Vol. II N. 2 Jul – Dez / 2006 pp. 46 - 56
ISSN 1809-3604
OLHARES SOBRE O BRANDING
Valdenise Leziér Martyniuk*
RESUMO: Tomamos para esta discussão sobre branding – conjunto de atividades
que visam construir e ampliar os valores das marcas de produtos, serviços e
empresas - dois pontos de vista que se confrontam: o comercial e o sociológico,
mediados pela análise semiótica do discurso. O texto de David Aaker, no livro
“Como Construir Marcas Líderes”, faz um parecer positivo sobre o branding. Em
“Sem Logo”, Naomi Klein denuncia sua nocividade à sociedade. A figuratividade tem
papel fundamental no estabelecimento da axiologia para ambas as narrativas, que
partem de descrições de fatos semelhantes - dos quais destacamos o estudo de
caso da história da marca Nike - mas levam o destinatário a percepções opostas. Ao
confrontar os textos, buscamos na semiótica o subsídio para a tarefa de expor tais
estratégias de enunciação, deixando para o leitor o julgamento sobre a justa medida
do branding.
PALAVRAS-CHAVE: Axiologia – Figuratividade – Marcas – Marketing.
ABSTRACT: For this discussion about branding – group of activities which intend
to build and expand product, service and company brand equity – we have two
opposite points of view: comercial and sociologic, interfaced by semiotic analisys.
David Aaker´s work, in the book “Brand Leadership”, develops a positive reading
about branding. In “No Logo”, Naomi Klein accuses branding of being prejudicial to
society. Figurativity is fundamental to develop axiology in both narratives, which
come from similar facts – among them we call attention for the Nike´s case study –
but bring destinatary to opposite perceptions. For text confrontation, semiotic
provides us with the basis to show their enunciation strategies, leaving the judgement
of the right size of branding to the reader.
KEY-WORDS: Axiology – Figurativity – Brands – Marketing.
*
Mestre e Doutoranda em Comunicação e Semiótica, Docente em Administração de Empresas –
área de Marketing, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – [email protected].
Introdução
Branding é a expressão que designa o conjunto das estratégias de marketing
que visam ampliar o valor de uma marca1 - seja a de um bem, serviço, linha de
produtos ou empresa - em decorrência de sua visibilidade junto ao público, bem
como de sua reputação e da associação a valores sociais positivos. O
posicionamento2 diferencia uma marca de outra, a partir da sua relação de
implicação com certos valores como qualidade, segurança, status, simpatia, alegria
etc, tangibilizados através da articulação entre as variáveis: produto, preço,
comunicação e distribuição (ou 4 Ps, como são corriqueiramente chamadas na área
de administração mercadológica)3 e de todo o comportamento de uma empresa
junto aos vários públicos com os quais tem relacionamento, denominados
stakeholders4. O assunto é recorrente na atualidade e de grande importância dentro
das organizações, que já consideram a marca como um de seus ativos intangíveis.
Essa atuação plural das organizações estende o foco dos negócios para a
responsabilidade social e as desafia a conciliar seu papel junto à sociedade com
seus objetivos comerciais, o que abre um caminho de interlocução da administração
com outras áreas de conhecimento. A dimensão sociológica do branding permitirá
tal diálogo, por meio do debate que propomos a seguir. De um lado, o ponto de
vista estratégico, obtido no livro “Como Construir Marcas Líderes”, de David Aaker
(2000), e de outro, o sociológico, baseado na leitura de “Sem Logo: A Tirania das
Marcas em um Planeta Vendido”, da autoria de Naomi Klein (2002). David Aaker é
um estrategista conhecido, especialmente no mercado norte-americano, professor e
consultor empresarial, com vários livros publicados sobre o assunto, entre eles:
“Criando e Administrando Marcas de Sucesso” (1996) e “Administração Estratégica
1
2
Para maiores informações sobre o conceito de branding, ver KELLER e MACHADO, 2006.
