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A VINCULAÇÃO DO DIREITO ADMINSITRATIVO À CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
Gabriela Ferreira Pires Mattos1
RESUMO
A Constituição da República Federativa do Brasil consagrou o Estado
Democrático de Direito como modelo de Estado a ser adotado, por meio dele buscou
um Estado pautado no direito, com personalidade jurídica de direito público em seu
âmbito interno e regulado pelos cidadãos de forma a limitar o poder exercido pelos
governantes para maior garantia aos interesses públicos.
Nesse sentido, o direito administrativo apesar de ser uma ramificação do direito
público é um ramo autônomo, por esse motivo é composto por normas específicas, ou
seja, possuidor de um regime jurídico próprio por meio do qual busca garantir o
interesse público ao regular as relações jurídicas estabelecidas entre os órgãos
administrativos com os particulares e a sociedade.
PALAVRAS-CHAVE: Estado democrático de direito; direito administrativo; regime
jurídico administrativo.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como finalidade realizar um estudo acerca da
constitucionalização do direito administrativo.
Nesse sentido, o direito administrativo encontra-se estruturado na Constituição
da República Federativa do Brasil, isso porque a atividade administrativa é visa buscar
um equilíbrio dos interesses públicos e também a proteção dos direitos fundamentais,
os quais estão alojados na Carta Magna.
1
Acadêmica do curso de Direito das Faculdades Integradas do Brasil – UNIBRASIL, orientada
por Ana Claudia Finger.
2
Outrossim, o direito administrativo é possuidor de um regime jurídico próprio,
isto é, um conjunto de regras e princípios específicos que regulam as relações jurídicas
estabelecidas entre os órgãos administrativos e os particulares visando a garantia dos
interesses públicos.
Dessa forma, será abordado inicialmente a Constitucionalização do Estado
Democrático de Direito, o qual configura-se como modelo de Estado dotado em seu
âmbito interno de personalidade jurídica de direito público, em que há a participação
popular e busca a garantia dos direitos fundamentais aos cidadãos. Logo após, será
abordado o direito administrativo como ramificação do direito público, para então tratar
do regime jurídico administrativo o qual se define em razão do direito administrativo ser
um ramo autônomo.
Diante disso, o regime jurídico administrativo por procurar a garantia dos
interesses públicos regulando as relações jurídicas estabelecidas entre os particulares
e a sociedade com os órgãos administrativos, tem suas normas vinculadas a
Constituição da República Federativa do Brasil que alberga os direitos fundamentais
inerentes aos cidadãos.
1 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 adotou como modelo
de Estado o Estado Democrático de Direito, conforme dispõe em seu artigo 1°: “A
Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamento: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV –
os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político.”
José Joaquim Gomes CANOTILHO disciplina que o Estado Democrático de
Direito fundamenta-se em um modelo de Estado limitado pelo direito interno e com o
poder político sendo legitimado pelos cidadãos.2
2
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado de direito. [S.I.: s.n.], [2003?] p. 32.
3
Desse modo, dentro de um Estado Democrático de Direito os cidadãos são
possuidores de direito, sendo garantido a eles poder de participar na escolha dos
governantes3, que são aqueles que representam a vontade do povo ao tomar suas
decisões no âmbito Estatal.
É nesse sentido que Carlos Ari SUNDFELD denomina o Estado Democrático de
Direito, como sendo “aquele onde o povo, sendo o destinatário do poder político,
participa, de modo regular e baseado em sua livre convicção, do exercício desse
poder.”4
Assim, é possível afirmar que com participação popular, consagrada por este
modelo de Estado, o Governo tem dever prestar serviços em favor da população e não
o contrário, ou seja, regular o povo de modo que estes venham a atender os interesses
dos governantes.5
Ademais, além do direito de participação popular, a Carta Magna ao consolidar
o Estado Democrático de Direito tem como finalidade a garantia dos direitos
fundamentais que estão elencados em seu artigo 3°, quais sejam: “I – constituir uma
sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar
a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV –
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
qualquer outras formas de discriminação.”
Nesta linha, Celso Antônio Bandeira de MELLO disciplina que tal Estado visa
realizar a atividade pública com o intuito de satisfazer os interesses públicos, baseandose nos valores de liberdade e da igualdade de todos os homens.6
Portanto, tal modelo de Estado ao conjugar a idéia de democracia ao Direito
busca igualdade de condições mínimas de vida ao cidadão e a sociedade,
reestruturando as relações sociais procurando adaptar os princípios basilares de
3
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 12. ed. rev., atual. e amp. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008. p. 26.
4
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 4. ed. rev., aum. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2002. p. 50.
5
LUZ, Egberto Maia. Direito administrativo disciplinar: teoria e prática. 3 ed. rev. amp. e atual.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 25.
6
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26. ed. rev. e atual. São
Paulo: Malheiros, 2009. p. 29.
