GESTÃO DO INVISÍVEL
Por Oscar Motomura
N
o filme “Maré Vermelha”, com Gene Hackman e
Denzel Washington, o conflito entre os principais personagens - o comandante e seu principal oficial - é gerado por uma questão de percepção. O
submarino nuclear está recebendo uma mensagem do
alto comando.
A transmissão é interrompida logo após a introdução. Sabe-se que a mensagem diz respeito ao lançamento
de mísseis. Mas seu conteúdo principal – a ordem – não
chega a ser impresso pelo sistema e o submarino fica
incomunicável. Para o comandante, o que foi recém-impresso não tem significado algum. Trata-se apenas
de um “fragmento de mensagem” e portanto deve-se
cumprir a ordem anterior, que havia sido recebida por
inteiro. No entanto, para o seu principal oficial, esse não
é o curso de ação correto, pois há uma nova mensagem
importante, ainda que não visível.
• Um grande grupo financeiro, conhecido por seu pioneirismo na área de tecnologia, realiza uma profunda
reorganização. Num efeito colateral imprevisto, seus
funcionários perdem a confiança no conjunto de valores que fazia da empresa um dos melhores lugares
para se trabalhar. O grupo continua como um dos
mais avançados do mercado em tecnologia e seus resultados ainda são bons, mas seus melhores talentos
estão aos poucos deixando a empresa e os universitários, que antes faziam fila para juntarse ao grupo,
agora parecem preferir outras opções.
• Uma empresa de consultoria tem crescido exponencialmente seus investimentos em gestão do conhecimento. As soluções criadas pelos consultores são
rapidamente incorporadas a um “banco de ideias”,
tendo como objetivos evitar a reinvenção da roda,
trazer maior velocidade ao processo de análise e solução de problemas e reduzir custos. Não obstante
todo esse esforço, a empresa está perdendo posição
no mercado. Parece que o “banco de ideias” não está
conseguindo capturar o “x” dos projetos de sucesso.
• Uma empresa na área de serviços tem conseguido resultados excepcionais investindo na criação de uma
cultura em que o interesse pelo cliente não é algo
apenas protocolar. Cada funcionário trabalha com
interesse genuíno pelo bem-estar dos clientes. Sua
principal concorrente tem copiado suas melhores
práticas, mas não vem conseguindo bons resultados.
• Por iniciativa de um grupo de cidadãos, a cidade de
Franca, em São Paulo, realiza há meses uma intensa
campanha batizada de “Viva Franca” com o objetivo de elevar a motivação de todos os seus quase 200
mil habitantes. A premissa do movimento é que um
povo energizado consegue enfrentar todos os desafios conjunturais, por mais árduos que sejam.
• A cidade de Santa Vitória do Palmar, no Rio Grande do Sul, vem conseguindo criar soluções bastante
imaginativas, engenhosas e eficazes para seus desafios econômicos e sociais a partir da “descoberta” dos
ativos que existem na região. Novos conhecimentos
estão permitindo que seus moradores descubram
usos inéditos de tudo que é abundante na região e
não era sequer considerado útil.
• Uma empresa líder em seu ramo está começando a
perder terreno e declinar. As conversas de corredor
revelam que a briga por poder está se acirrando. Há
muitos “feudos” competindo entre si e os “subterrâneos” da empresa estão ficando cada vez mais pesados: muita fofoca, politicagem e jogos desleais. O
mais surpreendente de tudo é que a diretoria parece
ignorar tudo isso. “Lá em cima” ninguém fala sobre
essas coisas.
• A empresa “A” vem apresentando resultados modestos nos últimos cinco anos, mas vem se fortalecendo
cada vez mais, realizando muitos investimentos em
novos produtos, na busca de conhecimentos, em tecnologia de ponta, na criação de embriões de novos
negócios, na formação de novos talentos para o futuro. A empresa “B”, sua principal concorrente, tem
sido a melhor em resultados (faturamento e lucros)
nos últimos anos. Contudo, o seu investimento no
futuro tem sido praticamente nulo.
Todos esses casos ilustram a gestão do invisível contraposta a uma gestão centrada em torno dos dados
concretos, visíveis, quantificáveis e “reportáveis” nos
demonstrativos e sistemas de informações tradicionais.
Até que ponto a gestão de empresas e mesmo de países contempla o invisível? Até que ponto essa omissão
explica muitos dos problemas concretos que vemos ao
nosso redor na gestão privada e pública?
Até que ponto estamos formando executivos que só
conseguem lidar com o que está explícito – como o ca pitão do submarino – e que são insensíveis ao não-visível?
Essa ênfase quase total no concreto não estaria levando empresas a ignorarem fatores-chave como a confiança das pessoas na empresa, em seu propósito e valores, em seus líderes?
Ao trabalharmos qualidade, sabemos se cada colaborador está genuinamente interessado pelos clientes?
Sabemos como está a motivação de toda a equipe no
dia-a-dia ou nos contentamos com pesquisas de clima
feitas a cada ano?
Temos consciência de todos os ativos que temos em
nossa organização, em nossa cidade, em nosso país ou
só gerenciamos o que é reportado em nossos balanços?
E os “talentos ocultos” de nossos colaboradores, de nossos cidadãos? E nossos espaços ociosos, nossa tecnologia nãoutilizada? E nossos ativos ecológicos, explorados
como matéria e não como conhecimento? E os resíduos
que não aproveitamos (que poderiam até ser insumos
importantes para outras “indústrias”) por simples anal-
fabetismo ecológico?