“O posicionamento competitivo da empresa é uma declaração dos mercados-alvo, isto é, onde a
empresa vai competir, e da vantagem diferencial, ou como a empresa irá competir.” (HOLLEY,
SAUNDERS e PIERCY, 2005, p. 35)
3 Os 4 Ps (product, price, place, promotion), ou marketing mix, correspondem às quatro variáveis
controláveis ou passíveis de manipulação junto ao mercado, que são articuladas para a
construção de estratégias empresariais. O conceito é amplamente explorado em KOTLER e
KELLER, 2006.
4 “No contexto de organizações que visam lucros, vários stakeholders primários podem ser
identificados, incluindo acionistas e proprietários, gerentes, funcionários, clientes e fornecedores.
Enquanto a cultura voltada ao mercado serve para colocar os clientes como primeira prioridade, a
realidade, para a maioria das organizações, será uma mistura complexa de considerações de
todos os stakeholders relevantes.” (HOOLEY, SAUNDERS e PIERCY, 2005, P. 12)
de Mercado” (2001). A socióloga Naomi Klein realizou um amplo trabalho de campo
sobre a atuação das marcas na sociedade, e sintetizou-as no livro acima, no qual
fez severas críticas ao branding. Para obter seus pontos de vista, partimos dos
excertos dos dois livros, especificamente aqueles que relatam o trabalho de
construção de marca da Nike, principal citação de ambos, dentre outras de
importância relativa. Na publicação de Aaker, a Nike é tida como empresa e marca
exemplares, devido às práticas que lhe trouxeram reconhecimento mundial, além de
um enorme patrimônio financeiro, estimado, segundo o autor, em US$ 8,2 bilhões5.
No texto de Klein, no entanto, a marca é uma das “tiranas” sociais, como sugere seu
subtítulo.
À luz da teoria semiótica do discurso, procuraremos desvelar as estratégias
de enunciação utilizadas pelos autores na construção de seus respectivos
trabalhos, promovendo um terceiro olhar sobre o assunto. Os procedimentos dos
textos6 passam pelo emprego de figuras7 e temas, que delineiam valores
associados aos processos de branding e, mais especificamente, às atividades da
Nike. Procuraremos identificar como são construídos os diferentes simulacros8 da
atividade de branding. Ao convocar os dois textos para um confronto, trazemos uma
reflexão para clarear questões frequentemente colocadas aos profissionais da
comunicação e da administração de empresas, tais como: Qual a medida “ideal” do
branding? Que postura os líderes de grandes organizações devem adotar diante do
papel social das mesmas? O consumidor pode declarar-se adepto de uma marca ou
sua vítima? Não faremos qualquer julgamento de valor previamente, deixando tal
avaliação por conta do leitor, em especial estudantes das áreas acima, que terão,
entre suas missões profissionais futuras, a de apoiar a construção de marcas,
necessitando, para esse fim, tomar uma postura crítica diante das ações que o
branding evoca.
5 Fonte: Estudo de Raymond Perrier, patrocinado pela Interbrand e pelo Citigroup, 1999.
6
O plano da expressão será analisado apenas nos seus formantes verbais, por considerarmos o
componente visual menos explorado em ambos os textos, tendo como função ilustrar e reiterar o
verbal.
7 O conceito de figuratividade será explorado, na medida em que as figuras, ao construir isotopias
dos discursos, explicitam suas axiologias. Cf. BERTRAND, 2003.
8 Emprega-se, aqui, a noção de simulacro a partir da teoria semiótica, ou seja, a de um “modelo”
construído no texto. Cf. LANDOWSKI, Eric. verbete simulacre, in GREIMAS, A. J. e COURTÉS, J,
1986, p. 206.
Marca líder ou tirana?
A primeira oposição colocada no confronto entre os autores é trazida pelos
títulos dos livros e dá a ver a axiologização contrária que os sustenta. O texto
estrategista nomeia as marcas como líderes exemplares, autoridades que têm lições
a ensinar. Temos, como ilustração, o título do capítulo 6: “Adidas e Nike – lições de
construção de marca” (AAKER, 2000, p.179). Percebe-se a intencionalidade do
texto, que toma o branding por algo imperativo, desde o primeiro capítulo:
A capacidade em excesso, a competição viciosa pelo preço, a proliferação
de produtos similares e varejistas poderosos são apenas alguns dos fatores
que fazem da construção de marca um imperativo; de fato, a alternativa não
é apenas desagradável, mas também não é nada saudável para a maioria
dos gerentes. Este livro mostra como a liderança de marca pode ser
alcançada em face dessas forças. (AAKER, 2000, p.9)
Assim, o enunciador coloca ao enunciatário, um suposto administrador de
empresas, que não há alternativa, a não ser dominar as ferramentas de
desenvolvimento do branding, postuladas e desenvolvidas no livro. É detentor do
conhecimento, aquele que dará a receita para chegar à liderança, o que o aproxima
dos líderes aos quais se refere.
