UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
José Paulo
A CONFISSÃO NO INQUÉRITO POLICIAL E SUA POSTERIOR
RETRATAÇÃO EM JUÍZO
CURITIBA
2010
José Paulo
A CONFISSÃO NO INQUÉRITO POLICIAL E SUA POSTERIOR
RETRATAÇÃO EM JUÍZO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentada
ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências
Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná,
como requisito parcial para a obtenção do
título de Bacharel em Direito.
Orientador: Dálio Zippin Filho.
CURITIBA
2010
TERMO DE APROVAÇÃO
José Paulo
A CONFISSÃO NO INQUÉRITO POLICIAL E SUA POSTERIOR
RETRATAÇÃO NO JUDICIÁRIO
Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel em Direito da
Universidade Tuiuti do Paraná
Curitiba, 30 de agosto de 2010.
Professor Doutor Eduardo de Oliveira Leite
Coordenador do Núcleo de Monografias da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti
do Paraná
Orientador:
Professor Dr. Dálio Zippin Filho
Universidade Tuiuti do Paraná /Direito
Professor Dr.
Universidade Tuiuti do Paraná/Direito
Professor Dr.
Universidade Tuiuti do Paraná/Direito
A DEUS,
Aos professores da UTP-PR,
que
me
ensinaram
muito
mais do que Direito.
Para meu pai,
Antônio Paulo
(in memoriam)
presente
em
minhas
lembranças durante todo
tempo da minha formação.
o
É preciso convir primeiro que, quanto mais violentas
são as paixões, mais necessárias são as leis para
contê-las.
Porém, além do que nos mostram as
desordens e crimes causados por tais paixões em
relação à insuficiência das leis no sentido de
reprimi-las, também seria bom examinar se essas
desordens não nasceram com as próprias leis,
porque então, ainda que estas fossem capaz de
contê-las, o menos que se deveria exigir é que
fizessem cessar um mal que existiria sem elas”.
(JEAN JACQUES ROUSSEAU. Discurso sobre a
origem e os fundamentos da desigualdade entre os
homens)
RESUMO
O presente trabalho, objetiva explicar melhor algumas posições adotadas por
grandes juristas e doutrinadores da atualidade acerca da confissão. Resume-se na
análise da confissão do acusado diante da autoridade policial e suas posterior
retratação em juízo. Discute qual verdade se busca no processo. Explica os
diversos motivos pelos quais se confessa um ato delituoso. Fala do direito ao
silêncio e de suas diferentes conseqüências no processo penal e no processo civil.
Como fonte, utilizou-se a pesquisa bibliográfica. É de grande importância porque,
busca-se por esta análise, apurar a verdade processual, a certeza jurídica, para
punir o verdadeiro criminoso com justiça e imparcialidade.
Palavras-chave: confissão, retratação, silêncio do acusado, verdades
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..............................................................................................
07
2 O MITO DA VERDADE REAL NO PROCESSO PENAL ..............................
08
2.1 A PROVA TARIFADA OU LEGAL ................................................................
09
2.2 MEIOS DE PROVA .....................................................................................
10
2.2.1 Confissão em vantagem própria ..............................................................
11
2.2.2 Confissão em desvantagem própria ........................................................
12
2.2.3 Confissão qualificada ...............................................................................
13
2.3 CARACTERÍSTICAS DA CONFISSÃO ......................................................
14
2.4 CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL E RETRATAÇÃO JUDICIAL......................
21
3 O INTERROGATÓRIO DO RÉU E O DIREITO AO SILÊNCIO .....................
32
3.1 A REVOGAÇÃO TÁCITA DO ARTIGO 198 DO CPP ..................................
36
3.2 A CONFISSÃO FICTA OU PRESUMIDA ...................................................
37
4 CONCLUSÃO ................................................................................................
39
REFERÊNCIAS .................................................................................................
40
7
1 INTRODUÇÃO
Primeiramente, a dúvida, a discordância com algumas posições adotadas
pela Constituição Federal e pelo Código de Processo Penal Brasileiro. Após, a
procura por outras fontes que confirmassem nossas posições desconexas.
Assim, iniciamos nosso trabalho. Sempre me chamou a atenção o
comportamento do interrogado, o uso do seu direito ao silêncio, sua confissão no
Inquérito Policial e sua posterior retratação no Judiciário. Também merece análise a
impressão que esse silêncio causa ao juiz, porque não basta o CPP e a CF/88
dizerem que o silêncio não importará em confissão e que não poderá ser valorado
pelo juiz... Em alguns casos de homicídio, dizem os especialistas “os mortos gritam
as circunstâncias de suas mortes”. Se mesmo um morto fornece indícios de como foi
morto, o que dirá de um acusado que tem no interrogatório um meio para defenderse e não o faz?
Estaria o juiz condenado a seguir uma fórmula preestabelecida para apurar a
verdade, dizendo-lhe a norma o que deve ou não deve valorar? Não seria
desobediência ao princípio do livre convencimento motivado e o da verdade objetiva
no processo penal?
Durante nossas consultas, descobrimos para nosso conforto interior que
muitos doutrinadores entendem da mesma forma. Também encontramos muitas
jurisprudências que confirmam as idéias expostas. Chegamos à convicção de que o
homem tende a agir conforme suas convicções, e a lei ao mudar a natureza das
coisas encontrará sempre alguém que fará “manobras” para prevalecer seu senso
de justiça e a certeza de suas convicções.
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2 O MITO DA VERDADE REAL NO PROCESSO PENAL
A verdade real, forjada na inquisição acabava, quase sempre, servindo de
fundamento para justificar os atos abusivos e o autoritarismo do Estado, que
acabava admitindo a busca da verdade a qualquer custo, legitimava todos os abusos
desde que eficientes para “revelar” a verdade que para eles, está ao alcance do
Estado.
Na ótica de Eugênio Pacelli Oliveira:
Não só é inteiramente inadequado falar-se em verdade real, pois que esta
diz respeito à realidade do já ocorrido, da realidade histórica, como pode
revelar uma aproximação muito pouco recomendável com um passado que
deixou marcas indeléveis no processo penal antigo, particularmente no
sistema inquisitório da Idade Média, quando a excessiva preocupação com
a sua realização (da verdade real) legitimou inúmeras técnicas de obtenção
da confissão do acusado e de intimidação da defesa. (2009, p. 294).
Contrapondo-se a esta teoria, nasce a teoria da verdade processual ou
formal, que busca uma verdade fundamentada em uma sentença que só ocorreria
depois de respeitado o devido processo legal e com o devido respeito às regras
legais.
Segundo Eugênio Pacelli Oliveira (2009, p. 294): “Toda verdade judicial é
sempre uma verdade processual. E não somente pelo fato de ser produzida no
curso do processo, mas, sobretudo, por tratar-se de uma certeza de natureza
exclusivamente jurídica.”.
Neste processo, a busca pela verdade se dá de forma democrática, seu
método de aquisição exige o respeito aos procedimentos e garantias de defesa.
Verdade processual, porque de fato, trata-se de uma verdade aproximada,
não é a verdade absoluta, pois que esta aconteceu no passado, dependendo
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portanto de dados da memória, depoimentos buscados na memória e muitas vezes
no imaginário das pessoas, logo falível, porém em consonância com outros
elementos do processo, inexistindo, porém a verdade absoluta.
A função do processo, não é buscar a verdade absoluta e sim dar paridade
de armas, isonomia processual oferecer o contraditório e a ampla defesa e deste
devido processo, oferecido às partes, saíra uma sentença legítima e em muitas
vezes, coincidente com a verdade. Porém em matéria penal, não basta à verdade
formal, o respeito às normas, busca-se, sobretudo, a verdade objetiva, que muitas
vezes não é trazida ao processo. Seguindo o entendimento de Nicola Framarino dei
Malatesta (2009) “não se trata de uma verdade formal, que resulta do estado das
provas, suficientes ou insuficientes que sejam, mas de uma verdade substancial,
extrassubjetiva, da qual se chega à verificação por meio de provas suficientes ”.
2.1 A PROVA TARIFADA OU LEGAL
Embora com muitos inconvenientes, este sistema procurou reduzir o
excesso de poderes conferidos ao juiz no sistema inquisitivo. Foi um grande avanço
para a época. O sistema das provas, segundo entendimento de Eugênio Pacelli
Oliveira, surgiu:
Como superação do excesso de poderes atribuídos ao juiz ao tempo do
sistema inquisitivo, o que ocorreu de forma mais intensa a partir do século
XIII até o século XVII, o sistema das provas legais surgiu com o objetivo
declarado de reduzir tais poderes, instituindo um modelo rígido de
apreciação da prova, no qual não só se estabeleciam certos meios de prova
para determinados delitos, como também se valorava cada prova antes do
julgamento. (2009, p. 299).