4
certeza e segurança jurídica a ordem jurídica destinada à implementação do futuro.7 Ou
seja, é um Estado constituído por uma ciência jurídico-política com intuito de centrar a
ordem de segurança e paz jurídica.8
No que tange aos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, Lenio
Luiz STRECK aponta como sendo tais princípios:
A – Constitucionalidade: vinculação do Estado Democrático de Direito a uma Constituição como
instrumento básico de garantia jurídica;
B – Organização Democrática da Sociedade;
C – Sistema de direitos fundamentais individuais e coletivos, seja como Estado de distância,
porque os direitos fundamentais asseguram ao homem uma autonomia perante os poderes
públicos, seja como um Estado antropologicamente amigo, pois respeita a dignidade da pessoa
humana e empenha-se na defesa e garantia da liberdade, da justiça e da solidariedade;
D – Justiça Social como mecanismos corretivos das desigualdades;
E – Igualdade não apenas como possibilidade formal, mas, também, como articulação de uma
sociedade justa;
F – Divisão de Poderes ou de Funções;
G – Legalidade que aparece como medida do direito, isto é, através de um meio de ordenação
racional, vinculativamente prescritivo, de regras, formas e procedimentos que excluem o arbítrio
e a preponderância;
9
H – Segurança e certeza jurídica.
Outrossim, além de garantir os direitos fundamentais de caráter individual, a
Constituição da República Federativa do Brasil assegurou direitos fundamentais de
caráter social, os quais se encontram albergados em seu artigo 6°, dispondo: “São
direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição.”
Nesse contexto, o Estado brasileiro ao ser definido como Estado Democrático
de Direito tem como condão efetivar também os direitos fundamentais de caráter
social.10 Sendo assim, tendo em vista os elementos sociais pode-se definir o modelo de
Estado brasileiro como sendo de Estado Democrático e Social de Direito.11
7
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis de Bolzan de. Ciência política e teoria geral do
estado. 3 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 97-98.
8
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Op. cit., p. 32.
9
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis de Bolzan de. Op. cit., p. 93.
10
MELLO, Lígia. Novas perspectivas para o direito administrativo: a função administrativa
dialogando com a jurisdicidade e os direitos fundamentais. Interesse Público, Belo Horizonte, n. 43, p.
117-136, maio/jun. 2007.
11
SUNDFELD, Carlos Ari. Op. cit., p. 50.
5
Nesse cariz, Jorge Reis NOVAIS ao disciplinar sobre o modelo de Estado
Democrático e Social de Direito, define-o:
O Estado social e democrático de Direito apresenta-se, assim, impregnado de uma intenção
material que se revela fundamentalmente na natureza dos valores que prossegue e na
dimensão social da sua actividade, mas não menos no carácter meta-positivo dos vínculos que
o limitam.
Com efeito, e em primeiro lugar, é a proteção dos direitos fundamentais que justifica o objectivo
de limitação do Estado, pelo que a certeza e a segurança jurídica e as técnicas formais que lhes
vêm associadas só cobram verdadeiro sentido e são susceptíveis de ser consideradas como
valores a se desde que integradas, vinculadas e subordinadas à realização da axiologia
material implica na dignidade da pessoa humana.
Em segundo lugar, a intenção material ocupa o cerne da dimensão social do Estado de Direito,
na medida em que a promoção das condições objectivas do desenvolvimento da liberdade e
personalidade individuais constitui simultaneamente, e por si mesma, um momento decisivo de
realização de igualdade e justiça material na sociedade dos nossos dias.
Por último, aquela axiologia impõe-se como limite originário e transcendente ao poder do
Estado no seu conjunto, com o que se afastam liminarmente os pressupostos da redução
formalista do Estado de Direito, ou seja, a concepção dos direitos subjectivos públicos como a
criação do Estado que, num processo de auto-limitação, demarcava legislativamente as esferas
individuais que a Administração se obrigava a respeitar. Pelo contrário, o Estado social e
democrático de Direito reconhece na autonomia individual e nos direitos fundamentais uma
força vinculante que, independentemente dos fundamentos filosóficos, políticos ou ideológicos
invocados, afecta não só a Administração e o conjunto dos poderes constituídos, mas que se
impõe materialmente ao próprio poder constituinte originário. Assim, o poder de autodeterminação democrática da sociedade no Estado de Direito inscreve-se originária e
12
obrigatoriamente nos limites demarcados por aquela vinculação material.
É nesse prisma que Carlos Ari SUNDFELD refere que a inclusão do “Social” ao
Estado Democrático de Direito tem por intuito o desenvolvimento relativo ao nível
cultural e a mudança social, bem como visa a efetivação da justiça social.13
Por esse motivo, o Estado brasileiro ao adotar o conteúdo democrático fez com
que o princípio basilar da legalidade obtivesse uma amplitude, conectando, desse
modo, a lei aos preceitos de justiça social, além de garantir uma participação ativa dos
cidadãos no âmbito da Administração Pública.14
12
NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma teoria do estado de direito: do estado de direito
liberal ao estado social e democrático de direito. Coimbra: Almedina, 1987. p. 226-227.
13
SUNDFELD, Carlos Ari. Op. cit., p. 55.
14
MELLO, Lígia. Op. cit., p. 117-136.
