Ministério da Saúde
Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários
Os Cuidados de Saúde Primários
nas
Unidades Locais de Saúde
Documento de trabalho - versão de 2012.09.30
Membros do Grupo
Carlos Nunes; Cristina Correia; Cristina Ribeiro; Cristina Santos;
Luís Marquês; Maciel Barbosa; Maria da Luz Pereira; Pedro
Pardal; Teresa Seixas; Vítor Ramos (coordenador)
Setembro de 2012
Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012
A - Parecer sobre o processo das Unidades Locais de Saúde (ULS)
1. A prestação de cuidados de saúde: Cuidados de Saúde Primários e Cuidados de
Saúde Hospitalares
Os Cuidados de Saúde Primários (CSP), conceito estabelecido em 1978 na Conferência de
Alma-Ata organizada pela OMS e pela UNICEF, constituem a principal estrutura de um sistema
de saúde, quer pela dimensão de problemas de saúde que resolvem (80 a 85%), quer pela
diversidade de intervenções que asseguram. Atuam ao longo de todas as fases da vida e
integram todas as modalidades de intervenção em saúde: promoção da saúde, prevenção da
doença, diagnóstico precoce, terapêutica adequada, reabilitação e reinserção social.
Localizam-se próximo da população e são pró-ativos para com os cidadãos, designadamente
com os mais vulneráveis, contribuindo para promover a equidade e garantir o acesso aos
cuidados de saúde. Promovem a participação ativa dos cidadãos no seu processo de saúde e
no dos outros. Conferem, comprovadamente, mais efetividade e eficiência aos sistemas de
saúde.
Os CSP asseguram a maior fatia do total da prestação de cuidados de saúde à população,
nomeadamente à população portuguesa: em 2009 (último ano com estatísticas de produção dos
CSP e dos Cuidados de Saúde Hospitalares, divulgadas pela DGS) os CSP produziram 34,4 milhões de
consultas médicas, para além dos cuidados prestados por outros profissionais e de uma grande
diversidade de intervenções do âmbito da saúde pública e da saúde comunitária, ainda não
devidamente apuradas pelas estatísticas oficiais.
Daí que, em 2008, a OMS relembrasse aos responsáveis pelos países de todo o mundo, no seu
relatório “Cuidados de Saúde Primários - Agora Mais do que Nunca”, que a estratégia dos CSP
mantinha-se atual e deveria ser assumida como um compromisso por todos os governos.
A organização dos CSP não é consensual, muito menos homogénea entre os diferentes países.
Sofre a influência dos princípios estruturantes do financiamento dos respectivos sistemas de
saúde, tenha ele tido inspiração no modelo “bismarkiano” dos seguros de saúde ou no
“beveridgiano” dos serviços nacionais de saúde (SNS) ou sejam modelos mistos. Portugal
optou, há mais de 30 anos, por um SNS, com garantia da universalidade de acesso. Este, tem
sido socialmente assumido como um bom modelo, com reconhecimento internacional e
dispõe de uma excelente rede de centros de saúde localizados próximos da população.
Igualmente a reforma dos CSP, em curso desde 2005, tem merecido um amplo consenso entre
todas as forças partidárias do país, tem tido o agrado da população e gerado satisfação nos
profissionais.
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1.1. Cuidados de Saúde Primários
Os cuidados de saúde prestados pelos CSP diferenciam-se, em muitos aspectos, dos que são
praticados nos Cuidados de Saúde Hospitalares (CSH):
a) Preocupam-se com toda a população, tanto na saúde como na doença
Os CSP preocupam-se com toda a população, quer com as pessoas saudáveis quer com as
pessoas doentes que têm problemas de saúde agudos ou crónicos. Com todas elas visam
proteger e melhorar o seu estado de saúde, promovendo comportamentos e atitudes
saudáveis, procurando evitar que adoeçam, desenvolvendo estratégias de prevenção primária
e secundária, diagnosticando as doenças o mais precoce possível para que haja cura e não
resultem sequelas. Prestam cuidados holísticos, globais com a preocupação de serem próativos. Tomam a iniciativa de contactar as pessoas quando estas não comparecem para vigiar
ou tratar a sua saúde, com particular preocupação com os mais vulneráveis, quer na
perspectiva da iliteracia em saúde, quer pela maior fragilidade ou por situações de exclusão
social.
