reguladoras legitimamente constituídas. Então, ao pensar em formação profissional em saúde, a partir ou não do modelo de competências, exige mais que adotar um conceito e um método. Necessita-se estudar o mundo do trabalho, da educação, da saúde, trazendo as práticas reais dos atores e das instituições de educação e de produção de cuidados à saúde para o campo desta formação e isso não é de menor importância, é fundamental e estratégico para as profissões da saúde. È necessário entender que a formação profissional em saúde, como tantas outras, é um campo de luta ideológica e política – projetos e concepções de profissão em disputa. Não há grupo com interesses na educação, na saúde e na educação na saúde, que não tenha as suas posições e projetos a defender. Assim, desenvolver competências para o pleno exercício de um ofício requer interagir no contexto em que o mesmo se realiza, no cotidiano da produção do cuidado, aferindo a progressiva qualificação do aprendiz para o seu desempenho. E aqui residem duas questões: A velha dicotomia entre teoria e prática ou entre ensino e serviço, e, a dificuldade de avaliação de competências profissionais ao longo do processo de educação e trabalho profissional. O descolamento dos programas de ensino do contexto da produção e do trabalho é mazela antiga e arraigada. Paradoxalmente, ocorre mesmo quando as atividades de ensino se dão em ambientes de trabalho. A efetiva integração entre os processos de ensino-aprendizagem e de produção de serviços é, ademais requisito indispensável para o desenvolvimento de competências profissionais, meio de cultura insubstituível para germinação de práticas adequadas de avaliação dessas mesmas competências A experiência na elaboração de perfis de competências para profissões na área de saúde é muito limitada. Constitui-se ainda do embate de grupos de interesse, tanto do setor acadêmico, como dos serviços de saúde ou, mais freqüentemente, das corporações profissionais, resultando nas listas constantes nos projetos de diretrizes curriculares nacionais para os diversos cursos e incluindo as áreas prioritárias das residências. É preciso avançar mais nessas construções de consensos, com base em concepções e justificativas acordadas na interação entre grupos que militam nos processos de ensino e do trabalho profissional na saúde. miolo_Livro_servico_social.indd 314 4/11/2014 18:00:13 13 Residência multiprofissional em Saúde Mental: trabalho e formação profissional Lidar com a teia de relações entre os processos educacionais e os processos de produção de serviços de saúde e desvendar os meandros dos mundos do trabalho e da educação no setor saúde são exigências cada dia mais presentes na agenda dos gestores de recursos humanos do SUS e de seus trabalhadores na produção do cuidado na saúde. Nesse sentido, entendemos que a lógica que preside a formação profissional em saúde não é a do mercado, o que nos orienta na educação em saúde tem como fim a formação do humano genérico, particular e singular, enquanto unidade do sujeito social, de desejo e de direitos, em todos os aspectos da vida social. Este é o sentido político-pedagógico da educação e da formação profissional em saúde: transformar o usuário-trabalhador em um agente político que pensa, que age e que usa a palavra como arma para transformar o mundo. Nossa intenção e compromisso com a Residência Multiprofissional em Saúde Mental, no âmbito da unidade de formação acadêmica responsável, tem conexão com o documento intitulado “Parâmetros para Atuação dos Assistentes Sociais na Área da Saúde”(CFESS, 2009), o qual preconiza, no item 3.2.6 - Ações de Assessoria, Qualificação e Formação Profissional, “a participação na formação profissional através da criação de campo de estágio, supervisão de estagiários, bem como a criação e/ou participação nos programas de residência multiprofissional e/ou uniprofissional” (CFESS, 2009, p. 34). Desta forma, o referido documento explicita as ações a serem desenvolvidas pelo profissional de serviço social, dentre as quais se destacam: “participar ativamente dos programas de residência, desenvolvendo ações de preceptoria, coordenação, assessoria ou tutoria, contribuindo para qualificação profissional da equipe de saúde e dos assistentes sociais, em particular” (Op. Cit.; p. 35). Reforça-se, assim, o trabalho em equipe na perspectiva da interdisciplinaridade, como princípio fundamental na modalidade de formação em residência que tem no trabalho coletivo o seu compromisso. Neste sentido, que se situa o debate do Serviço Social no campo da saúde mental que aponta para dois eixos: o ético-político e o que direciona a análise para o trabalho profissional no âmbito do campo no SUS. Ambos relacionam os riscos quanto às possibilidades da ação profissional no sentido miolo_Livro_servico_social.indd 315 315 4/11/2014 18:00:13 Trajetória da Faculdade de Serviço Social da UERJ: 70 anos de história 316 da garantia de direitos dos usuários, pautando suas análises nos desafios do trabalho profissional no contexto do SUS, tomando o conceito ampliado de saúde e a Reforma Psiquiátrica brasileira como processo social e complexo. Referências BELLINI, M. I. B.; CLOSS, T. T. (Org.). Serviço social, residência multiprofissional e pós-graduação: a excelência na formação do assistente social. Porto Alegre: Ed. PUCRS, 2012. BETTIOL, L. M. Atualizando o debate: formação profissional, trabalho em saúde e Serviço Social. Tese (Doutorado em Serviço Social). