JUSTICIABILIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS
Tatyane Guimarães Oliveira
Nos últimos tempos observamos os diversos escândalos e tragédias que
acontecem na vida de milhões de brasileiros em face de violações aos direitos sociais,
econômicos e culturais. Essas violações refletem-se como rupturas nos mais diversos
vínculos que este direitos mantém com outros.
Nessa ordem, esse trabalho tem como objetivo a reflexão sobre a natureza dos
direitos sociais, tendo em vista a concepção contemporânea de direitos humanos,
especificamente sob o prisma de indivisibilidade e interdependência desses direitos e
seu contraste com a realidade brasileira e os problemas trazidos pela exclusão social.
A história, na passagem para a idade moderna, registrou uma ampla revolução
no âmbito político, econômico, social e cultural no ocidente, dando origem ao que
chamamos de “era dos direitos” (Bobbio, 2004).
Com o desenvolvimento comercial burguês e com os processos de
secularização, racionalização e individualização, as revoluções burguesas dos séculos
XVII e XVIII deram surgimento ao que Bobbio (2004) chama de inversão.
Passou-se da prioridade dos deveres dos súditos à prioridade dos direitos dos
cidadãos, emergindo um modo diferente de encarar a relação política, não
mais predominantemente do ângulo do soberano, e sim daquele do cidadão,
em correspondência com a afirmação da teoria individualista da sociedade
em contraposição à concepção organicista tradicional.
Assim, com as revoluções, surge o reconhecimento dos direitos civis e
políticos nas declarações de direitos, sendo que uma das principais reivindicações, se
não a mais importante, era o direito de liberdade, com ênfase em seu aspecto
econômico, que, apesar de não mencionado na declaração francesa de 1789, “estava
implícita aos olhos da burguesia” (TRINDADE, 2007).
A liberdade econômica, o reconhecimento da igualdade civil e outras
conquistas advindas desta revolução, efetivadas de forma ilimitada e desenfreada,
trouxeram conseqüências sérias e uma acentuada divisão econômica de classe, fruto da
exploração da mão de obra operária e do desenvolvimento dos meios de produção. Essa
igualdade revelou-se inútil para um crescente número de operários e trabalhadores
forçados a se empregar nas empresas capitalistas (COMPARATO, 2004).
“Um dos efeitos da revolução industrial foi generalizar a separação do
trabalhador da propriedade dos meios de produção” (SINGER, 2003), o que reforçou a
exclusão da massa operária e sua forte exploração. Dá-se, então, o surgimento das lutas
pelos direitos sociais como escudo contra tal monopólio.
Simon Linguet já em 1767 (apud CHOMSKY, 2007) falava sobre a servidão
imposta pelas relações capitalistas e da escravidão:
É a impossibilidade de viver por quaisquer outros meios que leva nossos
lavradores a arar o solo cujos frutos eles não comerão, e nossos pedreiros a
construir casas em que não morarão. É a carência que os arrasta àqueles
mercados onde eles esperam os senhores que lhes farão a gentileza de
comprá-los. É a carência que os leva a cair de joelhos diante do rico a fim de
obter sua permissão para enriquecê-lo (...).
Assim, em face das opressões advindas do liberalismo econômico e da
exploração da mão de obra operária, a solidariedade torna-se bandeira do movimento
socialista, passando a ser posta como dever jurídico e não obrigação apenas moral.
Nesse sentido coloca Comparato (2004):
Com base no princípio da solidariedade, passaram a ser reconhecidos como
direitos humanos os chamados direitos sociais, que se realizam pela execução
de políticas públicas, destinadas a garantir amparo e proteção social aos mais
fracos e mais pobres; ou seja, aqueles que não dispõem de recursos próprios
para viver dignamente. Os direitos sociais englobam, de um lado, o direito ao
trabalho e os diferentes direitos do trabalhador assalariado; de outro lado, o
direito à seguridade social (saúde, previdência e assistência social), o direito
à educação; e de modo geral, como se diz no Pacto Internacional sobre
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 (art. 11), “o direito de toda
pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e sua família, inclusive à
alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria
continua de suas condições de vida”.