O segundo texto considera as marcas como tiranas, e apresenta sua
intencionalidade na introdução:
Este livro não é, contudo, outro relato do seleto grupo de Golias
corporativos que têm se unido para compor nosso governo global de
facto. Em vez disso, o livro é uma tentativa de analisar e documentar as
forças que se opõem à regra corporativa, e de expor o conjunto de
condições econômicas e culturais que tornam inevitável o surgimento
dessas oposições. (KLEIN, 2002, p.23)
O enunciador está distante do universo corporativo, não compartilha seus
valores, uma vez que denomina seus líderes de “Golias” – resgatando a figura de
um vilão poderoso sobre um inocente de menor calibre: um possível David, a quem
pretende dar visibilidade. O enunciatário é parte da sociedade vitimada e o
enunciador, longe dos tiranos, o investe de coragem, provocando-o:
Este livro apóia-se em uma hipótese muito simples: quando mais
pessoas descobrirem os segredos das grifes da teia logo mundial, a
revolta estimulará o próximo grande movimento político, uma grande
onda de oposição dirigida contra corporações transnacionais,
particularmente aquelas com marcas muito conhecidas. (KLEIN, 2002,
p.20)
As identidades dos enunciadores se opõem, um constituindo a alteridade do
outro9. A oposição de figuras nos títulos (líder vs tirano) consiste em uma introdução
ao que será visto no decorrer dos textos. O líder, positivamente considerado, leva os
seguidores, está à frente de um grupo, guia, comanda, orienta, ocupa a primeira
posição. O tirano, no entanto, também pode ser um líder, mas é cruel, opressor e
injusto, abusa de sua autoridade e poder. No último caso, o planeta é tratado como
uma mercadoria (é “vendido”) e, conseqüentemente, comprado pelo usurpador. A
posse reitera o poder do tirano, remetendo à figura do capital.
A figuratividade de Nike
A marca Nike é a mais citada em ambos os textos, embora também recebam
destaque Adidas, Apple, Benetton, Calvin Klein, Coca-Cola, Disney, Gap, IBM, Intel,
Kodak, Levi Strauss, Marlboro, McDonald´s, Microsoft, Nestlé, Pepsi, Pólo Ralph
Loren, Reebok, Shell, Sony, Starbucks, Virgin, entre outras. Ao descrever as
operações de branding, cada autor delineia diferentes faces do perfil identitário da
marca. A figuratividade constrói a isotopia de cada texto, através de inúmeras
ilustrações, que estão a serviço dos valores que um e outro postulam.
A criação de uma imagem da marca como algo superior à sociedade é
desenvolvida por meio das figuras do sagrado e do heroísmo, percebidas, em Aaker,
nos exemplos:
"Tocar nas emoções do esporte faz parte da mística da Nike desde o
princípio." (AAKER, 2000, p.184)
"O ambiente é preenchido por música estilo MTV e enormes telas de
televisão com imagens de jogos importantes, um grande pôster de Michael
Jordan pairando no ar e um santuário dedicado a ele." (AAKER 2000, p.193)
Em Klein, o sagrado também tem seu lugar nos termos ligados ao tema “epifania”, “zelo evangélico”, “Nike reencarnada” (KLEIN, 2002, p. 47, 48, 75), mas
uma oposição a Aaker se faz por meio de recursos da enunciação: o texto constrói
uma contradição entre a figuratividade e a identidade do enunciador10.
9
Sobre as relações entre identidade e alteridade, ver LANDOWSKI, 2002.