E quanto ao processo criativo em andamento em
nossa organização, em nosso país? Quantas ideias excelentes ficam pelos corredores? Quantas pessoas criativas
estão bloqueadas pela rotina massacrante do curto prazo? Quanto da energia vital da organização, do país, está
se esvaindo por falta de uma gestão mais envolvente,
estimulante, participativa?
O ponto-chave dessas reflexões é: o que, na verdade,
estamos efetivamente gerenciando nas organizações e
no país? Gestão do quê? Parece que o foco da gestão
ainda está fortemente vinculado ao visível, ao concreto,
ao quantificável. O grande desafio da gestão parece estar
em descobrir como atuar sobre o todo, tanto o visível
como o invisível. E o invisível no sentido mais amplo,
que transcende em muito o tradicional intangível. Não
estaria a essência das organizações e do país exatamente
nos aspectos invisíveis do seu ser?
O grande desafio para os líderes é trazer o invisível
para a mesa de decisão e para o dia-a-dia das pessoas.
Veja no quadro um exemplo de ferramenta que visa tornar o invisível mais gerenciável. O tópico escolhido para
essa ilustração é o dos custos invisíveis. Em nossos cursos usamos esse material na forma de um baralho que
pode ser levado à mesa de decisões na empresa. Aqui ele
está expresso sob a forma de um checklist. Que tal usar
esse material como fonte de inspiração para criar outras
ferramentas que tragam o invisível para dentro de seu
processo de gestão?
QUADRO - CHECKLIST DE CUSTOS INVISÍVEIS
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) Custo da falta de respeito nos relacionamentos humanos
) Custo da falta de autenticidade, defensividade nas relações
) Custo da lacuna entre discurso e prática genuína
) Custo do cinismo, da descrença, do pessimismo
) Custo do “fazer as coisas no piloto automático”, sem estar
presente de corpo e alma
) Custo da apatia, da postura de não ligar, de não se importar
) Custo da cultura de queixas e reclamações
) Custo do clima pesado e da crítica destrutiva
) Custo da politicagem, das fofocas, das “ações subterrâneas”
) Custo da desarmonia e dos desgastes interpessoais no dia
a dia
) Custo da desconfiança e dos controles excessivos
) Custo da “cultura do medo”, que paralisa as pessoas
) Custo das disputas por poder e espaço
) Custo da ostentação, do exibir status e poder
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) Custo da competição predatória
) Custo da arrogância, da postura de “donos da verdade”
) Custo do humor mordaz, que inibe a criatividade
) Custo dos boicotes e das resistências a tudo que é novo
) Custo da cultura de prometer e não cumprir
) Custo do excesso de conservadorismo, da falta de ousadia
) Custo da acomodação pelo excesso de “conforto”, que o
próprio sucesso gera
) Custo da ausência de cooperação, da má vontade em
ajudar
) Custo da falta de ética, da cultura do obter vantagens à
custa de outros
) Custo da desmotivação, da falta de pique das pessoas
) Custo do stress, da ansiedade, da falta de centramento
das pessoas
) Custo do desequilíbrio entre razão, emoção e intuição
) Custo da cultura de diagnósticos e explicações (após o fato)
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) Custo da cultura de busca de culpados
) Custo do “hierarquismo” e do formalismo excessivo
) Custo da falta de atenção a sutilezas, da falta de refinamento
) Custo da falta de imaginação e criatividade
) Custo da falta de persistência e do desistir logo à primeira barreira
) Custo do repetir os mesmos erros
) Custo do não usar bem os talentos que tem
) Custo do “amadorismo”, da pessoa errada no lugar errado
) Custo da alta rotatividade de pessoal
) Custo da cultura de “pensar com a cabeça do chefe”
) Custo do importar-se demais “com o que os outros vão
pensar”
) Custo da mediocridade, do contentar-se com o “mais ou
menos”
) Custo do agir com base em receitas prontas e “modismos”
) Custo do não compartilhamento de conhecimentos e ideias
) Custo do excesso de reuniões
) Custo da falta de diálogo e da falta de sintonia na organização como um todo
) Custo dos mal-entendidos e da comunicação deficiente
) Custo da falta de integração entre veteranos e novos
) Custo da obsolescência do conhecimento
) Custo da “liderança” ausente
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) Custo da lentidão, da demora para decidir e agir
) Custo do “ficar sobre o muro”, do não assumir posições
) Custo da ação fragmentada, sem levar em conta o todo
) Custo da “poluição informacional”
) Custo do girar em falso, do “reinventar a roda”
) Custo do continuar fazendo o que não é mais necessário
) Custo da falta de austeridade, dos desperdícios e do mau
uso dos recursos existentes
) Custo do que se deixa de fazer, da procrastinação, do
“deixar pra depois”
) Custo do começar muita coisa e não terminar
) Custo da “taxa de urgência” e do fazer na última hora
) Custo da desordem, do clima de “bagunça generalizada”
) Custo do excesso de ordem, que leva à frieza e falta de
emoção/vida
) Custo do excesso de planos (e falta de ação)
) Custo da gestão que ignora os aspectos intangíveis/ invisíveis da vida organizacional
) Custo da perda de contato com a “realidade real” (administrar com base na “realidade reportada”)
) Custo do não se importar com o amanhã e focar só o
curto prazo
) Custo da falta de clareza quanto à própria razão de ser da
organização
www.amana-key.com.br | [email protected]
* Oscar Motomura, diretor geral da Amana-Key, empresa especializada em inovações radicais em gestão.
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- Oscar Motomura