CABEÇA
NUTRIÇÃO
ANIMAL
Nutrição e bem-estar animal
Bem-estar animal porquê e qual a sua importância? De que
modo é que a nutrição pode intervir para melhorar os indicadores de bem-estar animal de uma exploração leiteira?
Indubitavelmente a lei será a resposta à
primeira parte da nossa questão. Segundo
o anexo A do decreto-lei n.º 64/2000, os
animais deverão ser alimentados com uma
dieta que satisfaça as necessidades nutricionais e que promova o bem-estar. Não será
apenas por uma questão legal que nos devemos preocupar com o bem-estar animal,
pois é evidente que os produtores que as
têm sempre em mente são também aqueles
que têm explorações com melhores performances, com maior longevidade dos seus
animais e portanto mais sustentáveis. Se
Figura 1 – Qual o preço adicional que estaria disposto a pagar
por ovos produzidos num sistema certificado para o bem-estar
animal? (Dados do Eurobarómetro, 2005)
adicionarmos o fator “mercado”, temos a
resposta à segunda parte da nossa questão.
A figura 1 espelha por um lado a realidade
económica da Europa, e por outro a importância que as questões de bem-estar animal
têm para os europeus. Portugal tem um nicho de mercado que estaria disposto a pagar
mais 28% por ovos produzidos numa exploração certificada para o bem-estar animal.
E se Portugal seguir a tendência do resto da
Europa? E se a tendência verificada para os
ovos se verificar no leite?
Estas questões apenas servem para evidenciar que à parte das vantagens económicas
diretas (melhor performance, melhor rentabilidade), existem já na Europa nichos de
mercado dispostos a pagar os investimentos
que o bem-estar exige. Neste sentido desafio-vos a visitarem a página da internet da free­
Nuno Guedes . Eng. Zootécnico da Sorgal
A Acidose é um distúrbio da fermentação
microbiana ruminal que ocorre quando o
pH desce para valores inferiores a 6 (figura 2a). Segundo Hutjens (2008) o pH ótimo
situa-se entre 6,0 e 6,3.
Como podemos observar na figura 2b à
medida que se altera a relação forragem:
concentrado (típica das
dietas de vacas leiteiras
de alta produção), observamos um aumento da
produção de ácido propiónico e de ácido láctico e a
consequente diminuição
do pH ruminal. Esta diminuição vê-se potenciada
pela necessidade de, em
a
b
vacas de alta produção,
Figura 2 – Possíveis situações de pH no rúmen (adaptado de Ernst, A., 2010)
trabalharmos com valoaqueles que melhores indicadores nos dão res elevados de carbohidratos não fibrosos
acerca do bem-estar de um animal. O papel (CNF). Segundo Krause et al. (2002) o pH de
da nutrição é intervir de modo a evitar ou vacas leiteiras de alta produção é frequentereduzir estes indicadores.
mente inferior a 6.
Existem questões de ordem comportamental e ambiental que devem ser tidas em
conta na altura da arraçoarmos um bolo
alimentar. A figura 3 evidencia o padrão de
ingestão dos animais quando alimentados
com 1 ou 2 Unifeed por dia. Se sobrepuserdomfood (http://www.freedomfood.co.uk).
Debruçando-nos sobre a segunda questão,
surge-nos uma outra. Mas afinal quais são
os indicadores de bem-estar animal? No
entender de vários autores, a acidose, os
problemas podais, a cetose, as mastites e
os maus índices reprodutivos são talvez
Figura 3 – Comportamento de ingestão em vacas alimentadas
com 1 ou 2 Unifeed (DeVries et al., 2005)
Figura 4 – Variação diária dos valores de pH (Oetzel, 1997)
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Figura 5 – Relação da ingestão de matéria seca com o valor de
pH (Oetzel, 1997)
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mos os dados das duas figuras (3 e 4), constata-mos que os picos de
ingestão correspondem aos valores mais baixos de pH. Destes dois
gráficos concluímos mais uma vez que são as vacas de alta produção as mais sujeitas a terem valores de pH inferiores a 6, fruto de
ingerirem maiores quantidades de matéria seca. A figura 5 evidencia precisamente essa relação, quanto maior a ingestão de matéria
seca, maior a queda do pH.
