Especificidades do Processo Administrativo relativamente ao
actual Código de Processo Civil
A 3ª Reunião Anual da Justiça Administrativa, tem como tema Um Novo
Processo para a Justiça Administrativa.
O tema escolhido pelos organizadores do Reaja, é de grande
oportunidade e actualidade. Como todos sabemos, acabou de entrar
em vigor o diploma que alterou profundamente o Código Processo
Civil, foi aprovada a Lei de Organização do Sistema Judiciário, está
para breve a aprovação do novo Cod. de Procedimento Administrativo
e do Cod. das Expropriações, ao que se seguirá, segundo consta a
revisão, tão aguardada, do C.P.TA.
Tais alterações legislativas são de tal modo profundas, que
exigem não só uma discussão ampla, como transversal, aproximando
regimes processuais naquilo que pode ser comum a ambos, e
estabelecendo diferenças de acordo com os regimes substantivos, que
visam simplificar e agilizar na busca de uma justiça mais célere e
sobretudo mais efectiva.
Alteraram-se os paradigmas processuais, em que o Juiz tinha
um papel de arbitro e decidia de acordo com os elementos de prova
carreados para os autos pelas partes, para um novo paradigma em que
é atribuída ao juiz um papel mais pró-activo na busca da verdade
material, mas torna-se igualmente necessário, alterar as mentalidades
dos operadores judiciários.
E, se fiz esta breve introdução, tal resulta da necessidade de
avaliar comparativamente, mas em traços largos, os pontos de
contacto e as especificidades (tema que me foi atribuído), entre o
C.P.C. e o CPTA.
Com a aprovação do CPTA, que entrou em vigor em 2004,
transformou-se a jurisdição administrativa numa jurisdição plena,
afastando-nos definitivamente de uma jurisdição de mera anulação.
Tal mudança de paradigma, era há muito reclamada pela C.R.P.
O CPTA, na busca de um novo modelo de jurisdição plena, veio
a aproximar a nova justiça processual administrativa, de modelos
então já em vigor no C.P.C. de 1961, já amplamente modificado por
várias reformas.
Mas, se num primeiro momento foi o CPTA, que importou
soluções do CPC, verificamos agora, que no âmbito da actual
redacção do CPC, este foi buscar como modelo algumas das soluções
já testadas no CPTA, desde logo, no que concerne à formulação dos Princípios Fundamentais.
Veja-se a título de exemplo a similitude da redacção entre o art.
2º do CPC. e o art. 2º da LPTA, do art.4º do C.P.C. e do art. 6º do
CPTA., do art.6º nº2 do CPC e do art. 88ºnº2 do CPTA, do art. 7º do
CPC. e do art.8º do CPTA.
Outras, similitudes existem sem ser nos princípios gerais e
chamamos a atenção para a regra da legitimidade para a propositura
de acções que visem tutelar os interesses difusos, cfr. a este respeito a
redacção dada ao art. 31º do C.P.C., e à redacção do art. 9º do CPTA.
Mas, se as similitudes, entre ambos os regimes processuais são
muitas, também existem grandes especificidades da lei processual
administrativa relativamente à lei processual civil.
Tais diferenças resultam, como é óbvio, da lei processual cível,
regular o processo de pretensões no âmbito de relações jurídicas de
natureza essencialmente privada, e da lei processual administrativa
regular relações jurídicas essencialmente estabelecidas ao abrigo de lei
substantiva de direito público. Não olvidamos que actualmente o
direito administrativo encetou, em algumas das relações jurídicas, uma
fuga para o direito privado, mas tal facto diz sobretudo respeito ao
modo de estabelecimento de relações entre a administração e os
particulares ou entre diversos entes administrativos, e não em relação
aos fins a prosseguir, a saber - O Interesse Público.