6
Dessa maneira, a conectividade da lei à justiça social é entendida como
sujeição do Estado aos valores e princípios consolidados pela Carta Magna, tais como
aqueles inseridos em seu preâmbulo15.16
Ademais, no que concerne aos elementos do Estado Social e Democrático de
Direitos, Carlos Ari SUNDFELD aponta como sendo tais elementos:
a)
criado e regulado por uma Constituição;
b)
os agentes públicos fundamentais são eleitos e renovados periodicamente pelo povo e
respondem pelo cumprimento de seus deveres;
c)
o poder público é exercido, em parte diretamente pelo povo, em parte por órgãos estatais
independentes e harmônicos, que controlam uns aos outros;
d)
a lei produzida pelo Legislativo é necessariamente observada pelos demais Poderes;
e)
os cidadãos, sendo titulares de direitos, inclusive políticos e sociais, podem opô-los ao
próprio Estado;
f)
o Estado tem o dever de atuar positivamente para gerar desenvolvimento e justiça
17
social.
Sendo assim, é possível concluir que o Estado brasileiro é um ente possuidor
de Poder Político, gerado pela sociedade, que visa o exercício de suas atividades em
prol da sociedade e deter os procedimentos realizados em desfavor da coletividade. 18
Ou seja, o Estado ao manifestar seu poder por meio de seus representantes
deve ater-se para não cometer abuso, visto que uma vez cometido excessos caberá
responsabilização pelos atos praticados, seja por parte dos representantes do Governo
ou quem lhes faça às vezes.19
Por fim, é mister destacar que o Estado Democrático de Direito, consolidado
pela Constituição da República Federativa do Brasil, em seu âmbito interno é definido
15
“Preâmbulo: Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional
Constituinte para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como
valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social
e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,
promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO
BRASIL.”
16
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. 500 anos de direito administrativo brasileiro. Disponível em:
<http://www.direitopublico.com.br./pdf_10/DIALOGO-JURIDICO-10-JANEIRO-2002-MARIA-S-ZANELLADI-PIETRO.pdf> Acesso em: 03 mar. 2009.
17
SUNDFELD, Carlos Ari. Op. cit., p. 56-57.
18
SCORSIM, Ericson Meister. O processo de evolução do estado, da administração pública e
do direito administrativo. Interesse Público, Belo Horizonte, n. 42, p. 127-144, mar./abril. 2007.
19
LUZ, Egberto Maia. Op. cit., p. 30.
7
como pessoa jurídica de direito público dotada de direitos e deveres no ordenamento
jurídico20.
2 O DIREITO ADMINISTRATIVO COMO RAMIFICAÇÃO DO DIREITO PÚBLICO
Inicialmente, antes de adentrar no âmbito do Direito Público, faz-se necessário
realçar a dicotomia existente entre o Direito Público e o Direito Privado. De acordo com
os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de MELLO o Direito se desdobra em duas
espécies, ao afirmar:
Conquanto uno, o direito se bifurca em dois grandes ramos, submetidos a técnica jurídica
distintas: o Direito Público e o Direito Privado. Este último se ocupa dos interesses privados,
regulando relações entre particulares. É, então governado pela autonomia da vontade, de tal
sorte que nele vige o princípio fundamental de que as partes elegem as finalidades que
desejam alcançar, prepõem-se (ou não) a isto conforme desejem e servem-se para tanto dos
meios que elejam a seu alvedrio, contato que tais finalidades ou meios não sejam proibidos pelo
Direito. Inversamente, o Direito Público se ocupa de interesses da Sociedade como um todo,
interesses públicos, cujo atendimento não é um problema pessoal de quem os esteja a curar,
mas um dever jurídico inescusável. Assim não há espaço para a autonomia da vontade, que é
21
substituída pela idéia de função, de dever de atendimento do interesse público.
Verifica-se que a dicotomia existente entre o Direito Público e o Direito Privado
tem sua origem no Direito Romano22, em que eram utilizadas as terminologias ius
publicum e ius privatum para se referir aos ramos definidos atualmente como Direito
Público e Direito Privado.23
Nessa senda, Francisco do AMARAL24 ao versar sobre tais institutos advindos
do Direito Romano discorre que o ius publicum correspondia ao direito voltado a
20
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 21. ed. rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 1.
21
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 27.
22
NASSAR, Elody. Prescrição na administração pública. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:
Saraiva, 2009. p. 15.
23
FINGER, Ana Cláudia; COSTALDELLO, Angelo Cassia. O princípio da boa-fé no direito
administrativo. Curitiba, 2005. 157 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Setor de Ciências Jurídicas,
Universidade Federal do Paraná.
24
AMARAL, Francisco. O direito e sua realização. o raciocínio jurídico. In: _____. Direito civil:
introdução. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 55-103.
8
regulamentar as ações do Estado, as quais eram de cunho obrigatório para a
sociedade, por outro lado, o ius privatum era classificado como sendo o direito que
regulava os particulares em suas relações com outros particulares estabelecidas com
autonomia.
Ademais, no que tange à distinção realizada acerca do Direito Público e do
Direito Privado, esse doutrinador aponta os critérios que, segundo ele, são de maior
aprovação pela doutrina:
Inexiste critério único para essa dicotomia. Os mais aceitos pela doutrina são o do interesse
dominante na relação jurídica, o da natureza dos sujeitos, o do vínculo de subordinação entre
eles e o da finalidade ou função do direito.
