UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA – UNISUL GIZELI ALINI BRAGA O DIREITO FUNDAMENTAL À VAGA EM CRECHE Florianópolis, 2009. GIZELI ALINI BRAGA O DIREITO FUNDAMENTAL À VAGA EM CRECHE Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel. Orientador e Professor: Nélio Zimermman Florianópolis. 2009. GIZELI ALINI BRAGA O DIREITO FUNDAMENTAL À VAGA EM CRECHE Esta monografia foi julgada adequada a obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovada em sua forma final pelo curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina. Florianópolis, 11 de novembro de 2009. ______________________________________________ Prof. e Orientador Nélio Zimernann Universidade do Sul de Santa Catarina ______________________________________________ Prof. Universidade do Sul de Santa Catarina ______________________________________________ Prof. Universidade do Sul de Santa Catarina 4 Dedico especialmente a meus pais Ivan e proporcionaram Vera, que me uma vida de respeito e dignidade. 5 AGRADECIMENTO Primeiramente quero agradecer a DEUS, por ter me dado vida, saúde e uma família que é minha razão de viver. Agradecer e honrar os meus pais pela dedicação e lição de vida que com todo carinho e amor, me proporcionaram exemplos de dignidade, respeito pelo próximo, caráter e humildade. Respeitando-me e me incentivando em todos os momentos de minha vida, A minhas irmãs e meu sobrinho por quem tenho um amor incondicional. A minha grande família por parte de pai e por parte de mãe que sempre estende a mão quando preciso Aos meus amigos dentro e fora da faculdade, que de forma direta ou indireta contribuíram momentos de felicidades e por quem tenho carinho especial. E com certeza ao meu orientador e professor Nélio, que além de professor, é uma pessoa iluminada por DEUS, me passando com toda paciência e dedicação seu saber, quero agradecer de coração a ele a maneira honesta e humilde de ter me ajudado neste trabalho. A todos aqueles que de alguma forma acreditaram e confiaram em mim. 6 RESUMO A creche municipal é importante na vida de milhares de brasileiros, que dependem dessa unidade de ensino municipal para deixar seus filhos em segurança, enquanto os pais exercem a atividade laborativa. Apesar do caráter social, pois oferece alimentação e cuidados para as crianças, esta instituição de ensino também possui uma importância particular, que é a função pedagógica, que auxilia no desenvolvimento psíquico e mental da criança. É importante ressaltar que apesar do Direito à vaga em Creche ser considerado fundamental para as crianças de zero a cinco anos, de acordo com a previsão legal da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente, muitas crianças não conseguem ser matriculadas em virtude da falta de vaga. É evidente que as crianças que não estão inseridas na creche, por uma problemática de responsabilidade do município, possuem seu direito violado. Por isso, os genitores devem procurar o Conselho Tutelar. Este órgão aplicará a medida administrativa pertinente para garantir o direito das crianças à creche e caso não consigam obter sucesso na aplicação da requisição perante a Secretaria Municipal de Educação, poderá haver a informação do caso para o Ministério Público. Desta forma, se sucederá uma Ação Civil Pública, com o intuito de garantir o Direito a Vaga em Creche e a responsabilização do Poder Público, neste caso, o município. A decisão da ação cabe ao Juiz de Direito, que deve aplicar as leis pertinentes ao caso. Porém, é importante que o magistrado perceba que a situação é delicada, visto tratar-se de um ser em condição peculiar de desenvolvimento e com necessidade de proteção integral. Palavras-chave: Creche. Direito Fundamental. Conselho Tutelar. Ministério Público. Poder Judiciário. 7 LISTA DE ABREVIATURAS CRFB-Constituição da República Federativa do Brasil CT - Conselho Tutelar ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente LDB - Lei de Diretrizes Básicas SIPIA - Sistema de Informação para a Infância e Adolescência RE - Recurso Especial TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina 8 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................09 2 O PERÍODO HISTÓRICO DO DIREITO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE ...................11 2.1 O Primeiro Grande Marco Histórico do Direito da Infância e Juventude - Código de Menores de 1979 ou Código Mello Mattos.................................................................... 