A valoração da prova era feita em momento anterior pelo legislador, ou seja,
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sabia-se previamente, quanto valia cada prova, assim a um testemunho conferia-se
certo número de pontos, a uma perícia outro. Neste sistema vigorava a Regina
Probationum, onde a confissão era tida como a rainha das provas, fazendo com que
para obtê-la, algumas autoridades usassem de torturas e demais intimidações à
defesa, para a sua obtenção.
Procurando fugir dos inconvenientes dos sistemas antigos, criou-se a teoria
da verdade processual, buscada pelo livre convencimento motivado ou persuasão
racional. Por este sistema, o juiz é livre para valorar todas as provas trazidas no
processo. Deve, porém fundamentar suas decisões baseadas nas provas trazidas ao
processo. É sobre seus fundamentos que se analisarão se a sentença está ou não
de acordo com o ordenamento adotado. Importante: Nosso sistema adotou o
sistema misto, vige o da persuasão racional (para o juiz singular ou togado) e o
sistema da íntima convicção em que os juízes não precisam fundamentar suas
decisões (Tribunal do Júri).
2.2 MEIOS DE PROVA
Provar é demonstrar a verdade dos fatos alegados, é provar aos outros, e
principalmente ao juiz, a verdade que se conhece.
Meio de prova, é a forma de como esta verdade foi demonstrada (pela
confissão, por perícias, testemunhos etc.), ou seja, são todos os meios utilizados
para alcançar a verdade dos fatos no processo. As conclusões, tiradas das provas
trazidas ao processo, servirão para fundamentar o julgamento do juiz, ou seja, o
objetivo de toda prova é servir de fundamentação para a sentença judicial, conforme
ensina Nucci (2008, p. 388).
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Neste último senso, pode dizer o juiz, ao chegar à sentença: “Fez-se prova
de que o réu é autor do crime”. Portanto, é o clímax do processo.
A confissão, para o processo penal, e para a doutrina dominante, é um
desses meios utilizados para provar a autoria de um crime. E um dos meios de prova
mais desejados no processo penal. Para Sérgio Ricardo de Souza,
A confissão, quando apresentada em um devido processo penal, serve até
mesmo de conforto não só para quem vai julgar, mas também para o
acusador (que se sente mais confortável em sua missão) e até mesmo para
o defensor, o qual, em caso de condenação, tem a convicção pessoal de
que esta não decorreu da ineficiência de seu trabalho. (2008, p. 168-169).
A confissão do réu é assim; o testemunho do próprio réu sobre um fato
próprio, por isso, o acusado, querendo estará sempre em melhores condições de
contribuir para a verdade, pois além de ter executado a ação delituosa, terá
planejado o resultado, querido em seu íntimo, mesmo que depois tenha vindo a
arrepender-se. Neste sentido o testemunho do acusado prevalece em termos de
convencimento frente a outros testemunhos. Segundo Nicola Framarino dei
Malatesta existem vários tipos de confissão:
O testemunho do acusado sobre o próprio fato pode ter um conteúdo
diverso: pode ser em vantagem própria, pode ser em desvantagem própria;
e pode ser, enfim, parte em vantagem própria e parte em própria
desvantagem, considerando as várias partes em si mesmas,
separadamente, abstraída uma da outra.
O testemunho em vantagem própria, numa só palavra, é chamado desculpa;
o testemunho em desvantagem própria se chama confissão; o testemunho
parte em vantagem e parte em desvantagem própria, chama-se confissão
qualificada. (2009, p. 401).
2.2.1 Confissão em vantagem própria
O testemunho em vantagem própria tem contra si uma suspeita de ser
mentira. Existe um ceticismo de que o acusado ao tentar beneficiar-se em um
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interrogatório, estará na verdade exercendo uma autodefesa que é natural do ser
humano frente às situações de perigo. É fácil presumir que o acusado verá no
interrogatório um momento para exercer sua defesa (na verdade o interrogatório é
um meio para a defesa do acusado), onde ele, podendo usar do direito ao silêncio,
só falará o que lhe for conveniente. Uma pessoa normal tentaria afastar o mal que a
confissão de um delito traz para si, e não atraí-lo, por isso, a palavra do acusado
sobre vantagem própria, perde fé.
Esta presunção de mentira do acusado, porém, não deve prevalecer sobre o
princípio da presunção de inocência, que é um dos princípios norteadores da nossa
constituição, pois por trás do cidadão sub judice está o direito à liberdade que é
sagrado, até que as provas demonstrem seja ele culpado.
2.2.2 Confissão em desvantagem própria
É o tipo de confissão mais desejado, ninguém melhor que o autor de um
crime, sabe se é culpado ou não. Quando se admite um ilícito, no entanto esta
confissão deve ser ponderada, pois não há mais o valor absoluto da confissão, e
esta deverá estar em sintonia com outros elementos do processo, pois como se
sabe, por diversos motivos se confessa, e nem sempre essas confissões são
verdadeiras.
Há autores que atribuem pouco valor a confissão do acusado, dizendo tratarse de uma falta de defesa, o que é ilegal no processo penal, e também por ser
antinatural este tipo de confissão.
Uma tese, combatida por Nicola Framarino dei Malatesta, diz que:
O juízo penal é um duelo judiciário, entre acusador e acusado. Ora, o
acusado que confessa é um combatente desarmado, contra o qual não é
lícito enfurecer-se, abusando de sua fraqueza; a palavra do acusado é
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destinada a aparar os golpes da acusação e não se pode, sem barbárie,
volver contra seu peito a própria arma: ele está em juízo para se defender e
não para se acusar e, por isso, sua confissão, quando ocorre, não deve
pesar sobre si. (2009, p. 413).
Outros explicam que a finalidade do juízo penal é a verdade substancial, a
verdade mais próxima possível da realidade, dizendo que por todos os meios legais
deve ser buscada, pois mesmo sendo improvável, ela poderá sim, vir da confissão
do próprio acusado. Nicola Framarino dei Malatesta atesta que:
Por isso, fim supremo e interrogável de todo juízo penal é a descoberta e
verificação da verdade quanto à acusação. E, por isso, esta verdade, donde
quer que venha vem de provas reais, ou da voz de um terceiro, do ofendido
ou do próprio acusado, deve sempre impor-se ao espírito dos juízes. (2009,
p. 414).
2.2.3 Confissão qualificada
É aquela confissão que na verdade padece de punibilidade, é uma confissão
acompanhada de uma desculpa, o confidente, assume alguns elementos do delito,
mas nega, porém outros elementos, fazendo com que a conduta assumida seja
atípica, excluindo desta forma a culpabilidade, por exemplo: a confissão de um
homicídio
alegando-se
como
motivo
a
legítima
defesa.
Analisando-se
separadamente, houve uma conduta típica punível, o homicídio, mas analisando-se
o motivo, a conduta deixa de ser punível, pois a legítima defesa exclui a ilicitude.
Quem faz este tipo de confissão objetiva afastar a punibilidade, justificando a
conduta, alega na verdade não ter tido outra opção, a não ser o homicídio.
Segundo entendimento de Enio Luiz Rossetto:
Assim, quem, embora afirmando a materialidade da ação homicida, negue a
criminalidade está pela alegação da legítima defesa, não faz mais que
desculpar-se de modo absoluto, do ponto de vista da substância; mas se
considerarmos separadamente as duas partes deste testemunho, isto é, a
materialidade da ação e legítima defesa, e com um critério formal
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prevalente, ela é considerada como confissão qualificada. (2001, p. 75).
2.3 CARACTERÍSTICAS DA CONFISSÃO
CPP, art. 200. A confissão será divisível e retratável, sem prejuízo do livre
convencimento do juiz, fundado no exame das provas em conjunto.
Significa dizer que: tudo o quê o réu confessa, pode ser retratado,
modificado, negado, aumentado etc. Também que o confidente pode manter uma
parte da confissão e negar ou modificar outra, cabendo ao juiz, valorar a retratação
em conjunto com outros elementos colhidos no processo, podendo acreditar na
confissão e rejeitar a retratação ou aceitar a retratação e desacreditar na confissão.