Pelo critério do interesse dominante, a norma jurídica é de direito público ou de direito privado
conforme seu objetivo seja proteger os interesses da sociedade ou dos indivíduos. Com efeito,
o direito privado visa assegurar, ao máximo, a satisfação dos interesses individuais, enquanto o
direito público, proteger os interesses da sociedade.
Tal critério é insuficiente. As normas jurídicas destinam-se, em sua generalidade, à proteção de
todos os interesses, sendo que os dos particulares são também de natureza pública, tendo em
vista o bem comum. Talvez se possa dizer que o direito público protege, de modo imediato e
direto, os interesses gerais, enquanto que o direito privado o faz de modo indireto. Quando a lei
determina a escritura pública para a venda de imóveis acima de certo valor (CC, art. 134) ou
determina forma para o casamento, a adoção, o testamento etc., por meio de norma de direito
privado, visa também proteger o interesse geral, que é a segurança das relações jurídicas.
Segundo a natureza dos sujeitos, o direito público disciplina a atividade do Estado, e o direito
privado, a dos particulares.
Esse critério é, também, insuficiente, pois nem sempre o Estado atua como titular o poder
público. Coloca-se, muitas vezes, em plano de igualdade com os particulares, principalmente
nos atos de gestão patrimonial, isto é, nos atos normais da administração, quando se submete
às normas de direito privado. Basear-se nesse critério seria conferir à vontade estatal valor
jurídico superior à dos demais sujeitos, o que em um Estado de direito, é inadmissível.
Pelo critério da relação de coordenação ou de subordinação em que os agentes se coloquem,
as normas de direito privado dirigem-se a pessoas no mesmo plano de relação jurídica,
enquanto as de direito público pressupõem um vínculo de subordinação. É a teoria do ius
imperium, para a qual o direito público regula as relações do Estado e de outras entidades com
poder de autoridade, enquanto o direito privado disciplina as relações particulares entre si, com
base na igualdade jurídica e no poder de autodeterminação. Ocorre que, perante o direito, todos
são iguais, particulares e Estado, como já assinalado. Além disso, se adota o critério da
autoridade, veríamos que no direito privado também existem relações de subordinação, como
acontece no direito de família, entre pai e filho, tutor e tutelado, curador e curatelado, e no
direito societário, nas relações entre sociedades ou associações e seus membros.
Finalmente, para o critério da função, o direito privado teria o objetivo de “permitir a coexistência
de interesses individuais divergentes, por meio de regras que tornem menos freqüentes os
conflitos”, enquanto ao direito público caberia a função de dirigir interesses divergentes para um
fim comum, através de regras imperativas e geralmente restritivas. E, segundo as mais recentes
concepções da teoria geral do direito e da sociologia jurídica, as funções do direito seriam as de
reprimir os comportamentos socialmente perigosos, promover a justa distribuição dos bens e
organizar os poderes do Estado e da administração pública.
De qualquer modo, a distinção é difícil e de pouca nitidez, pela inexistência de critérios
absolutos. A doutrina dominante, porém, inclina-se pela teoria do ius imperium. Direito público
9
seria o que regula as relações em que o Estado intervém com poder de autoridade, enquanto
direito privado seria o que regula as relações dos particulares entre si ou com o Estado, com
25
base na igualdade jurídica e no seu poder de autodeterminação.
Todavia, apesar da existência de critérios utilizados para a distinção entre o
Direito Público e o Direito Privado, Ana Cláudia FINGER26 ensina que atualmente
prevalece a posição de que o Direito é único, sendo a distinção um meio didático para
auxiliar os estudos, bem como que tais ramificações do Direito encontram-se
interligadas, ou seja, caminham conjuntamente.
É nesse prisma que Weida ZANCANER ao disciplinar que o Direito Público e o
Direito Privado se complementam dentro de um Estado Democrático de Direito, expõe:
Público e privado se interligam e se completam num Estado Democrático de Direito. (...)
Limites e confrontações entre o público e o privado sempre existirão, mas duas questões devem
ser levadas em conta para interpretarmos o direito posto e verificarmos se as políticas públicas
podem ser aceitas ou devem ser repudiadas, por romper o equilíbrio entre o público e o privado:
a) a ideologia juridicizada na Constituição; b) a Justiça.
No meu entender, a ideologia interpenetra todo e qualquer sistema jurídico. (...)
A ideologia, portanto, pode ser compreendida como linguagem valorativa, ou seja, valoração
pelos próprios valores. (...)
No sistema jurídico brasileiro a valoração dos valores tem limites traçados pela própria
Constituição, que privilegiou valores que não quis ver amesquinhados, e nesta valoração
conferiu ao estado o papel que deve ter para assegurar o desenvolvimento nacional e a justiça
27
social.
Diante disso, não há que se falar atualmente em uma rígida distinção entre os
institutos, Direito Público e Direito Privado, posto que o Direito é um sistema singular e
aberto, o qual se bifurca em duas ramificações vinculadas à Constituição da República
Federativa do Brasil.28
Desta maneira, o Direito Administrativo, objeto de estudo do presente trabalho,
é classificado como uma disciplina jurídica que se encontra introduzido Direito
25
Idem.
FINGER, Ana Cláudia. O Público e o privado na administração pública. In: GUIMARÃES,
Edgar (Coord.). Cenários do direito administrativo: estudos em homenagem ao professor Romeu Felipe
Bacellar Filho. Belo Horizonte: Fórum, 2004. p. 57-83.