Por outro lado, não poderemos deixar de chamar a atenção que
o C.P.C., é de aplicação subsidiária quando haja matérias que não
estejam expressamente reguladas no CPTA, ou quando seja feita
remissão expressa nesse sentido no CPTA.
Existem, então, três tipos de situações:
1º- Normação processual tendencialmente comum entre o CPC
e o CPTA;
2º- Normação processual totalmente diversa entre o CPC. e o
CPTA, face à natureza das relações jurídicas substantivas que visam
tutelar.
3º- Normação processual civil, aplicável subsidiariamente ao
processo administrativo.
Estão nesta situação as acções administrativas comuns de
reconhecimento, de responsabilidade civil e enriquecimento sem causa
( cfr. art.37º do CPTA.nº1 e nº2 al. a); b); f) g) e i)) bem como grande
parte da matéria dos recursos jurisdicionais, que não estejam
especificamente regulados no CPTA- cfr. art.140º do CPTA
Das especificidades
Não iremos fazer uma abordagem exaustiva das especificidades
do processo administrativo, em relação ao processo civil. Limitar-nos-emos a chamar a atenção para algumas das diferenças.
Acções administrativas especiais
A primeira, prende-se necessariamente com a normação das
chamadas acções administrativas especiais, reguladas no Titulo III do
CPTA.
Sob a epígrafe de Disposições Gerais regulam os arts. 46º a 49º,
do CPTA;
Sob a epígrafe Disposições Particulares, regulam os arts. 50º a
96º.
Tal como já referimos, é o objecto da relação jurídica
substantiva, que impõe regras processuais específicas, que sirvam para
fazer valer pretensões jurídico-administrativas, a saber:
a) A anulação, a declaração inexistência ou de nulidade de acto
administrativo
praticado
pela
administração,
ou
por
entidades privadas com poderes públicos;
b) Condenação de acto administrativamente devido;
c) Declaração da ilegalidade de uma norma emitida ao abrigo
de disposições de direito administrativo;
d) Declaração da ilegalidade da não emanação de uma norma
que devesse ter sido emitida ao abrigo de disposições de
direito administrativo;
Poder-se-à dizer que as especificidades processuais da CPTA,
tem maior incidência no âmbito da actividade administrativa clássica:
O acto administrativo;
O regulamento;
E, se assim é, o regime processual foi gizado para fazer valer
pretensões que não tem qualquer cabimento nas relações entre
particulares ou relações de natureza particular entre privados e o
Estado/ Administração.
Chama-se a atenção que uma das grandes diferenças entre o
CPTA e o CPC., nomeadamente no âmbito das acções especiais é a da
instrução do processo.
No âmbito do processo administrativo, e tendo em atenção que
a produção de actos administrativos é normalmente vinculada quanto
à forma (escrita por regra) e quanto ao procedimento, a instrução das
acções administrativas especiais que tenham pretensões conexas com
actos administrativos, têm necessariamente que ser instruídas com
denominado processo instrutor, bem como todos os documentos
respeitantes à matéria do processo de que a demandada seja detentora
- Cfr. art. 84º do CPTA. Contrariamente no CPC., cabe às partes num
primeiro momento a apresentação de todos os elementos de prova que
detenham, e só em momento posterior cabe ao juiz perante cada
processo em concreto, diligenciar no sentido de obtenção de outra
matéria de prova que o mesmo entenda ser necessária ao apuramento
da verdade material.
O novo C.P.C. optou, assim, por um regime misto entre o
princípio do dispositivo (art. 423º nº1 do C.P.C.) e do inquisitório (cfr.
art. 511º nº4 do C.P.C.).
É certo que também no âmbito do processo administrativo, o
juiz detém poderes inquisitórios, conforme resulta do disposto no art.
90º nº1 do CPTA.
Porem afigura-se-nos que o poder inquisitório tem uma maior
justificação no processo administrativo de que no processo civil.