Este direito de o réu se retratar, advêm do fato de que a acusação não
adquire direitos na confissão do réu, devendo o juiz apurar os fatos livremente.
Porque no processo penal, busca-se a verdade, esta, está acima do interesse das
partes, daí porque o acusado pode retratar-se em qualquer fase do processo, é uma
oportunidade que se tem de analisar o novo depoimento para se chegar à verdade
substancial, que é o objetivo do processo penal. Para Enio Luiz Rossetto:
Reconhece-se, tradicionalmente, como postulado do direito processual
penal, a faculdade de retratação da confissão, pois, a esta (a confissão), no
plano criminal não se lhe dá o caráter absoluto que tem na esfera civil,
ademais no processo penal, a finalidade é a investigação da verdade, a
acusação não pode pretender direito adquirido com a confissão do acusado,
daí resultando a possibilidade de sua retratação, em qualquer estado do
processo, antes de haver transitado em julgado a respectiva sentença.
(2001, p. 75).
Quem se retrata da confissão, está negando o seu valor, está dizendo que
esta padece de vícios, que foi obtida sob abuso de autoridade, mediante tortura, na
ausência de advogados etc.
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A confissão também é divisível, é uma forma de preservar o livre
convencimento do juiz, que pode por este princípio, aceitar uma parte do que foi dito
e rejeitar outra ou rejeitar tudo o que foi confessado, ou aceitar tudo, de acordo com
a sua convicção. Para Enio Luiz Rossetto:
A divisibilidade da confissão é o corolário do princípio da livre convicção do
juiz; deixa-se ao juiz a apreciação do valor da confissão qualificada. A ele é
que cabe, com regras da crítica racional, aceitar ou recusar, em parte ou em
bloco, o que consta das declarações do confesso, tendo em vista as
circunstâncias do caso concreto e demais provas dos autos. (2001, p. 81).
Seguindo a idéia de Enio Luiz Rossetto, na Idade Média, a confissão era
considerada prova plena, por si só, já autorizava a condenação, era o sistema da
prova legal, ou prova tarifada em que a confissão tinha valor absoluto, obtida a
confissão a qualquer custo, estava livre o juiz para dar a sentença, as torturas eram
comuns, e muitas vezes eram mais penosas que as próprias penas, por isso
mediante a possibilidade de ser torturado, o acusado, muitas vezes confessava logo,
mesmo que não tivesse praticado tal crime.
Os juízes sentiam-se com a consciência apaziguada, e com sua tarefa
pronta e perfeita, quando podiam proclamar o habemus confitentem reum. A
confissão do acusado chegou a equiparar-se, por isso, à própria coisa
julgada: confessio habet vim rei judicatae. (2001, p. 82).
Hoje, a confissão não tem mais este valor absoluto, seu valor é relativo, ou
seja, dependerá de outros elementos colhidos no processo, conforme o artigo197 do
Código de Processo Penal brasileiro:
Art. 197. O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os
outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la
com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe
compatibilidade ou concordância.
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Este artigo quer dizer o seguinte: que a confissão que aparentemente
resolve a investigação, e põe fim ao interrogatório (aparentemente), na verdade
pode não ter tanto valor, tem que se analisar o porquê da confissão, se existe nexo
entre o confessado e o crime, se está de acordo com as outras evidências
demonstradas no processo. Observar o comportamento, a índole e a saúde mental
do confidente. Porque confessar um crime, não é natural do ser humano, este se
vendo em perigo tende a defender-se e não a imputar contra si, uma atitude que
sabe será prejudicial, coincidindo muitas vezes no seu encarceramento.
Observando-se tudo isso, chega-se a conclusão que a confissão tem valor
relativo, ou seja, seu valor dependerá de todas estas análises a serem feita, pois não
tida mais como a rainha das provas regina probationum, ou a melhor prova omnium
probationum maxima, também não põe mais fim ao processo, ou seja, não pode ser
interpretada isoladamente, sem levar em consideração outras evidências trazidas ao
processo.
Para Enio Luiz Rossetto:
Não existe qualquer hierarquia entre as provas, devendo, por isso, apenas
se observar determinadas regras na avaliação de certas provas, cuja
peculiaridade a lei procura resguardar. É o que acontece com a confissão,
que nunca poderá ser interpretada isoladamente. (2001, p. 83).
Quem confessa, alega ser verdade a acusação imputada contra si. Devido à
natureza de autodefender-se do homem, alguns doutrinadores alegam ser a
confissão, um ato atípico, por ir contra a natureza defensiva do homem. Mesmo
estando errado, um homem tende a defender-se e não a autoincriminar-se. Por ser
incomum, reclama maiores cuidados em sua avaliação, torna-se necessário uma
investigação do por que alguém confessaria um crime que lhe trará consequências
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indesejáveis pela maioria dos homens em normal estado de consciência. Neste
sentido é a lição de Enio Luiz Rossetto citando Mittermaier:
O povo nutre respeito pela confissão, nunca se convence melhor da
culpabilidade do acusado do que quando sabe que fizera uma confissão
completa. Contudo, para ter poder de convencimento, precisa reunir certas
condições, afinal, é um fenômeno antinatural. A natureza, dizem, cerra os
lábios do culpado; todo homem de espírito são esforça-se por evitar o que
possa prejudicá-lo. (2001, p. 89).
No mesmo sentido, Guilherme de Souza Nucci:
Levando-se em conta que a confissão acarretará ao acusado um resultado
normalmente adverso e que existe o natural instinto de defesa do homem (a
natureza cerra os lábios do culpado), negando a prática de algo errado que
tenha praticado, é fato que os fundamentos de uma confissão merecem ser
estudados com especial relevo. (1999, p. 93).
Ainda:
A confissão, enquanto rainha das provas no passado, de valor probatório
absoluto, ou a prova por excelência (a probatio probatissima) dos tempos
obscuros do regime da prova legal, caracteriza-se, atualmente, por ter valor
relativo. Isso implica que o juiz não está obrigado a aceitá-la, devendo
sempre confrontá-la com as demais provas constantes dos autos e,
ademais, que ela não exclui a necessidade de que outras provas sejam
colhidas a respeito do fato e de sua autoria. No processo civil, a confissão
relativa a ações cujo objeto são direitos disponíveis elimina a controvérsia,
permitindo o julgamento antecipado da lide. No processo penal, mesmo
havendo confissão, o juiz deve determinar a produção das demais provas.
(1999, p. 89).
Nucci (1999, p. 95-114), elenca ainda os principais motivos que levam uma
pessoa a confessar um delito:
Por remorso: Salvo exceções doentias, a confissão tida pelo remorso, pela
inquietação da consciência, tende a ser verdadeira.
Por arrependimento: O sujeito fica triste e insatisfeito consigo mesmo e
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passa a aceitar o castigo. Difere do remorso que é uma sensibilidade emotiva
enquanto o arrependimento é uma sensibilidade ética. A confissão por
arrependimento tende também a ser verdadeira.
Para alívio interior: Sente-se cansado de lutar com o Estado, a confissão o
liberta dessa luta, sente paz, é uma rendição no duelo com o judiciário, é
entregar os pontos. Pode ser verdadeira ou falsa esta confissão.
Pela necessidade de se explicar: Quer expor os motivos pelos quais
cometeu tal crime, deseja obter uma aceitação pelo que fez, quer demonstrar
que era necessária tal atitude, que não havia outra escolha, busca a
aceitação social, quer expor os motivos pelo acontecido. Normalmente, este
tipo de confissão é verdadeiro.
Por interesse: Para receber algum benefício, dinheiro, prestígio, respeito.
Tende a ser falsa este tipo de confissão.
Por lógica: Quando percebe que a verdade virá à tona de qualquer jeito, que
as evidências são muito fortes, por inteligência, confessa logo o delito por
saber que será inútil negar o óbvio. Se confessar por este motivo, tende a ser
verdadeira a confissão.
Por orgulho ou vaidade: Quando o confitente vê no seu ato, motivo de
orgulho e enaltecimento, acha que terá o respeito das autoridades, pelo crime
cometido, que obterá reconhecimento público. Acredita ter feito algo que a
própria polícia não conseguiria fazer, que estão resolvendo um problema para
a comunidade e por isto, legitimados por ela (justiceiros, vigilantes privados).