Um leque de direitos surge demandado pela sociedade civil, seja burguesa ou
operária, em face das violações cometidas e passam a serem reconhecidos em âmbito
nacional com as Constituições dos Estados de Direito e, após a segunda guerra mundial,
em âmbito internacional com a criação da Organização das Nações Unidas – ONU, a
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e diversos outros tratados. Bobbio
(2004) menciona que:
O elenco dos direitos do homem se modificou, e continua a se modificar,
com a mudança das condições históricas, ou seja, dos carecimentos e dos
interesses, das classes no poder, dos meios disponíveis para a realização dos
mesmos, das transformações técnicas...
Ao discorrer sobre o processo de reconhecimento dos direitos fundamentais na
esfera do direito positivo, Perez Luño (apud SARLET, 2005) afirma que o
reconhecimento dos direitos humanos nas primeiras declarações do século XVIII e sua
elaboração doutrinária, foi acompanhado de uma progressiva recepção de direitos,
liberdades e deveres individuais na esfera do direito positivo.
Nesse contexto, para uma correta situação dos direitos sociais como direitos
fundamentais exigíveis e passiveis de efetivação imediata, se faz necessário traçar o
paralelo existente entre direitos fundamentais, constituição e Estado de Direito. A
íntima ligação entre esses conceitos acaba, segundo Sarlet (2005), por ter como
resultado a “essência do Estado Constitucional, constituindo, neste sentido, não apenas
parte da Constituição formal, mas também elemento nuclear da Constituição material” e
continua:
No âmbito de um Estado de Direito – e o consagrado pela nossa evolução
constitucional não foge a regra – os direitos fundamentais sociais constituem
exigência inarredável do exercício efetivo das liberdades e garantia de
igualdade de chances (oportunidades), inerentes à noção de uma democracia
e um Estado de Direito de conteúdo não meramente formal, mas, sim,
guiado pelo valor da justiça material.
No Brasil, a trajetória que culmina com o atual Estado Democrático se dá com
a promulgação da Constituição Federal de 1988 que adotou como fundamento da
república a cidadania e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, CF/88) e como objetivo a
construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e da
marginalização e a redução das desigualdades sociais (art. 3º, CF/88) (BRASIL, 2005),
dando especial atenção aos direitos humanos.
Fato de extrema importância no que se refere aos direitos fundamentais em
nossa Constituição “diz respeito ao fato de ter ela sido precedida de período marcado
por forte dose de autoritarismo que caracterizou – em maior ou menor escala – a
ditadura militar que vigorou no país por 21 anos” (SARLET, 2005).
As conseqüências desta e de tantas outras políticas excludentes, nacionais ou
internacionais, ainda refletem a precariedade e caos nos indicadores relativos aos
direitos sociais, econômicos e culturais no Brasil, como saúde, moradia, saneamento
básico, educação, identidade e tolerância.
Após duas décadas de políticas econômicas excludentes, que gerou um número
sem igual de excluídos com 27 milhões de desnutridos em 1961 e 86 milhões em 1984,
a construção da atual democracia deu-se com acirradas disputas para a ocorrência da
transição pactuada, que seria feita de forma lenta e gradual, o que dava uma maior
segurança para as forças repressivas militares (SILVA, 1990).
O autor acima citado destaca ainda que, com a transição e a convocação da
Assembléia Constituinte, surgiu a oportunidade para a “implantação de um sistema de
benefícios de caráter universalista e distributivo que elevasse a situação social do povo
brasileiro, particularmente através da ampliação do conceito de cidadania”, resultado
das novas forças de pressão dos novos partidos políticos e movimentos sociais contra os
anos de absoluta ausência de qualquer direito de liberdade ou social.
Nesse sentido, Barroso (2005) afirma que:
Na ante-véspera da convocação da constituinte de 1988, era possível
identificar um dos fatores crônicos do fracasso na realização do Estado de
Direito no país: a falta de seriedade em relação a lei fundamental, a
indiferença para com a distancia entre o texto e a realidade, entre o ser e o
dever ser.
Com essa reivindicação de ampliação da cidadania, são inseridos na
Constituição de 1988 os direitos sociais, sem os quais não se podem exercer os direitos
de liberdade.
A Constituição Federal Brasileira de 1988 traz em seu corpo um elenco sobre
os direitos fundamentais do cidadão/cidadã. Em seu art. 5º elenca estes direitos e
determina em seu parágrafo 1º que estes têm aplicação imediata (BRASIL, 2005). Ou
seja, como afirma Tosi1, diante da violação de direitos civis ou políticos pode-se exigir
sua reparação em um tribunal.