b) Promovem a continuidade de cuidados e a coordenação e gestão dos processos
assistenciais
No processo da prestação de cuidados aos doentes as equipas de Saúde Familiar assumem o
importante papel de “gestores do processo assistencial”: são os primeiros a acolher e a prestar
cuidados aos doentes, se necessário encaminham os doentes para os CSH para realizarem
meios complementares de diagnóstico mais sofisticados e/ou serem observados e tratados
pelos especialistas hospitalares, recebendo-os após a alta hospitalar, acompanhando-os na
evolução de todos os tratamentos, garantindo a sua continuidade e integração, monitorizando
os efeitos secundários e procurando prevenir danos iatrogénicos (prevenção quaternária) , de
modo a diminuir o sofrimento e as limitações funcionais aos doentes, as eventuais sequelas
das doenças, bem como o impacte das situações nos cuidadores.
c) Promovem a saúde e o “empowerment” dos cidadãos, das famílias e da comunidade
Os CSP, com os contributos de todos os seus profissionais (médicos de família, médicos de
saúde pública, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos, assistentes sociais,
higienistas orais, técnicos de saúde ambiental, podologistas, entre outros), promovem a
melhoria do estado de saúde das pessoas e potenciam o empowerment dos cidadãos, das
famílias e da comunidade e das suas instituições. Esta é uma estratégia fundamental que
corresponde ao que a OMS recomenda: “Agarra a saúde com as tuas mãos” e a “Saúde em
todas as políticas”.
d) Podem e devem atingir uma capacidade resolutiva muito elevada
Os CSP podem responder à grande maioria dos problemas e das necessidades em saúde
decorrentes dos problemas de saúde crónicos e agudos, induzindo uma diminuição da procura
de cuidados hospitalares, reduzindo a necessidade de recurso a cuidados mais complexos e a
tecnologia mais dispendiosa que as fases mais avançadas das doenças requerem.
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1.2. Cuidados de Saúde Hospitalares
Quanto aos CSH, historicamente mais antigos e ainda muito valorizados culturalmente pelas
pessoas, prestam, quase em exclusividade, cuidados de saúde às pessoas doentes, que lhes
são referenciados pelas equipas de saúde familiar ou às que, por iniciativa própria, procuram
os serviços de urgência. Estão especialmente vocacionados para:
a) Disponibilizar exames e tratamentos que requeiram tecnologia sofisticada, pesada e
dispendiosa
Os CSH executam técnicas de diagnóstico e de tratamento (MCDT) que exigem meios mais
diferenciados e tecnologia sofisticada e dispendiosa, que, por sua vez, impõe uma certa
concentração de doentes, um grande número de execuções de exames, de modo a garantir a
melhor perícia aos profissionais e os melhores resultados aos doentes.
b) Intervir em situações clínicas de maior gravidade ou que requeiram intervenções muito
específicas, quer em regime de internamento quer em regime de ambulatório
Com a preocupação atual de pensarmos prioritariamente nos doentes, e em que todo o
processo assistencial deve ser concebido colocando o cidadão doente no seu centro, associado
ao aumento das doenças não transmissíveis, das doenças crónicas e das situações cada vez
mais prevalentes de multimorbilidade crónica, decorrentes do crescente envelhecimento da
população, estamos a assistir a um progressivo aumento dos atendimentos hospitalares em
regime de ambulatório.
c) Prestar cuidados de elevada intensidade num período de tempo o mais curto possível
Os CSH, quando perspectivados segundo o conceito dos “processos assistenciais integrados”
são cada vez mais concentrados e limitados no tempo em que são prestados, exigem muitos
recursos técnicos e humanos, o que faz com que as suas intervenções apresentem sempre um
elevado custo por doente tratado, quer pelos preços da tecnologia e do material de consumo
que necessitam, quer pela intensidade e diversidade de procedimentos em termos de recursos
humanos envolvidos. Daí, que os custos e os orçamentos dos CSH sejam sempre muito mais
elevados do que os dos CSP, fazendo com que, em termos globais, estes sejam mais efetivos e
eficientes, apesar de prestarem cuidados, em cada ano, a um número muito mais elevado de
pessoas.
Pelo exposto, poderemos concluir que os CSP e os CSH são instituições distintas, têm
preocupações e práticas diferentes, têm uma missão, estruturas organizacionais e funcionais e,
até, culturas e atitudes distintas (Quadro 1), que devem ser diferentes para que sejam
complementares e, assim, cada um dos sectores possa assumir o seu papel social, que lhe é
exigido nos processos assistenciais e de proteção e promoção da saúde.