Por vaidade incluem-se também aqueles que querem superar seus parceiros
de crime, ou desejam obter o respeito entre os marginais, vê suas façanhas
como legítimos troféus.
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O homem é sempre um ser social, somente acontece que, algumas vezes,
acaba por fazer parte de um pequeno agregado social, que está em
oposição com o resto da sociedade. Mas, nos limites do acanhado grupo
social em que vive, ele sente e pensa e age de maneira igual aos outros
homens; e se, para este, é razão de orgulho e de supremacia ser laborioso
ou genial, para ele é a fria e cruel coragem, a astúcia felina, o que cria a
tendência para contar os seus crimes e até, porventura, para se gabar de
outros nunca praticados. (1999, p. 93).
É difícil perceber se são confissões verídicas ou fantasiosas.
Por esperança ou medo: Acha que confessando, parecerá simpático a
opinião alheia e ao juiz, que ficará mais fácil obter uma atenuante por estar
“cooperando com o processo”, ou porque tem medo de receber uma pena
maior por estar mentindo. Via de regra, trata-se de confissão verdadeira.
Por expiação ou masoquismo: Normalmente, este desejo de sofrer, de ser
penalizado, advém da consequência de alguma patologia ou perturbação
mental, embora possa ser verdadeiro este tipo de confissão.
Por altruísmo: Por caráter, para evitar sofrimento de preso inocente.
Confessa porque não quer que outros paguem por seu crime. Normalmente é
verdadeira.
Por forte poder de sugestão de terceiros:
Quando pessoa de
personalidade fraca sofre influência de personalidade mais forte, levando-a a
acreditar que cometeu tal crime. Normalmente são confissões falsas.
Por erro: O confitente pensa que praticou um crime, mas, na verdade foi só
uma tentativa, pensa ter acertado um tiro em alguém, mas na verdade seu
alvo se jogou no chão e ele assustado, saí correndo com a plena convicção
de ter matado o desafeto. É uma confissão falsa por erro.
Por loucura ou qualquer desequilíbrio mental: Fácil, verificar que são
confissões falsas por advirem de doenças mentais notórias.
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Por coação psicológica: Quando se seqüestra o familiar de alguém para que
este confesse algo que não cometeu. Para evitar o sofrimento de seu ente
querido, vê-se coagido psicologicamente a confessar um crime que não
cometeu. Obviamente, são confissões falsas.
Por tortura psicológica: A tortura diferentemente da coação, é contínua, vai
minando a resistência, causando-lhe cansaço e stress excessivo, exemplo
interrogatório prolongado. O desgaste causado pela tortura psicológica o
obriga a confessar para se ver livre do interrogatório. São confissões falsas.
Por insensibilidade: Criminosos, frios e desprovidos de afeto, amor ou
sociabilidade para com seus iguais, não têm nenhum sentimento para com os
outros, de regra, são confissões verdadeiras.
Por instinto de proteção ou afeto a terceiros: É o contrário do item anterior,
são pessoas que confessam falsamente para proteger alguém que gosta
muito.
Por ódio a terceiros: Pessoas que confessam porque julgam com isso poder
prejudicar terceiros: pensam assim, se eu disser que participei de tal crime,
pensarão que ninguém melhor do que eu para indicar um co-autor, neste caso
o objetivo é fazer uma delação igualmente falsa para arrastar um desafeto.
Por fatores ligados à religião: Por temor espiritual, por obediência a um
líder religioso, por achar que a confissão expia os pecados. De regra, são
confissões verdadeiras.
Estes são alguns dos principais motivos notados nas doutrinas e
jurisprudências consultados por este autor (NUCCI, 1999, p. 95-114) que
comprometem a confissão livre e espontânea. Neste sentido a lição de Rossetto:
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A confissão deve ser o produto da vontade livre do acusado, desprovida de
erro, temor, sugestões e violência; é preciso “que nem o temor, nem o
constrangimento, nem a astúcia, nem alguma inspiração estranha pareça
ditar-lhe os termos. (2001, p. 112).
Por este rol, evidencia-se a importância de se dispensar uma melhor análise
e ponderação acerca da confissão obtida, pois, como exposto acima, motivos não
faltam para que uma confissão venha contaminada, prejudicando assim os seus
requisitos de admissibilidades intrínsecos (como a verossimilhança dos fatos
confessados, a clareza, a certeza, persistência, coincidência e sinceridade dos fatos
confessados).
O objetivo maior de todos os interrogatórios é obter a confissão, o processo
existe para apurar a verdade, e esta pode vir através da confissão, embora não seja
este o único meio de buscá-la. O processo deve possuir outras formas que não seja
a palavra do acusado para se apurar a verdade, uma vez que o acusado não é
obrigado a confessar, não é obrigado a produzir provas contra ele mesmo, a se
autoincriminar, é o princípio nemo tenetur se detegere.
O privilégio contra a auto incriminação – que é plenamente invocável
perante as Comissões Parlamentares de Inquérito – traduz direito público
subjetivo assegurado a qualquer pessoa, que, na condição de testemunha, de
indiciado ou de réu, deva prestar depoimento perante órgãos do Poder
Legislativo, do Poder Executivo ou do Poder Judiciário (…). O direito ao
silêncio – enquanto poder jurídico reconhecido a qualquer pessoa
relativamente a perguntas cujas respostas possam incriminá-la (nemo
tenetur se detegere) – impede, quando concretamente exercido, que aquele
que o invocou venha, por tal específica razão, a ser preso, ou ameaçado de
prisão, pelos agentes ou pelas autoridades do Estado. (STF – HC
79.812/SP – Rel. Min. Celso de Mello – DJ 16.02.2001, p. 21)
2.4 CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL E RETRATAÇÃO JUDICIAL
Entenda-se, a confissão obtida no Inquérito Policial. Outras modalidades de
22
confissões extrajudiciais existem, mas falaremos aqui da confissão obtida no
Inquérito Policial.
Um Projeto elaborado pelo então Ministro da Justiça Vicente Rao, em 1930
(publicado oficialmente em 1935), já tentava suprimir o Inquérito Policial por achar
que era improdutivo, desprovido de contraditório e de valor judicial, uma vez que as
provas ali obtidas deveriam ser repetidas no Judiciário, tentava o Projeto instituir em
seu julgar um Juizado de Instrução, explicando que as provas colhidas com
contraditório, perante juiz singular, conferiam as mais seguras garantias de defesa.
O projeto procurou afastar a confissão extrajudicial com os seguintes argumentos:
Retira-se da Polícia, por essa forma, a função que não é sua, de interrogar o
acusado, tomar o depoimento de testemunhas, enfim, colher prova de valor
legal; conserva-se-lhe, porém, a função investigadora, que lhe é inerente,
posta em harmonia e legalizada pela co-participação do juiz, sem o que o
resultado das diligências não pode nem deve ter valor probatório.
Em sentido contrário, a lição de José Frederico Marques: “Transferir as
funções policiais para um juiz de carreira, na investigação dos crimes graves, é
sugestão que só impressiona quem está alheio à realidade e desconhece por
completo os meandros difíceis que apresenta a criminalidade” (1965, p. 78).
Críticas atuais, ora o legitimam, ora o dispensam, embora sobrevivido às
mais duras críticas no passado, o inquérito policial continua sendo alvo de duras
críticas e de calorosas discussões, da doutrina atual. Neste sentido a crítica de Tovo:
A história de todos os tempos comprova à sociedade que o inquérito policial
ou qualquer outro nome que lhe pudesse atribuir no passado longínquo é o
sistema mais condizente com os regimes autoritários.
Nele, a pessoa humana é tratada como objeto de uma investigação e não
como sujeito de direitos. Eis aí ranço mediavalesco que não pode mais
subsistir no ar puro da plenitude democrática. (1982, p. 123-124).
23
Seguindo o tom dos discursos acima, analisaremos a confissão obtida no
Inquérito Policial. É inegável que a preocupação da Polícia Judiciária, é em obter a
confissão através do interrogatório policial. Embora não seja mais considerada a
rainha das provas e tenha valor relativo, devendo ser comparada com outros
elementos colhidos no processo, conforme o artigo 197 do CPP:
CPP, art. 197. O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para
os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá
confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e
estas existe compatibilidade ou concordância.
Mesmo com a norma do artigo 197 do CPP, a confissão, continua sendo o
meio de prova mais desejado tanto no inquérito como na fase judicial. Dá-se mais
credibilidade a alguém que confessa um crime, embora, vários são os motivos ilícitos
pelos quais uma pessoa pode ser levada a confessar algo que não tenha feito.