10 “O enunciador pode, em função de suas estratégias para fazer crer, construir discursos em que
haja um acordo entre enunciado e enunciação ou discursos em que haja conflitos entre essas duas
instâncias...Esses dois modos de construir o discurso impõem duas maneiras distintas de ler. No caso
Aaker dá ao texto um tom animado e vibrante, ao falar das operações da Nike,
deixando entrever sua aprovação a tais práticas, enquanto Klein emprega as figuras
da religião, do sagrado, ou do sobrenatural de maneira irônica, inserindo, nas
citações, elementos de concretude, ligados ao produto, ao humano e ao universo
comercial, antagônicos à intangibilidade do espiritual e do sagrado. Assim,
desconstrói a autoridade e o poder da marca, tornando-os vazios e colocando a
enunciação a serviço da denúncia:
A mitologia corporativa diz que a Nike é uma empresa de esporte e forma
física porque foi formada por um bando de atletas que adoravam esportes e
eram fanaticamente dedicados ao culto a atletas de elite. (KLEIN, 2002, p.
75)
Foi o branding quintessencial da Nike: e uma vez que a Nike estava no jogo
com seus atletas, podia ter fanáticos por esportes em vez de clientes.
(KLEIN, 2002, p. 78)
Assim, ao mesmo tempo que a máquina de mitos da Nike estava fabricando
a idéia da Equipe Nike... (KLEIN, 2002, p. 78)
Mas na Nike Town em Manhattan, o pedestal não está sustentando Michael
Jordan, ou o basquete, mas o tênis rotatório da Nike. (KLEIN, 2002, p. 79).
Cada Nike Town é um santuário, um lugar à parte para os fiéis, um
mausoléu...é um templo, onde o logotipo da Nike é cultuado como arte e
símbolo heróico. (KLEIN, 2002, p. 80)
...todas as empresas de produtos de consumo e entretenimento ...estejam
agora tentando ter seus próprios templos do varejo. (KLEIN, 2002, p. 174)
...as superlojas de marca proporcionam a essas empresas uma espécie de
lar espiritual para suas grifes. (KLEIN, 2002, p. 176)
...há uma qualidade quase messiânica no retrato que a Nike faz de seu
papel nos bairros pobres...Seus Air Jordans não são calçados, mas uma
espécie de talismã...Os sapatos mágicos da Nike os ajudarão a voar.”
(KLEIN, 2002, p. 399).
Na abordagem estratégica, as associações da Nike com personalidades do
esporte emolduram os retratos desses atores como heróis, actorialização que
valoriza positivamente a marca, na medida que esta absorve as qualidades únicas
desses mitos: “O tipo de atleta buscado pela Nike era muito diferente do atleta da
Adidas: temperamental, provocativo, agressivo, independente, alguém com atitude em resumo, ele era ‘ele mesmo’” (AAKER, 2000, p. 184). Alguns exemplos de
actorialização: Steve Prefontaine (de “personalidade iconoclasta”), tenistas Ilie
Nastase (o “impertinente”) e John McEnroe (“conhecido por ter acessos de cólera na
de um acordo entre enunciado e enunciação, o discurso x deve ser lido como x; no caso oposto, o
discurso x deve ser entendido como não x. É o caso, por exemplo, da ironia, quando o enunciador diz
algo que deve ser entendido como seu contrário.” (FIORIN, 2004, p. 55)
quadra”) – (AAKER, 2000, p.184), e finalmente Michael Jordan: “O impacto de
Jordan na Nike foi profundo. A epítome do desempenho, da excitação, energia e
prestígio, Jordan era maior que a vida11, e um símbolo ideal para a Nike.” (AAKER,
2000, p.185). A relação “sagrado vs humano” é aceita e admirada na enunciação do
texto de Aaker, ela distingue tais atletas dos demais, tidos como comuns, da mesma
forma que diferencia a marca Nike dos outros produtos da categoria, dando-lhe um
ar superior:
O público ficava fascinado com seus talentos aparentemente sobrenaturais,
e a juventude mundial tinha um herói. Além disso, Jordan revelou ser uma
pessoa equilibrada e inteligente, com uma personalidade cativante, uma
ética invejável e uma visível vontade de fazer sucesso. Por último, ele era
um atleta raro, capaz de transcender os países e os esportes, uma
qualidade que se tornou compensatória enquanto a Nike fazia das muitas
qualidades de Jordan a base de negócios substanciais. (AAKER, 2000, p.