27
ZANCANER, Weida. Limites e confrontações entre o público e o privado. In: BACELLAR
FILHO, Romeu Felipe; MOTTA, Paulo Roberto Ferreira; CASTRO, Rodrigo Pironti Aguirre de (Coords.).
Direito administrativo contemporâneo: estudos em memória do professor Manoel de Oliveira Franco
Sobrinho. Belo Horizonte: Fórum, 2004. p. 322–346.
28
FINGER, Ana Cláudia; COSTALDELLO, Angelo Cassia. Op. cit., p. 17.
26
10
Público,29 submetida ao regime jurídico de Direito Público, que corresponde aos
interesses coletivos, ou seja, de uma sociedade como um todo e não de interesses de
cunho particular.30
O regime jurídico de Direito Público é um sistema composto por um conjunto
de princípios que lhe são peculiares, assim Carlos Ari SUNDFELD aponta como sendo
princípios gerais do Direito Público brasileiro: o princípio da autoridade pública, o
princípio da submissão do Estado à ordem jurídica, o princípio da função, o princípio da
igualdade dos particulares perante o Estado, o princípio do devido processo, o princípio
da publicidade, o princípio da responsabilidade objetiva e o princípio da igualdade das
pessoas políticas.31
Nesse diapasão, o direito administrativo enquadra-se como subdivisão do
Direito Público, por derradeiro, incluso no conjunto do Direito, sendo uma ramificação
autônoma, mas ligada aos princípios gerais do direito público.32
Outrossim, a disciplina do direito administrativo apesar de estar conectada ao
Direito Público é um ramo autônomo, possuindo suas próprias subdivisões com
características peculiares.33
Nessa senda, tem como objetivo controlar as atividades estatais, limitando-as
de acordo com os parâmetros legais com intuito de defender a sociedade em face de
ações abusivas praticadas pelo Estado34. Além disso, caberá a ele fiscalizar também as
relações jurídicas estabelecidas pelos agentes públicos e as instituições e os órgãos
em que atuam.35
Para Celso Antônio Bandeira de MELLO o direito administrativo, oriundo do
Estado de Direito, busca regular as atividades do Estado de acordo com as previsões
29
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit., p. 9.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 55.
31
SUNDFELD, Carlos Ari. Op. cit., p. 153.
32
CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de Direito Administrativo. 18. ed. rev. e atual. Rio de
Janeiro: Forense, 2003. p. 7.
33
LUZ, Egberto Maia. Op. cit., p. 22.
34
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 47.
35
CRETELLA JÚNIOR, José. Op. cit., p. 24.
30
11
legais objetivando proteger os cidadãos em face dos descometimentos praticados pelos
possuidores do poder conferido ao Estado.36
Assim, Maria Sylvia Zanella DI PIETRO leciona que o direito administrativo
expandiu-se tendo como norte dois fundamentos diversos:
de um lado, a proteção aos direitos individuais frente ao Estado, que serve de fundamento ao
princípio da legalidade, um dos esteios do Estado de Direito; de outro lado, a necessidade de
satisfação dos interesses coletivos, que conduz à outorga de prerrogativas e privilégios para a
Administração Pública, quer para limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do
37
bem-estar coletivo (poder de polícia), quer para a prestação de serviços públicos.
Dessa forma, o direito administrativo tem como norte a Constituição da
República Federativa do Brasil, enfocando em sua atuação o equilíbrio da tutela dos
interesses coletivos e individuais dentro de uma sociedade, bem como a proteção dos
direitos fundamentais, por essa razão é que a atividade administrativa vincula-se aos
direitos fundamentais abrigados na Texto Maior.38
É nesse sentido que Ericson Meister SCORSIM disciplina que a Constituição da
República se relaciona com a Administração Pública em razão dos “preceitos
fundamentais do ordenamento jurídico”39 estarem inteiramente ligados às atividades
administrativas.40
É possível afirmar que o direito constitucional é o núcleo para as demais
espécies do Direito, isso porque tais ramificações descobrem neste ramo seus
fundamentos e seus princípios.41
Para Romeu Felipe BACELLAR FILHO, a Constituição da República Federativa
do Brasil ao direcionar seu capítulo VII para abordar a Administração Pública, tem como
36
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 40-41.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 65.
38
MELLO, Lígia. Op. cit., p. 117-136.
39
Para Ericson Meister SCORIM os preceitos fundamentais do ordenamento jurídico “consistem
em valores, bens, princípios e regras constitucionais que vinculam positiva e negativamente o exercício
da função administrativa”. SCORSIM, Ericson Meister. Op. cit., p. 127-144.
40
Idem.
41
CRETELLA JÚNIOR, José. Op. cit., p. 103.