16 2.2 O Segundo Grande Marco Histórico do Direito da Infância e Juventude – A Constituição ―Cidadã‖ (CRFB DE 1988) ........................................................................19 2.3 O Terceiro Grande Marco Histórico do Direito da Infância e Juventude - Assembleia Geral das Nações Unidas (20 de novembro de 1989)....................................................21 2.4 O Quarto Grande Marco Histórico do Direito da Infância e Juventude - Estatuto da Criança e do Adolescente ( Lei Federal n° 8.069/1990).................................................22 3 A IMPORTÂNCIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO PARA AS CRIANÇAS....................27 3.1 O Direito Fundamental à Educação..........................................................................31 3.2 A Educação é um direito subjetivo público?............................................................. 36 3.3 O Direito à creche das crianças ...............................................................................38 3.4 O Direito a vaga em creche e o Poder Público.........................................................42 4 A GARANTIA DO DIREITO À VAGA EM CRECHE ...................................................45 4.1 O Conselho Tutelar ..................................................................................................47 4.2 O Ministério Público..................................................................................................55 4.3 O Poder Judiciário ....................................................................................................57 5 CONCLUSÃO .............................................................................................................62 REFERÊNCIAS ..............................................................................................................66 ANEXO........................................................................................................................... 70 ANEXO A....................................................................................................................... 71 ANEXO B........................................................................................................................78 9 1 INTRODUÇÃO A presente Monografia foi elaborada tendo por objetivo verificar a importância da obediência dos artigos 208, 209, 210 e 227 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e a aplicação dos artigos 53 e 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente. A definição deste tema como objeto do presente trabalho, se deve ao fato da importância da realização de estudo mais aprofundado acerca da necessidade da aplicação dos Direitos Fundamentais e dos procedimentos administrativos e judiciais no caso de falta de vaga em creche. O Direito Fundamental é de extrema importância para os indivíduos e é um direito constitucional. Por isso, o Direito à Vaga em Creche é considerado Direito Fundamental, pela relevância social na vida dos cidadãos e principalmente, para as crianças. A creche é um lugar onde as crianças permanecem enquanto seus pais trabalham, neste local há a presença de pessoas especializadas. Nesta instituição, as crianças têm seus direitos garantidos, pois recebem alimentação, apoio pedagógico, carinho e segurança. A creche possui duas funções: social e pedagógica. A primeira faz referência aos cuidados das crianças, desde a hora de comer até a prática do sono. Quanto ao caráter pedagógico, diversas atividades melhoram o desempenho psíquico e mental, a contar com a prática de atividades esportivas ao convívio social com outras crianças da mesma faixa etária. O estudo monográfico tem por objetivo identificar quais atitudes a família pode adotar no caso de não conseguir matricular seu filho ou pupilo na creche municipal, em virtude da problemática da falta de vaga. Também é seu objetivo apresentar o Conselho Tutelar; que é o órgão encarregado de zelar pelos direitos de crianças e adolescentes, conforme determina o Estatuto da Criança e do Adolescente. Por último, visa identificar quais procedimentos o Conselho Tutelar adota no caso de falta de vaga em creche. 10 O objetivo institucional do presente trabalho consiste na elaboração de Monografia para a obtenção do título de Bacharel em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL – Norte da Ilha. O problema estabelecido em razão da investigação realizada foi o seguinte: O direito a vaga em creche é considerado Direito Fundamental? E na violação deste direito, quais as medidas cabíveis para a sua efetivação? A referida hipótese se sustenta no pressuposto de que as informações referentes ao Conselho Tutelar são de extrema importância para a sociedade, que deve exercer seus direitos, quando estes forem violados pelo Poder Público. O método investigatório a ser adotado é o indutivo, haja vista que a partir do Direito Fundamental será efetuada toda investigação que deverá atingir o objetivo almejado. Para responder a questão formulada, confirmando ou não a hipótese apresentada, dividiu-se o presente trabalho em três capítulos. O primeiro trata da evolução histórica do Direito da Infância e Juventude no Brasil. Desde as primeiras evidências da prática deste Direito, até sua