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2 . Integração de cuidados - os “processos assistenciais integrados” e as ULS
A preocupação em prestar os melhores cuidados de saúde a um doente, no mais curto período
de tempo, sem duplicações, sem danos iatrogénicos, fazendo tudo e só o que realmente
precisa, aos menores custos e de modo a obter os melhores resultados em saúde para o
doente e o menor impacte nos familiares, cuidadores e na sociedade, há muito tempo que
mobiliza os profissionais de saúde e os administradores dos serviços de saúde e lhes causa
preocupação o modo e o processo como são prestados os referidos cuidados de saúde.
Esta preocupação foi dando origem a termos e a conceitos que têm evoluído ao longo do
tempo. Inicialmente surgiu a expressão “articulação de cuidados”, de que resultaram conceitos
como as redes de referenciação, as cartas hospitalares, as áreas de influência, entre outros).
Seguidamente enfatizou-se a “continuidade de cuidados”, valorizando-se o continuum que
deve ser o processo assistencial entre os CSP e os CSH. Ultimamente tem sido dado ênfase ao
conceito “integração de cuidados”, que procura incluir e integrar os conceitos anteriores, a
articulação entre os profissionais e as instituições CSP e CSH, bem como a sua continuidade,
optimizando os recursos disponíveis na sociedade e evitando-se o risco de perda de
oportunidade de prestar bons cuidados aos cidadãos.
Associado a este último conceito de integração de cuidados surgiu um novo conceito e uma
nova expressão que têm ganho visibilidade pela sua consistência: o de “processo assistencial
integrado”. É uma abordagem que pretende integrar os conceitos anteriores, associando-lhes
o pormenor do timing certo em que cada prestador deve intervir, clarificar o contributo e a
responsabilidade de cada interveniente, a sinergia entre os diferentes intervenientes no
processo assistencial, os seus resultados e o impacte do mesmo, com os menores custos
possíveis. Enfim, um dado doente necessita de um variado número de intervenções
executadas por diferentes profissionais, com perícia para tal e no momento mais adequado,
independentemente de ser dos CSP ou dos CSH.
Se forem definidos todos os passos a dar para estudar e tratar uma pessoa, clarificam-se
funções e responsabilidades, evitam-se desperdícios e efeitos secundários, e obtêm-se os
maiores ganhos em saúde com os menores custos.
O “processo assistencial integrado” é mais um passo no processo de melhoria da qualidade em
saúde, tem mais complexidade, exige maior disponibilidade aos profissionais e aos serviços dos
CSP e dos CSH, mas garante que certos conceitos não se fiquem em palavras ocas, tais como:
“ganhos em saúde”, “o doente no centro do sistema”, “efetividade” e “eficiência”.
Ao longo dos anos, várias iniciativas foram sendo tomadas pelos diferentes ministérios da
saúde dos diferentes países no sentido de garantir os melhores cuidados aos menores custos e
Portugal não foi exceção. A melhor experiência ocorreu com a rede distrital de “Unidades
Coordenadoras Funcionais” (UCF), liderada pela Comissão Nacional da Saúde da Mulher e da
Criança, que de uma forma simples, funcional, sem poder formal e quase sem custos,
mobilizou e envolveu profissionais médicos e de enfermagem dos CSP e dos CSH, atribuindolhes a responsabilidade de acompanhar todo o processo da prestação de cuidados de saúde às
grávidas, aos recém-nascidos e às crianças, de detectar necessidades e inconformidades e de
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apresentar propostas concretas para as ultrapassar, aos responsáveis de ambos os lados, dos
CSP e dos CSH. Esta solução do tipo “ovo de Colombo” proporcionou ao país e às pessoas
excelentes resultados. Contudo, porque será que esta solução nunca foi aplicada às restantes
áreas dos cuidados de saúde ou, pelo menos, a mais algumas?
Outras boas experiências ocorreram conjunturalmente em alguns lugares, de que a mais
sustentada, e com melhores resultados, foi a boa articulação entre o hospital pediátrico de
Coimbra e os centros de saúde daquele distrito. São também de mencionar a que ocorreu no
distrito de Setúbal entre a ex - Sub-Região de Saúde, seus centros de saúde e o hospital Garcia
de Horta, ou idênticas experiências nos distritos de Viana do Castelo ou de Braga. Mas, estas
experiências foram bem mais voláteis e dependeram dos líderes e do tempo que ocuparam os
lugares de topo daquelas instituições CSP e CSH, para rapidamente passaram a trabalhar, outra
vez, cada uma para seu lado, muitas vezes de “costas voltadas uns para os outros”, quando
não competiam ou se “guerreavam”.
