O DIREITO DE AUTOR E O DIREITO DE ACESSO
AO CONHECIMENTO, À INFORMAÇÃO E À
CULTURA
Guilherme C. Carboni
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I. INTRODUÇÃO
Tecnologia digital / transformações sociais dela decorrentes
 mudança de função do direito de autor
Karl Renner: manutenção de um instituto jurídico
(propriedade) a despeito das transformações sociais 
mudança de função do instituto jurídico
Direito de autor hoje  de mecanismo de estímulo à criação
intelectual passa a ser uma poderosa ferramenta de
apropriação da informação enquanto mercadoria, com
redução da esfera da liberdade de expressão e constituindo
um obstáculo a formas mais dinâmicas de criação intelectual
I. INTRODUÇÃO
“Crise do direito de autor” (conflito entre o interesse individual do
autor pela tutela e interesse coletivo pelo desenvolvimento
econômico, cultural e tecnológico)
Inclusão de limitações ao direito de autor nos tratados
internacionais e na legislação interna dos países (“restrições
intrínsecas”)  incapacidade para resolver o problema
Possibilidade de aplicação do princípio da função social da
propriedade, dos contratos e da teoria do abuso de direito
(“restrições extrínsecas”) ao direito de autor
II.
A REGULAMENTAÇÃO NO PLANO
INTERNACIONAL
1) Declaração Universal dos Direitos do Homem
Artigo XXVII – “todo homem tem o direito de participar livremente da
vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do
progresso científico e de seus benefícios”
Artigo XXVII, item 2 – “todo homem tem direito à proteção dos
interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção
científica, literária ou artística da qual seja autor”
Consagra como direitos humanos tanto o direito à cultura como
o direito de autor = deve haver equilíbrio
2) Declaração de Princípios da Cúpula Mundial
sobre a Sociedade da Informação
Artigo 42: estabelece que a ampla disseminação, a difusão e a
troca de conhecimentos também são importantes para estimular
a inovação e a criatividade
O artigo 53: ressalta a importância do direito de autor, mas
assevera que o acesso ao conteúdo também deve ser garantido
3) Convenção de Berna
Trata das limitações ao direito de autor
Contém anexo sobre licença compulsória para a tradução de
obras em uma língua de uso geral em um determinado país em
desenvolvimento
4) TRIPS (Anexo ao Acordo Constitutivo da Organização
Mundial do Comércio – OMC – “Acordo Sobre Aspectos
dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionado
ao Comércio”)
Objetivo: a proteção das normas de propriedade intelectual deve
contribuir para a promoção da inovação tecnológica e para a
transferência e difusão de tecnologia, em benefício mútuo de
produtores e usuários de conhecimento tecnológico
5) Proposta do Brasil e da Argentina para o
Estabelecimento
de
uma
Agenda
sobre
Desenvolvimento no Âmbito da Organização
Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI)
Os direitos de propriedade intelectual devem ser entendidos
como um instrumento de promoção da inovação tecnológica e
de transferência e disseminação de tecnologia, e não como um
fim em si mesmos
O papel da propriedade intelectual e seu impacto no
desenvolvimento devem ser cuidadosamente avaliados no caso
concreto
A ação política precisa assegurar, em todos os países, que os
custos não superem os benefícios
5) Proposta do Brasil e da Argentina para o
Estabelecimento
de
uma
Agenda
sobre
Desenvolvimento no Âmbito da Organização
Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI)
Reconhece que o acesso à informação e ao conhecimento é
essencial para o fomento da inovação e da criatividade na
economia da informação
A inclusão de novas formas de propriedade intelectual no
ambiente digital poderiam obstruir o livre fluxo de informação
5) Proposta do Brasil e da Argentina para o
Estabelecimento
de
uma
Agenda
sobre
Desenvolvimento no Âmbito da Organização
Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI)
As discussões sobre o uso de proteção tecnológica no ambiente
digital são de grande preocupação
A OMPI deveria se comprometer com atividades que visem
explorar projetos colaborativos abertos para o desenvolvimento
de bens públicos, como por exemplo, o projeto do genoma
humano e o projeto de software com código-fonte aberto
III. A REGULAMENTAÇÃO NO BRASIL
Na Constituição Federal brasileira: direitos de propriedade
intelectual foram incluídos no rol dos direitos e garantias
fundamentais – críticas
Direitos de Propriedade Industrial:
“XXIX – a lei assegurará aos autores de inventos industriais
privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às
criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de
empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o
interesse social e o desenvolvimento tecnológico e
econômico do País”. (Negritamos).