trajetória nos dias atuais, com a criação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente. O segundo capítulo versa sobre a educação e sua importância na vida das crianças. Além disso, a educação é considerada um Direito Fundamental e Direito Subjetivo Público. É evidente que a creche está interligada ao direito à educação das crianças e é dever do Poder Público garantir tal direito. O terceiro capítulo refere-se à garantia do direito a vaga em creche, no caso de sua não oferta pelo município, apresenta-se o Conselho Tutelar, como órgão encarregado de lutar pelos direitos de crianças e adolescentes. Caso as medidas aplicadas por este órgão não sejam cumpridas, este deverá acionar o Ministério Público, que deverá ingressar com a ação judicial pertinente perante o Juizado da Infância e Juventude. Por fim, haverá a explanação referente ao Poder Judiciário e suas atribuições. 11 2 O PERÍODO HISTÓRICO DO DIREITO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE O início do desenvolvimento histórico do direito da infância e juventude no Brasil dá-se através das Ordenações Manuelinas, durante o período de reinado de D. Manuel, que previa ao juiz a permissão de ―aplicar uma pena reduzida ao delinqüente que tivesse entre 17 e 20 anos de idade, proibida a imposição de pena de morte aos menores de 17 anos (Livro III, Título LXXXVIII)‖ 1. Clícia Maria Leite Nahra e Mônica Bragaglia acreditam que: Uma primeira fase poderia ser fixada entre 1500 e alguns anos antes da abolição da escravatura no Brasil. O símbolo maior desse período seriam as Rodas dos Expostos, instaladas nas Santas Casas de Misericórdia, que eram o centro do modelo português.2 No ano de 1603, o Rei Filipe II (Felipe III da Espanha) criou as Ordenações Filipinas, ―que pouco alteraram, especialmente quanto aos menores, as Ordenações Manuelinas‖ 3. Entretanto, conforme explica Roberto Barbosa Alves: O Livro V, Título CXXXV, continha uma regra geral, excepcionada por normas particulares: os menores de 17 anos eram isentos da pena capital e sujeitos às demais: entre os 17 e os 20 anos, o delinqüente poderia receber qualquer pena, se houvesse atuado com ―grande malícia‖, ou tê-la diminuída se não atuasse com tal malícia; a imputabilidade era completa acima dos 20 anos. As Ordenações Filipinas foram as primeiras editadas também no Brasil, na época em que aqui começavam a surgir estudiosos do direito.4 Segundo Martha de Toledo Machado: Foi no final do século XVII, início do século XVIII, em primeiro lugar, que a categoria infância começa a ser identificada pelo social. Na Idade Média, ao contrário, a infância não era percebida como categoria diferenciada dos adultos. Entretanto, com a posterior concentração das comunidades humanas nas cidades e o contemporâneo nascimento da escola como instituição (espaço público onde parte das crianças passou a ser educada e socializada), tal situação mudou. E não apenas a humanidade começou a distinguir 5 conceitualmente crianças de adultos. 1 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 01. NAHRA, Clícia Maria Leite. Mônica Bragaglia. Conselho Tutelar: gênese, dinâmica e tendências. Canoas: Ed. ULBRA, 2002. p. 44. 3 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e Juventude. 4 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e Juventude. 5 MACHADO, Martha de Toledo. A Proteção Constitucional de Crianças e Adolescentes e os Direitos Humanos. Barueri, SP: Manole, 2003. p.29. 2 12 Durante o período de 1824, a Constituição ―garantiu alguns direitos individuais, como a proibição de prisão sem prévio reconhecimento de culpa e a abolição das penas cruéis‖ 6. Em 1830, com a criação do Código Criminal do Império, houve várias inovações legais, como no caso do princípio da legalidade. Nesse sentido, Roberto Barbosa Alves: Tal texto legislativo previa a aplicação de medidas correcionais aos menores de 14 anos que houvesse, com discernimento, praticado um ato social. Dos 14 aos 17 anos os delinqüentes eram punidos com a pena correspondente à da cumplicidade, e dos 17 aos 21 anos tinham a sanção atenuada. Aos 21 anos começava a imputabilidade.7 Segundo Clícia Maria Leite Nahra e Mônica Bragaglia, durante o ano de ―1900 surgem críticas ao internamento de menores infratores na penitenciária do Estado‖.8 De acordo com as palavras de Martha de Toledo Machado: Embora sob o aspecto filosófico e sociológico a identificação entre infância carente e infância delinqüente em momento anterior já estivesse historicamente construída não influenciou de modo particular o Direito até o final do século XIX. Até então, a infância interessava ao Direito como parte estrita do direito de família, nas questões ligadas à filiação, ao pátrio poder, etc., e ao direito penal, na perspectiva restrita da inimputabilidade para as crianças da tenra idade (no Código Criminal do Império, no Brasil, verbi gratia, fixada aos 9 anos de idade) e na mitigação das penas impostas aos adultos, com base no marco divisor etário fixado em cada legislação, sem nenhuma outra diferença de tratamento.9 Em meados do século XIX, o Brasil iniciou um período de progresso, com grandes transformações econômicas, políticas e sociais. Foi neste período que ocorreu uma mudança de mentalidade, visto que o conceito de infância passou a ser considerada uma questão social, de competência do Estado10. 