FACULDADE CAPIXABA DA SERRA- SERRAVIX
PEDAGOGIA
MARIA DE FÁTIMA FERREIRA
SILDYANE PEREIRA ROCHA
INCLUSÃO: AFIRMANDO A IDENTIDADE DA CRIANÇA NEGRA NA EDUCAÇÃO
INFANTIL
SERRA
2013
1
MARIA DE FÁTIMA FERREIRA
SILDYANE PEREIRA ROCHA
INCLUSÃO: AFIRMANDO A IDENTIDADE DA CRIANÇA NEGRA NA EDUCAÇÃO
INFANTIL.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
programa de Graduação em Pedagogia da Faculdade
Capixaba da Serra como requisito parcial para
obtenção do grau de Licenciado em Pedagogia.
Orientador Prof. Me. Paulo Roberto Nunes Scarpatti.
SERRA
2013
2
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca da Faculdade Capixaba da Serra - Serravix. Serra, ES.)
F383i
FERREIRA, Maria de Fátima.
Inclusão: afirmando a identidade da criança negra na
educação infantil. / Maria de Fátima Ferreira, Sildyane Pereira
Rocha. – Serra: Faculdade Capixaba da Serra, 2013.
59f.
Orientador: Paulo Roberto Nunes
Trabalho de conclusão de curso (Curso de Pedagogia) –
Faculdade Capixaba da Serra – Serravix 2013.
1. Preconceito. 2. Educação. 3. Desigualdade. 4. Políticas
Afirmativas. I. Nunes, Paulo Roberto. II. Faculdade Capixaba da
Serra - Serravix. lll. Curso de Pedagogia. IV. Título.
CDD:371.9
3
MARIA DE FÁTIMA FERREIRA
SILDYANE PEREIRA ROCHA
INCLUSÃO: AFIRMANDO A IDENTIDADE DA CRIANÇA NEGRA NA
EDUCAÇÃO INFANTIL
Trabalho de Conclusão de Curso sob a orientação do professor Paulo Roberto Nunes Scarpatti,
apresentada ao programa de Graduação em Pedagogia a Faculdade Capixaba da Serra, como
requisito para a obtenção do grau de Licenciatura em Pedagogia.
Aprovada em 05 de Julho de 2013
COMISSÃO EXAMINADORA
Prof. Me. Paulo Roberto Nunes Scarpatti
Faculdade Capixaba da Serra-Multivix
Orientador
Prof. Ma. Fabiola Souza Almeida D´Cezari
Faculdade Capixaba da Serra- Serravix
Membro 1
Prof. Ma. Claudiméia do Rosário Almeida
Faculdade Capixaba da Serra- Serravix
Membro 2
4
Dedico essa monografia, a meu esposo
Ronaldo, por acreditar que era possível,
mesmo diante de tantos desafios. Aos
meus filhos, Guilherme e João Pedro, pela
compreensão a cada momento de lazer
renunciado, aos meus irmãos Josué e
Franklin, pelo apoio, a minha cunhada
Leila pela solidariedade, e a todos que
oraram por mim. Em especial a Jesus,
que me ensinou a combater o bom
combate, terminar a graduação e guardar
a fé.
Maria de Fátima
Dedico a todas as pessoas que passaram
na minha vida, principalmente nessa
caminhada acadêmica, com palavras de
incentivo e de amizade. A minha família
por ter compreendido algumas ausências
em certas comemorações, agradeço
principalmente a minha mãe por ter me
sustentado em orações e pelo exemplo de
luta, também a minha avó Anna, por toda
dedicação. Ao meu namorado, Arlindo,
por ter compreendido tantas oscilações de
humor e não ter medido esforço para me
ajudar no que fosse necessário para a
conclusão deste trabalho. “Toda honra e
glória seja dada a Deus”.
Sildyane.
5
A Deus, cujas bênçãos tornaram tudo
possível, nos dando força e graça para
superarmos quaisquer obstáculos;
À família, que sempre permaneceu ao
nosso lado, mostrando o caminho certo
para alcançarmos a vitória e o sucesso.
6
“Ninguém nasce odiando outra pessoa
pela cor de sua pele, por sua origem ou
ainda por sua religião. Para odiar, as
pessoas precisam aprender, e se podem
aprender a odiar, podem ser ensinadas a
amar."
(Nelson Mandela)
7
RESUMO
O objetivo do presente trabalho é abordar a Inclusão, com objetivos específicos na
afirmação da identidade da criança negra na educação infantil. Veremos se a escola
é igualitária em oportunidades de vez e voz independente da cor da pele, se dá
visibilidade à diferença étnica racial, se é trabalhada o pluralismo cultural. Falaremos
da importância que a educação formal, ou seja, a educação na escola tem na
formação do caráter da criança. A pluralidade cultural vem sendo discutida ao longo
da história, a pesar da discussão, ainda prevalece as praticas discriminatórias. De
modo que reflete na sociedade e no espaço escolar. Fazem-se necessárias
pesquisas voltadas para a educação infantil, com o objetivo de avaliar até que ponto
o preconceito e a descriminação racial interferem na formação da identidade da
criança negra dentro e fora do espaço escolar. E refletir sobre a importância da
escola na contribuição para a afirmação e aceitação da diversidade cultural, racial e
o respeito as diferenças. Portanto, esta pesquisa busca refletir sobre o papel do
professor e da escola, no desenvolvimento futuro da criança negra, reconhecer que
a criança negra constrói sua identidade dentro e fora do ambiente escolar e
proporcionar uma maior aceitação da cultura afro, respeitando diferenças no
ambiente escolar. Mediante as referencias, LDB, RCNEI, e uma pesquisa de campo,
que dispõe de uma análise qualitativa, com entrevistas individuais com professores e
pedagogos. Questões relacionadas à discriminação racial e educação, tanto no
âmbito acadêmico quanto nos demais, têm sido objeto de um número crescente de
publicações e estudos, favorecendo a abertura de espaços para discussões e busca
de alternativas para minimizar a discriminação racial e o preconceito nas nossas
escolas.
PALAVRAS-CHAVE: Preconceito. Educação. Desigualdade. Políticas afirmativas.
8
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO..................................................................................... 10
2
CONTEXTOS HISTÓRICOS, INTERAÇÕES SOCIAIS E
FORMAÇÃO DA IDENTIDADE DA CRIANÇA NEGRA ......... 13
2.1
CONCEITO E PRECONCEITO................................................................ 13
2.2
A RESISTÊNCIA DO NEGRO NO BRASIL, SUA LUTA POR
AUTOAFIRMAÇÃO
E
SUA
INSERÇÃO
NO
CONTEXTO
ESCOLAR................................................................................................ 16
2.3
RECONHECENDO QUE A CRIANÇA NEGRA CONSTRÓI SUA
IDENTIDADE DENTRO E FORA DO AMBIENTE ESCOLAR................. 22
3
O
PAPEL
DO
PROFESSOR
E
DA
ESCOLA
NO
DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA NEGRA FRENTE ÀS
DIFERENÇAS HISTÓRICAS E AVANÇOS................................. 23
3.1
A FORMAÇÃO DO EDUCADOR MULTICULTURAL............................... 23
3.2
O PAPEL DO PROFESSOR E DA ESCOLA NA DESCONSTRUÇÃO E
AFIRMAÇÃO DA IDENTIDADE............................................................... 28
3.3
DIVERSIDADE
CULTURAL
E
CURRÍCULO
NA
EDUCAÇÃO
INFANTIL.................................................................................................. 34
4
CULTURA, EDUCAÇÃO E LEI ...................................................... 38
4.1
LEI 10.639/03........................................................................................... 38
4.2
AS POLÍTICAS AFIRMATIVAS PARA INSERÇÃO DO NEGRO NA
SOCIEDADE............................................................................................ 40
5
METODOLOGIA DA PESQUISA.................................................... 44
5.1
UNIVERSO DA PESQUISA..................................................................... 45
5.2
RELATO DAS ENTREVISTAS................................................................. 45
6
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 51
9
7
REFERÊNCIAS.................................................................................... 54
7.1
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................... 54
7.2
WEBGRÁFIA............................................................................................ 55
8
APÊNDICE............................................................................................ 57
10
1. INTRODUÇÃO
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 tem como fundamento
garantir no Art. 2º inciso IV, a promoção, o bem estar a todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade ou qualquer outra forma de discriminação. O cenário
que se observa nas escolas brasileiras, no que diz respeito à questão do preconceito
racial, é uma significativa desigualdade da população negra. Geralmente, tendo
como consequência as diferenças de desempenho, que desencadeiam a
desigualdade social e racial legitimado pela sociedade brasileira.
No currículo a imagem da África e do negro foi moldada pela instituição do
escravismo no Brasil e pelo colonialismo português. Desde o inicio, os negros foram
transformados em mercadorias e bens, evidenciando uma dominação sexual,
religiosa e lingüística. Havendo uma valorização da cultura europeia e causando
danos a outras etnias, como a africana e a indígena, principalmente como
componente curricular. Tal valorização fez com que essas culturas fossem negadas
e desvalorizadas, fazendo com que a ideologia da superioridade do branco
enraizasse na sociedade brasileira e, conseqüentemente, nas escolas.
Este trabalho objetiva levantar o questionamento se a escola é, de fato, igualitária
em oportunidades de vez e voz independente da cor da pele, se ela dá visibilidade à
diferença étnica racial, se é trabalhada o pluralismo cultural que existe no Brasil,
enfim a importância que a educação formal, ou seja, a educação na escola tem na
formação do caráter da criança.
Silva (2001), ao se reportar às orientações curriculares oficiais, lições, rituais
escolares, datas festivas e nacionais, étnicas e raciais afirma que:
Essas narrativas celebram os mitos da origem nacional, confirmam o
privilégio das identidades dominantes e tratam as identidades dominadas
como exóticas ou folclóricas. Em termos de representação racial, o texto
curricular conserva, de forma evidente as marcas da herança colonial. O
currículo é, sem dúvida, entre outras coisas, um texto racial. (SILVA, 2001,
p. 102).
A história da África precisa ser recontada. A escola precisa problematizar conceitos
como discriminação, preconceito e racismo na caracterização do comportamento de
uma criança, que percebe diferenças raciais, expõem preferências, se identificando
11
ou rejeitando crianças negras. O Estado e a política educacional têm suas
responsabilidades na formação de um indivíduo, capaz de conviver e respeitar a
diversidade humana, comprometidos com a igualdade. Mas vai além do papel, é
preciso práticas pedagógicas, professores, gestores, familiares, empenhados por
uma educação igualitária e despidos de todo e qualquer preconceito.
Entretanto, para a efetivação dessas práticas, é preciso que o educador tenha uma
formação crítica, reflexiva, uma formação multicultural. Que tenha a consciência de
que a educação infantil brasileira integrou-se legalmente ao sistema de ensino em
1996, através da LDB (Lei de Diretrizes e Bases), como a primeira etapa da
educação básica, atendendo crianças de zero a cinco anos, compreendendo as
creches e pré-escolas. Faz-se necessário dar visibilidade à educação infantil, tirá-la
da informalidade, conscientizar-se que é a partir dela que se constituem princípios,
ética, respeito e que começa a legitimação da formação de cidadãos que muita das
vezes não têm sua devida valorização na construção da identidade da criança.
Entende-se que o social tem um papel fundamental na constituição do cognitivo,
conforme Vygotsky defende. Assim sendo, se o aluno negro estiver imerso em um
ambiente escolar em que os valores como: respeito, amor, solidariedade,
companheirismo e, sobretudo, a amizade estiverem presentes, ele poderá se ver
igualmente aceito e poderá também se desenvolver a partir da interação com o
outro, não se isolando. Pois, infelizmente, e frequentemente, ao próprio aluno negro
recai o ônus dos processos discriminatórios e excludentes que marcam sua trajetória
escolar, surgindo a necessidade de se trabalhar o respeito e a valorização das
diferenças raciais na educação infantil. E consequentemente analisar e propor
práticas e posturas pedagógicas que possibilitem a valorização e a afirmação da
identidade.
Um dos objetivos deste trabalho é contribuir com o aprendizado e, portanto ampliar o
conhecimento, assim favorecendo futuros alunos, e a educação como um todo.
Cooperando com a formação da autoestima, afirmando a identidade da criança
negra em seu convívio social. Os objetivos específicos consistem em refletir sobre o
papel do professor e da escola no desenvolvimento futuro da criança negra.
Reconhecer que a criança negra constrói sua identidade dentro e fora do ambiente
12
escolar e proporcionar uma maior aceitação da cultura afro, respeitando as
diferenças no ambiente escolar.