III. A REGULAMENTAÇÃO NO BRASIL
Direito de Autor:
“XXVII – aos autores pertence o direito exclusivo de utilização,
publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos
herdeiros pelo tempo que a lei fixar”.
III. A REGULAMENTAÇÃO NO BRASIL
“XXVIII – são assegurados, nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à
reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades
desportivas;
b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras
que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às
respectivas representações sindicais e associativas”.
Não há qualquer menção à função que o direito de autor
deveria desempenhar na sociedade
III. A REGULAMENTAÇÃO NO BRASIL
Constituição dos Estados Unidos da América: “Será da
competência do Congresso: “(...) Promover o progresso da
ciência e das artes úteis, garantindo, por tempo limitado,
aos autores e inventores o direito exclusivo aos seus escritos ou
descobertas; (...)” (Negritamos).
Prevalece, em nossa legislação, a concepção individualista do
direito de autor
IV.
DIREITO DE AUTOR E LIBERDADE DE
EXPRESSÃO
Artigo 5o da Constituição Federal brasileira:
“IX - É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e
de comunicação, independentemente de censura ou licença”
Direito de autor é uma restrição ao pleno exercício da liberdade
de expressão
À medida que aumenta o grau de proteção do direito de autor,
aumenta o nível de interferência e de restrição à liberdade de
expressão
IV. DIREITO DE AUTOR E LIBERDADE DE
EXPRESSÃO
Direito de autor confere poderes a um particular para limitar
o discurso de uma outra pessoa. Permite que o particular
“A” diga ao particular “B” que ele não pode dizer, publicar ou
distribuir um conteúdo específico porque “A” já disse isso
(de uma forma fixada em suporte tangível) ou comprou de
alguém que já o havia obtido anteriormente, o direito de
isso dizer
IV. DIREITO DE AUTOR E LIBERDADE DE
EXPRESSÃO
Problema: liberdade de expressão, entendida de maneira mais
ampla, não compreende apenas a liberdade de se expressar
sobre o conteúdo do que já foi dito (idéia), mas também
sobre a forma como algo foi dito (expressão)
Criação de obra derivada depende da expressa anuência do
autor da obra primígena  redução de possibilidades de
releituras ou de novas interpretações da obra original
V.
DIREITO DE AUTOR E DIREITO DE LIVRE
ACESSO À INFORMAÇÃO E À CULTURA
Artigos 5º, inciso XIV, e 215, da Constituição Federal:
“XIV – É assegurado a todos o acesso à informação e
resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício
profissional”.
“Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos
direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e
apoiará e incentivará a valorização e a difusão das
manifestações culturais”.
V.
DIREITO DE AUTOR E DIREITO DE LIVRE
ACESSO À INFORMAÇÃO E À CULTURA
São direitos sociais, garantidos a todos
Direitos culturais: normas programáticas; objeto não foi
imediatamente regulado
Relação dos direitos culturais: (a) direito de criação intelectual,
que compreende as criações científicas, artísticas e
tecnológicas; (b) direito de acesso às fontes da cultura
nacional; (c) direito de difusão da cultura; (d) liberdade de
formas de expressão cultural; (e) liberdade de manifestações
culturais; e (f) direito-dever estatal de formação do patrimônio
cultural brasileiro e de proteção dos bens de cultura, que,
assim, ficam sujeitos a um regime jurídico especial, como forma
de propriedade de interesse público
V.