189)
A diferença entre o sagrado e o humano, ou entre a marca e o objeto, por sua
vez, é muito criticada por Klein:
Da noite para o dia, “Marcas, não produtos!” tornou-se o grito de guerra de
um renascimento do marketing liderado por uma nova estirpe de empresas
que se viam como “agentes de significado” em vez de fabricantes de
produtos. O que mudava era a idéia de o que – na publicidade e na gestão
de marcas – estava sendo vendido. Segundo o velho paradigma, tudo o que
o marketing vendia era um produto. De acordo com o novo modelo,
contudo, o produto sempre é secundário ao verdadeiro produto, a marca, e
a venda de uma marca adquire um componente adicional que só pode ser
descrito como espiritual. A publicidade trata de apregoar o produto. O
branding, em suas encarnações mais autênticas e avançadas, trata da
transcendência corporativa. Parece meio insólito, mas é exatamente essa a
questão. (KLEIN, 2002, p. 45)
...um seleto grupo de corporações vem tentando se libertar do mundo
corpóreo dos produtos... Essa tarefa ignóbil (a produção), portanto, pode e
deve ser delegada a terceiros cuja única preocupação é atender às
encomendas a tempo e dentro do orçamento (o ideal é que fiquem no
Terceiro Mundo, onde a mão-de-obra é quase de graça, as leis são frouxas
e isenções fiscais são obtidas a rodo).( KLEIN, 2002, p. 46)
Percebe-se no emprego de termos coloquiais, como “frouxas” e “a rodo”, que
a autora procura dar a ver uma falta de nobreza na atitude das empresas associadas
aos heróis. O conteúdo dos parênteses dá voz a uma espécie de pensamento oculto
das corporações, mostra o seu lado pouco altruísta. Reforçando a identidade das
marcas “tiranas”, o texto chama à presença um outro actante: uma de suas vítimas
(a “mão-de-obra”), à qual posteriormente se somarão os consumidores fiéis às
11 grifo nosso
marcas (para Aaker, admiradores dos heróis), e os próprios atletas, estrelas da
publicidade da Nike que, ao assinar contratos de patrocínio, perdem suas
identidades, para atender à demanda de valores da Nike: “O que Phil (Knight) e a
Nike têm feito é me transformar em um sonho” (KLEIN, 2002, p. 76)12. Para Aaker,
em oposição, os atletas endossam a Nike, pois acreditam nos seus valores e a
marca é colocada ao seu lado, como uma companheira que evolui juntamente com
as novas práticas do esporte.
Assim, na leitura de Klein, a Nike coleciona suas vítimas e as oprime, de
diversas maneiras. Uma figura recorrente é a da invasão, seja de países,
propriedades ou vidas privadas13, como nos exemplos (KLEIN, 2002, pp. 70 e 83):
“...uma grande campanha publicitária da Nike penetra em mais cantos da cultura do
que um vídeo em pesada exibição da MTV...” e “Jordan e Nike são emblemáticos de
um novo paradigma que elimina todas as barreiras entre o branding e a cultura,
nada restando para o espaço sem marcas”. Na última observação, a autora defende
o isolamento entre o branding e a cultura, tratando-os como elementos distintos e
inconciliáveis. Essa posição é confrontada em Aaker quando este relata a mudança
de foco das campanhas publicitárias da marca, que passaram a incorporar
acontecimentos e tendências de seu público-alvo ao invés de ditá-las:
“Essencialmente, a Nike mudou seu modelo de construção de marcas
pela decisão de voltar-se diretamente para sua grande base de
consumidores, em vez de depender de um modelo que funcionava de
cima para baixo...” (AAKER, 2000, p. 190).