Um dos instrumentos metodológicos que a pesquisa irá dispor é a pesquisa
bibliográfica. Após a escolha de um assunto é necessário fazer uma revisão
bibliográfica do tema apontado. Segundo Santos (1990, p.26), “o conjunto materiais
escritos/gravados, mecânica ou eletronicamente, que contêm informações já
elaboradas e publicadas por outros autores é uma bibliografia”. Definindo-se como a
busca de uma problematização do projeto de pesquisa, a partir de referenciais
publicados. Constitui uma técnica para proporcionar ao pesquisador a bagagem
teórica, de conhecimento e o treinamento científico, que habilita a produção do
trabalho científico.
Sendo realizada uma análise qualitativa, utiliza-se o método estudo de caso, pois
apresenta características metodológicas que se mostram mais adequadas ao
objetivo. Além disso, haverá a observação participante e entrevistas individuais com
professores e pedagogos.
A pluralidade cultural vem sendo discutida ao longo da história. Mesmo com toda
discussão, o preconceito racial é um dos grandes problemas latentes da sociedade
brasileira, e consequentemente refletidos nas escolas. Por acreditar que a escola e a
educação se dá no meio de um espaço onde há sujeitos com contexto sóciopolíticos econômicos diferentes, com cor de pele e religiões distintas, se faz
necessário investigar até que ponto a escola na educação infantil tem contribuído
para trabalhar todas essas diversidades, investigar também a sua contribuição para
a afirmação, aceitação de todo esse pluralismo de identidades e problematização da
a discriminação racial.
13
2.
CONTEXTOS
HISTÓRICOS,
INTERAÇÕES
SOCIAIS
E
FORMAÇÃO DA IDENTIDADE DA CRIANÇA NEGRA
2.1 CONCEITO E PRECONCEITO
No século XV o conceito de raça foi criado para a classificação das plantas, com o
passar do tempo esse conceito foi distorcido e atribuído a espécie humana, de
acordo com Munanga, 2006, p.1:
“O conceito de raça originou-se do italiano razza, vindo do latim ratio,
significando categoria sorte e espécie. As ciências naturais usaram
primeiramente o conceito de raça na zoologia e na botânica para a
classificação das espécies animais e vegetais. Esse conceito foi usado pelo
naturalista sueco, Carl Von Linné (Lineu) para classificar as plantas em 24
raças ou classes. Classificação atualmente esquecida”.
Após a queda do Império Romano o conceito de raça passou a nomear a
descendência, linhagem, pessoas com um ancestral comum e característica física
em comum. O francês François Bemier classifica de forma moderna a diversidade
humana em grupos denominados raças. Entre as classes sociais da França passam
a utilizar o conceito de raça para diferenciar a nobreza da plebe. Os francos
considerados nobres acreditavam ser uma raça distinta dos Gauleses, população
identificada como plebe. Eles admitiam ter sangue puro, por isso, valorizavam suas
habilidades para governar. Com a descoberta da existência de novos povos
(ameríndios, negros, melanésios, etc.) os franceses começam a ter dúvidas sobre o
conceito de civilização, e passam a inquirir essa existência. “São bestas ou são
seres humanos como ‘nós’ europeus”? (MUNANGA, 2006, p.1)
Para eles as diferenças significavam que não tinham sangue puro, se não fosse um
nobre seria um ser sem valor, sem habilidades digna de valorização. Alguns
acreditavam que o negro era descendente de Cam, e que a cor do negro era
sinônimo de maldição por causa da escritura sagrada, que conta a passagem em
que Noé amaldiçoou seu filho Cam, Gêneses n 9:25. Uma ideologia sustentada por
argumentos que afirma a inferiorização da raça negra. Negando, assim, as
circunstâncias do escravismo dos negros introduzidos no mercantilismo e negando
também
a
colaboração
desenvolvimento cultural.
dos
povos
africanos
na
criação
e
suporte
ao
14
De acordo com Nascimento (2006), essa forma, os europeus permaneceram
justificando sua suposta superioridade, afirmando o conceito de excelência da raça
branca hipoteticamente comprovada pela ciência passou a justificar atitudes de
repressão, poder absoluto a outros povos, com a subordinação exercendo o controle
sobre os grupos e de todo território ocupado por esses indivíduos, e a expansão e
domínio territorial, cultural e econômico dos europeus a outras nações. Visão de
mundo eurocêntrico, pautada na superioridade “civilizatória” de um povo, para
justificar o domínio de outros povos
No final do século XV, no ano de 1500, o Brasil foi colonizado pelos europeus, a
partir do ano de 1530 foram instaladas as primeiras lavouras de cana-de-açúcar
surgindo à necessidade de grande quantidade de trabalhadores, nasceu então à
escravidão com o objetivo de resolver a necessidade da mão de obra e aumentar os
lucros com a execução agroexportadora a se expandir no Brasil. A escravidão era
em si um negócio muito lucrativo.
Os índios brasileiros foram forçados a trabalhar para os portugueses, e os africanos
foram trazidos para o país em navios negreiros de forma precária sem condição de
sobrevivência, apenas metade desses negros conseguia sobreviver nos porões do
navio durante as travessias do Oceano Atlântico. Os sobreviventes eram tratados de
forma desumana por seus senhores, privados dos seus direitos.
É preciso à reflexão para o preconceito arraigado em cada um de nós, às vezes sem
perceber nossas atitudes disseminam o preconceito racial, outros sentem prazer em
manter dentro de si a ideologia de que se for branco representa superioridade aos
demais. Podemos compreender também como parte submersa o elevado nível de
baixa autoestima nos indivíduos vítimas do preconceito. Esse fenômeno deu origem
à ideologia do branqueamento, essa ideologia ganhou força nos debates políticos
com o objetivo de auxiliar na construção das identidades nacional, a miscigenação
como parte fundamental no processo de homogeneização biológica teve sua
aprovação política para a construção da identidade nacional brasileira.
“A miscigenação entre negros e brancos, exaltada por Gilberto Freyre como
um embrião da “democracia racial” e base de nossa identidade nacional –
“povo mestiço”, “moreno” – foi parte da escravidão colonial. Mas o
cruzamento racial não foi um processo natural, e sim determinado pela
15
violência e exploração do português de ultramar contra o africano sob o
cativeiro” (CARONE, 2002, p. 14)
O processo de formação do povo brasileiro se deu de forma multicultural, ou seja, de
diversas culturas em sua raiz, onde a expectativa era de que a miscigenação
originaria uma raça menos negra, arianizada. Como os índios, negros e mestiços
eram considerados inferiores historicamente por sua raça, cor, religião e cultura,
acreditava-se que com a miscigenação a nação com o passar do tempo não seria
representada por um povo inferior
“Na reflexão da maioria desses filósofos, os mestiços são vistos sempre
como seres ambivalentes, degenerados, anormais, pois são frutos de
uniões escandalosas e contra a natureza; “raça” bastarda, imoral, estéril,
etc. Os mais generosos viam nos mestiços a raça mais vigorosa
fisicamente, por ter conservado o melhor de cada raça. A adaptação ao
clima ao meio ambiente dos indígenas, a força dos brancos, todos estes
atributos se encontrariam segundo diziam – concentrado no mestiço.”
(CARONE, 2002, p. 11)
A visão iluminista a partir do século XVIII se fundamenta, na visão de que o mestiço
era a expressão do cruzamento da raça, tida como superior com outra inferior. Isso
significou uma violência e autoritarismo, pois na maioria das vezes, acontecia à força
esse cruzamento sem o consentimento das mulheres negras. Ser mestiço significava
ser sem valor algum, raça imoral. No entanto, havia aqueles que acreditavam que os
mestiços eram seres iluminados, que através do cruzamento entre uma raça inferior
e superior, o fruto seria a junção do melhor de cada raça.
“O branqueamento, todavia não poderia deixar de ser entendido também
como uma pressão cultural exercida pela hegemonia branca, sobretudo
após a Abolição da Escravatura, para que o negro negasse a si mesmo,
no seu corpo e na sua mente, como uma espécie de condição para se
“integrar” (ser aceito e ter mobilidade social) na nova ordem social”.
(CARONE, 2002, p. 14)
Após a abolição, o negro não era mais obrigado a se submeter ao branco através
do trabalho forçado, o branqueamento como forma de manter psicologicamente o
negro escravizado, e obrigado a se submeter à cultura e os valores impostos pela
16
sociedade europeia, negando a si mesmo através da interiorização de suas
crenças, valores e cultura para ser aceito.
Segundo Carone (2002), para a psicologia social as marcas de tanto preconceito
permanecem causando sequelas no psicológico dos inferiorizados, dificultando na
aceitação da identidade individual e racial, tendo como alternativa a teoria do
branqueamento, negando sua cor, cultura, religião etc. Caminho trilhado pela
homogeneização biológica.
2.2 A RESISTENCIA DO NEGRO NO BRASIL SUA LUTA EM BUSCA
DA
AUTOAFIRMAÇÃO
E
SUA
INSERÇÃO
NO
CONTEXTO
ESCOLAR
Segundo Lody (2004), desde o início da escravidão, que o negro luta por sua
liberdade e por seu espaço na sociedade, no Brasil uma das primeiras atitudes de
resistência foi à criação dos quilombos. O mais importante e o que mais significou
para o africano e para o negro foi o de Palmares no Estado de Alagoas.
“A história da formação do povo brasileiro foi forjada na resistência com
garra e saga dos diferentes movimentos negros desde as ―chamadas
revoltas negras, a exemplo da luta de Zumbi dos Palmares. Esses
movimentos, entre outros, foram formas de lutas e reivindicações políticas
para conquistar direitos historicamente negados.” (MONTEIRO, 2010. p. 61)
Zumbi dos Palmares um dos mais importantes líderes do quilombo que liderou
algumas das rebeliões dos negros, lutava bravamente pela liberdade dos escravos.
Os integrantes desses movimentos lutavam pelos direitos sociais, culturais e
econômicos, porém as tentativas de negociações não foram atendidas e o grande
líder Zumbi foi morto no dia 20 de novembro de 1695 vítima da impetuosidade dos
europeus. Os quilombos eram espaços para onde os escravos, que não aceitavam a
sua condição, fugiam e lutavam contra a escravidão.
Segundo Souza (2008), era também chamado de mocambos e abrigavam além de
negros, índios e brancos pobres, e pela maneira como se contrapunham à
escravidão, foram vistos como propostas alternativas de sociedade. A grande força
17
que o quilombo dos palmares alcançou durante quase um século de existência,
obrigando a administração portuguesa a ter de negociar com ela, mostra a
importância que esse instrumento de luta negra conquistou na sociedade brasileira.
De acordo com Lody (2004), os movimentos permaneceram através de rebeliões
escravas, os africanos movimentaram a revolta dos Malés, na Bahia, contavam
também com o apoio da Igreja Católica devota de Nossa Senhora do Rosário e São
Benedito para a organização de festas do congo; a festa reunia grande número de
africanos e a participação de outros movimentos negros - os movimentos estavam
ganhando força a caminho da liberdade.
A partir de 1884 deputados se levantam com o objetivo de criar propostas que
abordavam a abolição da escravatura e enviar à Câmara dos Deputados da
Assembléia Geral do Império do Brasil para serem discutidas. Uma das leis
sancionadas foi a Lei n.º 3.270, Lei do Sexagenário publicada em 28 de setembro de
1885, com a garantia de liberdade aos negros a partir de 60 anos, era a Luz que
começava brilhar na conquista da liberdade do negro.
“O Brasil do final do século XlX, pressionados pelos países europeus,
especialmente pela Inglaterra, cede e finalmente assina um ato político
legal, A Lei Áurea (1888), abolindo a escravatura no Brasil. Contudo, o
longo processo de liberdade, que é o das conquistas sociais, continua a
acontecer ainda lentamente”.(LODY, 2004, p. 90).
A Lei n.º 3.353, Lei Áurea, foi aprovada em 13 de maio de 1888. Desde então todos
os escravos foram considerados livres, eles não eram mais obrigados a trabalharem
para os europeus na prática de mão de obra forçada. Os países europeus
pressionaram o Brasil por questões políticas e econômicas. Viver essa “liberdade”
ainda dependeria de um longo processo de aquisição através das políticas públicas.
De acordo com Lody (2004), após a abolição, o negro agora considerado livre se
deparou com mais uma difícil realidade de ser classificado pela sociedade elitista
como indivíduo inferior por suas características econômicas. Na época, o país
importava mão de obra europeia por causa do crescimento econômico, essa
importação desvalorizou o trabalho do negro, os ex-escravos abandonados à sua
própria sorte. Por causa do aumento econômico no país os europeus criaram um
18
projeto chamado “teoria do branqueamento”, com o objetivo de extingui o negro do
país, matando-o no corpo e na alma.
