O Hábito Franciscano
Por ser o primeiro que chama a atenção de quem se aproxima dos franciscanos, o
tema do hábito suscita curiosidade e surpresa ao mesmo tempo, pois sua forma e
cor variam segundo as distintas famílias franciscanas. Deve-se esclarecer, em
primeiro lugar, que nenhuma das atuais Ordens ou congregações franciscanas,
nem por forma nem por cor, veste o hábito de São Francisco, que era em forma de
cruz e de lã cinza. O pano, com efeito, não era tingido, mas tecido com lã branca e
negra natural misturadas que lhe dava o tom cinzento.
HÁBITO DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS
Há quem afirme que o Santo de Assis e seus companheiros no início não se
vestiam de modo diferente dos pobres e camponeses de seu tempo, mas isso não
é o que se deduz de seus escritos e biografias. É certo que o modo de vestir dos
frades Menores (túnica larga, capuz, cordão e calças) era mais pobre que o de
qualquer religioso daquele tempo, mas não por isso deixava de ser um distintivo
religioso que os diferenciava dos seculares.
As duas Regras de São Francisco e os biógrafos do Santo falam da humildade e
vileza do hábito dos Irmãos Menores, sem oferecer detalhes quanto à cor ou à
forma da túnica e do capuz, pois o mais importante para Francisco e para seus
companheiros era a modéstia e a pobreza. A segunda Regra impõe aos frades
não julgar nem desprezar "aos que vestem roupas nobres e coloridas", pelo que
deduzimos que a cor devia ser natural. Graças aos biógrafos e às túnicas que se
conservam de São Francisco sabemos que estas tinham forma de cruz ou de um
TAU, como expressão de que o Frade Menor deve crucificar em si mesmo as
paixões deste mundo.
Quanto à cor, só no Espelho de Perfeição lemos que o Santo preferia a cotovia
entre todas as aves, porque "tem um capuz como os religiosos e é um pássaro
humilde... Sua roupagem, ou seja, as plumas, têm a cor da terra, e ela dá exemplo
para os religiosos de que não é necessário ter roupa nobre ou colorida, mas
modesta no preço e na cor, como a terra, que é o elemento mais vulgar". A terra,
porém, como todos sabemos, tem uma infinidade de tonalidades. Tomás de
Celano, no Tratado dos Milagres, fala de um "pano cinzento" como o dos
cistercienses da Terra Santa, que Jacoba de Settesoli trouxe de Roma a Francisco
moribundo. A única referência à cor do hábito do Santo a encontramos na Crônica
de Rogério de Wendover (morto em 1236) e de Mateus de Paris, onde se diz que
"os frades que se chamam menores... caminhavam descalços, com cinturão de
corda, túnicas cinzas, largas até os calcanhares e remendadas, com um capuz
grosseiro e áspero".
Em um documento do ano 1233, o rei da Inglaterra ordenava ao visconde de
Londres a aquisição de certa quantidade de panos, a metade de "blaunchet" o
branco para os Dominicanos, e a metade de "griseng" ou cinza para os Menores.
Em 1259, o visconde de Cerwich comprava também certos tecidos de "russet"
para as túnicas dos frades Menores de Reading. O "russet" era o "rusetus pannus"
de cor avermelhada, resultado da mistura natural de lã branca e parda. As
Constituições de Narbona de 1260 estabeleciam que "as túnicas exteriores não
fossem nem totalmente negras, nem totalmente brancas", o qual desejava uma
ampla margem de tonalidades de cinzas. Nos afrescos de Giotto da Basílica
superior de Assis podemos ver, em uma mesma cena, hábitos acinzentados e
róseos, porém sempre em tons claros. As Constituições Farinerias del 1354 só
impõem que os superiores não permitam o uso de tecidos com "fios de diferentes
cores, nem demasiado próximos ao branco ou ao negro".
A variedade de tonalidades de hábito primitivo se devia, de um lado, à diversidade
natural da cor da lã, de outro, ao fato de que os tecidos para as túnicas não eram
confeccionados exclusivamente para os frades, mas estes os recebiam como
esmola dos benfeitores. Eram eles, portanto, os que escolhiam a cor e a qualidade
do tecido, embora sempre sob o controle do superior, segundo as Decretais de
João XXII (1317) e Bento XII (1336).