DIREITO DE AUTOR E DIREITO DE LIVRE
ACESSO À INFORMAÇÃO E À CULTURA
Direito de acesso à informação e à cultura possui uma maior
possibilidade de conflito com o direito de autor, principalmente
com o advento da Internet que ampliou exponencialmente a
possibilidade de acesso
Necessidade de equacionar o direito de autor com o direito
social de acesso à informação e à cultura
V.
DIREITO DE AUTOR E DIREITO DE LIVRE
ACESSO À INFORMAÇÃO E À CULTURA
Menor acesso à informação e à cultura provocado por um
direito autoral rígido favorece a “exclusão digital”
“Inclusão digital”: não visa somente um maior acesso à infraestrutura e ao conhecimento para a obtenção de informações
na Internet, mas, também, a uma maior liberdade na criação e
na fruição de bens intelectuais
V.
DIREITO DE AUTOR E DIREITO DE LIVRE
ACESSO À INFORMAÇÃO E À CULTURA
Exemplos de conflito entre direito de autor e direito de acesso à
informação e à cultura:
1) Projeto de digitalização do acervo de discotecas municipais
com o intuito de proteger as obras musicais da deterioração dos
discos
Digitalização envolve nova reprodução (do disco de vinil, passase para o CD), o que demandaria autorização dos respectivos
autores
Não há permissão expressa na Lei no 9.610/98 (Lei de Direitos
Autorais brasileira)
Interesse público deveria prevalecer
V.
DIREITO DE AUTOR E DIREITO DE LIVRE
ACESSO À INFORMAÇÃO E À CULTURA
2) Reprografia
Lei de Direitos Autorais brasileira restringe a cópia para uso
privado a “pequenos trechos”
Não há qualquer referência à possibilidade de reprodução
integral de obra intelectual para fins educacionais, didáticos
ou de pesquisa
Em outros países: tendência à remuneração coletiva (por
número de cópias extraídas) / taxação dos aparelhos
reprodutores – problemas com relação à reprodução na
Internet
V.
DIREITO DE AUTOR E DIREITO DE LIVRE
ACESSO À INFORMAÇÃO E À CULTURA
3) Acesso à informação nas bases de dados  protegidas
pela Lei 9.610/98 (“Lei do Software”), desde que, por sua
seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, sejam
dotadas de originalidade
Discussão internacional para saber se a proteção deveria
abranger não apenas aquelas dotadas de originalidade, mas
também
as
que
tenham
recebido
consideráveis
investimentos qualitativos e quantitativos no seu processo
de criação, de forma a justificar uma proteção sui generis
adicional
V.
DIREITO DE AUTOR E DIREITO DE LIVRE
ACESSO À INFORMAÇÃO E À CULTURA
A proteção sui generis das bases de dados também abrangeria
parte do seu conteúdo
Na Europa, a Diretiva 96/9/CE já prevê a proteção sui generis
das bases de dados
V.
DIREITO DE AUTOR E DIREITO DE LIVRE
ACESSO À INFORMAÇÃO E À CULTURA
Problemas da proteção sui generis:
(a) subjetividade do conceito “consideráveis investimentos
qualitativos ou quantitativos”;
(b) aumento dos custos das pesquisas, o que as tornará
proibitivas para os países em desenvolvimento;
(c) dará lugar a um aumento dos custos das empresas de
Internet nas comunidades locais e obstaculizará sua difusão;
V.
DIREITO DE AUTOR E DIREITO DE LIVRE
ACESSO À INFORMAÇÃO E À CULTURA
(d) empresas que tomam iniciativas para compilar bases de dados
sobre os recursos e patrimônio locais podem chegar a obter
efetivo monopólio, destrutivo, com efeitos negativos sobre o
desenvolvimento e o acesso à informação;
(e) em resumo: redução significativa na disponibilidade de
informações e dados gratuitos; a criação de monopólios perpétuos
aos titulares de bases de dados; a diminuição do livre fluxo de
informação científica no mundo; o surgimento de obstáculos ao
desenvolvimento da Internet e novas dificuldades para os países
em desenvolvimento
V.