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010. BRASIL. Portaria GM/MS nº 278, de 27 de fevereiro de 2014. Institui diretrizes para implementação da Política de Educação Permanente em Saúde, no âmbito do Ministério da Saúde. _______. Portaria GM/MS nº. 3.088, de 23 de dezembro de 2011. _______. Portaria Interministerial nº1.077/MEC/MS, de 12 de novembro de 2009. _______. Portaria Interministerial nº506/MEC/MS, de 24 de abril de 2008. _______. Portaria GM/MS nº 1.996, de 20 de agosto de 2007 (Nova Política Nacional de Educação Permanente em Saúde). _______. Portaria Interministerial nº45/MEC/MS, de 12 de janeiro de 2007. _______. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Residência Multiprofissional em Saúde: experiências, avanços e desafios. Brasília - DF: Ministério da Saúde, 2006. _______. Lei Federal nº 11.129, de 30 de junho de 2005. _______. Portaria Interministerial nº 2.117/MEC/MS, de 3 de novembro de 2005. _______. Portaria GM/MS nº 198, de 13 de fevereiro de 2004. (Política Nacional de Educação Permanente em Saúde). _______. Lei Federal nº 10.216, de 6 de abril de 2001. (Lei da Saúde Mental). _______. Resolução CNS nº 287/1998, de 8 de outubro de 1998. miolo_Livro_servico_social.indd 316 4/11/2014 18:00:13 13 Residência multiprofissional em Saúde Mental: trabalho e formação profissional _______. Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB). _______. Lei Federal n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. (Lei Orgânica da Saúde). _______. Constituição Federal, 1988. _______. Relatório Final da I Conferência Nacional de Recursos Humanos para a Saúde. Brasília: MS, outubro, 1996. _______. Relatório Final da VIII Conferência Nacional de Saúde. Brasília: MS, março, 1986. CARVALHO, Y. M.; CECCIM, R. B. Formação e educação em saúde: aprendizados com a saúde coletiva. In: CAMPOS, G. W. S. et al (Org.). Tratado de saúde coletiva. São Paulo; Rio de Janeiro: HUCITEC; FIOCRUZ, 2009. CECÍLIO, L. C. de O. As necessidades de saúde como conceito estruturante. In: PINHEIRO, R.; MATTOS, R. A. (Org.). Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro: UERJ, IMS: Abrasco, 2001, p. 113-126. CFESS. Parâmetros para Atuação dos Assistentes Sociais na Área da Saúde. Brasília: CFESS, 2009. CLOSS, T. T. O serviço social nas residências multiprofissionais em saúde: Formação para a integralidade? Curitiba: Appris, 2013. DUARTE, M. J. O; RINALDI, D. LEITE, S. (Org). Projeto de Implantação do Curso de Especialização Integrado em Saúde Mental na Modalidade Residência Integrada e Multiprofissional em Saúde Mental da UERJ. Rio de Janeiro: IP; FSS/UERJ; CPRJ/SES-RJ, setembro, 2010. FRANZOI, N. L. Profissão (Verbete). In: PEREIRA, I. B.; LIMA, J. C. F. (Org.). Dicionário da educação profissional em saúde. Rio de Janeiro: EPSJV, 2008, p. 328-333. KEUSEN, A.; CARVALHO, A L. A construção de um serviço de base territorial: a experiência do Centro Psiquiátrico Rio de Janeiro. In: Revista Saúde em Debate, v. 32, n. 78-80, p. 161-171. Rio de Janeiro: CEBES, 2008. LANZA, L. M. B; CAMPANUCCI, F. da S; BALDOW, L. O. As profissões em saúde e o Serviço Social: desafios para a formação profissional. Revista Katálysis [online], vol.15, n.2, pp. 212-220, 2012. LOBOSQUE, A. M.; SILVA, C. R. (Org.). Saúde mental: marcos conceituais e campos de prática. Belo Horizonte: CRP-4, 2013. miolo_Livro_servico_social.indd 317 317 4/11/2014 18:00:13 Trajetória da Faculdade de Serviço Social da UERJ: 70 anos de história 318 MACHADO, M. H. As profissões e o SUS: arenas conflitivas. Divulgação em Saúde para Debate, n. 14, p. 44-47, 1996. ______. Trabalhadores da saúde e sua trajetória na Reforma Sanitária. In: LIMA, N. T. (Org.). Saúde e democracia: história e perspectivas do SUS. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005, p. 257-281. MIOTO, R. C. T.; NOGUEIRA, V. M. R. Sistematização, planejamento e avaliação das ações dos Assistentes Sociais no campo da Saúde. In: MOTA, A. E. et al (Org.). Serviço Social e saúde: formação e trabalho profissional. São Paulo: Cortez, 2009, p. 273-303. MOURÃO, A. M. A. et al. A formação dos trabalhadores sociais no contexto neoliberal: o projeto das residências em Saúde da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora. In: MOTA, A. E. et al. (Org.) Serviço Social e saúde: formação e trabalho profissional. São Paulo: Cortez, 2006, p. 352-380. PEREIRA, I. B.; RAMOS, M. N. Educação profissional em saúde. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2006. UERJ. Deliberação CSEPE nº 30/12, de 10 de outubro de 2012. UCHÔA, R. Resultados da pesquisa. Serviço Social: interfaces com a saúde. Temporalis, Política de Saúde e Serviço Social: impasses e desafios. São Luís, ABEPSS, ano VII, n. 13, p. 151-183, jan./jun. 2007. miolo_Livro_servico_social.indd 318 4/11/2014 18:00:13