Portanto, segundo Ribeiro e Souza (2008), uma atitude política deliberada para
embranquecer o país e assim fugir dos estigmas formulados pela ciência da época,
cujas teorias apontavam a inferioridade negra para, mais uma vez, saquear as
riquezas do continente africano, agora justificado por teorias eugênicas e pela
antropometria que habilitava os negros apenas a práticas sociais físicas. Se um
negro quisesse comprar um pedaço de terra era impedido, entretanto, para os
imigrantes europeus as terras eram dadas e sua entrada no país, estimulada,
efetivando a política do embranquecimento da população brasileira.
A liberdade advinda com a abolição, além de excluir, possibilitava a república tornar
seu sonho eurocêntrico em uma realidade, empurrando para as periferias dos
grandes centros a massa desempregada. Outro processo de branqueamento foi
iniciado, a descendência negra era evidente, clareado em fotos e ilustrações de
personagens mestiços e mulatos que, com o tempo passaram a ser brancos com
esforços editoriais.
Havendo uma resistência do povo negro, como fruto de uma mobilização em prol de
uma sociedade mais justa e igualitária, cabendo destacar a luta anti-racista dos
Movimentos Negros Organizados, consolidada após a assinatura da Lei Áurea como
um movimento pelo direito à educação da comunidade negra. Pode se destacar a
atuação do Jornal Quilombo que afirmava em sua primeira edição
“lutar para que enquanto não for gratuito o ensino em todos os graus, sejam
admitidos estudantes negros, como pensionistas do Estado, em todos os
estabelecimentos particulares e oficiais de ensino secundário e superior do
país, inclusive nos estabelecimentos militares” (Souza e Ribeiro p. 14,
2008).
Há poucos registros sobre a instrução escolar dos ex-escravos, mas os poucos
registros trazem dados que indicam as condições precárias da população negra e
uma presença pequena de crianças negras que frequentavam os grupos escolares
reveladas nas fotografias da época. Rosa Fátima de Souza 1998, (apud Felipe
2012), afirma:
19
Pode-se dizer que os grupos escolares atenderam, nas primeiras décadas
de sua implantação, aos alunos provenientes das camadas populares, no
entanto, daqueles setores mais bem integrados no trabalho urbano. Desse
contingente estavam excluídos os pobres, os miseráveis e os negros. As
fotografias da época revelam a pequena presença de crianças negras nas
classes dos grupos escolares, e isso se explica pelas péssimas condições
sociais em que se encontrava a população negra da época.(SOUZA, 1998,
p.27 apud FELIPE, 2012, p.8).
A escola pública não contemplou o negro brasileiro e o Estado não viabilizou a sua
inclusão durante o período de 1889 a 1930. Isso não significa que o ex-escravo não
encontrou alguma forma de lutar contra a discriminação e exclusão social. Apesar de
poucas informações que História da Educação no Brasil oferece sobre a educação
do negro. Felipe (2012), afirma que, nos “jornais da Raça Negra” ou em pesquisas
de História Oral realizadas com as lideranças do movimento negro do início do
século XX, encontramos a existência de um esforço para a criação de escolas
voltadas para a população negra no interior de vários estados brasileiros, por
exemplo, na Bahia, Maranhão, Pernambuco, São Paulo, onde havia projetos de
conscientização das populações negras desde o início da República.
O alto índice de analfabetismo preocupava os intelectuais, pois essa situação
comprometia os rumos da nação, o progresso econômico brasileiro dependeria da
inclusão de todos os segmentos na escola pública. Um exemplo de tal fato é a
elaboração no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova em 1932, que tinha como
discurso a busca por uma educação que contemplasse os diversos grupos sociais
existente na sociedade brasileira.
A educação nova, alargando na sua finalidade para além dos limites das
classes,assume, com uma feição mais humana, a sua verdadeira função
social, preparando-se,para formar “a hierarchia democrática” pela
“hierarchia das capacidades” recrutada em todos os grupos sociaes, e que
se abrem as mesmas opportunidades de educação. Ella tem, por
objecto,organizar e desenvolver os meios de acção durável, com o fim de
“dirigir o desenvolvimento natural e integral do ser humano em cada uma
das etapas de seu crescimento”, de acordo com uma certa concepção do
mundo .
(MANIFESTO 1932, p.42 apud FELIPE, 2012, p.11)
Segundo o documento Manifesto, à escola era defendia como um direito e o dever
do Estado para atender os interesses dos indivíduos segundo as suas capacidades.
Em nenhum momento da história do Brasil, o governo brasileiro não se mobilizou a
desenvolver políticas de inclusão dos negros nessa sociedade e mesmo assim, os
20
negros desenvolveram a sua trajetória educacional. Seu acesso à instrução pública
dos negros durante o Império foi impedido devido aos mecanismos do Estado
brasileiro em nível legislativo, proibindo o escravo, e até mesmo o negro liberto de
frequentar a escola pública.
Mesmo tendo garantido o direito dos libertos de estudarem, na prática, não se
criaram as condições necessárias para a realização desse direito. Mesmo assim,
uma restrita parcela da população negra conseguiu atingir um bom nível de
instrução, quando criaram suas próprias escolas. Segundo Felipe (2012), p.12 “a
instrução era oferecida por pessoas escolarizadas, que adentravam a rede pública
gratuita, os asilos de órfãos e vagas nas escolas particulares”.
O ingresso do negro às escolas públicas se tornou rotineiro, com o aumento de
escolas públicas na década de 60, no entanto, as relações raciais permaneceram
discriminatórias nas salas de aulas. De modo que, na década de 70, organizações
negras de caráter civil, passam a denunciar as praticas educacionais vigentes, e a
reivindicar um novo modelo de currículo educacional. O novo modelo deveria incluir
o patrimônio cultural da população negra, afirmando a inclusão da classe majoritária
negra no processo de ensino e aprendizagem.
2.3 RECONHENCENDO QUE A CRIANÇA NEGRA CONSTRÓI SUA
IDENTIDADE DENTRO E FORA DO AMBIENTE ESCOLAR
Segundo Vygotsky, a memória é responsável pela construção das funções
psicológicas na formação da criança. O autor afirma que o raciocínio da criança
muito nova tem características motivadas pela memória, que é naturalmente
diferente no caso de crianças maiores. A criança pequena cria uma relação entre
raciocinar e lembrar, para ela ambos tem o mesmo significado. Em nenhuma outra
etapa da vida ela constrói essa relação entre as duas funções psicológicas, essa
ligação ocorre apenas no início da infância.
“O conteúdo do ato de pensar na criança, quando da definição de tais
conceitos, é determinado não tanto pela estrutura lógica do conceito em si,
como o é pelas suas lembranças concretas. Quanto a seu caráter, ele é
21
sincrético e reflete o fato de pensar da criança depender, antes de mais
nada, de sua memória”. (Vygotsky, 1998, p.6).
A criança pequena começa a construir o processo de formação do seu intelecto
pelas lembranças de ações praticadas por outras pessoas, por situações
presenciadas pela criança em sua vivência e etc. Esse processo não se dá pela
lógica e sim pelas lembranças concretas, refletindo no ato de pensar, conciliando
várias situações vivenciadas, justificando a dependência da memória para raciocinar.
Dessa forma, fazendo uma análise do ponto de vista psicológico, a lembrança tem
aspecto mais categórico no início do desenvolvimento do aprendizado. Conforme o
processo desenvolvido na fase da adolescência, ocorrem muitas mudanças,
invertendo essa relação. Para a criança, raciocinar significa lembrar; porém para o
adolescente, lembrar significa raciocinar. Nesse caso, o processo de lembranças
estabelece relação lógica por causa do acúmulo de lembranças em sua memória.
Diante do pensamento de Vygotsky compreende-se que a criança constrói sua
identidade dentro e fora do ambiente escolar. Esse processo de construção se inicia
desde o nascimento até o fim da infância. Quando a criança é inserida na escola, ela
já traz consigo acúmulo de lembranças em sua memória. Algumas crianças são
inseridas muito pequenas no contexto escolar, elas ainda não conseguem fazer
relação entre as lembranças acumuladas em sua memória e a lógica.
Para Cavalleiro (1998), a criança negra não é diferente das demais, ela também
constrói sua identidade por meio das experiências vividas, e sua socialização ocorre
lentamente através da interiorização das regras afirmadas pela família e pela
sociedade. Tornando fundamental a mediação de ambos para dar significado ao
mundo social.
“As idiossincrasias estarão determinando as diferenças pessoais, pois esse
processo não é simplesmente ensinado: a criança mostra-se um parceiro
ativo, podendo procurar novas informações em outros lugares. Desse modo,
as atitudes e os comportamentos sociais não serão obrigatoriamente cópias
fiéis das atitudes e dos comportamentos de seus mediadores. Porem dizer
isso não significa diminuir o papel dos mediadores, nem desconsiderar o
fato de as crianças se identificarem com os seus familiares: pais, irmãos
mais velhos e outros adultos. Elas podem, inconscientemente, copiar a
conduta do adulto exatamente como elas vêem o adulto atuando a sua
volta”. (CAVALLEIRO,1998, p. 16).
22
A
criança
pode
reagir
de
maneira
peculiar
inconscientemente
repetindo
comportamento vivido pelo adulto no contexto familiar. Por isso, é fundamental que
haja mediação da família e da escola, pois a criança negra ao interiorizar
comportamentos de inferioridade ou de práticas racistas, pode refletir no processo
da autoafirmação, interferindo na construção de sua identidade. No caso do
comportamento de inferioridade, podendo refletir na reprodução da baixa
autoestima. Sendo que as práticas racistas podem desencadear a não aceitação de
sua cor, e das diferenças existentes em sua etnia. É necessário que a escola tenha
consciência do seu papel transformador, desenvolvendo mecanismos para
desmistificar o preconceito racial interiorizado pela criança e pela família
23
3.
O
PAPEL
DO
DESENVOLVIMENTO
PROFESSOR
DA
CRIANÇA
E
DA
NEGRA
ESCOLA
NO
FRENTE
ÀS
DIFERENÇAS HISTÓRICAS E AVANÇOS.
3.1 A FORMAÇÃO DO EDUCADOR MULTICULTURAL
A educação infantil a partir da Constituição Federal de 1988 torna-se a primeira
etapa da educação básica, estabelecendo-se como integrante do sistema
educacional brasileiro, representando um grande um avanço na medida em que se
torna dever do Estado a garantia de “educação infantil, em creche e pré-escolas, as
crianças até 5 (cinco) anos de idade; (Redação dada pela Ementa Constitucional
número 53, de 2006)”. (Art.208, inciso IV)
“A educação infantil passou a ser objeto de planejamento,
legislação e de políticas sociais e educacionais, propiciando,
em alguns setores, a transferência do atendimento
institucional a criança pequena do âmbito de assistência
para o da educação. Integrar programas de creches e préescolas para a educação de políticas igualitárias tem sido
um dos grandes desafios no campo da educação infantil
brasileira, uma vez que elas possuem trajetórias históricas
específicas e desiguais, que se entrecruzam apenas muito
recentemente. (SCARPA, 1998, p. 19)
Os jardins de infância e as pré-escolas, inicialmente, eram vistas como espaço de
recreação, brincadeiras, designados a garantir a assistência e o cuidado da criança;
no entanto, a partir da Constituição de 1988, passaram a ser vistas como etapa
preparatória do 1º grau, preocupando-se com o intelecto e a socialização da criança.
Segundo Vieira (1996, apud SCARPA 1998), integrando as creches nos sistemas de
educação, o nível pedagógico, exige uma abordagem integrada para o trabalho em
creches e pré-escolas. Há décadas, instituições sociais mantinham creches e
organizações não governamentais (ONGS), contribuíam no âmbito da formação
docente. Com o histórico de desenvolvimento nas creches e pré-escolas no Brasil,
se põe em dúvida a falta de formação específica dos professores, sendo leigos.
Conforme NICOLAU (1991, p. 43 apud ESCARPA, 1998, p.22)
“O uso semântico do termo “leigo” surgiu no âmbito da religião, significando
aquela pessoa ignorante dos mistérios sagrados por não ter sido iniciada
nas ordens sacras. A evolução se encarregou de fazer deste termo
24
sinônimo de pessoa que ignora um assunto por não estar preparada para
ele. Na linguagem religiosa, o leigo é o profano, contraposto ao sagrado”.