Segundo Fernando da Costa Tourinho Filho:
A experiência tem demonstrado que à confissão não se pode nem se deve
atribuir absoluto valor probatório. É certo que, se um indivíduo confessa
haver praticado uma infração penal, em princípio tal reconhecimento de
culpa deve ser tido como verdadeiro, porque ninguém melhor do que o autor
da infração pode saber se é ou não culpado da imputação que se lhe faz.
Todavia todos aqueles que se dedicaram e se dedicam ao estudo das
provas no campo do Processo Penal salientam que, muitas vezes,
circunstâncias várias podem levar um indivíduo a reconhecer-se culpado de
uma infração que realmente não praticou. (2009, p. 300).
O artigo 197 do CPP ao afirmar que “O valor da confissão se aferirá pelos
critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz
deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e
estas existe compatibilidade ou concordância”, está na verdade dizendo que há
interesse público em jogo, e que o Estado não quer que um inocente pague pelo
24
verdadeiro culpado. Está dizendo que não vigora em nosso sistema a tarifação das
provas onde a confissão era tida como regina probationum ou rainha das provas,
negando também a máxima confessus pro judicato habetur (O confesso é tido como
julgado), pois o que está em jogo são interesses públicos superiores aos interesses
particulares como bem assevera Nicola Framarino dei Malatesta:
Que no juízo civil o confesso se tenha por julgado, é lógico e natural, Tratase de direitos privados e alienáveis, dos quais o cidadão pode sempre
dispor. O cidadão é dono dos seus interesses pecuniários e pode, por isso,
mesmo com uma confissão não verdadeira, reconhecer as pretensões do
adverso, renunciando a direitos próprios, embora fossem evidentes.
Mas não é assim em juízo criminal. A justiça penal não atinge seus fins
culpando um bode expiatório qualquer, precisa do verdadeiro delinquente,
para que se torne legítima sua ação. (2009, p. 412).
A discussão para avaliar a validade da confissão obtida no Inquérito Policial
recai na ausência de ampla defesa e de contraditório, presume-se que o acusado
sofreu algum tipo de constrangimento, facilitado pela ausência de defensor, por
conta disso, a confissão obtida nesta fase inquisitorial, será sempre duvidosa.
E o tipo de depoimento que padece de transparência e de contraditório,
pode até não ter havido violência policial, mas o simples fato de o réu não ter tido
seus direitos informados, constitui em nulidade a sua confissão, pois esta tem que
ser fruto da vontade livre e consciente do acusado.
Não se nega que, após a ocorrência de um crime, é possível à polícia obter
do réu uma confissão ampla, tanto porque ele ainda não consultou
devidamente seu advogado, como porque ainda não teve condições de
pacificar o seu estado emocional, sempre alterado pela prática delituosa,
equilibrando o raciocínio. Essa admissão de culpa pode até ser extraída de
modo legítimo, sem coerção e sem tortura.
Entretanto, levando-se em conta que pode ter sido feita sem qualquer
garantia processual ao acusado, jamais se poderia asseverar que essa seria
a real intenção do réu, qual seja a de confessar, nem mesmo se conseguiria
assegurar que não teria havido qualquer pressão ou sugestionabilidade no
interrogatório policial. (1999, p. 205).
25
Mesmo ciente destas possibilidades, de desprezo dos direitos e garantias do
acusado, muitos juízes acabam deixando-se influenciar pelo exposto no inquérito,
vindo a basear suas decisões em informações colhidas nesta fase inquisitorial.
Enio Luiz Rossetto citando Carnelutti, afirma:
Ser recorrente a prática coercitiva de extorquir a confissão na fase
preliminar, esta confiada à Polícia Judiciária; depois, em juízo, grande parte
dos acusados retrata-se em vão, porque o juiz, embora acreditando nas
violências, utiliza a confissão como fundamento de sua convicção. (2001, p.
225).
Nota-se aqui, verdadeira contradição entre o Ordenamento Jurídico e a
Jurisprudência, que muitas vezes utiliza as provas produzidas no inquérito para
fundamentar suas decisões, depois em grau de recursos, essas decisões acabam
sendo reformadas, mas deixa claro que a confissão obtida na fase extrajudicial
embasa muitas vezes as sentenças judiciais.
Guilherme de Souza Nucci, citando Gisli Gudjonson, chegou à seguinte
conclusão:
É difícil detectar uma confissão falsa, mas uma dessas dificuldades está
concentrada no fato de que, como a maioria das confissões feitas na polícia
são posteriormente retratadas em juízo, existe o fenômeno de que
magistrados e promotores sejam cépticos quanto à retratação verdadeira,
vale dizer, tendo em vista que retratações verdadeiras são a minoria, estes
profissionais do direito acabam generalizando e deduzindo que todas as
confissões feitas na polícia são verdadeiras e todas as retratações em juízo,
falsas. É justamente tal postura que leva ao indesejável erro judiciário.
(1999, p. 95).
Ou seja, presume-se a violência no interrogatório policial, mas como
geralmente o acusado tende a se retratar, o magistrado acaba aceitando a prova
produzida no inquérito. Sabe o magistrado que o acusado terá pensado melhor, se
libertado do temor natural causado no interrogatório policial, quando via de regra é
26
pego de surpresa e sem ter adotado nenhuma língua argumentativa para a defesa,
descoberto que pode mentir orientado pelo advogado de defesa a isso.
Também o juiz, apesar da importância e nobreza do cargo, é um ser humano
falível e mesmo sabendo que as provas devem ser repetidas sob o clivo do
contraditório, já tem muitas vezes, devido suas experiências de vida, sua convicção
firmada quando da leitura do inquérito.
Julgar com base em provas obtidas no Inquérito Policial é o mesmo que
negar ao acusado o contraditório e a ampla defesa. Pois as informações colhidas
nesta fase procedimental, constituem elementos informativos, desprovidos de
investigações e indagações das partes, produzidos em fase em que o investigado
não é um cidadão com direitos, e sim um objeto de investigação. Aceitar as provas
produzidas no inquérito, sem confrontá-las com outras provas, é o mesmo que
liberar o Estado-acusação do seu dever de instrução, esta inércia do Estado, o
desqualificaria como parte do processo, interessada na verdade, ao tornar-se inerte,
seria apenas um espectador que não atenderia aos objetivos da sociedade.
Na análise de Guilherme de Souza Nucci:
O que não pode acontecer, em hipótese alguma, é partir-se do pressuposto
de que a confissão extrajudicial é prova e por isso, atua contra o acusado,
isoladamente considerado, de modo que eventual retratação ocorrida no
interrogatório judicial é irrelevante. Isso libera o Estado-acusação de
produzir qualquer outra prova contra o réu, o que é um absurdo. Aguardarse-ia que o acusado provasse sua inocência. (1999, p. 241).
O papel do inquérito é fornecer ao Ministério Público, informações plausíveis
de verossimilhança entre a suspeita, a acusação e o acusado, para caso haja
indícios de verdade nas suspeitas, seja instaurado contra o cidadão o devido
processo penal. O inquérito serve então para que o cidadão não seja perturbado
27
com acusações levianas, muitas vezes anônimas e inconsequentes, investiga-se
para saber se há um mínimo de plausibilidade e coerência na acusação e/ou
suspeita. Oferece então elementos informativos, destinam-se ao Ministério Público
para que este instaure a devida ação penal, e não ao juiz, por isto não pode ele
valer-se de provas produzidas nesta fase para embasar seu julgamento.
Inquérito. Crime de assédio sexual. Recebimento de queixa-crime.
Ausência de elementos mínimos de prova. Queixa-crime rejeitada. Para o
recebimento de queixa-crime é necessário que as alegações estejam
minimamente embasadas em provas ou, ao menos, em indícios de efetiva
ocorrência dos fatos. Posição doutrinária e jurisprudencial majoritária dos
fatos. Não basta que a queixa-crime se limite a narrar fatos e circunstâncias
criminosas que são atribuídas pela querelante ao querelado, sob o risco de se
admitir a instauração de ação penal temerária, em desrespeito às regras do
indiciamento e ao princípio da presunção de inocência. Queixa-crime
rejeitada. (STF – Inq. 2.033/DF – Tribunal Pleno – Rel. Min. Nelson Jobim
– j. em 16.06.2004)
Nisso reside à importância dos elementos informativos para o Processo
Penal, pois fornecem indícios de plausibilidade de existência do delito e de sua
autoria. Informam que existe o nexo entre autor e crime, é uma forma de respeitar o
direito do acusado, e de se evitar que o poder estatal instaure ação penal baseado
em notícias-crimes leviana.