Na década de 90 foi criada a primeira Unidade Local de Saúde (ULS) de Matosinhos, em regime
experimental. Tratava-se de uma exceção ao modelo então delineado e designado por
Sistemas Locais de Saúde (SLS) que chegou a ter tradução legal. O objetivo desta exceção e
primeira experiência era o de estudar e avaliar se com este modelo organizativo dos serviços
do SNS, com gestão comum e um único Conselho de Administração para os serviços dos CSP e
CSH (um hospital novo e quatro centros de saúde) se potenciavam os resultados em termos de
integração dos cuidados, e se, de facto, se proporcionavam melhores cuidados a menores
custos e com mais impacto objectivável na saúde da população.
Este tipo de solução organizativa dos serviços de saúde, os seus resultados e o seu impacte
nunca foram devidamente avaliados, mas, por pressões diversas sobre os decisores políticos, o
modelo ULS foi sendo replicado, existindo neste momento sete ULS no país.
O modelo ULS tem sustentadamente merecido intensas críticas por parte dos profissionais dos
CSP, porque se sentem como que de segunda prioridade face aos CSH, dado que os Conselhos
de Administração (CA) se preocupam muito mais com as estruturas e problemas hospitalares e
com os avultados meios que estes implicam aos CSH. A promoção da saúde e a prevenção das
doenças passam para segundo plano. Como os custos e os problemas dos CSH são muito mais
elevados do que os dos CSP, acabam por absorver quase por completo a atenção e as
preocupações dos dirigentes gestores, mesmo que alguns estes sejam originariamente
profissionais dos CSP. Por outro lado, os cuidados agudos hospitalares, os meios
complementares de diagnóstico e as tecnologias pesadas continuam, ainda, a ser mais
valorizados pelos cidadãos e pelos políticos.
Na prática têm faltado aos CSP a autonomia e o apoio que necessitam para se desenvolverem
e para assegurarem as melhores respostas às necessidades em saúde da sua população. Os
ganhos do modelo ULS parece resumirem-se à concentração dos serviços de apoio, ganhos
esses que são de pouca monta e só existem nos primeiros tempos. Daí a argumentação de
que, na perspectiva de saúde para a população, não se vislumbram vantagens relevantes na
solução ULS, preferindo-se que seja atribuída aos CSP uma autonomia idêntica à que sempre
tiveram os hospitais (por mais pequenos que fossem), mas com mecanismos de
responsabilização e de prestação de contas que os hospitais só recentemente começam a ter.
Com esse aumento de responsabilidade os CSP saberão desenvolver procedimentos, conceber
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protocolos e acordar bons processos assistenciais com os CSH, como, por exemplo, os que
resultaram das unidades coordenadoras funcionais (UCF) em saúde da mulher e da criança.
As ULS são uma solução que tem sido valorizada por alguns dirigentes hospitalares, por
políticos e por pessoas com uma visão estreita da gestão financeira dos serviços de saúde,
alegando que a gestão integrada permitiria uma melhor e mais maleável utilização dos
dinheiros públicos, designadamente porque os montantes em jogo são de maior dimensão,
acrescentando que se um único CA tem a responsabilidade pelo funcionamento quer dos CSP
quer dos CSH, a integração de cuidados e a gestão dos recursos tem, assim, melhor hipótese
de serem bem concretizados, do que se existirem dois CA, duas estruturas autónomas e
separadas. Tal ideia ainda não foi comprovada por qualquer estudo adequadamente
desenhado e conduzido.
Uma outra faceta das ULS que ainda gera muita discussão e necessita de muita ponderação e
investigação é o modelo de financiamento das ULS. Por capitação? Total ou parcelar, como
ocorre hoje, ficando a cargo das ARS os medicamentos e o pagamento aos convencionados?