37
12
finalidade um direito administrativo fundado em “normas constitucionais principiológicas,
gerais e específicas.”42
Diante disso, a estruturação do direito administrativo se dá em observância às
normas constitucionais, as quais aperfeiçoam o regime jurídico administrativo com
intuito de alcançar a justiça da melhor maneira possível.43
3 O REGIME JURÍDICO DE DIREITO ADMINISTRATIVO
O direito administrativo é composto por uma reunião de normas, ou seja,
conjunto de princípios e regras, responsáveis por dirigir a função administrativa e os
órgãos que a desempenham.44
Nesse sentido, no que concerne à função administrativa, Celso Antonio
Bandeira de MELLO a conceitua afirmando que “é a função que o Estado, ou quem lhe
faça as vezes, exerce na intimidade de uma estrutura e regime hierárquicos e que no
sistema constitucional brasileiro se caracteriza pelo fato de ser desempenhada
mediante comportamentos infralegais ou excepcionalmente, infraconstitucionais,
submissos todos a controle de legalidade pelo Poder Judiciário.”45
Desse modo, são outorgados à Administração Pública prerrogativas para que
possa atingir o interesse público no momento em que estiver desempenhando a função
administrativa,46 as quais devem ser utilizadas em observância das normas legais. 47
Então, o responsável pelo exercício da função tem o dever de procurar atingir
determinado fim, sendo concedido para isso poder ao agente para contentar o interesse
de outrem.48
42
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Processo administrativo disciplinar. 2. ed. São Paulo: Max
Limoned, 2003. p. 31.
43
FINGER, Ana Cláudia; COSTALDELLO, Angelo Cassia. Op. cit, p. 74.
44
HARGER, Marcelo. O direito administrativo e o regime jurídico administrativo. In: HARGER,
Marcelo (Coord.). Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 01-21
45
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 36.
46
Ibidem, p. 72.
47
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Op. cit., p. 86
48
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 96.
13
O poder concedido ao agente público para concretizar a realização de
determinada finalidade configura-se como poder-dever sendo este irrenunciável, ou
seja, não é mera faculdade do agente, visto que busca o interesse público.49
Entretanto, Celso Antônio Bandeira de MELLO posiciona afirmando que as
prerrogativas da Administração Pública não devem ser vistas como sendo deveres, nem
mesmo poderes-deveres, pois se trata na verdade de deveres-poderes, subordinando
assim o poder em relação ao dever, ou seja, a Administração tem como dever satisfazer
o interesse público, limitando o poder que lhe é concedido para o alcance deste
interesse.50
Por essa razão, é importante esclarecer o significado de interesse público, o
qual é desenvolvido pelo autor acima mencionado com muita sabedoria ao lecionar
que:
O interesse igualmente pessoal destas mesmas pessoas ou grupos, mas que comparecem
enquanto partícipes de uma coletividade maior na qual estão inseridos, tal como nela estiveram
os que os precederam e nela estarão os que virão a sucedê-los nas gerações futuras. (...) o
interesse público deve ser conceituado como o interesse resultante do conjunto dos interesses
que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da
51
Sociedade e pelo simples fato de o serem.
Nesse cariz, Lúcia Valle FIGUEREDO dispõe que “o conceito jurídico-positivo
de interesse público – aquele interesse que deve ser curado com prevalência e, para
tanto, com a outorga de titularidade de poder à Administração, e cujo conteúdo reflete
prerrogativas especiais.”52
Nesse contexto, José CRETELLA JÚNIOR disciplina que as prerrogativas, ou
seja, os poderes outorgados aos agentes da Administração Pública para que sejam
concretizados os interesses públicos são denominados poderes administrativos. Além
disso,
classifica
como
sendo
deveres
administrativos
aqueles
direcionados
especificamente ao agente para realizar as atividades administrativas. 53
49
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. Op. cit., p. 86.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 72.
51
Ibidem, p. 60-61.
52
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 6. ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Malheiros, 2003. p. 37.
53
CRETELLA JÚNIOR, José. Op. cit., p. 41.
50
14
Assim, tais prerrogativas garantidas à Administração Pública a deixam em um
patamar superior em relação ao particular desde que esteja visando a efetivação do
interesse público e, por outro lado, as restrições limitam o exercício de suas atividades
nos moldes de certos fins e princípios. Portanto, pode-se afirmar que a somatória de
tais prerrogativas e restrições configura o regime jurídico administrativo. 54
O regime jurídico administrativo é dotado de normas específicas,55 com isso é
possível afirmar que o Direito Administrativo corresponde a um complexo de regras e
princípios que regulam as relações jurídicas entre os particulares e os Órgãos
Administrativos, bem como as relações destes órgãos com a sociedade, tendo como
pilar o atendimento do interesse público.56
Dessa maneira, José CRETELLA JÚNIOR difere regras e princípios ao ensinar:
As regras são operadas de modo disjuntivo, vale dizer, o conflito entre elas é dirimido no plano
da validade: aplicáveis ambas a uma mesma situação, uma delas apenas a regulará, atribuindose à outra o caráter de nulidade. Os princípios, ao revés, não se excluem do ordenamento
jurídico na hipótese de conflito: dotados que são de determinado valor ou razão, o conflito entre
eles admite a adoção do critério da ponderação de valores (ou ponderação de interesses), vale
dizer, deverá o intérprete averiguar a qual deles, na hipótese sub examine, será atribuído grau
de preponderância. Não há, porém, nulificação do princípio postergado; este, em outra hipótese
e mediante nova ponderação de valores, poderá ser o preponderante, afastando-se o outro
57
princípio em conflito.
