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Carolina P. vai à urgência por dor abdominal
Caso Clínico 1
Nº 13 | Setembro - Outubro | 2008
Editorial
Ao longo do tempo ao qual me dedico à investigação clínica tenho sido confrontada com o desafio de “ensinar” clínica (e anatomia, fisiologia, fisiopatologia...)
àqueles que, partilhando este desafio profissional, fizeram a sua formação em áreas diferentes, não passando pelos bancos das faculdades de medicina. Foi para
estes, e para todos os que, não tendo formação médica, querem aprender a lógica de pensamento por detrás do diagnóstico e da terapêutica, que
desenvolvemos um curso de clínica para não clínicos, totalmente baseado na discussão de casos, seguindo o sistema de “problem based learning”. Não se pretende
formar médicos, mas sim, desenvolver uma forma de pensar, estudar e trabalhar que permita a todos os que estão envolvidos na investigação clínica partilharem um
mesmo “idioma”.
Neste número da “Forallpoints”, apresentamos um dos casos clínicos que foi discutido numa das sessões deste curso, discutindo hipóteses de diagnóstico, meios
complementares mas, também , localizações anatómicas e mecanismos fisiopatológicos.
Ana Macedo
Apresentação do Caso - História Clínica e Exame Objectivo
Carolina P., 43 anos, casada, duas filhas, directora de produção de
uma fábrica de vernizes.
Entra no serviço de urgência, às 16h, com queixas de dor abdominal
intensa, localizada aos quadrantes superiores, mais intensa à
esquerda.
Desde há vários meses tem notado cansaço e mal estar pós prandial.
O que sabemos...
Tem uma dor abdominal no quadrante superior esquerdo. O que dói nessa
localização?
Refere que, na semana anterior, teve tosse e rinorreia que, entretanto,
desapareceram após automedicação.
No exame objectivo apresenta:
Pele e mucosas pálidas
Apirética
FC - 120 bpm
TA - 90-60 mmHg
Auscultação pulmonar sem alterações
Dor à palpação abdominal, mais acentuada no quadrante superior
esquerdo. Abdómen mole.
Estômago? Cólon? Intestino delgado? Pâncreas? Dor muscular? Óssea?
Cólica biliar? Irradiação de dor renal? Irradiação de dor do pulmão (pneumonia da
base)?Enfarte agudo do miocárdio (parede inferior)?
Cansaço - sintoma muito inespecífico, pode associar-se a infecções, anemia,
doenças neoplásicas, depressão, entre muitas outras.
Palidez - pode significar anemia (o que faria sentido associar-se a cansaço).
Quais os diagnósticos mais prováveis?
Deveria Carolina ser imediatamente medicada com um
analgésico?
Tensão arterial relativamente baixa e frequência cardíaca aumentada ansiedade? infecção? anemia?
Apirética (não tem febre) - provavelmente não se trata de uma infecção, pelo
menos de origem bacteriana.
Que informações gostaria de saber?
- sugere que não há inflamação do peritoneo (cavidade
O que gostaria de saber:
Quais as características da dor? Tipo; posição de alívio; factores de agravamento (...)
Qual foi a auto-medicação para o síndrome gripal?
Reparou ter sangrado? Menstruações normais?
Vomitou? Qual a cor das fezes?
Tem contacto directo com vernizes? (factor de risco para cancro do pulmão, bexiga, cólon)
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Os diagnósticos mais prováveis:
Úlcera gástrica ou duodenal
Pneumonia da base
Pancreatite
Enfarte Agudo do Miocárdio
Abdómen mole
abdominal) .
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Completando a História...
A Carolina não tem qualquer contacto directo com vernizes.
O que sabemos...
Teve a menarca aos 13 anos, desde então ciclos regulares. G 2 P 2 (2 gravidezes; 2
partos), sem complicações, o último há 5 anos. Actualmente toma a pílula e tem
ciclos regulares com pequeno fluxo.
A hipótese de a Carolina estar exposta a vernizes, o que constituiria um
factor de risco para neoplasia não se confirma.
A dor é tipo cólica, não tem posições de alívio e agravou-se após o almoço.
A história ginecológica parece não ter alterações, não se podendo, à
partida, atribuir uma eventual anemia a perdas de sangue menstrual.
Não se recorda de perder sangue, mas refere que as fezes estão mais escuras que
o habitual.
Nunca fumou e consome bebidas alcoólicas apenas esporadicamente.
Para o síndrome gripal tomou anti-inflamatórios não esteróides (aspirina).