Quando se analisa os professores “leigos”, se trata de profissionais que não estão
habilitados, menos aptos a conduzir o processo de aprendizagem do que qualquer
outro habilitado. Levando em consideração as determinações da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, que como descreve SCARPA (1998), instituiu o prazo
de dez anos, a partir de 1996, para que fossem admitidos apenas professores
habilitados em nível superior, ou formados por treinamento em serviço, para compor
seus quadros da educação infantil e das séries iniciais do ensino fundamental e de
valorização do magistério, exige a busca de qualificação mínima de nível médio, em
cinco anos, para que possam atualizar sua escolaridade em nível de 2º grau.
“A formação para o alcance da qualidade no trabalho com as crianças
pequenas recebe destaque na proposta de Política de Educação Infantil
elaborada pelo Ministério da Educação e do Desporto (MEC) e apoiada por
órgãos de governo e entidades da sociedade civil. Ela explicita como
diretrizes: a formação inicial em nível médio e superior com conteúdos
específicos a esta etapa educacional, mecanismos de atualização dos
profissionais, concepções e implantação de estratégias curriculares para as
creches e pré-escolas e para a formação – prévia e em serviço – de seus
profissionais”. (SCARPA, 1998, p.23)
Essas diretrizes revelam o esforço que hoje existe de incluir a creche como espaço
de educação infantil, e determinar o perfil desses profissionais e de profissionalizálos, para assumir, a partir de uma prática crítica e responsável, o seu papel de
educador, desenvolvendo juntamente com as crianças um trabalho de maior
qualidade. Pensar nessa perspectiva de formação de professores é ter em Donald
Schön (1983, 1992, apud, Scarpa 1998) uma relevante referência. O autor propõe
uma epistemologia da prática, tendo como referência as competências que se
encontram implícito a prática dos bons profissionais.
Schön buscou explicitar a natureza prática da atividade docente e diz que ela
implica:
Um conhecimento na ação, que é aquele que orienta a maior parte das
ações do professor e é fruto de suas experiências práticas, seus
conhecimentos teóricos ou espontâneos, suas convicções, mesmo que
não-conscientes - é seu saber fazer;
A necessidade de reflexão na ação, que é o processo mediante o qual o
professor tem de refletir para saber como melhor intervir, e neste
25
momento, confronta suas teorias com a necessidade de tomar decisões
ajustadas às necessidades das crianças e das situações enquanto está
atuando;
A reflexão sobre a ação e sobre a reflexão na ação que é o modo que
os professores aprende a partir da análise e interpretação da sua
própria atividade, com maior sistematização e distanciamento e em um
momento posterior à prática, com o objetivo de tematizá-la, tomá-la
como alguma coisa sobre a qual se pode pensar de forma
fundamentada a partir de pressupostos que lhes possam servir de
referência teórica, para melhor reconstruí-la. Justamente o que precisa
ser realizado nos processos de formação de professores. (Schön,
apud, SCARPA, 1998, p.37)
Schön defende que a formação inclua reflexão a partir de situações didáticas reais.
Sendo uma possível via, para que o profissional aprimore suas práticas e
desenvolva sua capacidade reflexiva no contexto da sala de aula. Há uma
necessidade de repensar na formação de professores em todos os níveis de ensino,
mas levando em consideração que é na educação infantil onde os valores das
crianças começam a ser construídos. As transformações tecnológicas, econômicas,
sociais e culturais têm influenciado as novas gerações. Nos últimos anos, a questão
do multiculturalismo tem ganhado destaque nos âmbitos educacionais e sociais.
“No Brasil, ser negro é tornar-se negro. O conhecimento dessas questões
podem nos ajudar a superar o medo e/ou desprezo das diferenças raciais
ainda presente na escola e na sociedade. Entender essa complexidade é
uma tarefa dos/as profissionais da educação. É tarefa de uma escola que se
quer cidadã e, por isso mesmo, não pode deixar de incluir a questão racial
no seu currículo e na sua prática”. (Gomes, 2001, p.89, apud,
GONÇALVES, p. 6)
Os educadores foram formados durante décadas, através de uma visão
homogeneizadora e linear. Essa neutralidade frente a questões como valores
básicos da composição de várias etnias da sociedade brasileira fosse ignorados,
através de sua formação. Valorizando um currículo eurocêntrico, que privilegiou a
cultura branca, menosprezando as demais culturas. Muitos profissionais foram
preparados apenas para ser professor e não um verdadeiro educador. Não tendo em
sua formação essa discussão.
Muita das vezes, expectativas e atitudes dos professores a respeito das crianças são
determinantes na aprendizagem delas, assim:
26
“Preconceitos e atitudes discriminatórias por parte dos professores,
baseadas em raça, língua, gênero, condição socioeconômica ou qualquer
outro fator, incidem de maneira decisiva nos processos e resultados de
aprendizagens das crianças. Estudos mostram que os mesmos professores
se comportam de maneira diferente em escolas de setores pobres, têm uma
visão negativa dos pobres, julgam seus alunos a partir de suas famílias e
seu meio, esperam pouco deles e portanto lhes exigem menos, tudo o que
contribui a reproduzir o círculo vicioso da baixa auto estima e o baixo
rendimento escolar” (Torres, 1995, p.49 apud SCARPA, 1998, p. 59).
Para a mudança de um contexto que privilegia apenas uma cultura, a formação
docente que aborde a diversidade cultural, o respeito e a valorização que as
correspondem são prioritários. Pois grande parte dos educadores segundo Dias
(2002), ainda não reconhece a diversidade e a diferença, por conseguinte não
possuem a capacidade de análise para transformar a sua prática.
“Diante das transformações mundiais, que impõe novos olhares frente ao
conhecimento, observa-se nas últimas décadas do século XX uma série de
reformas educacionais, onde foram elaborados novos marcos legais para
educação junto com o desenho de Políticas Públicas, que objetivam o
desenvolvimento de novas capacidades técnicas administrativas, incluindo
entre outras questões, novos conteúdos de ensino da escola pública e da
formação de educadores (as). Esse processo estimulou discussões em
diversas áreas do conhecimento sobre a presença ou não no currículo das
culturas presentes na sociedade”. (GONÇALVES, 2011, p.6)
A exclusão presente na prática social fez com que durante muito tempo estudantes
pertencentes a etnias oprimidas fossem submetidos ao fracasso escolar. Teorias
tentavam explicar o fracasso escolar com base em características biológicas que
apontavam suposta inferioridade genética relacionada à raça.
Apple (1997, apud GONÇALVES) afirma que essa perspectiva, serviu para que
vários governantes e formuladores de políticas neoliberais e conservadoras
legitimassem a eliminação dos direitos educacionais e sociais de mulheres, pobres e
negros. Historicamente a educação escolar tem contribuído, sendo uma aliada para
que essas camadas assumissem posições sociais inferiores.
Gonçalves (2004), afirma que para tentar romper com esse paradigma de
reprodução de inferioridade que a educação tem vinculado existem aspectos que
devem ser levados em consideração. E um dos aspectos é a valorização da cultura
europeia e o desprezo a outras etnias, como a africana e a indígena, sobretudo
27
como elemento curricular. A negação dessas culturas fez com que seus
descendentes se sentissem muitas vezes relegados à inferioridade, fazendo com
que alguns casos fossem gerados abandono e exclusão. É difícil avaliar a questão
de raça e etnia na escola, até que proporção chegou seus efeitos, mas a temática é
dissipadora quando se volta nas abordagens do currículo escolar.
Silva (2001) ao se reportar às orientações curriculares oficiais, lições, rituais
escolares, datas festivas e nacionais, étnicas e raciais afirma que:
Essas narrativas celebram os mitos da origem nacional, confirmam o
privilégio das identidades dominantes e tratam as identidades dominadas
como exóticas ou folclóricas. Em termos de representação racial, o texto
curricular conserva, de forma evidente as marcas da herança colonial. O
currículo é, sem dúvida, entre outras coisas, um texto racial. (Silva, 2001,
p.102).
De acordo com Silva (2001), lembrar da historia do negro, apenas nas datas
comemorativas e proporcionar um ritual escolar com o objetivo de afirmar a
participação do negro na construção da identidade nacional, só afirma que a classe
dominante permanece inferiorizando o negro, pois suas origens, suas histórias são
lembradas apenas como um mito, comemoração de origem folclórica. É preciso
lembrar-se do negro como um personagem real, que faz parte da construção diária
da história do Brasil. Como um cidadão independente de cor e raça. Portanto é
necessário despir o educador do preconceito enraizado dentro de si, pois sem
perceber disseminam ações que afirmam a inferiorização do negro.
Somente através da conscientização de suas ações, é que o professor irá perceber
a importância de buscar novas metodologias para o ensino de relações étnicas
raciais. Porém é necessário que haja reformulação dos currículos, proporcionarem
um ambiente escolar de acordo com a diversidade cultural, desmistificar a ideia que
os livros didáticos apresentam, “negros apenas como escravos, e fracassados”. É
preciso mostrar a verdadeira historia. Um povo cheio de coragem, que lutou
incansavelmente por sua liberdade, e por sua cidadania. Suas conquistas foram
pautadas por suas características de união, força e perseverança.
A importância do entendimento de cultura é primordial para esse educador, pois:
28
Esse entendimento de cultura é necessário para o professor na medida em
que ele atua em um sistema que através da tradição seletiva impõe a
cultura dominante efetiva a alunos de segmentos étnicos e raciais diversos,
colocando-a como a ‘tradição’ e o passado significativo. O conteúdo é
realmente significativo quando este é relacionado com o contexto sóciocultural do aluno e lhe propicia o domínio do conhecimento sistematizado
(SILVA, 2001, p.102)
É desafiador desmontar uma ideologia que predomina e desumaniza por tantos
anos, mas através de uma orientação específica haverá contribuição para reflexão e
uma ação criadora, que reconstrua a identidade étnica racial e a autoestima da
criança negra, e consequentemente refletindo na aprendizagem. Mas o primeiro
desafio é o professor reconhecer que muita das vezes sua prática desumaniza, que
é preciso desmontar em si ideologias e preconceito, reconhecer que ele foi formado
primeiramente em uma sociedade preconceituosa.
3.2 O PAPEL DO PROFESSOR E DA ESCOLA NA DESCONTRUÇÃO
E AFIRMAÇÃO DA IDENTIDADE
Existe a crença que o preconceito e a discriminação não fazem parte do cotidiano da
educação infantil, que não há conflitos entre as crianças por conta de suas
características raciais, de que nessa etapa os professores não fazem escolhas com
base no fenótipo das crianças. Nesse território, há a ideia de felicidade, afeição, e na
verdade não é isso que ocorre.
“Os estudos de mestrado e de doutorado que tratam das relações raciais na
faixa de 0 (zero) a 5 (cinco) anos apontam que hás muitas situações de
discriminação que envolvem crianças, professores, profissionais de
educação e famílias”. (CEERT, 2012, p.8).
Logo compreende que, afirmar que as crianças negras na educação infantil não
sofrem preconceito por causa de seus fenótipos, e que não há discriminação racial
entre crianças e profissionais da educação infantil em relação à criança negra, é
uma ideia falida segundo a pesquisa.
O CEERT (2012, p.9) ainda afirma que “se houver uma intervenção qualificada e que
não ignore a raça como um componente importante no processo de construção da
29
identidade da criança terá outra história sendo construída”. Se a criança negra se
sente bem com seu rosto, sua cor, seus cabelos, assim como uma criança branca se
sente bem consigo mesma, as chances de haver uma aceitação e respeito entre
elas é grande.
As crianças percebem as diferenças físicas, tipo de cabelo e a cor da pele muito
mais cedo que o senso comum imagina, chegando a ignorar a percepção do
diferente aos olhos das crianças. Assim gerando a formação do pensamento racial e
discriminação, segundo o Ministério da Educação. Ainda de acordo com o CEERT
(2012, p. 29),
(...) Ao reivindicarmos que é necessário abordar na educação infantil
aspectos que tratem das relações raciais é porque as marcas raciais, cor de
cabelo, aspectos culturais são elementos presentes no cotidiano das
crianças nesta faixa etária suscitando-lhes curiosidades e conflitos que não
podem ser desconsiderados.
É de suma importância que desde a educação infantil se trabalhe temas transversais
como raça/diversidade, para que no futuro consigamos pensar em sujeitos que
consigam viver harmoniosamente com o diferente. De acordo com Silva¹ (2007, p.3),
“a educação, umas das vias de socialização da maioria dos indivíduos que a
freqüenta em especial, as crianças, têm papel transformador na vida das
pessoas. Ela pode modificar uma dada realidade a partir de possíveis
intervenções reais contextualizadas na sociedade da qual estamos
inseridos”.