Lucia Valle FIGUEIREDO afirma que os princípios são caracterizados como
normas gerais, abstratas, expressamente previstos ou não, que devem ser observados
pelo ordenamento jurídico que objetiva ser um Estado Democrático de Direito.58
Os princípios são configurados por Romeu Felipe BACELLAR FILHO como
normas constitucionais abertas, dotadas de eficácia, com caráter geral e indeterminado,
vinculando o interprete legislativo na aplicabilidade com intuito de atender a vontade da
Carta Magna.59
54
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. Op. cit., p. 65-66.
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Op. cit., p. 64.
56
CRETELLA JÚNIOR, José. Op. cit., p. 8.
57
Ibidem, p. 18.
58
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Op. cit., p. 38.
59
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Op. cit., p. 143.
55
15
Nesse sentido, os princípios que compõem o regime jurídico administrativo
norteiam a Administração Pública no exercício de suas atividades, sendo considerados,
por isso, seus pilares, o que faz com que suas atuações estejam sempre por eles
pautadas como condição de validade.60
Outrossim, Odete MEDAUAR ao dissertar sobre a importância principiológica
ao direito administrativo, ensina que:
No direito administrativo, os princípios revestem-se de grande importância. Por ser um direito de
elaboração recente e não codificado, os princípios auxiliam a compreensão e consolidação de
seus institutos. Acrescente-se que, no âmbito administrativo, muitas normas são editadas em
vista de circunstâncias de momento, resultando em multiplicidade de textos, sem reunião
sistemática. Daí a importância dos princípios, sobretudo para possibilitar a solução de casos
não previstos, para permitir melhor compreensão dos textos esparsos e para conferir certa
61
segurança aos cidadãos quanto à extensão dos seus direitos e deveres.
É nesse contexto que Adriana da Costa Ricardo SCHIER ao versar sobre a
participação popular na Administração Pública disciplina que a Carta Magna ao
assegurar um complexo de princípios inseridos no direito administrativo, o qual pode ser
denominado de regime jurídico administrativo, transformou a Administração de caráter
autoritário para uma em que o cidadão tenha prerrogativas.62
Assim, os princípios no direito administrativo têm como característica
fundamental funcionar como sendo uma balança eqüitativa entre os direitos garantidos
aos administrados e as prerrogativas correspondentes da Administração Pública.63
Dessa maneira, a Constituição da República Federativa do Brasil assegurou
em seu artigo 37 determinados princípios, os quais devem ser adotados pelos agentes
administrativos no exercício de suas atividades.64 Sendo eles: princípio da legalidade65,
60
CRETELLA JÚNIOR, José. Op. cit., p. 17-18.
MEDAUAR, Odete. Op. cit., p. 121.
62
SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. A participação popular na administração pública: o direito
de reclamação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 8.
63
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. Op. cit., p. 67.
64
CRETELLA JÚNIOR, José. Op. cit., p. 18.
65
Segundo Maria Sylvia Zanella DI PIETRO, o princípio da legalidade caracteriza-se pelo fato
da Administração Pública ao exercer suas atividades limitam-se ao disposto na lei, ou seja, só poderá
realizar o que a lei permitir que realize. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. Op. cit.,
p. 68.
61
16
princípio da impessoalidade66, princípio da moralidade67, princípio da publicidade68 e
princípio da eficiência69.
Por derradeiro, Celso Antonio Bandeira de MELLO dispõe que além destes
princípios disciplinados explicitamente no corpo do artigo 37 da Constituição da
República, a Administração Pública também é composta por outros que se encontram
implícitos no texto constitucional, sendo eles: princípio da supremacia do interesse
público sobre o privado70, princípio da finalidade71, princípio da razoabilidade72, princípio
da proporcionalidade73, princípio da motivação74, princípio do devido processo legal75 e
66
De acordo com Marcelo HARGER, o princípio da impessoalidade faz com que os agentes
administrativos no exercício de sua função atue de maneira neutra e imparcial, ou seja, não efetue suas
atividades de acordo com os interesses particulares. HARGER, Marcelo. Op. cit., p. 12-13.
67
O princípio da moralidade faz com que a Administração Pública atue de maneira correta,
configurando portanto a imoralidade quando os agentes administrativos alcancem os objetivos por meios
ilícitos ou não previstos para a atuação, havendo assim desvio de poder. DI PIETRO, Maria Sylvia
Zanella. Direito administrativo. Op. cit., p. 68.
68
Para Celso Antônio Bandeira de MELLO, o princípio da publicidade corresponde a uma
transparência da Administração Pública, ou seja, caberá a ela publicar seus atos executados visto que
dizem respeito ao interesse público. Ressalta que é permitido o sigilo dos atos administrativos desde que
seja para a segurança da sociedade e do Estado, nos termos do artigo 5°, inciso XXXIII da Constituição
da República. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 114-115.
69
De acordo com Marcelo HARGER, o princípio da eficiência faz com que os agentes
administrativos no exercício de sua função alcance o interesse público por meio dos recursos necessários
e admitidos em direito. HARGER, Marcelo. Op. cit., p. 21.