São estas relações que suportam o facto de estábulos sobrelotados
possuírem maior incidência de problemas de acidose e consequentes problemas podais. Este facto pode ser mais evidente na figura
6, onde se relaciona
os padrões de ingestão dos animais com
a densidade animal.
Constata-se que um
estábulo com uma
densidade
animal
elevada tende a prejudicar a ingestão
individual dos animais e consequentemente a produção.
Mas o facto mais
evidente é o aumento da velocidade de
ingestão. Isto pode-se revelar muito
Figura 6 – Padrão da ingestão versus densidade animal (Grant,
R.J. et al.)
preocupante quando as densidades são
exageradamente elevadas. Quando assim acontece, a velocidade de
ingestão pode aumentar em 25 vezes (Hill et al., 2009), e a competição pelo alimento pode ser responsável por 88% dos deslocamentos
(Val-Laillet et al., 2008).
Sabemos portanto que sempre que o animal come sofre uma quebra
de pH e quanto mais o animal come maior essa quebra, logo quanto
mais rápido o animal comer mais quilos de alimento ingere por hora logo maior tendência de manifestar um valor de pH mais baixo.
Relativamente aos problemas podais, apenas quero fazer referência à laminite. Talvez por ser aquela que mais relação tem com a
alimentação e a sua relação com a acidose. Portanto à parte dos
cortes corretivos que devem fazer parte do maneio da vacaria, todas as ações que podemos fazer para prevenir a acidose estaremos
também a prevenir a laminite. Não obstante, parece-me importante
referir que a laminite é uma doença multifatorial. Segundo o brilhante livro de Medicina Interna de Grandes Animais de Bradford
P. Smith, a laminite é uma “sequela de distúrbios digestivos e outras
doenças que provocam endotoxemia e libertação de mediadores inflamatórios” e “é comum a ocorrência de laminite após enterite,
sobrecarga alimentar de grãos, pleuropneumonia, metrite séptica e
retenção de placenta”.
Acidose como prevenir
A prevenção é de fato a melhor aliada para qualquer doença. Quando desenhamos um programa alimentar devemos ter em consideração 3 aspetos fundamentais de modo a prevenir as situações de
acidose:
– Balanço adequado da dieta
– Quantidade e qualidade da fibra
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– Proporção e qualidade dos carbohidratos não fibrosos (CNF)
– Tamanho de partícula
– Controlo do pH ruminal
– Substâncias tampão
–Alcalinizantes
– Controlo do processo fermentativo
–Leveduras
– Ácido málico
– Óleos essenciais
As cetoses, as mastites e os maus índices
reprodutivos serão aqueles indicadores
que apesar de muitos distintos entre si, estão muito relacionados com o período de
transição.
O período de transição será aquele com­
preendido 21 antes e 21 depois do parto. Este período é caracterizado por uma quebra
de ingestão, mobilização dos ácidos gordos
não esterificados (AGNE), stress ambiental, aumento dos níveis em circulação do
cortisol, quebra de imunidade e ainda um
balanço energético negativo. São vários os
estudos que relacionam todos estes acontecimentos entre si. A figura 7, 8 e 9 são
exemplos disso.
e consequentemente maior a probabilidade
de aparecimento dos problemas pós-parto.
Podemos concluir que toda a atenção que
dedicarmos nesta fase da vida produtiva
do animal menor vão ser os problemas
pós-parto.
Figura 7 – Relação entre ingestão e níveis de AGNE (Bertics et
al., 1992)
Figura 9 – Incidência de mastites clínicas no pós-parto
(McDougall et al., 2007)
É desejável que os níveis sanguíneos dos
AGNE não ultrapassem os 0,65mM/l. Este
será o valor a partir do qual vários autores
relacionaram um aumento da incidência de
problemas pós-parto, nomeadamente aumento das retenções placentárias (Kaneene
et al., 1997), aumento das cetoses (Oetzel,
2004), aumento das metrites (Hammom et
al., 2006). Portanto será conveniente fazer
tudo o que estiver ao nosso alcance para evitar uma mobilização excessiva dos AGNE.