Naquele não estão apenas em causa pretensões de caris subjectivista,
estão também em causa pretensões de cariz objectivo, a saber o
princípio da legalidade e da defesa da coisa pública. No processo civil
estamos perante pretensões normalmente de cariz subjectivo, excepto
nas situações em que se discutem direitos indisponíveis. E assim é,
não vejo razão para se ter dado tanta relevância ao princípio do
inquisitório no âmbito do processo civil.
Outra das especificidades é a da intervenção do Ministério
Público, ao abrigo do art.85º do CPTA, quando não seja parte.
Esta intervenção não coincide com a intervenção do Ministério
Publico como parte acessória, em processo civil- cfr. art.325º do CPC.
O art. 85º do CPTA, representa precisamente o cariz
objectivista das pretensões deduzidas no âmbito do processo
administrativo. A intervenção do Ministério Publico tem como
fundamento a defesa do interesse público e da legalidade.
A este propósito, não posso deixar de fazer um comentário ao
actual regime do art.85º do CPTA.
Não sendo legalmente admissível ao MP. pronunciar-se sobre
questões previas ou excepções que haja detectado no momento em que
é notificado da P.I., nos termos do art. 85º nº1 do CPTA, pensamos
que a notificação efectuada neste momento é totalmente inútil,
obrigando a uma tramitação processual nas U.O., que fica destituída
de qualquer efeito prático. Não poderemos esquecer que a uma
notificação, é teoricamente possível uma intervenção processual, cujo
prazo não sendo publicado anualmente por portaria, se tem
reconduzido na prática a um prazo de 10 dias, por força da regra geral
para a pratica de actos processuais.
Deste modo, das duas uma:
a)
Ou se mantém a impossibilidade do M.P. se pronunciar
sobre as questões previas e excepções, e nesse caso
propõe-se a ablação desta primeira notificação, com
grande diminuição procedimental das secretarias das
U.O., e necessariamente uma optimização dos meios
humanos disponíveis;
b)
Ou, caso se venha a entender, no futuro que o
Ministério Público, na sua qualidade de auxiliar da
Justiça se pode pronunciar sobre tais questões e, nesse
caso, após tal pronuncia, a mesma deveria ser
comunicada ao A., e decorridos dez dias para este se
pronunciar, o processo deveria ir imediatamente com
conclusão ao Juiz, para proferir despacho nos termos
do estatuído nos termos da al.a) do nº1 do art.87º e 88º
do CPTA, ou despacho pré-saneador actualmente
previsto no nº2 do art.590º do CPC..
Só após tal pronúncia o processo, nos casos em que
fossem corrigidas oficiosamente irregularidades ou ordenada
a correcção de deficiências, e após as referidas correcções
seriam os demandados citados para contestar.
Afigura-se-nos que uma alteração legislativa efectuada
neste sentido expurgava rapidamente muitos processos de
deficiências ou levaria em muitas situações ao fim do próprio
processo, sem sequer ser apresentada a contestação.
E, nem se diga que logo com a PI. o M.P. pode suscitar novos
vícios, pois sem a consulta do processo instrutor tal pratica é
quase impossível e por certo temerária.
Quanto a este aspecto, cremos que independentemente das
soluções propostas o M.P., devia poder proferir parecer no
prazo de 15 dias sobre o fundo da questão.
Outra das sugestões que aqui se deixa, e uma vez que tem
havido entendimentos judicias diferentes, é a questão que se
prende com o facto do M.P., requerer outras diligências de
prova. Nestes casos, só após a produção da prova requerida,
caso está seja deferida, está o M.P. na posse de toda a matéria
factual que lhe permita proferir parecer, razão pela qual deveria
ser de novo notificado para o efeito.
Nos casos em que seja requerida pelo M.P. a produção de prova
testemunhal, deverá ser o mesmo notificado para estar presente
na audiência de julgamento, para inquirição das referidas
testemunhas.