Contudo, no que se referem aos direitos sociais e econômicos, uma das grandes
dificuldades encontradas para sua efetivação é o posicionamento de que são de
aplicação programática, ou seja, não há como serem exigidos em um tribunal. Todavia,
“esta organização dos Direitos Fundamentais na Constituição brasileira de 1988 poderia
1
Aula ministrada no Mestrado de Direitos Humanos da UFPB. Disciplina Democracia, cultura política e
direitos humanos.
permitir uma diminuição das garantias constitucionais dos direitos sociais, econômicos
e culturais” (LOBATO, 2007).
O autor acima citado afirma ainda que as normas constitucionais que definem
os direitos sociais e econômicos, desde a Constituição Mexicana de 1917 e da
Constituição Alemã de 1919, encontram sérias dificuldades de efetividade e aceitação,
mas estas e tantas outras romperam com o constitucionalismo liberal individualista e
ingressando na história o constitucionalismo social.
Ao considerarmos a relação inicialmente feita em relação à interação entre os
conceitos de Estado de Direito, direitos fundamentais e Constituição, observamos
claramente a inexistência do primeiro, em face da ausência de efetividade dos dois
últimos. A realidade brasileira revela uma democracia frágil, um Estado de Direito
ausente e uma Constituição ineficaz, traduzindo as condições de violência e exclusão
em que vivem a maioria do povo brasileiro. Piovesan (2004), neste sentido, afirma:
O direito à inclusão social e a pobreza como violação a direitos humanos
devem ser compreendidos a partir da visão integral dos direitos humanos,
com ênfase na indivisibilidade, interdependência e inter-relação das distintas
categorias de direitos, em que os direitos sociais, econômicos e culturais
constituem autênticos e verdadeiros direitos, acionáveis, exigíveis, que
demandam séria e responsável observância.
Note-se que algumas correntes jurídicas defendem os direitos sociais e
econômicos como direitos, também de aplicação imediata e com respaldo jurídico para
ser exigido em um tribunal. Contudo, existem correntes jurídicas que não entendem os
direitos sociais como direitos reais e passiveis de serem exigidos.
Bobbio (2004) ressalta que a utilização da expressão “direito” deve ser
observada para que se possam separar as exigências de direitos futuros e os direitos
positivados e já exigíveis. Note que se trata da contraposição entre direitos não
positivados (ou como Bobbio propõe: direitos fracos) e entre direitos “fortes”, isto é, os
já positivados. Todavia, em relação à análise feita neste trabalho, cabe ressaltar o
posicionamento do autor de que “direitos” para ele são aqueles que podem ser
protegidos e exigidos através de uma corte de justiça.
Em ambos os posicionamentos tomados em relação à exigência dos direitos
sociais se poderiam usar esta argumentação. A quem adote a impossibilidade de acionar
os direitos sociais em um tribunal ou corte, caberia argüir que neste sentido não são
direitos, mas políticas, programas a serem executados, não obstante estarem definidos
como tais na constituição, e assim impossíveis de seres exigidos judicialmente. E para
que adote a possibilidade de acionar os direitos sociais em um tribunal, cabe objetar que
por serem direitos positivados, são passiveis de serem acionados judicialmente.
Contudo, Sarlet (2005) alerta que mesmo que se utilize como argumento o fato
de que a palavra “direito” aparece nos artigos que proclamam as normas programáticas,
e que por tal razão o direito fundamental está positivado como direito subjetivo, não se
conseguiria elidir as dificuldades e a problemáticas delas decorrentes para o
reconhecimento destas normas como direitos subjetivo.
Duas hipóteses de análise podem ser levantadas em relação à justiciabilidade
dos direitos sociais: a primeira se refere às normas constitucionais programáticas e sua
exigência direta sem a intermediação do legislador infraconstitucional, e a segunda se
refere a exigência dos direitos sociais já regulados infraconstitucionalmente.
Em relação à segunda hipótese o autor ressalta que não há duvidas que quando
regulado por lei ordinária a norma prevista na constituição, esta pode ser exigida
judicialmente, sem maiores controvérsias e ainda assinala que no caso do Brasil boa
parte dos direitos sociais já foi objeto de concretização pelo legislador.