DIREITO DE AUTOR E DIREITO DE LIVRE
ACESSO À INFORMAÇÃO E À CULTURA
4) Dever estatal de formação do patrimônio cultural brasileiro e
proteção dos bens de cultura, como forma de propriedade de
interesse público (artigo 216 da Constituição Federal brasileira)
Questão: ao proteger o patrimônio cultural (registro, tombamento
ou mesmo desapropriação), o Estado poderia interferir nas obras
protegidas pelo direito autoral ?
Sim, desde que tenha como fundamento e limite a proteção do
patrimônio da cultura nacional. Os excessos não seriam
permitidos, pois – aí sim – haveria violação de direitos autorais
V.
DIREITO DE AUTOR E DIREITO DE LIVRE
ACESSO À INFORMAÇÃO E À CULTURA
Estátua do Cristo-Redentor, no Rio de Janeiro
Herdeiros pleitearam direitos autorais sobre a escultura
Por se tratar de uma escultura em local público, ninguém pode
impedir a sua livre representação por parte de outras pessoas
(artigo 48 da Lei de Direitos Autorais)
Tornou-se símbolo, não apenas da cidade do Rio de Janeiro,
mas do Brasil
VI.
DIREITO
DE
AUTOR
E
DIREITO
DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO
AO
Constituição Federal (artigos 170, inciso III, 218 e 219) estabelece
as diretrizes da política científica e tecnológica do país
Modalidades contemporâneas de produção de tecnologia 
superação das iniciativas individuais ou isoladas de inventores.
Medidas de política econômica deveriam contribuir para o
redimensionamento dos direitos de propriedade intelectual na
legislação ordinária
Não apenas os direitos de propriedade industrial, mas também os
direitos de autor estariam subordinados às diretrizes da política
científica e tecnológica estabelecida pela Constituição Federal
brasileira
VI.
DIREITO
DE
AUTOR
E
DIREITO
DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO
AO
Exemplos de conflito entre direito de autor e direito ao
desenvolvimento tecnológico:
1) Universal City Studios e Walt Disney Production X Sony
Corporation (fabricante de vídeos-cassete Betamax) e algumas
lojas que comercializam os vídeos-cassete no varejo
Suprema Corte decidiu em favor da Sony  a venda de
equipamentos de reprodução, por si só, não configura infração,
se o produto é usado com propósitos legítimos
VI.
DIREITO
DE
AUTOR
E
DIREITO
DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO
AO
2) Tecnologia peer-to-peer
Recording Industry Association of América (RIAA)  batalha
contra os usuários da tecnologia peer-to-peer nos EUA
Tentativa de manutenção do atual modelo de distribuição de
músicas
Criação de um sistema de proteção de direitos autorais,
denominado Digital Rights Management (DRM)  mecanismos
tecnológicos para controlar e restringir a reprodução, execução e
distribuição de obras na forma digital
VI.
DIREITO
DE
AUTOR
E
DIREITO
DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO
Até hoje, nenhum sistema DRM foi bem sucedido na tentativa
de prevenir a cópia ilegal e a chamada “pirataria”
Os sistemas DRM normalmente utilizados não se autoextinguem quando a obra cai em domínio público. Mesmo que
seja possível criá-lo, ainda não há mecanismos para remover o
sistema de controle de cópias que foi embutido nas obras que
se tornaram de domínio público
AO
VI.
DIREITO
DE
AUTOR
E
DIREITO
DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO
AO
Os sistemas DRM impedem qualquer tipo de cópia, mesmo
aquelas permitidas pela legislação de direitos autorais dos
diversos países
Se uma nova tecnologia começa a perturbar o direito de autor, é
este que deve ser modificado e não o contrário. O direito ao
desenvolvimento tecnológico é mais importante para o país do
que a proteção individual do direito de autor
VI.
CONCLUSÕES
Não há legislação adequada para solucionar conflitos entre os
interesses do autor e os da coletividade em questões de direito
de autor
Na ausência de regulamentação adequada  deverão ser
aplicadas ao caso concreto (a) as normas constitucionais sobre
acesso à informação e à cultura bem como ao desenvolvimento
tecnológico; (b) o princípio da função social da propriedade; (c)
a teoria do abuso de direito
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v. direito de autor e direito de livre acesso à informação e à cultura