70
O princípio da supremacia do interesse público sobre o privado é ensinado por Celso Antônio
Bandeira de MELLO como sendo o princípio que coloca a Administração Pública em um patamar superior
ao particular, isso porque cabe a Administração Pública representar o interesse público, ou seja, da
coletividade o que lhe garante prerrogativas de editar atos unilaterais, os quais devem ser respeitados
pelos particulares. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 87.
71
Para Marcelo HARGER o princípio da finalidade, oriundo do princípio da legalidade, visa que
a Administração Pública em suas atuações esteja sempre atenta a garantia do interesse público e
também ao fim específico da atividade que está exercendo por meio de seu agente administrativo.
HARGER, Marcelo. Op. cit., p. 10-11.
72
Segundo Celso Antônio Bandeira de MELLO, o princípio da razoabilidade faz com que a
Administração Pública exerça suas atividades levando em conta os padrões comuns adotados pela
população, ou seja, encontre uma maneira ideal para atuar de acordo com o fim da lei dado para cada
caso concreto. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 99.
73
O princípio da proporcionalidade, como lecionado por Odete MEDAUAR, tem a finalidade de
limitar o exercício da Administração Pública, ou seja, para que ela atue apenas para atingir o interesse
público. MEDAUAR, Odete. Op. cit., p. 143.
74
Nos termos do princípio da motivação, os atos exercidos pela Administração Pública para que
tenham validade e legitimidade devem ser justificados ao serem proferidos, demonstrando sempre a
fundamentação de fatos e de direito. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 102-103.
75
Para Romeu Felipe BACELLAR FILHO o princípio do devido processo legal refere-se a um
princípio destinado a realização de um processo justo com equilíbrio e moderação, bem como tem por
finalidade a garantia do contraditório e da ampla defesa pelos interessados em sede processual.
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Op. cit., p. 226.
17
da ampla defesa76, princípio do controle judicial dos atos administrativos 77, princípio da
responsabilidade do Estado por atos administrativos78 e princípio da segurança
jurídica79.80
Diante disso, independentemente dos princípios gerais de Direito estarem
explícitos na Constituição da República Federativa do Brasil todos eles, tanto os
princípios expressos quanto os princípios implícitos devem ser respeitados.81
Portanto, tem-se que o direito administrativo é retratado em dois tipos de
relação jurídica, a primeira é de índole interna disciplinando a relação entre os órgãos
administrativos e os agentes administrativos e, por outro lado, a segunda que possui
caráter externo, ou seja, relação estabelecida entre a Administração Pública e os
cidadãos,82 cabendo em ambas a observância dos princípios consagrados na Carta
Magna sob pena de invalidação de seus atos.
CONCLUSÃO
Por meio do presente trabalho, foi possível compreender que apesar do Direito
ser único, o Direito Administrativo é caracterizado como uma ramificação do Direito
76
O princípio da ampla defesa é caracterizado por garantir ao interessado o direito de se
defender e também o acesso a todos os meios previstos para tal exercício, devendo a Administração
Pública atuar em sede processual de acordo com as normas e os princípios processuais para que não
venha a gerar o cerceamento de defesa do interessado. FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu.
Processo administrativo. 2. ed. rev. e amp. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 90-91.
77
O princípio do controle judicial dos atos administrativos, conforme aponta Celso Antônio
Bandeira de MELLO, consiste no controle feito pelo Poder Judiciário no que tange a legalidade e a
coerência do exercício das atividades públicas para com os atos normativos infralegais, com fulcro no
artigo 5°, inciso XXXV da Constituição da República Federativa do Brasil. MELLO, Celso Antônio
Bandeira de. Op. cit., p. 110.
78
Segundo o princípio da responsabilidade do Estado por atos administrativos, a Administração
Pública responderá pelas condutas praticadas pelo agente público com ou sem dolo ou culpa,
destacando que a responsabilidade objetiva será quando houver atos comissivos do Estado. Ademais, tal
responsabilidade atinge também os prestadores de serviço público, nos termos do artigo 37, §6° da Carta
Magna. Ibidem; p. 111.
79
Por meio do princípio da segurança jurídica, a Administração Pública não poderá desfazer um
ato sem justificativa plausível, isso porque a desconstituição pode gerar maior gravame ao interesse
público do que a manutenção deste ato. Assim, não se pode retirar a validade do ato administrativo uma
vez que ele tenha alcançado seu objetivo sem acarretar prejuízo ao interesse público ou aos direitos dos
particulares. FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Op. cit., p. 94-95.
80
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 86.
81
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Op. cit., p. 41.
82
CRETELLA JÚNIOR, José. Op. cit., p. 7.
18
Público, porém é uma disciplina autônoma, ou seja, possuidora de um regime jurídico
próprio.
Nesse sentido, o regime jurídico administrativo irá regular as relações jurídicas
estabelecidas entre os órgãos administrativos e o administrado, assim como as
relações jurídicas realizadas entre os órgãos administrativos e os agentes
administrativos com intuito de buscar a garantia do interesse público.
Desse modo, o direito administrativo encontra-se vinculado a Constituição da
República Federativa do Brasil em razão desta ao adotar como modelo de Estado o
Estado Democrático de Direito, o qual realiza a atividade pública em favor da sociedade
e protegendo esta contra os descometimentos dos governantes, com o objetivo nuclear
de garantir o interesse público.
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