A doutrina é pacífica, afirmam que as provas na fase inquisitorial do Inquérito
Policial, destinam-se ao convencimento do Ministério Público. No mesmo sentido o
magistério de Adel El Tasse:
Já quando aceita a denúncia ou queixa, tais elementos não têm o condão de
fundamentar uma decisão judicial, ainda mais diante da garantia individual
eleita na Carta Política: (...) aos acusados em geral, são assegurados o
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes.
(2008, p. 36).
Também o ordenamento brasileiro, principalmente com o advento da Lei
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11.690/2008 em seu artigo 155, caput é taxativo. Estabelecem critérios pontuais
para a aferição de provas produzidas no inquérito e as produzidas na fase judicial do
artigo 155 da Lei 11.690/2008 “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da
prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão
exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvados
as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.”.
A divergência está justamente nas decisões judiciais, na jurisprudência
brasileira, que continuam embasando suas decisões em provas produzidas na fase
inquisitorial do inquérito, senão vejamos:
Furto. Prova policial. Mera ratificação judicial dos ditos na polícia.
Inadmissibilidade. Condenação exige plena convicção. Valor algum se dá
à prova oral coletada na fase inquisitorial. A mera ratificação judicial do que foi
dito na Polícia não faz desaparecer a mácula da falta de garantias: com os
ditames do devido processo legal é que deve ser coletada qualquer prova.
Condenação exige convicção plena e não qualquer convicção da prova
coletada no momento judicial. Deram provimento ao apelo defensivo, com
extensão ao co-réu não-apelante (unânime). (TJRS – Ap. Crim.
70009730508 – 5ª Câmara Criminal – Rel. Amilton Bueno de Carvalho – j.
em 03.11.2004)
O erro de tais julgamentos, baseados em provas colhidas no interrogatório
policial, sem contraditória e ampla defesa, têm dado azo a inúmeras apelações e
demonstram que o juiz vê-se sim contaminado pelas provas do inquérito, que tende
a aceitá-la, desse convencimento errôneo e ilegal, resultam as inúmeras apelações
criminais.
Roubo majorado. Prova oral policial. Prova inquisitorial vale igual a zero no
momento judicante ausente autoridade e eqüidistante, publicidade,
contraditório, ampla defesa. Testemunhas de leitura: nem tais têm o condão
de legitimar a ilegitimável ausência das garantias do devido processo legal. À
unanimidade, deram provimento ao apelo. (TJRS – Ap. Crim. 70014797567 –
5ª Câmara Criminal – Rel. Amilton Bueno de Carvalho – j. em 14.06.2006)
29
Fácil compreender o porquê de tanta aceitação das provas colhidas no
inquérito. Ocorre que quase todos os juízes, já foram advogados e sabem por
excelência que todo réu tende a mentir em sua retratação frente ao judiciário, pois
além de ser um instinto natural do ser humano, a autodefesa, embalado pelo amor
próprio, o acusado, ali sub judice, estará orientado por seu advogado, a retratar-se
do que disse na polícia, a alegar tortura, violências etc. O juiz espera que o acusado
venha a negar tudo ou modificar o que disse, sabe também que o réu não é obrigado
a falar a verdade, que o interrogatório é meio de defesa, ou seja, é uma
oportunidade para o réu se defender, logo dirá tudo o que interessa à sua defesa,
não hesitará, portanto em mentir. Segundo o ilustre Enio Luiz Rossetto (1999, p.
239), “é cediço que o acusado confesse na fase policial, depois, na fase judicial, logo
se retrata, sob o argumento de que foram extorquidos por meio de torturas, maustratos e violências”. Sabendo disso, o magistrado receberá com cautela toda
retratação, ou declarações dadas no judiciário, por isso tende muitas vezes a aceitar
as provas do inquérito, mesmo que essas decisões sejam reformadas em
posteriores apelações.
Furto. Prova oral. Policial. Desvalor. Álibi acusado não tem ônus
probatório algum. Prova oral policial se destina a instrumentalizar a
denúncia e nada mais. Condenar alguém com base em prova inquisitorial é
recuperar o estágio medieval do conhecimento jurídico. Acusado não tem
ônus probatório algum. A carga alcança exclusivamente àquele que
persegue. Negaram provimento ao apelo ministerial. (TJRS – Ap. Crim.
70009262163 – 5ª Câmara Criminal - Rel. Amilton Bueno de Carvalho – j.
em 16.03.2005)
Há, no entanto outra linha jurisprudencial que tende a aceitar a confissão
extrajudicial, mesmo após a retratação do confitente, desde que haja outros
elementos na fase judicial que forneçam indícios de veracidade dos fatos alegados
no inquérito.
30
Enio Luiz Rosseto, citando Pierangelli, afirma:
A verdade inquestionável é que, todos os dias, os Tribunais estão decidindo
com base na prova indiciária. É o que ocorre, por exemplo, nos delitos de
furto ou de roubo, onde a confissão (indício) e a apreensão da res furtiva em
poder do acusado (também indício) constituem prova suficiente para a
condenação, mesmo que essa confissão tenha sido feita tão-só na fase do
inquérito policial e retratada em juízo. É que quase nunca se afirma que a
condenação foi proferida com sustentação exclusiva na prova indiciária. Mas
assim o é efetivamente. (2001, p. 245).
FURTO – A falta de investigação, de maus-tratos alegados para retratar
confissão, não constituem cerceamento de defesa, pois, havendo provas
coincidentes, é válida a confissão policial ainda quando obtida por meios
coercitivos, cumprindo, neste caso, tão-somente a apuração da
responsabilidade dos autores da coação. Para comprovação material do
furto não se exige auto de exame de corpo de delito na res furtiva, bastando
o auto de apreensão desta. No furto, a detenção injustificada da coisa faz
presumir a autoria. Condenação embasada em prova judicial coincidente
com a confissão retratada. Revisão indeferida. (JTAERGS 53/27 – Revisão
Criminal 284035888 – Câmaras Criminais Reunidas)
Na jurisprudência acima, a sentença não podia ter sido pior. O Juiz revisor,
aceita a falta de investigação, e os maus-tratos alegados pelos réus, válida também
a confissão obtida por meios coercitivos (torturas...). Trata-se de verdadeira
aberração jurisprudencial, fere o princípio da presunção de inocência, da paridade
de armas no processo.
Nega ao réu todas as garantias conferidas pelo ordenamento, retira-lhe o
contraditório e a ampla defesa, tudo para manter a autoridade do inquérito, “rasga a
Constituição”.
CONFISSÃO. INTERROGATÓRIO – Meio de prova suficiente para a
condenação, quando, realizado na presença de defensor, contenha
elemento compatível com a materialidade do delito. Desprovimento ao
recurso. (JTAERGS 51/143 – Apelação-Crime 284013356 – 2ª Câmara
Criminal)
PROVA – Confissão policial corroborada por outros elementos de convicção
– condenação mantida. Confissão policial do réu, ratificada por outras
provas, autoriza sua condenação. (TACRSP – v. 57/382 – Rel. Diwaldo
Sampaio)
PROVA – Confissão policial corroborada por outros elementos coligidos na
31
instrução. Condenação mantida. Confissão extrajudicial, embora retratada
posteriormente, tem o seu valor e alicerça condenação, desde que encontre
apoio nas provas colhidas em juízo. (Apelação 194.965 – TACRSP – v.
55/345)
A retratação no Judiciário é vista sempre com muita desconfiança pelos
magistrados e pela doutrina majoritária, pois segundo Enio Luiz Rossetto “É cediço
que o acusado confessa na fase policial depois, na fase judicial, logo se retrata, com
o argumento de que foram extorquidos por meio de torturas, maus-tratos e
violências” (2001, p. 239).
Quem está mais em dia com o meio penal, sabe que há muitas mentiras nas
retratações, a ponto de muitos acusados chegarem a se ferir para alegar torturas.