Afirma que apesar de algumas normas programáticas necessitarem de
intervenção legislativa, elas sempre geram algum tipo de posição jurídico-subjetivo e
nesse sentido a doutrina nacional em sua maioria tem sustentado que esses direitos
fundamentais geram no mínimo um direito subjetivo no sentido negativo, ou seja, podese exigir do Estado que este direito não seja violado e pelo fato de que se pode declarar
a inconstitucionalidade de atos que contrariem estas normas.
Citando Canotilho ressalta ainda que a posição mais frágil neste sentido é a que
se baseia em princípios objetivos, onde se acredita que existem obrigações a serem
cumpridas pelo Estado e que este apenas tem colocada em sua atuação um dever prima
facie no sentido de sua concretização, “sem que a isto corresponda um direito subjetivo
individual à prestação que constitui o objeto precípuo do direito fundamental”.
Em relação a primeira hipótese é onde se encontram as maiores divergências e
propõe a análise da possibilidade de “saber se para além da previsão legal ou mesmo
contrariamente a esta é possível reconhecer-se um direito subjetivo com base tãosomente no preceito constitucional.”
Nesse sentido cabe citar as argumentações que partem dos lados opostos à
discussão referente à justiciabilidade dos direitos sociais e econômicos.
Os que acreditam e defendem a não justiciabilidade destes direitos defendem
que estes são direitos relativos e que somente geram direito subjetivo com base e nos
termos da legislação concretizadora. Nesse sentido Lobato (2007) ressalta:
Estes direitos, que foram constitucionalizados na primeira metade do século
XX, ainda sofrem severas críticas dos juristas vinculados ao pensamento
liberal do século XIX. Para estes, direitos humanos fundamentais seriam tão
somente as chamadas liberdades públicas: direitos individuais, coletivos e
políticos. Estes sim, merecedores de proteção jurisdicional, pelo que, as
ações constitucionais brasileiras do habeas corpus e mandado de segurança,
seriam largamente satisfatórias. Os direitos da segunda geração de direitos
humanos (da terceira fase de incorporação constitucional), não mereceriam,
dizendo de outra maneira, não poderiam gozar de uma proteção
jurisdicional, sobretudo, em razão de suas características jurídicoconstitucionais.
Afirmam que a efetivação destes direitos depende de disponibilidade de
recursos por parte do Estado e que este deve ter a capacidade jurídica de dispor deste
recurso, e caso tal tarefa seja realizada pelo Poder Judiciário implicaria em violação ao
principio de separação dos poderes e conseqüentemente ao postulado do Estado de
Direito (Sarlet, 2005).
Outra objeção a justiciabilidade dos direitos sociais estaria no fato de que estes
por se encontrarem em constante conflito com os direitos de defesa, acabam por entrar
em confronto com outras normas constitucionais e assim devem ser restringidos.
Em relação a esta argumentação, cabe destacar que tal entendimento perpassa
pela noção, já mencionada, de interdependência dos direitos civis e políticos e dos
direitos sociais e econômicos. Pensando assim, Oliveira (2002), menciona que:
Tanto histórica quanto doutrinariamente, os direitos civis e políticos da
tradição liberal podem ser vistos, para usar a expressão lefortiana, como
“fazendo um só corpo” com os direitos sociais e econômicos da tradição
socialista, uns e outros integrando igualmente o elenco da Declaração de
1948, sob a égide da qual ainda vivemos e pela qual ainda laboramos.
Essa interdependência entre os direitos econômicos, sociais e culturais e os
direitos políticos e civis, são fruto de uma nova concepção de direitos humanos. Após
os horrores da Segunda Guerra Mundial, surge um novo movimento de reconstrução
dos direitos humanos e declaração desses direitos ratificada por vários países do mundo.
A Declaração Universal dos Direitos humanos de 1948 traz em seu bojo a
concepção contemporânea de direitos humanos. “Tal concepção é fruto de um
movimento extremamente recente de internacionalização dos direitos humanos, (...)
caracterizada pela universalidade e pela indivisibilidade desses direitos” (PIOVESAN,
2007).