A figuratividade encontra opostos ainda nos termos e períodos diversos que
qualificam a Nike. Em Klein, no decorrer do livro, encontram-se os excertos:
“terríveis
condições
de
trabalho,
monopolizam,
orçamento
estratrosférico,
proxenetas dos tênis, colossais, pseudocientíficos, cobiçosamente infiltram idéias,
poder de ecilpsar, devorar, eliminar fronteiras, ridicularizou o Comitê Olímpico,
reflexo mastigatório, voraz, sucesso atordoante, estratosfera da supermarca”, entre
outros, que - mesmo isolados dos contextos de seus capítulos - mostram como a
axiologia negativa sobre o branding se realiza, convocando figuras como o
desperdício, a cobiça, a falsidade, o poder dominante. Em Aaker, os termos são
12 Anúncio em que Jordan parecia voar, devido à tecnologia dos tênis Nike.
13 Sobre o público e o privado, é útil a leitura de LANDOWSKI, E., Jogos ópticos: situações e
posições de comunicação, in LANDOWSKI, E., 1992.
qualificadores positivos: “sensível às necessidades dos atletas, competência, com
atitude, ganhou respeito dos corredores sérios”.
Remetendo
aos
programas
narrativos dos
textos,
respaldados pela
figuratividade, encontramos as sanções sobre o sujeito constituído pela marca Nike,
naquilo que melhor o sintetiza: o slogan “Just do it”. Em Aaker:
A publicidade da Nike marcou um grande tento com a campanha “Just do it”
(“Simplesmente faça”), lançada em 1988. Essa criação da Nike foi
considerada a quarta melhor campanha publicitária do século pela
Advertising Age...ressoou por toda uma geração...tornou-se mais do que
um slogan. É uma idéia. É como um estado de espírito. (AAKER, 2000, p.
192)
Por outro lado, a sanção em Klein traz as versões (ou subversões do slogan)
usadas no Movimento Nacional14 Anti-Nike:
Just Don´t Do It (Não faça isso), Just Don´t (Não faça), Nike, Do It Just
(Nike, seja justa), Justice. Do It, Nike (Justiça. Faça, Nike), The Sooshtika (A
suástica do swoosh), Just Boycott It (Boicote-a), Ban the Swoosh (Proíba o
Swoosh), Nike – Fair Play? (Nike – Jogo limpo?), Nike, Nein, ich Kaufe Es
Nicht! (Nike – Não, não compro!), Nike Soyez Sport! (Nike, leve na
esportiva!), Just Duit (It’s just money) – (Nike, seja justa – É só dinheiro).
(KLEIN, 2002, pp. 394-400)
Comparando as duas posições sobre o slogan, percebe-se como as
estratégias de enunciação projetam os valores do texto: no primeiro caso, Aaker usa
da seriedade, do apoio de uma autoridade em publicidade para testemunhar o valor
que estabelece; enquanto que a ironia e algum humor no segundo texto destituem a
afirmação sintetizada no slogan, convertendo-a em espécies de revelações de uma
face oculta, mais nefasta e mais verdadeira da marca.
Considerações Finais
O confronto dos dois textos, observados em seus pontos mais relevantes - os
títulos das obras, as considerações gerais sobre o branding, as relações da marca
Nike com Michael Jordan e outros atletas, o slogan Just Do It – traz à tona a
importância da figuratividade que, associada às estratégias de enunciação, dá corpo
à narrativa, chegando à concretização da axiologia. O texto do estrategista constrói
um sistema de valores que conecta o branding à categoria tímica da euforia15, uma
14 Norte-americano
15 Cf. verbetes Aforia, Disforia e Euforia, in GREIMAS, A. J. e COURTÉS, J., s/d, pp.17, 130 e 170.
vez que traz valor (monetário) e admiração à organização. No caso da obra da
socióloga, ancorada nas oposições à marca, o ponto de vista inverte-se, e tem-se o
branding disfórico, que danifica a sociedade. Com esta análise comparativa dos
discursos, reincide a afirmação de que o texto e apenas ele é o continente de uma
verdade. Ao reunir os dois textos, construímos uma terceira verdade: a de que cada
leitor, provido da capacidade de leitura crítica, poderá, ter seu próprio entendimento
sobre o assunto do branding. Mais nos faria satisfeitos se os ditos leitores fossem
profissionais atuais ou futuros da gestão da comunicação empresarial, para que
cada um possa fazer uso da presente leitura, de forma a responder para si a
pergunta que se repete: qual a justa medida do branding?
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