Enio Luiz Rossetto citando Vicente de Azevedo afirma:
Se por um lado, desgraçadamente, somos forçados a admitir que nossa
polícia (como, aliás, todas as polícias do mundo) às vezes pratica violência,
torturando suspeitos ou indiciados, num atentado revoltante à dignidade
humana – reus sacra res – a pessoa do réu é sagrada –, por outro lado é de
se reconhecer que há muita mentira, muita simulação por parte de
malandros escolados, que não hesitam até se ferir, ou fazem-se ao juiz
exibindo o corpo de delito, as provas da violência. (2001, p. 239).
Ainda, o magistrado, consciente ou inconscientemente, vê-se contaminado
pelo termo de confissão juntado ao processo. Ali o juiz apreciando livremente a
prova, forma sua primeira convicção antes de analisar a retratação. Na verdade o
acusado, pela posição que ocupa no processo, será sempre suspeito ao falar no
processo, pois, é cediça que fala em seu interesse com todo o respaldo que a lei
assegura, de toda forma, a retratação deve ser analisada seguindo-se os mesmos
critérios adotados para analisar a confissão extrajudicial, ou seja, desde que
harmônicas com outras provas.
32
3 O INTERROGATÓRIO DO RÉU E O DIREITO AO SILÊNCIO
Antes de analisarmos o interrogatório do réu, convém lembrar, que a favor
deste, vige a presunção de inocência, que tem o direito ao silêncio, consequência do
princípio nemo tenetur se detegere “em que ninguém é obrigado a fornecer prova
contra-si”. Para Guilherme de Souza Nucci, o processo penal deve ter instrumentos
suficientes para conseguir provar a autoria de um delito que não seja as próprias
palavras do acusado ou a interpretação de seu silêncio.
É preciso abstrair, por completo, o silêncio do réu, caso o exerça, porque o
processo penal deve ter instrumentos suficientes para comprovar a culpa do
acusado, sem a menor necessidade de se valer do próprio interessado para
compor o quadro probatório da acusação. (1999, p. 431).
O acusado não precisa também prestar compromisso de falar a verdade,
sendo evidente por estas e outras razões, tratarem-se os interrogatórios de meio de
defesa do réu. Ou seja, ele só falará se achar que lhe é conveniente. Tanto tem
direito ao silêncio que caso as autoridades policiais ou judiciais não advirtam o réu
deste direito, todo o processo padecerá de nulidade (CPP, art. 186, caput).
Embora o CPP, trate do interrogatório no capítulo destinado às provas, a
doutrina majoritária o tem como meio de defesa do réu. Fernando Capez diz:
O Código de Processo Penal, ao tratar do interrogatório do acusado no
capítulo concernente à prova, fez clara opção por considerá-lo verdadeiro
meio de prova, relegando a segundo plano sua natureza de meio de
autodefesa do réu (Francisco Campos, Exposição de Motivos do Código de
Processo Penal, item VII). Entretanto, a doutrina mais visada, seguida pela
jurisprudência mais sensível aos novos postulados ideológicos informativos
do processo penal, tem reconhecido o interrogatório como meio de defesa.
(2002, p. 279).
Durante o interrogatório, o acusado pode permanecer em silêncio, se este
33
lhe for conveniente, e deste silêncio não poderá advir nenhuma consequência
desfavorável ao réu. No Processo Penal, o silêncio, efetivamente, não diz nada. Aqui
não serve à máxima, “quem cala consente”. O fato de o juiz não poder valorar
negativamente o silêncio, e do interrogatório ser feito após o réu ouvir a acusação,
demonstram tratar-se o interrogatório como meio de defesa do réu. Fernando da
Costa Tourinho Filho acrescenta: “No interrogatório, normalmente, o acusado dele se
prevalece para contestar a acusação, e, em seguida, seu Defensor, de modo
técnico, completa a resposta à peça acusatória com a „defesa prévia‟.” (2009, p.
278).
Seria um paradoxo dizer que o réu tenha direito ao silêncio, e depois valorar
negativamente este silêncio, condená-lo por ter ficado em silêncio. Seria o mesmo
que autorizar alguém a entrar em sua casa e depois acusá-lo de violação ao
domicílio. Se for um direito, não pode advir-lhe nenhuma consequência. No
entendimento de Fernando da Costa Tourinho Filho: “Assim, se o acusado pode
calar-se, ficando o Juiz obrigado a respeitar-lhe o silêncio, erigido à categoria de
direito fundamental, não se pode dizer seja o interrogatório um meio de prova, do
contrário seria obrigado a responder” (2009, p. 279).
Este livre-arbítrio, porém, pode ser-lhe perigoso, pois por mais que a lei lhe
faculte tal direito, os costumes, e as crenças populares, costumam ver com
desconfiança o uso desta prerrogativa. A sabedoria popular costuma entender que
“quem cala consente”, que se não reagiu frente a uma acusação, é porque não tinha
nada em sua defesa, sabe que a imputação é verdadeira, do contrário, esboçaria
alguma reação, pois, normalmente, frente a uma acusação injusta, o homem tende a
defender-se, é instintivo. Mesmo o mais tímido dos homens esboça algumas
reações, demonstra seu inconformismo com os fatos a ele imputados. Tende-se a
34
defender-se mesmo sendo culpados, porque silenciaria sendo inocente? Ao menos
tentaria responder, pois é da natureza humana se autodefender frente a uma
ameaça. Para Guilherme de Souza Nucci:
O interrogado, diante do magistrado, teme que o seu silêncio possa
significar uma autêntica “confissão tácita”. E mais. Diante do Tribunal
Popular, como explicar devidamente aos jurados, leigos que são tal direito
constitucional, fazendo-os entender o sentido amplo e profundo dessa
proteção, quando poderão fazer uso do surrado dito popular “quem cala,
consente”? (1999, p. 178).
Ainda para Fernando da Costa Tourinho Filho:
O acusado tem a faculdade de responder ou não, às perguntas que lhe
forem formuladas pelo Juiz. É a consagração do direito ao silêncio que lhe
foi conferido constitucionalmente como decorrência lógica do princípio do
nemo tenetur se detegere e do da ampla defesa. É possível que o
Magistrado tenha uma impressão desfavorável quando o acusado guarda
silêncio, entretanto não se pode admitir que tal impressão se converta em
indício para um decreto condenatório. (2009, p. 287).
Grande parte da doutrina entende que embora ilegal, o silêncio causa uma
má impressão ao juiz, porque este é um ser humano como qualquer outro e por
mais que a lei dos homens diga que o réu usará o silêncio para evitar hostilizações,
mal-entendidos, a verdade é que o juiz sabe que o réu usará o silêncio por medo de
entregar-se em suas respostas, de entrar em contradição e acabar revelando a
verdade. Se esta verdade o preocupa a ponto de preferir ficar em silêncio, é porque
a verdade é desfavorável a ele, ou seja, é porque a acusação é verdadeira, do
contrário, tentaria provar sua inocência, faria uso do velho ditado “quem não deve
não teme”, se silencia, porque tem medo da verdade. Apesar de revogados
tacitamente, muitos juízes julgam conforme o artigo 198 do CPP, que diz que o
silêncio pode ser interpretado em desfavor do réu.
35
Ao dizer-se que o juiz poderá desconfiar do silêncio, ter uma má impressão
está dizendo-se que o juiz o valora, mas esta valoração não pode ser externada,
desta forma aconselha-se ao juiz, mesmo com a impressão negativa do silêncio, a
fundamentar suas sentenças sem externar os reais motivos de sua convicção, ou
seja, maquiar a sentença, chegar ao mesmo fim (condená-lo), utilizando-se de
outros caminhos, de outros argumentos que não sejam aqueles obtidos pela íntima
convicção revelada pelo silêncio do réu.
Desta forma, o juiz preenche uma formalidade, mas em seu espírito, faz
prevalecer sua íntima convicção, que não pode ser externada. Para Guilherme de
Souza Nucci:
Não se nega que no espírito do magistrado o silêncio invocado pelo réu
pode gerar a suspeita de ser ele realmente o autor do crime, embora, ainda
que tal se dê, é defeso ao magistrado externar seu pensamento na
sentença. Ora, como toda decisão deve ser fundamentada, o silêncio jamais
deve compor o contexto de argumentos do magistrado para sustentar a
condenação do acusado. (2008, p. 431).