Essa interdependência reflete-se em nosso ordenamento jurídico. Apesar do
processo histórico que culminou com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a
inclusão dos direitos sociais como direitos fundamentais, em nosso entender, os coloca
no mesmo patamar de exigência dos direitos civis e políticos, independentemente de
teorias sobre sua eficácia. Gotti, Martins e Piovesan (2004) ainda destacam que:
Em face da indivisibilidade dos direitos humanos, há de ser definitivamente
afastada a equivocada noção de que uma classe de direitos (a dos direitos
civis e políticos) merece inteiro reconhecimento e respeito, enquanto outra
classe de direitos (a dos direitos sociais, econômicos e culturais), ao revés,
não merece qualquer reconhecimento. A idéia da não - acionabilidade dos
direitos sociais é meramente ideológica e não científica. Sob a ótica
normativa internacional, está definitivamente superada a concepção de que
os direitos sociais, econômicos e culturais não são direitos legais.
Ao discorrer sobre a diferente importância dada aos direitos sociais em face
dos direitos civis e políticos Oliveira (2002) menciona a declaração do juiz presidente
da Corte Interamericana de Direitos Humanos:
De que vale o direito a vida sem o provimento de condições mínimas de uma
existência digna? De que vale o direito a liberdade de locomoção sem o
direito a moradia adequada? De que vale o direito a liberdade de expressão
sem o acesso à instrução e educação básica? De que valem os direitos
políticos sem o direito ao trabalho? De que vale o direito ao trabalho sem um
salário justo, capaz de atender as necessidades humanas básicas?
Piovesan (2004) nesse sentido destaca que “a garantia dos direitos civis e
políticos é condição para a observância dos direitos sociais, econômicos e culturais e
vice-versa. Quando um deles é violado, os demais também o são.”.
Reforçamos que vários são os direitos sociais e econômicos, assim como vasto
é o elenco de direitos civis e políticos, portanto, não só essas categorias, gerações ou
dimensões de direitos são interdependentes entre si, mas os mais variados direitos
elencados dentro de cada categoria dependem dos outros para serem efetivados. “Só o
reconhecimento integral de todos estes direitos pode assegurar a existência real de cada
um deles” (Espiell apud Piovesan, 2004).
O reconhecimento dos direitos sociais como direitos em si é necessário para
que se possa falar em Estado de Direito, em democracia e em dignidade humana. As
concepções que consideram a saúde, a educação, o trabalho, a moradia entre outros
como programas e não como direitos, reforçam a exclusão social e intensificam as
desigualdades sociais já existentes e já tão intensas.
No que se refere ás argumentações a favor da justiciabilidade dos direitos
sociais e econômicos sustenta-se, por exemplo, que:
A natureza aberta e a formulação vaga das normas que versam sobre direitos
sociais não possuem o condão de, por si só, impedir a sua imediata
aplicabilidade e plena eficácia, já que constitui tarefa precípua dos tribunais
a determinação do conteúdo dos preceitos normativos, por ocasião de sua
aplicação (SARLET, 2005).
Também há a argumentação de que sendo possível reconhecer um significado
central e incontroverso e não o fazendo em face da ausência da lei concretizadora, estarse-ia dando mais força à lei do que a própria Constituição.
Além disso, cabe ressaltar que tratados internacionais já trazem essa
preocupação com a acionabilidade dos direitos sociais, econômicos e culturais. A
Declaração de Viena de 1993 prevê a adoção de medidas que visem assegurar a maior
justiciabilidade e a maior exigibilidade aos direitos econômicos, sociais e culturais,
como “a elaboração de indicadores técnico-científicos capazes de mensurar os avanços
na implementação desses direitos” (GOTTI, MARTINS, PIOVESAN, 2004).
Sarlet (2005) afirma categoricamente que os direitos sociais (direitos
fundamentais a prestações) são inequivocamente autênticos direitos fundamentais,
constituindo, em razão disto, direito imediatamente aplicável, nos termos do disposto no
art. 5º, § 1º, de nossa Constituição.
Tal consideração parte da premissa que o autor usa: “inexiste norma
constitucional destituída de eficácia e aplicabilidade”. E neste sentido ressalta: “Todas
as normas consagradoras de direitos fundamentais são dotadas de eficácia e, em certa
medida, diretamente aplicáveis já ao nível da Constituição e independentemente de
intermediação legislativa.”.
O Brasil necessita urgentemente de uma maior efetividade dos direitos sociais,
os indicadores econômicos e sociais do país denunciam uma enorme fragilidade na
aplicação destes direitos tendo como conseqüência uma maior exclusão e o reforço das
desigualdades sociais.