Como se calcula aquele valor e se garante a sua adequação, a sua proporcionalidade às
diferentes necessidades em saúde das populações das diferentes ULS? Como se ponderam os
pesos das diferentes estruturas demográficas, dos diferentes determinantes sociais, das
distâncias a percorrer pelas pessoas das diferentes ULS, ou os seus diferentes índices de
rendimento socioeconómico? Como se devem contratualizar os orçamentos das suas unidades
funcionais internas, que devem ser autónomas, que critérios utilizar para os CSP ou para as
áreas médicas ou cirúrgicas dos CSH? Como se previnem engenharias financeiras que usem os
CSP para mascarar desmandos na gestão dos CSH?
Em países, como a Espanha, também foram implementados modelos semelhantes ao das ULS
em algumas regiões e a sua avaliação contínua a não gerar consenso entre os que o defendem
e os que preferem manter a autonomia dos dois grandes subsectores da saúde (CSP e CSH); ou
em Inglaterra, com a experiência de “fund holding”, em que os orçamentos globais (retiradas
algumas componentes muito específicas) eram totalmente entregues aos CSP, sendo estes a
decidir a que hospitais compravam os serviços de CSH para os seus doentes e que tem tido
evoluções subsequentes, sem que se possa considerar que tal modelo seja alargável a outros
países.
Concluindo, até hoje, não há evidência científica produzida a nível nacional ou internacional
que seja suficientemente robusta para dar indicações mais precisas sobre qual é o melhor
modelo de organização dos serviços de saúde, que salvaguarde mais e melhores cuidados,
melhor integração de cuidados, mais ganhos em saúde para a população a curto e a médio
prazo e com menores custos.
3. As ULS e a necessidade de avaliação do modelo
Pelo exposto e antes de se avançar para a elaboração de um novo modelo de estatutos para as
ULS, como o que já está em curso, ou de se alargar o modelo a outras áreas, como consta que
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Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012
está a ser estudado, o bom senso aconselha/obriga que o Ministério da Saúde promova uma
avaliação isenta, ampla, rigorosa, credível e externa às diferentes ULS, ao seu funcionamento e
aos resultados obtidos em termos de saúde, de custo-eficiência e custo-efectividade, ou em
satisfação da população e dos profissionais, cujos resultados permitam conhecer de forma
clara, precisa e robusta os aspectos positivos e os negativos daquela solução organizativa, de
modo a que o conhecimento e a razão prevaleçam sobre os argumentos opinativos, mais ou
menos emotivos ou de poder ou sobre os excessos de certezas que perduram entre alguns
profissionais de saúde e alguns decisores políticos.
Assim, o Ministério da Saúde poderá decidir mais acertadamente sobre a evolução estratégica
que pretende para os serviços de saúde, garantindo aos portugueses o valor social
correspondente a um bom retorno do seu dinheiro.
B – Algumas sugestões para a melhoria de funcionamento das ULS
existentes, para que contribuam para o desenvolvimento dos CSP e o seu
impacto na saúde da população
Neste momento (Setembro de 2012) e com a preocupação de garantir o bom funcionamento e
o desenvolvimento dos CSP que se encontram integrados nas ULS, em equidade com os dos
ACES do restante país, propõe-se algumas medidas:
a) Equidistância e equilíbrio de atenção e ação dos CA das ULS
Os CA das ULS devem ficar fisicamente instalados o mais equidistantes que for possível dos
hospitais e dos centros de saúde que administram. Este facto pode contribuir, facto que
contribuirá para garantir a equidistância necessária dos gestores aos dois subsectores da
prestação de cuidados: aos CSP e aos CSH.
b) Missão dos CA das ULS – ganhos em saúde objetiváveis, para a população
Os "Planos Estratégicos e de Atividades das ULS” devem ser concebidos sobre o
“Diagnóstico de Saúde da População” e a proposta de “Plano Local de Saúde” elaborados
pela respectiva Unidade de Saúde Pública, garantindo que a preocupação com a saúde da
população prevalece sobre a rotina de funcionamento dos serviços e os seus tradicionais
algoritmos, os interesses dos profissionais e/ou dos serviços. Convém, aqui, reforçar a
necessidade de aperfeiçoar os critérios para o financiamento por capitação e que a
contratualização das ULS deve ser indexada às especificidades dos problemas de saúde e
de todos os seus determinantes que se encontram na população de cada ULS.