Maior rigidez na cor se observa a partir da divisão da Ordem, ocorrida em 1517,
sobretudo pelo valor simbólico do cinza, que recorda as cinzas e o pó de que
somos feitos, e a penitência. O cinza foi a cor oficial para todos os franciscanos
até meados do século XVIII. Tanto é assim que, devido às dificuldades para
conseguir tal tecido em quantidade suficiente, houve um momento em que as
Constituições dos Observantes e dos Capuchinhos ordenaram que cada província
fabricasse seus próprios tecidos para conseguir a máxima uniformidade. O
capítulo geral de 1694 da Regular Observância, por exemplo, ordenava
"fabriquem-se tecidos em tudo semelhantes na cor e qualidade, na trama e na
textura, tecidos com lã branca e negra misturada em tal proporção que resulte, a
juízo dos especialistas, um pano cinzento como o vemos nos hábitos e capas de
N. P. S. Francisco, S. Bernardino de Sena e S. João de Capistrano, os quais,
embora se conservem em províncias e países diferentes, são de uma mesma cor
cinza, mais ou menos claro".
Nos Frades Menores Conventuais se nota certa tendência ao negro já na segunda
metade do século XVIII, embora suas Constituições Urbanas, na edição de 1803
impunham o hábito da cor das cinzas. Esta prescrição desapareceu na edição de
1823, em parte porque com a supressão napoleônica, havendo-se extinguido as
corporações religiosas, seus membros se viram obrigados a assumir o hábito talar
negro do clero secular. Restaurada a Ordem, os frades preferiram continuar com a
cor negra, ainda que hoje o cinza se está recuperando novamente, de maneira
que assim se vestem quase todos os conventuais da Ásia, África e América, assim
como os da Austrália e algumas províncias européias.
Os Frades Menores Observantes passaram da cor cinza a marrom há pouco mais
de um século, na segunda metade do século XIX. Iniciou-se na França e se impôs
para toda a Ordem no capítulo de Assis de 1895, quando Leão XIII reunificou em
uma só as diferentes famílias reformadas: observantes, alcantarinos, recoletos e
reformados ("A cor artificial das vestes exteriores se pareça à cor da lã natural
negra com tendência ao vermelho, cor que em italiano se chama marrone, e em
francês marron").
Os Frades Menores Capuchinhos seguiram de algum modo a evolução dos
Observantes, embora, para evitar qualquer diferença local, em 1912 se
estabeleceu que a cor do hábito tinha que ser castanha, a mesmo que o dos
observantes, contudo algo mais amarelado ("a cor deve ser castanha, em italiano
castagno, em francês marron, em inglês chestnut, em alemão kastanienbraun, em
espanhol castaño").
O mais parecido na forma ao de São Francisco é o hábito dos Capuchinhos, por
seu capuz alongado e costurado ao pescoço da túnica. O hábito dos Observantes
se distingue por ser mais ajustado e pelo capuz solto que cai sobre os ombros em
forma de caparão curto na frente e nos lados, e alargado atrás, até a cintura. O
hábito dos Conventuais é parecido ao dos Observantes, porém o capuz é menor e
o caparão mais baixo, até quase tocar os cotovelos (na regra diz: "caparão até o
cíngulo"). O hábito dos Terciários Regulares ou frades da TOR era até poucos
anos atrás da mesma forma e cor que o dos Conventuais, mas agora voltou à cor
tradicional cinza, com caparão baixo e pontiagudo por trás e pela frente.
Mais recentemente surgiram algumas congregações franciscanas com hábitos
diferentes, mas muito semelhantes aos já citados, com túnica e capuz cinza ou
marrom. Há, no entanto, também tendendo ao celeste, como o dos Franciscanos
da Imaculada, e inclusive de cor verde. Não obstante, apesar de as diferenças de
forma e cor, o distintivo comum de todos os franciscanos e franciscanas, que os
faz diferentes de qualquer outra Ordem ou Congregação da Igreja, é o uso
exclusivo do cordão de lã branca, que Francisco escolheu para cingir a cintura,
para cumprir fielmente o mandato de Cristo, que enviou a seus apóstolos pelo
mundo "sem nada pelo caminho", nem sequer o cinto (cf. Mt 10).
Quanto ao calçado, São Francisco caminhou sempre descalço, de acordo com o
mandato de Jesus aos apóstolos: "não leveis sandálias..." Só nos dos últimos
anos de sua vida, para ocultar as vendas ensangüentadas pelos estigmas dos
pés, teve que levar sapatos de pele ou de pano, como se pode ver nas relíquias
de Assis. A Regra só diz que os frades podem usar calçados em caso de
necessidade. As sandálias, entretanto, se impuseram rapidamente, como se pode
ver nas pinturas de Giotto, onde todos os frades, exceto Francisco, carregam o
mesmo modelo. Mais tarde, os reformados que viviam nas ermidas começaram a
usar certas sandálias com solas altas de madeira chamadas tamancos ou
"zoccoli", daí que na Itália, os Observantes fossem também conhecidos por muito
tempo como frades "zoccolanti" (zocolantes).
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