Fezes escuras (melenas) sugerem perda de sangue digerido
(proveniente do tubo digestivo alto).
Dor agravada no pós prandial é compatível com úlcera gástrica. A
dor da úlcera duodenal habitualmente alivia com os alimentos.
Exames Complementares de Diagnóstico...
Embora o Enfarte Agudo do Miocárdio não seja provável, pela sua gravidade,
deve ser excluído de imediato - realização de ECG e pedido de CK e CK-MB
(análises laboratoriais).
Pensando em Anemia - hemograma (hemoglobina, hematócrito, contagem de
glóbulos vermelhos; volume globular médio e hemoglobina globular média). O
doseamento de ferro, ferritina e saturação de transferrina não se fazem
habitualmente na urgência.
Pensando em Infecção - contagem de glóbulos brancos e fórmula leucócitária;
VS e PCR.
Embora a Pneumonia seja pouco provável, sem febre, sem queixas respiratórias e
com auscultação pulmonar normal, deve ser excluída - Rx Tórax.
No Enfarte Agudo do Miocárdio o ECG apresenta um traçado
característico (onda Q ou supra desnivelamento da onda S),
habitualmente associado a um aumento da CK e da fracção CK-MB .
A CK também aumenta em situações de lesão muscular, mas não
aumenta a fracção CK-MB (associada a Miocárdio e Cérebro (Brain).
Na Infecção Bacteriana o número de glóbulos brancos aumenta,
sobretudo à custa de um aumento dos neutrófilos (leucocitose com
neutrofilia). A velocidade de sedimentação aumenta e a proteina C
reactiva também. Nas infecções virais o padrão pode ser muito
diverso, enquanto nas parasitoses se verifica um aumento dos
eosinófilos.
Para excluir Pancreatite (muito pouco provável) - doseamento de amilase.
Na Anemia o número de glóbulos vermelhos diminui, tal como a
hemoglobina e o hematócrito. Dependendo das causas de anemia as
suas características laboratoriais variam.
Pensando em Úlcera Péptica - Endoscopia Digestiva Alta.
Na Pancreatite há libertação de amilase produzida pelo pâncreas.
Resultados...
Endoscopia Digestiva Alta
O excesso de ácido e a redução de prostaglandinas associam-se, em muitas
situações, a infecção por Helicobacter pylori e/ou ao consumo de antiinflamatórios não esteróides. Estes últimos interferem com a síntese de
prostaglandinas e lesam directamente a mucosa gástrica.
A úlcera gástrica ocorre por interacção de dois factores principais. Por um lado,
uma elevada produção de ácido pelo estômago (suco digestivo composto por
ácido clorídrico), por outro lado uma redução das prostaglandinas (substâncias
que, entre outras acções, protegem a mucosa do estômago).
VS - 6 mm/h
PCR - 0,6 mg/dL
Amilase - 80 U/l (60-180)
AST - 15 U/l (0-35)
ALT - 18 U/l (0-35)
Bilirrubina total - 0,7 mg/dl (0,3-1,0)
GGT - 40 U/l (1-94)
CK - 45 U/l (40-150)
CK-MB - 2 ng/ml (0-7)
Rx Toráx - sem alterações
Eco Abdominal - sem alterações
Qual o diagnóstico?
Qual a causa mais provável?
A situação mais provável no caso de Carolina é que ela tivesse uma úlcera que,
até à data, não dava outros sinais além de um mal estar pós-prandial (quando os
alimentos chegam ao estômago e este secreta mais quantidade de ácido que,
em contacto com a úlcera, provoca dor). Uma semana antes tomou várias
aspirinas (na sequência do síndrome gripal), levando a uma situação de
hemorragia na zona ulcerada, tendo perdido sangue pelas fezes (melenas).
Como consequência, seguiu-se uma anemia, que se manifestou por palidez,
cansaço e taquicardia. A situação de dor aguda coincide com o período pós
prandial e pode dever-se a uma situação de agravamento ou mesmo de
perfuração da úlcera.
Análises laboratoriais
GV - 2,5 x106/mm3(4,0-5,2)
Hb - 8,5 g/dl (12,0 - 16,0)
Hct - 34% (36%-46%)
VGM - 80 um3(78-102)
HGM - 28 pg/cel (26-34)
Leucócitos - 7.5 x109/mm3(4,5 - 11,0)
Neutrófilos - 70% (40-70)
Linfócitos - 23% (22-44)
Monócitos - 7% (4-8)
Eosinófilos - 0% (0-11)
Basófilos - 0% (0-8)
ECG - normal
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