Gazeta do Povo – 15/09/2015
Vida e Cidadania
DROGADIÇÃO
“A linha da vida” passa na Pça. Osório
Profissionais de saúde que atendem os dependentes nas ruas dizem que trabalho
dá resultado, mas não arriscam veredito sobre a descriminalização
15/09/2015
22h00
José Carlos Fernandes
Texto publicado na edição impressa de 16 de setembro de 2015
O debate sobre a descriminalização do uso pessoal de drogas não passa apenas
pelas altas esferas do Supremo Tribunal Federal. Tampouco se resume às
exaltadas rodadas de conversa no movimento antidrogas. Desde abril deste ano, a
discussão circula, às quintas-feiras, pela Praça Osório, Centro de Curitiba.
Lá pelas 18h30, o ônibus do projeto Entre Vidas – “a linha da vida” –, da Secretaria
Municipal de Saúde (SMS), estaciona na altura em que a Osório se encontra com a
Cândido Lopes - perto da Boca do Brilho. Gente da equipe, como o motorista João
Enéas Prohmann, abre a lateral do ônibus, que vira uma sacada. A turma vai
chegando – psicólogos, educadores, terapeuta educacional e eles, os usuários de
drogas que vivem em marquises ali perto, na Rui Barbosa e adjacências. Podem
chegar a 50 de uma vez só. Às 21h30, dispersam-se. Em seis meses, 320
moradores de rua passaram pelo programa.
Apesar da semelhança com o Consultório de Rua, também da SMS, o Entre Vidas
não tem caráter ambulatorial. “Nosso foco é a redução de danos - é psicossocial.
Essas pessoas são invisíveis. Estamos com elas à noite, na hora em que o
consumo de substâncias aumenta. É em tempo real. Exige empatia para dar certo”,
define a psicóloga Carolina Nascimento, 39 anos, coordenadora do projeto. Sua
equipe está ali para criar vínculos com os dependentes químicos, de modo a
conseguir que se integrem ao Centro de Atenção Psicossocial, os Caps, e outros.
Os resultados são positivos: os encontros trazem cantoria, pelada, gargalhada –
rodas de leitura e contação de histórias. As noites de hip-hop são as de maior
adesão. Lotam. O “ônibus da Osório” já conta com suas figurinhas. Ertson Pedro da
Silva, 48 anos, o“Pança”, é ex-radialista, morador da calçada do Edifício Asa. “Qual
é a música?”, pergunta. My Way, na voz de Frank Sinatra, alguém grita. Cobertor
puído debaixo do braço, ele canta, num inglês lustroso, e avisa que está só no
álcool, “por enquanto”. E acrescenta. “Sou uma celebridade. Estou no Facebook.
Conheci a Gilda (travesti que mendigava nos anos 1980 na XV). Isso aqui é a crime,
não o Kremlin.”
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Observando tudo, sempre, João Batista do Nascimento, o “Pastor”, 49 anos, 25 de
rua. É o líder. “Não fosse a força que nos deu, seria mais difícil. Ele é quem chamou
o pessoal e disse que o ônibus era uma coisa boa”, conta a educadora Fernanda
Ricardo. “Eles não veem como cidadãos de direito. Nosso processo de aproximação
é bem lento. Não julgamos ninguém. Nossa aproximação não pode ser repressora.”
O grupo oferece conversa e pequenos cuidados - protetor labial, preservativos,
chocolates, um pouco de tevê e orientação para tratamento - quando há abertura
por parte do povo da rua.
Se o Entre Vidas conta com uma lista dos mais chegados, conta também com os
mais arredios – em geral os jovens. Dois casais chegam. Estão bem vestidos e
banhados. Moram numa área coberta da Avenida Sete de Setembro. Mandam um
recado para a turma do STF. “Tem de liberar. Maconha não é droga. Deixa a gente
calmo”, diz “D”, 19, no que é apoiado pela companheira, “A”, 25. Comentam que se
conheceram na Praça Oswaldo Cruz e que se casaram na rua. Beijos no Entre
Vidas.
A bordo do Entre Vidas
A equipe: a pedagoga Fernanda Cristina Kosiaki Ricardo; a coordenadora Carolina de Souza
Nascimento; a terapeuta ocupacional Emelin Cristina da Silva; o psicólogo Gledson Marcelo B. dos
Santos; o motorista João Enéas Prohmann.: atendimento no local e na hora em que as coisas
acontecem. - Daniel Castellano
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Daniel Castellano/Gazeta do Povo
João Batista do Nascimento,, o “Pastor”: líder de população de rua convocou moradores a participar
do Entre Vidas.
Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/a-linha-da-vida-passa-napca-osorio-9cd0tq30g72utzsvmhnpyq3tg
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