Acções Comuns
No novo C.P.C., no art.548º, introduziu uma importante inovação
ao eliminar no âmbito da acção comum declarativa a distinção entre
acções ordinárias, sumárias e sumaríssimas.
Acontece porem, que o CPTA, contem norma expressa que
distingue três espécies de acções administrativas comuns declarativas em
função do valor da causa, a saber a acção ordinária, sumária e
sumaríssima. ( cfr. o art. 43º) ora não constando, tal preceito da norma
revogatória (art. 4º da Lei nº 41/2013 de 28 de Junho), teremos
necessariamente que recorrer ás remissões efectuadas no art. 2º da Lei nº
41/2013, de 26 de Junho..
E, se assim é teremos de interpretar o disposto no art. 42º nº1 do
CPTA, que remete a tramitação da acções administrativas comuns para os
termos do processo de declaração do Cod. Proc. Civil, ao abrigo do citado
art. 2º da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
Afigura-se-nos que a interpretação efectuada ao abrigo do art. 2º da
Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, não vai ser unívoca, e vai originar leituras
diversas pouco compagináveis com a necessidade de alguma certeza
necessária à actividade das partes e como tal será mais um elemento de
perturbação do que clarificação, tornando, pelo menos, numa fase inicial
o processo mais complexo e pouco consentâneo com o almejado
objectivo da celeridade processual.
Contratos
No que aos contratos diz respeito, existe uma especificidade no
âmbito do CPTA, é a legitimidade conferida ao Ministério Público e às
entidades mencionadas no art.9º n2 do CPTA, para propor acções onde se
peça a anulação total ou parcial dos contratos ( cfr. art.40º nº1 al.b) do
CPTA). Note-se que em sede de direito privado, tais poderes de
impugnação contratual estão essencialmente reservados às partes
contratantes, excepto nas situações de impugnação das clausulas
contratuais gerais abusivas.
O prazo para o Ministério Público e para terceiros, para a
propositura da acção de contrato é de seis meses a partir do conhecimento
do seu clausulado.
Ora acontece, que normalmente a invalidade dos contratos não
resulta do próprio clausulado do contrato, mas das ilegalidades cometidas
o procedimento pré-contratual legalmente exigido, ou mesmo em
situações que a entidade adjudicante autorizou despesas em montante
superior ao que lhe é permitido, ou ainda quando o contrato celebrado é
manifestamente desequilibrado do ponto de vista financeiro, para o ente
público.
Ainda que se entenda que o prazo de seis meses apenas é aplicável
a situações de mera anulabilidade (sendo certo que há quem entenda que
este prazo de seis meses se aplica independentemente do vicio ser a
nulidade ou anulabilidade), e caso o contrato seja nulo, ou seja nulo o
procedimento que o antecedeu, afigura-se-nos ser tal período de seis
meses, extremamente curto para a investigação necessária e obtenção de
dados suficientes que permitam a propositura devidamente fundamentada
de tais acções.
Não podemos esquecer que nestas situações, ambas as partes
contratantes evitam enviar toda a informação necessária para o efeito, e,
muitas vezes, esta só é obtida na sua totalidade, após a comunicação para
o Tribunal de Contas, no intuito de o mesmo obter tais elementos, não só
para efeitos de apreciação de responsabilidade financeira, como para
efeitos da propositura da respectiva acção de declaração de nulidade. Esta
situação é tanto mais grave quando a celebração do contrato resultou de
actividade criminosa que se encontre em investigação em processo-crime,
processo esse que está na maioria das vezes em segredo de justiça, e
como tal não é comunicado aos magistrados do Ministério Publico do
tribunal administrativo.
Suscitei algumas questões que se me afiguraram ser importantes,
em sede de revisão do CPTA, com vista a melhorar, agilizar e esclarecer
algumas questões que são de interpretação dúbia.
Obrigada pela vossa atenção
Helena de Lima Cluny
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Texto da Intervenção da Procuradora Helena Cluny