Algumas crianças já trazem para o espaço escolar algum tipo de preconceito ou
conflito que pode estar vinculado ao contato familiar ou não, que é produzido por
uma sociedade que valoriza o fenótipo cor de pele branca, cabelos lisos, uma
sociedade elitizada. Onde o belo está relacionado às características citadas,
quaisquer características diferentes, quem não as possuírem, como o índio e o
negro são denominados como feio, sujo, inferiorizando o diferente de uma sociedade
burguesa.
Nesse sentindo, Silva (2004, p.36) aponta que:
“A ideologia da inferiorização, além de causar auto rejeição, a não aceitação
do outro assemelhado étnico e a busca do branqueamento, internaliza nas
pessoas de pele clara uma imagem negativa do negro, veem, na maioria
30
das vezes com indiferença e insensibilidade a sua situação de penúria e o
seu extermínio cultural e físico”.
Essa inferiorização destacada pela autora nos leva a uma grande adjetivação,
caracterizando os negros como uns imprestáveis, tornando realidade o preconceito
racial. Essas características negativas atribuída ao negro vêm desde a época onde
eles foram submetidos à escravidão, servindo senhores e os colocando em
condições desumanas, sem direito a saúde, lazer, educação. Na sociedade atual,
não é mais aceitável essas condições miseráveis que eram postas ao negro. Há um
novo discurso, lutas por novas práticas e ações que respeitem a diversidade.
A Lei (9394/96) Diretrizes e Bases a LDB, no artigo 26, busca atender essa
demanda da população:
O Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais
e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura AfroBrasileira.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o
estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a
cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,
resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e
política pertinentes à História do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão
ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de
Educação Artística e de Literatura e História Brasileira.
O art. 26-A acrescido à Lei 9394/1996 e a lei 10.639/03 é bem mais do que a
inclusão desses novos conteúdos, exige que reflita nas relações étnicas raciais,
pedagógicas, sociais, condições oferecidas para aprendizagem, procedimentos de
ensino na educação oferecida pelas escolas.
É imprescindível que as escolas reformulem seus projetos políticos pedagógicos,
com o objetivo de incluir as relações étnicas raciais, que promovam mudanças nos
ambientes escolares, que aja uma desconstrução de tudo que foi relacionado ao
negro como sujo, feio, e inferior. É evidente que tais ações refletirão na
transformação da sociedade, interferindo de forma positiva na auto-estima do negro.
“A criança que internaliza essa representação negativa tende a não gostar de si
própria e dos outros que se lhe assemelham”. (SILVA, 2004, p. 27)
31
Nos dias atuais o livro didático, ainda é um dos materiais didáticos mais usados pelo
professor. Pois o livro tem sua importância atribuída e um caráter de verdade, mas
ele pode ser um veículo de expansão de estereótipos não percebido pelo professor.
“O livro didático, de um modo geral, omite ou apresenta de uma forma simplificada e
falsificada o cotidiano, as experiências e o processo histórico cultural de diversos
segmentos sociais, tais como a mulher, o branco, o negro, os indígenas e os
trabalhadores, entre outros”. (SILVA, 2004, p. 23)
Pesquisas feitas nos últimos anos revelam que a população negra é excluída e
marcada por estereótipos, por uma caricatura com traços grosseiros nos livros
didáticos. Autores se dirigiam apenas a crianças brancas e de classe média,
enquanto crianças negras eram excluídas no processo de comunicação. De acordo
com Silva (2004), ao veicular estereótipo que expandem uma representação
negativa do negro e uma representação positiva do branco, o livro didático está
expandindo a ideologia do branqueamento, que se alimenta das ideologias, das
teorias e dos estereótipos de inferioridade/superioridade raciais.
Fazendo assim, com que a ideologia do branqueamento se efetiva no momento em
que, é internalizada uma imagem negativa de si própria e uma imagem positiva do
outro. A presença dos estereótipos nos livros didáticos, materiais pedagógicos, pode
promover a exclusão, a auto-rejeição e baixa autoestima, que dificulta a organização
política do grupo.
Para SILVA (2004), um professor formado com uma visão não crítica das instituições
e por uma ciência positivista e tecnicista, que não tem uma ação de reflexão, ele
pode vir a ser um mediador inconsciente dos estereótipos.
“A presença do negro nos livros, frequentemente como escravo, sem
referência ao seu passado de homem livre antes da escravidão e às lutas
de libertação que desenvolveu no período da escravidão e desenvolve hoje
por direitos de cidadania, pode ser corrigida se o professor contar a história
de Zumbi dos Palmares, dos quilombos, das revoltas e insurreições
ocorridas durante a escravidão; contar algo do que foi a organização sóciopolíticoeconômica e cultural na África pré-colonial; e também sobre a luta
das organizações negras, hoje, no Brasil e nas Américas”. (SILVA, 2004, p.
25)
É papel do professor intervir com atividades que associa a cor negra a algo positivo,
como jabuticaba, café, petróleo, etc. Mostrar e solicitar que indiquem obras de
32
artistas, escritores, poetas, jogadores e pessoas da comunidade negros e negras,
como meio de mostrar o positivo, contrapondo-se ao estereótipo. A hora da história
pode ser um momento de reconhecimento ou negação, a roda de conversa muitas
das vezes se caracteriza pela a contação de histórias que é uma atividade
caracterizada na educação infantil. Livros infantis como “O amigo do rei”, de Rutch
Rocha, traz na capa dois meninos um de cor de pele branca o Ioiô e o outro de cor
de pele negra Matias. Pela interiorização preconceituosa a ideia que nos remete é
que Ioiô seja o rei, mas no decorrer da história os meninos chegam a um quilombo
ocupado por guerreiros negros, ex-escravos. Nessa comunidade Matias é
surpreendentemente aclamado rei, e Ioiô é o amigo do rei.
Uma história que contrapõe o que está interiorizado muita vezes nas crianças. É a
oportunidade do professor educador desconstruir algo internalizado e construir nas
crianças uma nova concepção. Livros como “cadê você, Jamela? E “o que tem na
panela de Jamela? São literaturas que trazem as características do negro e suas
origens. Pois Jamela é uma criança negra, feliz, que tem uma família, com uma
cultura, características que não são inferiorizadas. Pelo contrário, o autor Niki Daly
retrata Jamela, uma protagonista negra, inteligente. Há um cuidado com as
ilustrações, com as roupas, com os cabelos, uma suavidade com os traços.
Trazendo um vocabulário com palavras de outras línguas que aparecem no texto,
não desprezando sua origem africana. Essas são uma das possibilidades que o
professor de educação infantil tem de intervir e desconstruir que as histórias
contadas só são bonitas quando retratam princesas, reis, brancos de cabelos lisos.
É preciso considerar que os espaços não são neutros, o ambiente é um espaço de
aprendizagem, sua organização expressa valores e atitudes que educam.
“Sabemos que, ao organizar as salas dos grupos e demais ambientes das
unidades de educação, os gestores e os professores colocam à disposição
das crianças “artefatos culturais”, brinquedos, livros, imagens etc. Em geral,
não há consciência de que esses objetos traduzem determinadas ideologias
e concepções, que educam em uma direção que esses profissionais não
planejaram e que não o fariam intencionalmente”. (CEERT, 2012, p.19)
Por tanto, é necessário que os gestores e professores estejam sempre se
atualizando. A formação continuada viabiliza a conscientização de que a
organização do espaço escolar e o material contido no mesmo, como os brinquedos,
33
livros, cartazes e etc., também são elementos curriculares. Dessa forma, para o
gestor que visa à igualdade racial, é necessário cuidar para que não ajam apenas
brinquedos com estereótipos de crianças brancas, historias de princesas brancas,
mas também brinquedos com estereótipos de belas negras, histórias de princesas
negras, príncipes negros e etc. É indispensável que a criança negra veja suas
características de forma positiva, para a afirmação de sua identidade.
O CEERT (2012) explicita que é preciso ter em mãos bonecas e bonecos negros,
instrumentos musicais usados nas manifestações afro-brasileiras e livros que
contemplem personagens negros representados de modo positivo é fundamental
para o desenvolvimento de uma educação para a igualdade racial.
Um dos instrumentos presentes no contexto da educação infantil é a música, tem
sido suporte para atender vários propósitos de atitudes, comportamentos e hábitos.
Segundo o RCNEI (volume 3, p. 45)
“A música é a linguagem que se traduz em formas sonoras capazes de
expressar e comunicar sensações, sentimentos e pensamentos, por meio
da organização e relacionamento expressivo entre o som e o silêncio. A
música está presente em todas as culturas, nas mais diversas situações:
festas e comemorações, rituais religiosos, manifestações cívicas, políticas
etc. [...] A integração entre os aspectos sensíveis, afetivos, estéticos e
cognitivos, assim como a promoção de interação e comunicação social,
conferem caráter significativo à linguagem musical”.
O trabalho com a musicalidade é uma importante marca da cultura afro-brasileira.
Devem-se
valorizar
inserir
no
contexto
da
educação
infantil
os
instrumentos/brinquedos como os chocalhos, matraca, piões sonoros, tambores.
Quanto mais as crianças tiverem conhecimento de que os argumentos usados para
provar a inferioridade de outras raças foram desmentidos, mais fortemente hábitos e
atitudes de aceitação e integração do diferentes irão desenvolver (Klimberg, 1966
apud SILVA, 2004).
A escola e o professor precisam assumir o papel de desmistificar a ideologia de que
o negro pertence a uma classe inferior, de que tudo que esta ligada ao negro com
sua cultura, crença é ruim. É preciso se trabalhar com as crianças e com suas
famílias.
34
3.3 DIVERSIDADE CULTURAL E CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO
INFANTIL
Devido às constantes transformações nos últimos anos, principalmente pelo avanço
das tecnologias da informação, a sociedade contemporânea encontra-se em um
processo de constantes mudanças. Essas mudanças além de influenciar a
sociedade em sua rotina e costumes consequentemente refletem no ambiente
escolar. Não deixando de influenciar na forma de ser criança das mesmas. Essas
têm passado por um intenso processo de transformação, pois grande é o volume de
informação que elas adquirem através dos meios de comunicação, que acabam
influenciando na formação, na definição de sua personalidade.
Com base nessa reflexão, compreende-se que há muitos desafios para se construir
um novo currículo na educação infantil. Um currículo que atenda o psicossocial da
criança, que as prepare para administrar e conviver com tantas informações que são
colocadas para elas. Informações que influenciam suas formas de agir e de ser no
mundo. Um currículo que as façam compreender as pessoas enquanto sujeitos
diferentes, que construa na criança desde cedo uma visão que supere estereótipos e
os preconceitos construídos pelo pensamento ocidental homogeneizado.
De acordo com os estudos desenvolvidos por Moreira (1990) e Silva (1990), apud
Mota (2010), dentre as principais concepções teóricas que influenciam na
construção das propostas curriculares no Brasil destacam:
a) As Teorias Tradicionais que compreendem o currículo como uma atividade de
organização de conteúdos visando à formação de jovens para a vida profissional,
sem nenhuma preocupação com outras questões referentes aos aspectos
individuais ou sociais das pessoas. Traz como principais características a
fragmentação, a descontextualização e a transmissão de conhecimentos abstratos
considerados como “verdades absolutas”.
b) As Teorias Críticas voltam-se para a análise e discussão acerca do processo
desconstrução
do
currículo, principalmente,
com relação
à definição dos
conteúdos.Compreende o currículo como um campo de disputa política, na qual os
diferentes grupos sociais buscam apresentar suas concepções acerca da realidade.
35
Contrapõe-se ao modelo tradicional de currículo voltado para a transmissão das
ideologias dos grupos dominantes e propõe a construção de um currículo
democrático, voltado para a valorização dos diferentes saberes reproduzidos pelas
classes populares (LIMA, 2010) apud (Mota 2010).
c) As Teorias Pós-Críticas compreendem que “o currículo não está simplesmente
envolvido com a transmissão de fatos e conhecimentos objetivos. O currículo é um
local onde, ativamente, se produz e se criam significados sociais” (SILVA, 1999, p.
55, apud Mota 2010).
Essas tendências propostas de currículo revigoram o processo de afirmação de
poder e desigualdade social. Alguns autores discutem que está em construção outro
modelo de currículo, um modelo que é denominado “currículo multicultural”. Para
Lima (2009, p. 06-07, apud MOTA, 2010), o currículo multicultural volta-se para:
[...] o reconhecimento da diversidade cultural, étnica, religiosa que permeia
o tecido social, criando espaço de encontro entre as diferentes culturas,
possibilitando o diálogo e a troca de experiência entre os diferentes sujeitos
afim de favorecer, tanto a compreensão mais aprofundada das diferenças
culturais, quanto à reconstrução de valores, hábitos e saberes entre os
sujeitos.