Uma medida de muito pouco custo está retratada na figura 7. Mais uma vez, a densidade animal revela-se de extrema importância
nas performances dos animais. Através da
análise da figura podemos observar a quebra de ingestão em vacas em pré-parto à medida que a densidade animal aumenta. Logo
quanto mais penalizarmos a ingestão nesta
fase maior vai ser a mobilização dos AGNE
-se num problema, principalmente se a nutrição não potenciar a produção de ácido
propiónico no rúmen, principal precursor
de glicose – fundamental para o bom funcionamento do fígado. Deste modo podemos evitar que os níveis de circulação dos
Figura 8 – Relação entre ingestão no pós-parto e densidade
animal
O balanço energético negativo é uma realidade a que todos os animais não conseguem escapar durante pelo menos 7 a 8 semanas. Período a partir do qual o animal
atinge o pico de ingestão. Como consequência, a mobilização da gordura corporal
nesta fase vai ser grande o que pode tornar-
Figura 10 – Relação com os níveis de Vit. E e a incidência de
mastites clínicas no pós-parto (Weiss et al., 1997)
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corpos cetónicos estejam altos ao ponto de
induzir uma cetose subclínica ou mesmo
uma cetose clínica. Um animal que esteja
com forte mobilização da gordura corporal
e que se encontre em cetose subclínica durante a primeira semana pós-parto poderá
sofrer uma redução de até 20% na taxa de
conceção à primeira inseminação e até 50%
se a cetose se prolongar durante duas semanas. Uma questão pertinente é como é
que de um modo expedito podemos anteciparmo-nos aos problemas?
A melhor maneira de o fazer é através da
análise do Betahidroxibutirato, que é um
corpo cetónico. Após leitura sanguínea do
valor podemos perceber qual o risco do animal em desenvolver uma cetose. Este valor
não deverá exceder 1,2 mM/l.
Após o exposto e em modo de conclusão, as
armas que nós temos na nutrição de modo a
melhorar os indicadores de bem-estar são:
– Otimizar a dieta das vacas no pós-parto de
modo a potenciar a produção de ácido propiónico, principal precursor da glicose;
–Otimizar a dieta das vacas em fase final
da lactação, de modo a evitar que sequem
e que iniciem uma nova lactação com
elevada condição corporal (> 3,75). Estes
animais demoram mais tempo aumentar
a ingestão pós-parto (necessidade de suplementar com colina protegida);
– Balancear adequadamente a dieta de modo a reduzir os riscos de acidose;
– Balancear adequadamente a nutrição mineral nas vacas secas com o objetivo de
reduzir as hipocalcémias;
– Balancear adequadamente a nutrição mineral e vitamínica nas vacas secas e em
produção com o objetivo de reduzir a incidência de mastites (fig. 10).
Bibliografia
Bourgeois, A. Transition Management: Impact on Cow.
DeVries, T. J., and M. A. G. von Keyserlingk (2005). Time
of feed delivery affects the feeding and lying patterns
of dairy cows. J. Dairy Sci. 88:625-631.
Grant, R.J., Tylutki, T.P., Influence of social environment
on feed intake of dairy cattle.
Jorge, D. (2009): Monitorização da cetose subclinica
Krause, K.M., Combs D.K., Beauchemin, K.A. (2002).
Effects of Forage Particle Size and Grain Fermentability in Midlactation Cows. II. Ruminal pH and Chewing
Activity
Oetzel, G.R. (2007): Subacute ruminal acidosis in dairy
herds: Physiology, pathophysiology, milk fat responses, and nutricional management.
Smith, B.P. 3ª edição: Medicina interna de grandes animais
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