Segundo Baspineiro (2004), a tendência generalizada de concentração de
terras em poucas mãos, o crescimento dos trabalhadores sem terras e o não
reconhecimento da identidade e da territorialidade dos povos indígenas são algumas das
razões que levam a cidadania a ocupar espaços para suas exigências, como protestos,
ocupações e caminhadas, onde se utilizam de estratégias políticas, sociais e jurídicas.
Ressalta ainda importância para o fato de que efetivação desses direitos passa pela sua
justiciabilidade e exigência.
Em relação ao direito social à saúde, por exemplo, podemos citar as condições
atuais denunciadas no Relatório Brasileiro sobre direitos humanos econômicos, sociais e
culturais: meio ambiente, saúde, moradia adequada e à terra urbana, educação, trabalho,
alimentação, água e terra rural de 2003 (LIMA JUNIOR, 2003).
Segundo o relatório as seguintes condições sócio-sanitárias são destacadas no
país: índices elevados de desemprego, baixa remuneração do trabalho assalariado,
crescimento do trabalho informal e precarização das relações de trabalho agravadas pelo
ajuste econômico, persistência de bolsões de fome e miséria, crescimento da violência,
degradação ambiental, ameaças de surtos epidêmicos, e maior gasto publico nas regiões
sul e sudeste do país para a manutenção de unidades hospitalares (assistência).
Esses índices refletem nitidamente a situação em que se encontram os direitos
sociais no Brasil. É neste sentido que devemos buscar estratégias para a implementação
destes direitos, “há que se empenhar esforços no sentido de fortalecer a aplicabilidade
dos direitos sociais, econômicos e culturais, realçando o seu caráter jurídico e
acionabilidade” (GOTTI, MARTINS, PIOVESAN, 2004).
As autoras acima ainda destacam que a ausência da intervenção governamental
na proteção dos direitos sociais, econômicos e culturais são resultados da violação
destes direitos e ressaltam que esses também são fruto da ausência de pressão
internacional em favor dessa intervenção, sendo, portanto, um problema de ausência de
implementação de políticas públicas que sejam capazes de responder aos problemas
sociais acima colocados. Citando Antônio Augusto Cançado Trindade as autoras
continuam:
“Não há qualquer impossibilidade lógica ou jurídica para que assim se
proceda. Há que garantir a justiciabilidade dos direitos econômicos e sociais,
a começar pelo princípio da não-discriminação. Por que motivo em relação
aos direitos políticos são há muito condenadas práticas discriminatórias, as
quais, em relação aos direitos econômicos e sociais, persistem e parecem ser
toleradas como supostas realidades lamentáveis e inevitáveis? Há que se
submeter à justiciabilidade decisões governamentais e de organismos
financeiros internacionais que, à guisa de resolver “problemas econômicos”,
condenam ao empobrecimento, ao desemprego e à fome, se não a médio ou
longo prazo à miséria e à morte, milhares de seres humanos. Se é certo que a
vigência de muitos direitos econômicos e sociais é de “realização
progressiva”, também é certo que tal vigência requer medidas imediatas por
parte dos Estados, certas obrigações mínimas em relação a um núcleo de
direitos de subsistência (direitos à alimentação, à moradia, à saúde, à
educação, somados ao direito ao trabalho), quando pouco para neutralizar os
efeitos devastadores de políticas recessivas, particularmente sobre os
segmentos mais carentes ou vulneráveis da população”.
Em relação às diversas problemáticas apontadas, trabalhar pelos direitos sociais
e econômicos supõe a superação da pobreza e o caminho do desenvolvimento;
construção de uma democracia real e inclusiva para homens e mulheres; garantia da paz
e de uma vida digna; promoção da exigibilidade dos direitos sociais, econômicos e
culturais com a participação popular e a ampliação de alianças de todos os setores
sociais; avanço nos caminhos da justiciabilidade destes direitos e recuperação da
conceituação de integralidade e indivisibilidade de todos os direitos humanos
(BASPINEIRO, 2004).
A importância da justiciabilidade dos direitos sociais se revela, portanto, frente
a uma onda de miséria e de desrespeito aos direitos humanos dos que mais necessitam,
ou seja, a maioria da população brasileira. A necessidade da defesa judicial dos direitos
sociais parte da premissa de que o Estado encontra-se ausente na vida dos brasileiros e
contribuindo para o aumento das desigualdades sociais, cabendo ao poder judiciário,
quando necessário, a defesa do Estado de Direito.
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