Portanto, o novo currículo atende a necessidade de uma escola mais democrática,
refletindo de forma positiva na sociedade. Valoriza os diversos saberes e as diversas
culturas existentes no país. Possibilitando a troca de experiências através do dialogo
e da vivencia entre indivíduos diferentes, e a valorização dos conhecimentos
adquiridos, proporcionando o respeito e valorizando a diversidade cultural.
Tendo em vista que a educação infantil é onde se inicia a construção da identidade
da criança, de acordo com Kramer (1994), apud Mota (2010), é preciso um currículo
com práticas culturais que articule os valores, saberes e experiências da criança fora
do ambiente escolar, com o patrimônio cultural, assumindo um caráter ético e os
valores democráticos e de solidariedade. É preciso que na educação infantil se
tenha um currículo multicultural, que tenha como um dos objetivos de preparar as
crianças para viverem de forma democrática com grupos étnicos e sociais diferentes
que compõe a sociedade brasileira, despindo-se de qualquer forma de discriminação
e de preconceito.
36
De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI),
proposto pelo Ministério da Educação, as escolas que atuam na área da educação
infantil devem “oferecer condições para que as crianças aprendam a conviver, a ser
e a estar com os outros e consigo mesmas em uma atitude básica de aceitação, de
respeito e de confiança” (BRASIL, 1998, p. 46), possibilitando o desenvolvimento da
identidade e da autonomia das crianças.
Diante disso, Santos e Costa (2010, p. 01) apud, Mota (2010) propõem que “É
preciso trabalhar a discussão da diversidade já na infância. Se a criança não for
preparada desde cedo, dificilmente romperá com os preconceitos possivelmente
presentes em seu meio e tenderá a repetir os padrões de discriminação que
aprender”.
Considerando as particularidades afetivas, cognitivas, sociais das crianças, de
acordo com o RCNEI, o currículo da educação infantil deve contribuir para a
cidadania se baseando nos seguintes princípios:
o respeito à dignidade e aos direitos das crianças, consideradas nas suas
diferenças individuais, sociais, econômicas, culturais, étnicas, religiosas etc.;
o direito das crianças a brincar, como forma particular de expressão,
pensamento, interação e comunicação infantil;
o acesso das crianças aos bens socioculturais disponíveis, ampliando o
desenvolvimento das capacidades relativas à expressão, à comunicação, à
interação social, ao pensamento, à ética e à estética;
a socialização das crianças por meio de sua participação e inserção nas
mais diversificadas práticas sociais, sem discriminação de espécie alguma;
o atendimento aos cuidados essenciais associados à sobrevivência e ao
desenvolvimento de sua identidade (RCNEI vol. I, 1998, p. 13).
O RCNEI (1998) afirma que a criança deve ser respeitada independente de sua
cultura, religião, cor, e classe social. Respalda seu direito de brincar como forma de
expressão e interação e comunicação, pois a criança aprende brincando. A escola
deve proporcioná-la o acesso aos patrimônios culturais. Para que associem o
passado com a construção de sua historia, ampliando o conhecimento, expressando
a comunicação social, cultural, e estética. A criança deve ser cuidada de acordo com
suas necessidades.
A pluralidade cultural, isto é, a diversidade de etnias, crenças, costumes,
valores etc. que caracterizam a população brasileira marca, também, as
instituições de educação infantil. O trabalho com a diversidade e o convívio
com a diferença possibilitam a ampliação de horizontes tanto para o
professor quanto para a criança. Isto porque permite a conscientização de
37
que a realidade de cada um é apenas parte de um universo maior que
oferece múltipla escolhas. Assumir um trabalho de acolhimento às
diferentes expressões e manifestações das crianças e suas famílias
significa valorizar e respeitar a diversidade, não implicando a adesão
incondicional aos valores do outro. (RCNEI vol. I. 1998, p. 77)
Diante disso, as escolas devem construir um currículo onde as crianças aprendam a
respeitar as diferenças e ao seu próximo, aniquilando atitudes preconceituosas e
discriminatórias, um currículo que as façam refletir, respeitar e valorizar costumes e
crenças que compõe a sociedade brasileira.
38
4. CULTURA, EDUCAÇÃO E LEI
4.1 Lei 10.639/03
Em meio a tantas lutas do povo negro, ver sua cultura e história reconhecida
nacionalmente, desfrutar de direitos como todos os cidadãos brasileiros, o governo
federal por meio da SEPPER (Secretária Especial de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial), instituiu a Política Nacional de Promoção de Igualdade Racial,
recalcando na agenda nacional, a questão racial, promovendo ações afirmativas. A
lei 10.630 altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de
Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras
providências.
Art. 1º A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar
acrescida dos seguintes arts. 26-A, 79-A e 79-B:
"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e
particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura AfroBrasileira.
§ 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o
estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a
cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,
resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e
política pertinentes à História do Brasil.
§ 2º Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão
ministrados
no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação
Artística e de Literatura e História Brasileiras.
§ 3º (VETADO)"
"Art. 79-A. (VETADO)"
"Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como 'Dia
Nacional da Consciência Negra'."
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 9 de
janeiro de 2003; 182º da Independência e 115º da República.LUIZ INÁCIO
LULA DA SILVA Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Com o intuito de viabilizar a implementação da lei, são elaboradas as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o ensino
de História e cultura afro-brasileira e africana, aprovada pelo Conselho Nacional de
educação em 10 de março de 2004. Nos seus apontamentos, as diretrizes atentam
para o fato de que “estas condições materiais das escolas e de formação de
professores são indispensáveis para uma educação de qualidade, para todos, assim
como o é o reconhecimento e valorização da história, cultura e identidade dos
descendentes de africanos (Diretrizes Curriculares)”.
39
É a Lei 10.639/03 que vem tornar público uma das lutas frequentes do movimento
negro, afirmando a necessidade da História da África e seus descendentes serem
re-contadas, expor as consequências da colonização do Brasil e da escravidão.
Cabe ao Estado promover e incentivar políticas de reparações, no que
cumpre ao disposto na Constituição Federal, Art. 205, que assinala o dever
do Estado de garantir indistintamente, por meio da educação, iguais direitos
para o pleno desenvolvimento de todos e de cada um, enquanto pessoa,
cidadão ou profissional. Sem a intervenção do Estado, os postos à margem,
entre eles os afro-brasileiros, dificilmente, e as estatísticas o mostram sem
deixar dúvidas, romperão o sistema meritocrático que agrava desigualdades
e gera injustiça, ao reger-se por critérios de exclusão, fundados em
preconceitos e manutenção de privilégios para os sempre privilegiados.
(Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações ÉtnicoRaciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana)
A normatização e aprovação da lei 10.639/03 deveriam ser mais conhecidas pelos
educadores e educadoras das escolas públicas e privadas do país. Pois as ações
pedagógicas precisam ser voltadas para o cumprimento da mesma, a sanção da
legislação não tem que ser representada só nas políticas e nas práticas, mas no
meio pedagógico e sua relação com a diversidade. Embasado nesse contexto, a
referida lei é uma medida de ação afirmativa.
As ações afirmativas são políticas, projetos e práticas públicas e privadas
que visam à superação de desigualdades que atingem historicamente
determinados grupos sociais, a saber: negros, mulheres, homossexuais,
indígenas, pessoas com deficiência, entre outros. Tais ações são passíveis
de avaliação e têm caráter emergencial, sobretudo no momento em que
entram em vigor. Elas podem ser realizadas por meio de cotas, projetos,
leis, planos de ação, etc. (GOMES, 2001,p.3).
É preciso reconhecer que em todas as modalidades da educação é passível de
ações afirmativas, desmistificarem a ideia de que políticas igualitárias só podem ser
afirmadas por meio de cotas. A lei 10.639/03 tem como objetivo afirmar desde a
educação infantil o direito à diversidade étnica racial na educação escolar, afirmar a
história de luta, romper com o silêncio sobre a realidade africana e afro-brasileira nas
práticas e nos currículos escolares. Ainda há uma resistência a essa lei que altera a
LDB (Lei de Diretrizes e Bases), mas sua aprovação tem causado impactos na
educação escolar brasileira como:
40
“Ações do MEC e dos sistemas de ensino no que se refere à formação de
professores para a diversidade étnico-racial; novas perspectivas na
pesquisa sobre relações raciais, no Brasil; visibilidade à produção de
intelectuais negros sobre as relações raciais em nossa sociedade; inserção
de docentes da educação básica e superior na temática africana e afrobrasileira; ampliação da consciência dos educadores de que a questão
étnico-racial diz respeito a toda a sociedade brasileira, e não somente aos
negros; e entendimento do trato pedagógico e democrático da questão
étnico-racial como um direito”. (GOMES, 2001, p.5)
Sabe-se que há muitos caminhos para ser percorrido, até se chegar a um Estado
que de fato valoriza e expressa sua cultura, sem nem um sentimento de vergonha e
de desprezo; que um dia essa política afirmativa tenha seu total enraizamento
fazendo-se parte da política educacional brasileira e se efetivando nas ações
pedagógicas. Entendida como Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a
Lei nº 10.639/03 poderá garantir de forma explicita, o direito à diferença.
4.2 POLÍTICAS AFIRMATIVAS PARA INSERÇÃO DO NEGRO NA
SOCIEDADE
Mesmo depois da abolição da escravatura em 1888, perpetuava as práticas de
desigualdade racial e preconceito e nenhuma garantia de afirmação de cidadania
para o negro. De modo que, as comunidades negras em São Paulo em 1989
protestam contra a lei Afonso Arino, a mesma não via preconceito como crime.
Diante dos protestos a lei Afonso Arino é derrubada, entrando em vigor a lei Caó, de
autoria do ex deputado e jornalista, Carlos Alberto Oliveira, que torna o crime de
racismo inafiançável.
Em 20 de julho de 2010, a Lei Nº 12.288, instituiu o Estatuto da igualdade Racial;
altera as leis nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, 9.029, de 13 de abril de 1995, 7.347,
de 24 de julho de 1985, e 10.778, de 24 de novembro de 2003. “Art.1º Esta Lei
instituiu o estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a
efetivação da igualdade de oportunidades, e defesa dos direitos étnicos individuais,
coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância
étnica”.
41
A lei assegura o direito à saúde, à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer, o
reconhecimento das sociedades negras, sua trajetória comprovada, como patrimônio
histórico e cultural, nos termos dos arts. 215 e 216 da Constituição Federal.
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais
e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização
e a difusão das manifestações culturais.
§ 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares,
indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do
processo civilizatório nacional.
§ 2º - A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta
significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais.
§ 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual,
visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do
poder público que conduzem à: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 48,
de 2005) [...]
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de
referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico [...].
O estatuto da igualdade racial vem assegurar:
“O direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos
cultos religiosos, do esporte e lazer. Possibilitando o acesso a terra e à
moradia adequada, o poder público elaborará e implementará políticas
capazes de promover o acesso da população negra à terra e às atividades
produtivas no campo. Assegura políticas voltadas para a inclusão da
população negra no mercado de trabalho, sendo responsável o poder
público. Dos meios de comunicação valorizará a herança cultural e a
participação da população negra na história do País”.
Do direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos
religiosos, do esporte e do lazer. Possibilitando o acesso a terra e à moradia
adequada, o poder público elaborará e implementará políticas capazes de promover
o acesso da população negra a terra e às atividades produtivas no campo. Assegura
políticas voltadas para a inclusão da população negra no mercado de trabalho,
sendo responsável o poder público. Dos meios de comunicação valorizará a herança
cultural e a participação da população negra na história do País.
Na produção de filmes e programas destinados à veiculação pelas emissoras de
televisão e em salas cinematográficas, sendo adotada a prática de conferir
42
oportunidades de emprego para atores, figurantes e técnicos negros, sendo vedada
toda e qualquer discriminação de natureza política, ideológica, étnica ou artística. O
Estatuto da Igualdade Racial aborda o SINAPIR (Sistema de Promoção da
Igualdade Racial), ele é instituído como forma de organização e de articulação
voltadas à implementação do conjunto de políticas e serviços destinados a superar
as desigualdades étnicas existentes no País, prestados pelo poder público federal.
“Tendo como um dos objetivos de promover a igualdade étnica e o combate
às desigualdades sociais resultantes do racismo, inclusive mediante adoção
de ações afirmativas. O Poder Executivo Federal elaborará plano nacional
de promoção da igualdade racial contendo as metas, princípios e diretrizes
para a implementação da Política Nacional de Promoção da Igualdade
Racial (PNPIR)”.