Segundo a melhor doutrina e jurisprudências, o direito ao silêncio é para que
suas palavras não sejam mal interpretadas, para que o nervosismo e a eventual falta
de memória diante de um tribunal não surtam nenhum efeito negativo contra ele. O
direito ao silêncio o pouparia de eventuais hostilizações e intimidações desfechadas
contra o réu pelo Estado. Eugênio Pacelli de Oliveira acrescenta:
Com efeito, ao permitir-se, como regra legal, o silêncio no curso da ação
penal, o sistema impede a utilização, pelo(s) julgador(s), de critérios
exclusivamente subjetivos na formação do convencimento judicial. Dessa
maneira, procura-se evitar que eventuais hesitações, eventuais
contradições, não relevantes, ou, ainda, lapsos de memória ou coisa que o
valha, presentes no momento do interrogatório do réu, sirvam de motivação
suficiente para o convencimento do juiz ou do tribunal. (2009, p. 341).
36
3.1 A REVOGAÇÃO TÁCITA DO ARTIGO 198 DO CPP
Com a consagração do direito ao silêncio pelo art. 5º, inc. LXIII da CF/88,
revogou-se o art. 198 do CPP que afirma que: “O silêncio do acusado não importará
confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do
juiz”. Apenas a primeira parte foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988,
uma vez que seria um contrassenso dizer que alguém tem o direito de ficar calado e
depois valorar negativamente este silêncio. Guilherme de Souza Nucci afirma:
Dizer que o silêncio do acusado pode auxiliar na formação do convencimento do magistrado é o mesmo que não lhe dar a possibilidade de ficar calado,
pois ninguém se arriscaria a provocar no julgador um sentimento contrário à
sua posição no processo, in limine. Ninguém seria ousado a esse ponto,
sabendo que o juiz levará em conta o silêncio, logicamente, em prejuízo da
defesa. (1999, p. 169).
Porém não é isso o que a sabedoria popular e muitas vezes a doutrina e a
jurisprudência entende. Régis Ferraz, citando Ronaldo Batista Pinto diz que:
[...] não obstante o ônus da prova seja do autor, o silêncio do réu, embora a
lei o permita, continua causando a impressão ao juiz de que ele cala por não
ter resposta à acusação e, por conta disso, pode pesar desfavoravelmente
ao imputado, sem que haja qualquer violação à norma constitucional. (2008,
p. 71).
Se causar esta impressão ao juiz imagine aos juízes leigos do Tribunal do
Júri que sequer precisam fundamentar suas decisões, podendo até mesmo julgar
com base em provas produzidas no inquérito?
A lei subestima a inteligência das pessoas, quando diz que mesmo
desconfiado, o juiz não poderá externar a sua convicção sobre o silêncio, está
dizendo que caso esteja convencido da culpa do acusado, procure outros
37
argumentos, para condená-lo, fingindo não ter dado importância ao silêncio.
Isto não resolve a situação do acusado, é um desrespeito aos seus direitos,
é um faz de conta que respeitamos os seus direitos, mas na verdade, não foram
respeitados. Melhor seria dizer ao acusado que quem cala consente. Desta forma
saberia de antemão que ao silenciar, estaria se correndo o risco de ser condenado.
Quem pergunta, ou já tem a resposta e quer só a confirmação, ou quer a resposta.
Nunca o silêncio.
No Processo Judicial, existe um duelo entre acusação e defesa, as
perguntas são golpes que devem ser defendidas com as respostas, neste processo,
a falta de resposta, se assemelha a falta de defesa, logo será atingido pela
acusação, demonstrando-se assim, uma evidente inconstitucionalidade, pois não
está havendo defesa.
3.2 A CONFISSÃO FICTA OU PRESUMIDA
Diferentemente do processo civil, onde a falta de depoimento e a revelia,
façam presumir uma confissão ficta, ou presumida, este tipo de confissão, não
encontra amparo na lei processual penal. No processo penal mesmo ausente, o réu
poderá ser considerado inocente, se isto for demonstrado por seu defensor.
Também, como dito antes, seu silêncio não importará em confissão, isso porque vige
no processo penal o sistema do livre convencimento motivado e a busca da verdade
real, substancial. Para Fernando da Costa Tourinho Filho:
Antigamente, nos casos de fuga, revelia, ou silêncio durante o interrogatório,
aplicava-se-lhe a pena de confesso. Tais presunções, entretanto,
incompatíveis com o sistema do livre convencimento e com o princípio da
verdade real, não puderam nem podem subsistir. (2009, p. 305)
38
Se fosse permitido condenar alguém pela sua ausência ou silêncio durante
interrogatório, estaria se condenando baseado em presunções altamente falíveis,
pois não há como fundamentar uma condenação, baseado unicamente nestas
situações. A não ser que haja outros elementos no processo que indiquem esta
culpa, outros indícios prováveis que não sejam o silêncio e a ausência do acusado.
No entendimento de Fernando Capez:
A confissão ficta ou presumida, contumaz no processo civil, não se verifica
no âmbito do processo penal, por falta de amparo legal. Ainda que o
acusado deixe o processo correr à revelia, tal fato não importa na presunção
de veracidade acerca daquilo que foi alegado pela acusação. (2002, p. 289).
Confissão tácita ou presumida é a confissão inexistente, logo, insuficiente
para embasar qualquer sentença, não há um depoimento, o silêncio, como dito
antes, não diz nada no processo penal, logo, não existe neste processo confissão
ficta. Segundo Nicola Framarino dei Malatesta:
Querer considerar como confissões reais, as confissões presumidas, é faltar
com todo critério de lógica criminal. Não se pode falar de uma prova
determinada sem a certeza da sua subjetividade probante e, por
subjetividade probante, entendemos a pessoa ou a coisa afirmante e a
relativa afirmação. (2009, p. 420).
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4 CONCLUSÃO
Ao chegar ao final deste trabalho, chegamos à conclusão de que existe um
abismo muito grande entre a Jurisprudência, a Doutrina e o Código de Processo
Penal brasileiro. Percebemos que mesmo com o rigor e imposição da lei, os
princípios e costumes recomendaram sempre o bom senso e a análise do caso
concreto, mesmo em aparente contrariedade à lei.
Pois, em matéria de julgamento, o homem, tende a fazer prevalecer o que
acha justo, e mesmo um ordenamento, não trará respostas a todas as indagações.
Não trará uma fórmula segura para obter a verdade, esta, reclama bom senso.
Descobrimos que se confessa falsamente um crime por vários motivos, e
que igualmente se retrata falsamente. Pois, se por um lado ninguém quer ver-se
encarcerado, por outro, existem vários motivos que podem induzir alguém a assumir
os crimes cometidos por outros.
A satisfação ao abordar este tema, foi descobrir que o juiz, tende a buscar a
verdade objetiva, substancial, que não é inerte e nem se conforma com a simples
aparência de formalidade. Que embora a lei dê garantias excessivas ao acusado, o
juiz analisando seus antecedentes e comportamentos, tentará sempre, “convidá-lo”,
a participar do processo, pela instrução probatória, pelo interrogatório, pela
exposição de outras provas.
Sobretudo, percebemos na prática que o direito está em constante mutação,
que o ser humano merece respeito, mas que este, não se coaduna com o deixá-lo
impune, que há outras formas de buscar a verdade que não seja as formas obtidas
na inquisição.
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REFERÊNCIAS
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FERRAZ, Régis. Processo Penal – Comentários às Recentes Alterações. Leme:
Mundo Jurídico, 2008.
MALATESTA, Nicola Framarino dei. A Lógica das Provas em Matéria Criminal.
Tradução de Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: Russel, 2009.
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 2. ed. Rio de
Janeiro/São Paulo: Forense, 1965. v. 1.
MITTERMAIER, C. J. A. Tratado da Prova em Matéria Criminal. 3. ed. Campinas:
Bookseller, 1996.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5. ed.
São Paulo: RT, 2008.
. O Valor da Confissão. 2. ed. São Paulo: RT, 1999.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 11. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2009.
ROSSETTO, Enio Luiz. A Confissão no Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2001.
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Manual da Prova Penal Constitucional – Pós-reforma de
2008. Curitiba: Juruá, 2008.
TASSE, Adel El; MILÉO, Eduardo Zanoncini; PIASECKI, Patrícia Regina. O Novo
Sistema de Provas no Processo Penal – Comentários à Lei 11.690/08. Curitiba:
Juruá, 2008.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2009.
TOVO, Paulo Cláudio. Abolição do Inquérito Policial – Uma Imposição Lógica e
Democrática. In: TUBENCHLAK, J.; BUSTAMANTE, Ricardo S. (Coords.). Estudos
Jurídicos. Rio de Janeiro: IEJ, 1982.
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