c) Desenvolvimento da governação clínica e de saúde transversal aos CSP e aos CSH
As ULS constituem uma excelente oportunidade para garantir que a “governação clínica e
de saúde” se aplica transversalmente aos CSP e aos CSH, garantindo-se que a “integração
de cuidados” e/ou os “processos assistenciais integrados” constituem o referencial para a
prestação de cuidados. Esta preocupação deve ser reflectida nos respectivos
“Regulamentos internos” das ULS. Tal como no ACES está previsto um “Conselho clínico”
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pluridisciplinar, concepção que garante o empenho e a motivação para o trabalho em
equipa e a sinergia entre os contributos dos diferentes profissionais, idêntica formulação
deve ser pensada para o hospital, que deve substituir a clássica concepção de um diretor
clínico e de uma direção de enfermagem separadas e verticais, dado que nos CSH também
se impõe um trabalho em equipa, que progressivamente tem exigido um maior número de
diferentes profissionais.
d) Autonomia organizativa e de gestão com responsabilização, avaliação e prestação
de contas
Os CSP, que em termos conceptuais e legais correspondem ao “agrupamento de centros
de saúde” (ACES) de uma ULS, devem ter o mesmo grau de autonomia de gestão, de
contratualização e de responsabilização que qualquer “unidade autónoma de gestão” ou
departamento da ULS (das áreas médicas, cirúrgicas ou dos meios complementares de
diagnóstico ou dos serviços de apoio), devendo o seu órgão de gestão negociar
anualmente com o CA o seu próprio contrato-programa e de investimento.
e) Transparência na alocação de recursos
As ULS devem ter uma preocupação acrescida em garantir a transparência na alocação dos
recursos, designadamente dos financeiros, atribuídos quer aos CSP quer aos CSH, para que
não se alimentem dúvidas sobre a estratégia e as prioridades de gestão do CA, face às
necessidades e prioridades em saúde da população.
f) Harmonização da organização e do funcionamento dos CSP em todo o território
continental
Os ACES das ULS devem, no cumprimento da Lei, adoptar e adaptar o figurino tipo da
organização dos demais ACES do Continente e tirar partido das soluções que as ULS
proporcionam. Por exemplo: os ACES das ULS já não precisarão de dispor de uma UAG,
porque estas funções são asseguradas pelas estruturas de apoio horizontais das ULS,
comuns aos CSP e aos CSH; a função de Diretor Executivo deve estar cometida ao
presidente do órgão de gestão do ACES, como indicado na alínea d); mas, já o Conselho
Clínico e o seu Presidente devem cumprir integralmente o que está determinado para
todos os ACES.
g) Visão e orientação do CA das ULS
A haver uma diminuição do número de médicos nos CA das ULS, como é proposto no
documento que já se encontra em discussão para um novo estatuto para as ULS, esse
único médico deve ser, obrigatoriamente, de uma das especialidades médicas dos CSP
(medicina geral e familiar ou saúde pública), pela simples razão de que estes profissionais
possuem uma maior experiência em “governação de saúde”, bem como conhecem com
mais detalhe o maior número das intervenções em saúde de um “processo assistencial
integrado”, estratégia que é a razão de ser de constituição das ULS.
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Quadro I
Cuidados de saúde primários e hospitais - interface entre culturas sóciotécnicas distintas
Centros de saúde
Atitude predominante
Entrosamento com a
comunidade
Posicionamento
sistémico
Modo de produção de
cuidados
Cerne organizativo
Ritmo
Enfoque prioritário
Abordagem
Postura de acção
Objectivo principal
Interface
Hospitais
Mais relacional
Tecnologias
apropriadas
Mais tecnológica
Proximidade
Interligação
Maior distanciamento
Linha da frente
Referenciação
Retaguarda
Mais flexível e
personalizada
Comunicação
Mais “padronizada”
Pequenas equipas
multiprofissionais com
missões específicas
Cooperação
Pólos tecnológicos e
equipas muito
especializadas
“Medicina lenta” e
cuidados ao longo do
tempo e da vida
Continuidade
Intensidade de
cuidados por períodos
de tempo curtos
Educação – prevenção
capacitação autonomia
Integração de
cuidados
Episódio de cuidados
Pessoa-famíliacomunidade
Antecipação
Melhorar o potencial
de saúde da
comunidade e de cada
pessoa com o seu
envolvimento na
gestão da sua saúde
Contextualização
Doença(s) – caso
clínico
Contratualidade
Resposta
Complementaridade
Resolução célere de
cada episódio de
doença
Adaptado do Relatório do Grupo Técnico para a Reforma dos Cuidados de Saúde Primários – Lisboa, Julho de 2005.
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