O Congresso Nacional pressionado pelos movimentos negro permanece em busca
de mecanismos para que o país indenize os africanos e afro descendentes, pelos
danos causados pelo preconceito, isso reforça as políticas públicas de igualdade
racial. A Comissão de Direitos Humanos impõe que o governo brasileiro aplique o
valor da indenização nas ações de políticas afirmativas de igualdade racial. “O
Decreto n°60872, de 4 de Junho de 2009 aprova o PLANAPIR- Plano Nacional de
Promoção da Igualdade Racial, e constitui o seu Comitê de Articulação e
Monitoramento”. (Presidente da República, Casa Civil).
Sancionado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PLANAPIR tem o objetivo
de:
“solucionar a desigualdade social, política e econômica em relação ao
negro, reconhecendo o como sujeito histórico. Resultado de muitas décadas
de esforços dos movimentos negros no país, agora o descendentes de
africanos, os afro descendentes podem contar com as políticas de ações
afirmativas para a igualdade racial no Brasil”.
No dia 29 de agosto de 2012 foi sancionada a lei nº 12.711 regulamentada pelo
Decreto nº 7824, de 11 de outubro de 2012 que dispõe sobre o ingresso nas
universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio.
Art. 2º - As instituições federais vinculadas ao Ministério da Educação que
ofertam vagas de educação superior reservarão, em cada concurso seletivo
para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo
cinquenta por cento de suas vagas para estudantes que tenham cursado
43
integralmente o ensino médio em escolas públicas, inclusive em cursos de
educação profissional técnica, observadas as seguintes condições:
II - proporção de vagas no mínimo igual à de pretos, pardos e indígenas na
população da unidade da Federação do local de oferta de vagas da
instituição, segundo o último Censo Demográfico divulgado pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, que será reservada, por curso e
turno, aos auto declarados pretos, pardos e indígenas.
Para Contins e Sant’ Ana (1996, p.210) apud Lima¹ (2008 p.30) as ações afirmativas
teriam como uma das funções específicas:
[...] a promoção de oportunidades iguais para pessoas vitimadas por discriminação.
Seu objetivo é, portanto, o de fazer com que os beneficiados possam a vir competir
efetivamente por serviços educacionais e por posições no mercado de trabalho.
Para Lima¹ (2008 p.30)
“As ações afirmativas podem ser entendidas como políticas de correções de
distorções sociais, pois falamos de um “lugar”, no qual entendemos as
medidas afirmativas enquanto justificativa para/de correções de distorções
sociais, que acreditamos existirem e propomos um axioma no qual
entendemos e relegamos ao discurso jurídico constitucional da “igualdade
de todos os cidadãos perante a lei”, enquanto elemento necessário para a
promoção da igualdade, justificando e legitimando ações afirmativas para
que eventuais distorções sejam corrigidas e fazendo com que as cotas
adquiriam o valor de “políticas compensatórias”. (LIMA¹, 2008, p.30)
44
5. METODOLOGIA DA PESQUISA
Uma pesquisa/MEC realizada em 22 de junho de 2009 que a escola educa para
discriminação. Professores de história ensinam os alunos a respeitarem bravos
bandeirantes, desbravadores do sertão. Já em relação aos negros e seus heróis
vemos não se observa isso com frequência. Os negros aparecem nos livros de
história até 1888 marginalizados, depois desaparecem. Segue uma pesquisa do
MEC sobre preconceito nas escolas, publicada pela agência de notícias afropress.
Segundo o levantamento, 94,2 dos entrevistados, entre alunos, pais de estudantes e
funcionários de unidades municipais, estaduais e federais de ensino do país,
alimentam preconceitos contra negros e outras etnias. A pesquisa mostrou ainda
que por meio das crenças, valores e atitudes, o preconceito contra negros é uma
constante nas salas de aula. Os pesquisadores sortearam 500 escolas públicas do
país, incluindo as localizadas em regiões rurais. Além de uma parcela de pais,
diretores de escolas, professores e funcionários das instituições de ensino, foram
entrevistados cerca de 15 mil alunos, com idades a partir dos 14 anos.
Os resultados não deixam dúvidas quanto ao fato de o ambiente escolar ser lugar
privilegiado da cultura de discriminação que atinge 40,7% da população negra
brasileira. Além de alimentar o preconceito com uma visão negativa de negros, os
entrevistados admitiram evitar contato com as vítimas. Os negros como os demais
segmentos discriminados são excluídos em brincadeiras, no recreio ou até em
trabalhos na sala de aula, e por isso, a socialização entre todos é prejudicada.
Mostrando que as unidades que apresentaram índice de discriminação mais
elevado, o rendimento escolar é mais baixo.
Diante do exposto, sentimos a necessidade de se realizar uma pesquisa de campo
de cunho qualitativo, pois a mesma valoriza o indivíduo e o significado que ele dá à
vida. Com caráter exploratório por meio de entrevista e observação direta extensiva,
e virá a ser o segundo passo de nosso trabalho, ela servirá para a averiguação de
dados. Segundo Andrade (1999), “A observação direta extensiva baseia na
aplicação de formulário e questionários; medidas de opinião de atitudes; testes de
pesquisas de mercado; história de vida etc.”.
45
A técnica escolhida para essa pesquisa foi à observação direta extensiva, através de
entrevista com perguntas abertas para o levantamento de dados. Sendo bibliográfica
ou de campo, não importa, pois para Andrade (1999, p.34) a pesquisa é: “O conjunto
de procedimentos sistemáticos, baseado no raciocínio lógico, que tem como objetivo
encontrar soluções para problemas propostos, mediante a utilização e métodos
científicos”. Por tudo isso, o método utilizado para a realização dessa pesquisa será
o empírico, porque, segundo a autora esse método é baseando na observação
sensorial, e abrangem parte das ciências da natureza e das culturas sociais.
Os sujeitos da pesquisa foram professores e gestores das escolas entrevistadas que
deram respaldo para que a análise fosse significativa. Foram entregues quatorze
perguntas, sete direcionadas ao gestor e as outras sete ao professor.
5.1 UNIVERSO DA PESQUISA
As entrevistas foram realizadas em dois CMEIS nas redes municipais de ensino,
localizadas na cidade de Serra (ES), a pesquisa foi realizada com duas professoras
e com duas gestoras. Os nomes citados na pesquisa são de natureza fictícia para
garantir a privacidade dos entrevistados.
5.2 RELATO DAS ENTREVISTAS
Realizada as entrevistas, constatamos divergências nas respostas com o que foi
observado no espaço escolar em relação à temática desse estudo. Assumimos
essas divergências como elemento de discussão desses dados, de modo que os
antagonismos se constituam marca de referência para este estudo. A entrevista foi
constituída de perguntas que oportunizaram leituras de dados qualitativos.
Quando perguntado aos professores se a unidade educativa tratava a questão da
diversidade racial, e se o espaço físico, materiais disponíveis para as crianças, e as
atividades incluem a temática racial, as respostas foram as seguintes:
Sim. São tratadas dentro do projeto bimestral ou quando surge algum
problema dessa natureza, em qualquer ocasião há intervenção através da
46
conversa. (Professora do grupo 4,39 anos, pós graduada em educação
infantil e atua a 16 anos na educação).
Não.
(Professora do grupo 3, 30 anos, pós graduada em educação infantil e atua
a 10 anos na educação)
A resposta da segunda professora deixa claro que a escola vai contra o que
defendemos durante todo o trabalho e contra as diretrizes e leis. Questionadas se as
famílias são incluídas nos projetos didáticos desenvolvidos com as crianças as
respostas foram:
Em datas comemorativas. Ex: Dia das mães, páscoa, em reuniões eles são
convidados para participar. São mostradas as atividades que
desenvolveram na sala com as crianças de acordo com a faixa etária de
cada uma. Quando vamos trabalhar algum tema especial convidamos os
pais para nos ajudar nos trabalhos escritos ou na confecção de algum
brinquedo em casa. Também participam dos eventos que são apresentados
pelas crianças no CMEI.
(Professora do grupo 4,39 anos, pós graduada em educação infantil e atua
a 16 anos na educação).
Através do e-mail em que são enviadas informações relacionadas ao projeto
e fotos do dia a dia das crianças, assim como através de pedidos de
materiais e objetos para as culminâncias do projeto.
(Professora do grupo 3, 30 anos, pós graduada em educação infantil e atua
a 10 anos na educação)
Percebemos nas respostas, principalmente no relato da segunda professora
entrevistada, um distanciamento das famílias, sobretudo pelo contato ser através de
e-mails, não havendo uma participação efetiva dos responsáveis.
Acreditando que espaços culturais, escolas de sambas, capoeira, museus físicos ou
virtuais, grupos de danças, podem enriquecer o dia a dia das instituições educativas
e contribuir com tema relações étnicas raciais, perguntamos se na cidade havia
algum desses recursos e se a instituição tinha parceria com algum desses grupos.
Obtivemos as seguintes respostas:
Sim. Museus, bibliotecas, grupos de danças, capoeira. Mas a escola não
tem parceria. (Professora do grupo 4,39 anos, pós graduada em educação
infantil e atua a 16 anos na educação).
Sim. Grupos de danças, capoeira. Mas que a escola não tinha parceria.
São realizadas apresentação cultural e festa cultural, onde são trabalhadas
e valorizadas a cultura do estado, este ano será a influência italiana que
recebemos, destacando a festa da polenta que acontece em Venda Nova
47
do Imigrante. (Professora do grupo 3, 30 anos, pós graduada em educação
infantil e atua a 10 anos na educação)
Percebemos nas respostas que as escolas têm recursos em sua cidade para
trabalhar as questões étnicas raciais, mas não a utilizam. Perguntado a segunda
professora do grupo 3 se a escola trabalha a diversidade racial, a resposta foi não,
mas a escola tem trabalhado a influência italiana, onde podemos perceber uma
valorização só da cultura branca.
Quando perguntado quais imagens predominam na decoração do espaço físico da
escola, na sala de aula, nas paredes, nos murais, nas capas de livros e nas caixas
da instituição tivemos as respostas:
As imagens que predominam são de acordo com as datas comemorativas
dentro do projeto desenvolvido no bimestre. (Professora do grupo 4,39
anos, pós graduada em educação infantil e atua a 16 anos na educação).
Na escola não temos painéis ou decorações infantis, em tudo é usado o
slogan da escola. Já nas salas de aula possuem um mural grande onde são
expostos os trabalhos do dia a dia das crianças da turma. (Professora do
grupo 3, 30 anos, pós graduada em educação infantil e atua a 10 anos na
educação)
As professoras não conseguiram compreender a pergunta, e o questionamento foi
feito duas vezes. Mas com as nossas observações do cotidiano e do espaço escolar,
pudemos perceber que nas duas escolas tanto nos murais quanto na decoração das
salas predominavam desenhos de cor de pele e cabelos claros. Só na sala da
primeira professora entrevistada que tinha um desenho na parede de uma criança
negra.
Quando questionadas se já vivenciaram ou presenciaram alguma prática de
discriminação racial entre alunos, e se a resposta for sim, como que se deu essa
intervenção obtivemos estas respostas:
Já. Entre duas alunas de quatro anos. A menina branca não queria brincar
com a outra porque ela era negra. A intervenção foi através de conversa
com a criança no momento da cena que aconteceu. Depois conversei com
os pais. (Professora do grupo 4,39 anos, pós graduada em educação infantil
e atua a 16 anos na educação).
Não, até mesmo porque desde quando comecei a trabalhar com educação
infantil, tenho trabalhado com crianças de apenas dois e três anos que e
ainda não observam as diferenças raciais de forma explícitas. (Professora
48
do grupo 3, 30 anos, pós graduada em educação infantil e atua a 10 anos
na educação)
No relato da primeira professora, pudemos perceber que situações com atitudes
preconceituosas não estão distantes da educação infantil. Por isso é preciso um
trabalho contínuo, uma intervenção de todo corpo docente com a criança e com sua
família para que possamos criar cidadãos que respeitem e valorizem a diferença.
Os relatos das entrevistas neste momento são direcionados aos gestores dos
CEMEI entrevistados. Quando perguntados como é o processo de formação
continuada nas unidades às respostas foram:
É feita uma vez por semana.
(Gestora1, pós graduada em gestão, 15 anos de gestão)
A
formação
continuada
acontece
todas
as
segundas-feiras,
excepcionalmente nas terças-feiras. Após a seleção dos conteúdos a serem
estudados, o grupo do segmento do magistério organiza um cronograma de
estudo, de auto-avaliação (semestral) e avaliação escrita no final do ano
letivo. Todos os estudos são registrados em um livro de ata, com registro da
carga horária para emissão de certificado no final do ano.
