A CRISE DO JUDICIARIO
Folha de São Paulo,20/07/08- Caderno
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A Justiça brasileira é elitista?
O Judiciário brasileiro está em crise? Em caso positivo,
qual a solução para ela?
O Judiciário precisa de controle externo? Em caso
positivo, como fazê-lo?
A Justiça brasileira é elitista?
FÁBIO WANDERLEY REIS é professor emérito da Universidade
Federal de Minas Gerais.
Creio que, numa sociedade com forte tradição elitista (que foi mesmo
escravista durante séculos), é fatal que haja certo elitismo da Justiça.
Não só alguns têm melhor acesso à Justiça que outros, mas me parece
inegável que tende a haver também maior sensibilidade da Justiça aos
direitos civis de uns do que de outros: não se vêem pronunciamentos
indignados de ministros do STF sobre o banal comprometimento até do
direito à vida entre populações pobres das periferias urbanas.
Mas há matizes importantes.
A Justiça do Trabalho, por exemplo, tem claro viés em favor do trabalhador.
E pesquisas recentes mostram que o tradicional conservadorismo dos
profissionais ligados ao direito tem sido substituído pelo apego até
majoritário de juízes e promotores à idéia de justiça social, em detrimento do
apego à letra da lei.
GLÁUCIO SOARES é sociólogo e pesquisador do Instituto
Universitário de Pesquisas do RJ.
Se por "elitista" entendermos que as pessoas pobres têm risco mais alto
de a) serem condenadas; b) cumprir pena e c) cumprir penas mais
longas, sem dúvida a justiça é elitista.
As estatísticas existentes são escassas e não confiáveis, mas bastam para
ilustrar isso. [O cientista político] Sérgio Adorno demonstrou que o
simples poder de contratar um advogado privado reduz o risco de
condenação.
Mas, se entendermos que os juízes são muito influenciados pela situação
de classe dos acusados e de suas vítimas, devido a valores, percepções e
preconceitos, é possível que sim, seja elitista, mas não de maneira
ostensiva e com muita variação entre os juízes. Em muitos países, o
Ministério Público conduz parte do inquérito e, em alguns, chega a ter
escritórios próximos do equivalente aos nossos delegados.
Passar a função de acompanhar os inquéritos para o Ministério Público
reduziria o tempo dos trâmites e retiraria parte do que considero um
poder excessivo dos delegados.
O Judiciário brasileiro está em crise? Em caso positivo,
qual a solução para ela?
FÁBIO WANDERLEY REIS é professor emérito da
Universidade Federal de Minas Gerais.
Há clara tensão entre duas concepções da atuação do sistema
judiciário, uma salientando a independência dos juízes de
instâncias inferiores e outra empenhada em racionalizar e
centralizar (com a "súmula vinculante", por exemplo).
Isso provavelmente é intensificado com a disposição ativista e
legislativa que órgãos como STF e TSE têm manifestado.
Mas não vejo como isso pudesse resultar em crise mais séria,
com efeitos paralisantes ou algo parecido: creio que vamos ter
aprendizado e acomodação, eventualmente com graduais
mudanças institucionais que se tornem necessárias.
GLÁUCIO SOARES é sociólogo e pesquisador do Instituto
Universitário de Pesquisas do RJ.
Há uma crise de credibilidade, que não é só do Judiciário, mas de
todas as instituições públicas. As pesquisas mostram que a
população não confia nelas.
Até que ponto o descrédito do Judiciário se deve ao descrédito
maior, do setor público, é difícil dizer. Parte do problema deriva das
leis, que são muito arcaicas; o desprestígio do Judiciário deve ser
avaliado no contexto de leis que favorecem as delongas e a
impunidade.
Mas parte do desprestígio deriva do afastamento do Judiciário em
relação à população, com a construção de prédios caros, ostentosos,
num país em que há dezenas de milhões de pobres. O Judiciário
perdeu sua mágica, seu apelo, porque seu padrão de vida se afastou
demasiadamente do da média da população.
O Judiciário precisa de controle externo? Em caso
positivo, como fazê-lo?
FÁBIO WANDERLEY REIS é professor emérito da
Universidade Federal de Minas Gerais.
Já temos o Conselho Nacional de Justiça, criado recentemente e
encarregado do controle administrativo e financeiro do
Judiciário.
Talvez fosse possível cogitar ampliar a participação nele de
gente alheia à área jurídica.
Mas não me parece que faça sentido pretender que se viesse a
ter algum órgão "externo" com autoridade para interferir na
dimensão propriamente jurisdicional da atividade do Judiciário.
GLÁUCIO SOARES é sociólogo e pesquisador do Instituto
Universitário de Pesquisas do RJ.
Quando um poder cresce e invade as atribuições de outros, a democracia sofre.
Exemplos recentes são o Peru de Fujimori e a Venezuela de Chávez.
No Brasil, a invasão mais séria não foi de pessoas, mas do Estamento militar.
Todos os Poderes devem explicar as suas ações, devem ser responsáveis por elas.
Essas exigências encontram obstáculos culturais e institucionais em países com
uma herança corporativista.
A nossa é pesadíssima, e cada poder protege seus membros além da razão e, às
vezes, além da decência.
Temos, sempre, problemas de fronteiras internas, funcionais, entre Poderes. Essa
confusão no que concerne os limites do poder de cada um foi evidente no
encontro do presidente do Supremo, do ministro da Justiça e do presidente da
República.
O encontro não tinha razão de ser: o STF não é subordinado à Presidência da
República.
É um poder independente. Essas invasões não acontecem só entre Poderes, mas
dentro de Poderes, quando um nível invade a jurisdição de outro, do mesmo
Poder, fazendo caso omisso do processo e de suas instâncias. É o que está
acontecendo.
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A Justiça brasileira é elitista?