(Gestora 2, pós graduada em gestão, 17 anos de gestão)
Pelo o que podemos perceber a segunda escola é mais organizada e detalhista de
como se da à formação continuada. Prosseguimos com a entrevista se os
profissionais conhecem as diretrizes curriculares nacionais para educação infantil?
Sim, pois faz parte do estudo nas formações continuadas do CMEI.
(Gestora 1 pós graduada em gestão, 15 anos de gestão)
Sim, no estudo do ano passado contemplamos o tema de diretrizes
curriculares para educação infantil.
(Gestora 2 pós graduada em gestão, 17 anos de gestão)
Quando perguntadas se os profissionais conheciam as diretrizes curriculares
nacionais para a educação das relações étnicas raciais e para o ensino de história e
cultura afro-brasileira e africana tivemos as seguintes respostas:
Todas as relações citadas estão contidas nas diretrizes curriculares
nacionais
o
que
se
torna
tema
debatido
nos
estudos.
(Gestora1 pós graduada em gestão, 15 anos de gestão)
Não. Esse tema ainda não foi contemplado no nosso estudo.
(Gestora 2 pós graduada em gestão, 17 anos de gestão)
49
Nas respostas das gestoras podemos perceber uma falta de informação para um
trabalho eficaz que possa contemplar as relações étnicas raciais. Quando
perguntadas se há uma socialização, uma reunião interativa sobre o tema relações
étnicas raciais com a equipe de profissionais, famílias e comunidade, para obter
caminhos de transformação de uma prática que discriminas, e se a resposta fosse
sim, como se da essa reunião, vejamos quais respostas obtivemos:
Não de forma específica, porém é trabalhado de forma que a família
entenda através das atividades e conscientização. (Gestora 1 pós graduada
em gestão, 15 anos de gestão)
Não aconteceu este tipo de prática discriminatória em nosso CMEI. (Gestora
2 pós graduada em gestão, 17 anos de gestão)
Baseando-nos nas respostaras das gestoras, percebemos que na visão delas não
há necessidade de ser trabalhado a questões étnicas na educação infantil, com as
crianças e com suas famílias. Sabendo da importância das famílias, da comunidade
na construção do projeto político pedagógico, perguntamos qual o envolvimento das
famílias?
Não são muitos envolvidos, as famílias muitas das vezes acham que o
trabalho é só da escola. Apesar de que a escola precisa encontrar meios
que os faça interessar e saber que para um melhor andamento é necessário
a participação de todos nessa construção. (Gestor 1 pós graduada em
gestão, 15 anos de gestão)
A participação da família se deu através de entrevistas escritas e reunião
com toda a comunidade. (Gestora 2 pós graduada em gestão, 17 anos de
gestão)
O que percebemos pelas respostas das gestoras que ainda é um desafio inserirem a
família com participação ativa na elaboração do projeto político pedagógico.
Perguntamos como que a escola trabalha as representações étnicas raciais nas
imagens de crianças, famílias etc., nos murais da escola?
Através de histórias, cartazes, etc. (Gestor 1 pós graduada em gestão, 15
anos de gestão)
Trabalhamos no cotidiano através das histórias infantis e apresentações e
recreação. (Gestor 2 pós graduada em gestão, 17 anos de gestão)
50
As gestoras se limitaram a responder a pergunta, e não responderam quais
características predominam nos murais da escola, mas durante toda a nossa
observação em dois CMEI o mural foi substituído por outra caracterização, e tanto
na anterior quanto na atual não tinha nem uma criança negra. Perguntadas se já
haviam presenciado algum professor com práticas discriminatórias racial com seu
aluno, e se a resposta fosse sim quais intervenções foram feitas neste incidente
discriminatório, obtivemos as seguintes respostas:
Todos os profissionais do CMEI procuram respeitar não só as diferenças
raciais entre outras. Até então não foi presenciado nenhuma atitude
indesejável neste sentido. (Gestor 1 pós graduada em gestão, 15 anos de
gestão)
Não, nunca houve esse tipo de atitude no nosso CMEI. (Gestor 2 pós
graduada em gestão, 17 anos de gestão)
Pelas respostas dos gestores nos CMEI entrevistados não houve por parte de
professores algum tipo de discriminação racial, mas sabemos que não são atitudes
que possam acontecer em nossas escolas. Em uma conversa informal, foi
perguntado aos gestores se o dia 20 de novembro era lembrado e trabalhado nas
escolas, e todas as duas disseram que não era trabalhado esse dia nas escolas. O
que pudemos perceber é que tanto para os professores, quanto para os gestores
não há uma necessidade de se trabalhar as questões étnicas raciais, que é um
assunto distante na educação infantil, mesmo com o relato de uma das professoras
uma situação de preconceito entre duas alunas de quatro anos.
51
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Questões relacionadas à discriminação racial e à educação, tanto no âmbito
acadêmico quanto nos demais, têm sido objeto de um número crescente de
publicações e de estudos, favorecendo a abertura de espaços para discussões e
busca de alternativas para minimizar a discriminação racial e o preconceito nas
nossas escolas. A luta do negro por liberdade vem marcada por resistência,
violência, condições precárias de saúde, saneamento básico, e educação mesmo
depois da sua “liberdade”. Dificuldade e classificação em uma sociedade elitista, que
classifica como indivíduo inferior o que é diferente as suas características
econômicas e fenotípicas.
Uma liberdade conquistada que além de excluir, empurrou para as periferias a
grande massa de escravos desempregados, dando início a um processo, uma
política de branqueamento. O governo brasileiro não se mobilizou, não criou
condições necessárias para a realização de inclusão do negro. Vimos que em 1960,
as redes de ensino públicas se ampliaram, possibilitando o ingresso do negro às
escolas públicas, contudo as relações raciais no interior das salas de aula
permaneceram discriminatórias. As organizações negras de caráter civil começaram
a denunciar nos anos 70 a seletividade do modelo educacional, que excluía o
patrimônio cultural da população negra dos currículos escolares.
Começou então a reivindicação ao reconhecimento para o legado histórico do negro
na sociedade brasileira. Em meio a tantas tecnologias e informações acessíveis nos
dias atuais, tal exclusão, e o não reconhecimento da diversidade cultural perpetuam
no ambiente social e consequentemente no âmbito educacional. Considerando que
na educação infantil começam a ser formados os primeiros embriões dos valores
humanos, princípios e costumes, as manifestações racistas e discriminatórias
poderão ser combatidas. Considerando ainda que segundo Vygotsky, a criança
constrói sua identidade dentro e fora do ambiente escolar.
Quando a criança é inserida na escola, ela traz consigo acúmulo de lembranças em
sua memória, construindo sua identidade por meio das experiências vividas. Ao
longo da história e até os dias atuais, a escola tem assumido uma identidade de
exclusão. Questões como as diferenças e seu tratamento no cotidiano escolar
precisam ser prioritárias para a formação do educador, que terá no seu cotidiano a
52
defesa do direito à diferença e à valorização cultural de todos os segmentos sociais.
A formação de educadores não pode ignorar o multiculturalismo, a globalização,
manifestações religiosas e culturais, devem dá a devida importância a essas
realidades e aos seus impactos no cotidiano escolar.
A pluralidade cultural e a racial nos desafiam a construir uma proposta pedagógica
multicultural. Faz-se necessário formar educadores para lidar com a diversidade e
criticar práticas discriminatórias. Práticas que vão desconstruir preconceitos desde a
educação infantil e afirmar a identidade da criança negra. Uma criança que tem seu
passado de lutas, de influências culturais na sociedade brasileira como na dança,
comidas, vocabulários, valorizados e reconhecidos, e que teve sua relevância na
construção da história do Brasil, ela não terá vergonha de sua cor e de suas
características.
A LDB contribui para colocar em pauta de discussões questões relativas à
diversidade cultural e a pluralidade étnica. Pautados na legislação o RCNEI, que
embora não sejam normativos, adentram no cotidiano das escolas com esse caráter
e é assumido como instrumento legal por gestores e professores. Não se
esquecendo da lei 10.639/03, que altera a LDB para incluir no currículo oficial da
rede de ensino a obrigatoriedade a temática história e cultura afro-brasileira. Com o
intuito de viabilizar a implementação da lei, são elaboradas as diretrizes curriculares
nacionais para a educação das relações étnicas raciais e para o ensino de história e
cultura afro-brasileira e africana.
Além de políticas públicas, faz-se necessário também um amplo movimento tendo
como horizonte à revisão dos currículos e materiais pedagógicos em todos os níveis
de ensino, incluindo nas discussões toda a comunidade escolar. O corpo docente
precisa entender a necessidade de ser re-contada a história de África e do negro na
colonização do Brasil. Pois o preconceito racial e a discriminação têm se proliferado
nas escolas, através do funcionamento do ritual pedagógico e através das práticas
pedagógicas excludentes e homogêneas, através de currículos que não contam a
real história de luta dos negros na sociedade brasileira.
Sem dúvidas, nos tempos atuais, a mídia e a tecnologia são capazes de provocar
comportamentos,
influenciar
atitudes,
criar
ideologias
das
formas
mais
53
diversificadas. Como principal espaço de construção simbólica, a mídia chega a ter
sua relevância social, que afeta diferentes segmentos sociais como o negro, através
da veiculação de imagens estereotipadas, folclorizados, deturpados em seus
conteúdos, ou de sua invisibilização. A discriminação racial continua como tema
tabu, sob o disfarce da suposta democracia racial. Com algumas exceções, o
racismo e suas mazelas não frequentam as pautas diárias.
A mídia nos faz valorizar os bens matérias, valorizar modelos, padrões magros ou
musculosos, cabelos lisos e claros. A aceleração tecnológica fomenta a pressa e a
ansiedade por experiências e sensações. Ao mesmo tempo em que a mídia e a rede
de computadores são fontes indispensáveis de acesso ao conhecimento,
democratização da informação
é
também campo
para
manifestações
de
posicionamento racista e discriminatório, contra os negros, indígenas, fazendo
aumentar na sociedade o que a legislação penosamente tenta erradicar.
Ao analisarmos as entrevistas e as observações realizadas nas escolas, acerca de
como docentes lidam com conceitos discriminatórios, é possível afirmar que tais
políticas ainda são institucionalmente incipientes e não têm provocado inserções
significativas no ambiente escolar.
54
7. REFERÊNCIAS
7.1 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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Científico. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 1999.
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outubro de 2012. Seção 1, p. 6.
______. Lei nº 9394, de 20 de novembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases
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7.2 WEBGRAFIA
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APÊNDICE
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APÊNDICE A – ENTREVISTA DE PESQUISA
Perguntas direcionadas ao Gestor da escola
1- Como é o processo de formação continuada em sua unidade?
Os profissionais de sua equipe conhecem:
2- As Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil?
3- As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnicas raciais e
para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana?
4- Há uma socialização, uma reunião interativa sobre o tema relações étnicas raciais
com a equipe de profissionais, famílias e comunidade, para obter caminhos de
transformação de uma prática que discrimina? Se a resposta for sim, como se da
essa reunião?
5- Qual o envolvimento das famílias, da comunidade na construção do projeto político
pedagógico?
6- Como a escola trabalha a representação étnica raciais nas imagens de crianças,
famílias etc., nos murais da escola?
7- Você já presenciou algum professor com práticas discriminatórias racial com seu
aluno? Quais intervenções foram feitas neste incidente discriminatório?
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Para os professores
1- As questões da diversidade racial são tratadas na unidade educativa? Se a resposta
for sim, o espaço físico, materiais disponíveis para as crianças, a utilização do tempo
e as atividades desenvolvidas incluem a temática racial? Especifique.
2- De qual forma as famílias são incluídas nos projetos didáticos desenvolvidos com as
crianças?
3- Museus físicos ou virtuais, espaços culturais, bibliotecas, escolas de samba, grupos
de dança, capoeira, podem ser contatados para enriquecer o dia a dia das
instituições educativas. O que existe em sua cidade de recursos que podem
contribuir com o tema?
4- A instituição tem parceria com algum desses grupos?
5- Quais imagens predominam na decoração do espaço físico da escola, na sala de
aula, nas paredes, murais, capas de livros e caixas, pastas, toalhas e cortinas da
sua instituição?
6- Os materiais e sua disposição explicitam uma concepção de Educação Infantil
centrada na criança, em seu bem-estar, autonomia e criatividade? Eles valorizam a
diversidade racial?
7- Você já vivenciou ou presenciou alguma prática de discriminação racial entre
alunos? Houve alguma intervenção? Se a resposta for sim, como se deu tal
intervenção?
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Download

afirmando a identidade da criança negra na educação infantil