6 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 03. ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e Juventude. 8 NAHRA, Clícia Maria Leite. Mônica Bragaglia. Conselho Tutelar: gênese, dinâmica e tendências. Canoas: Ed. ULBRA, 2002. p. 44. 9 MACHADO, Martha de Toledo. A Proteção Constitucional de Crianças e Adolescentes e os Direitos Humanos. Barueri, SP: Manole, 2003. p.33-34. 10 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 03. 7 13 Porém, ressaltamos que a criança continuava a estar ligada a pobreza, um problema que exigia atenção. Assim sendo, criou-se a expressão ―menor‖, caracterizando a criança pobre e até mesmo perigosa.11 No Século XX, vigorava o Código Penal de 1890, ―que estabelecia a inimputabilidade absoluta até os 09 anos de idade‖12. Roberto Barbosa Alves elucida: Dos 9 aos 14, aqueles que tivessem agido com discernimento deveriam ser recolhidos a estabelecimentos industriais; como esses estabelecimentos nunca foram organizados, os menores eram lançados às prisões comuns. Dos 14 aos 17 anos o discernimento era presumido, mas aplicavam-se as penas da cumplicidade, e dos 17 aos 21 a idade funcionava como atenuante. As sucessivas leis penais, inclusive o Código Penal de 1940, reformado em 1984, estabeleceram os 18 anos como limite da maioridade penal.13 É no início do período da República que surgiram as primeiras normas ligadas à infância abandonada e delinqüente 14. Em 1902, O Senador Lopes Trovão submeteu ao Senado o primeiro projeto de lei especial destinadas aos menores. Em 1906, o Deputado Alcindo Guanabara propôs uma lei também relacionada aos menores, encaminhada para a Câmara dos Deputados e também ao Senado 15. O magistrado José Candido de Albuquerque Mello Mattos, inovou ao criar ―a Lei 4.242, de 05 de janeiro de 1921, que fixava a despesa geral da República‖ 16 . O art. 3º da respectiva Lei determinava ―o governo a organizar o serviço de assistência e proteção à infância abandonada e delinqüente e abria oportunidade para os juízos de menores‖17. O Decreto Legislativo nº 5.083, de 01 de dezembro de 1926, ―instituiu o Código de Menores, criando novas figuras de crimes e contravenções, além de instrumentos de proteção aos menores‖ 11 18 . Entretanto, foi na criação do ―Decreto nº ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 03. ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e Juventude. 13 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 03-04. 14 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 04. 15 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e Juventude. 16 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e Juventude. 17 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e Juventude. 18 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e Juventude. 12 14 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, que recebeu o nome de Código de Menores e ficou conhecido como Código Mello Mattos. O texto consolidado, que aboliu o critério do discernimento, exigia que os menores estivessem sob os cuidados dos pais até os 14 anos‖19. A respeito do Código de Menores, Roberto Barbosa Alves esclarece: Dos 14 aos 18 se estabelecia um tratamento especial aos menores que fossem classificados como abandonados ou delinqüentes. Para os abandonados eram previstas medidas de entrega ao responsável, tratamento, suspensão ou perda do poder familiar ou alguma outra, a critério do juiz (art. 55). Os vadios não habituais podiam ser repreendidos ou entregues a pessoa idônea; e os habituais, ou que estivessem envolvidos em jogo, tráfico, prostituição ou libertinagem, eram internados até a maioridade em escola de preservação (art. 61). Aos delinqüentes abandonados a lei reservava internação de um a cinco anos; e aos pervertidos, internação de três a sete anos (art. 69, §§ 2º e 3º). O processo, sob a presidência de um juiz único, incluía acusação pelo Ministério Público e defesa técnica por advogado (arts. 148 e 151).20 Clícia Maria Leite Nahra e Mônica Bragaglia corroboram: Em 1927, é promulgado o Código de Menores, no qual a criança merecedora da tutela do Estado era o ―menor em situação irregular‖. Silveira (1984, p. 57) entende que esse conceito superou naquele momento histórico, a dicotomia entre menor abandonado e menor delinqüente, numa tentativa de ampliar e melhor explicar as situações que dependiam da intervenção do Estado.21 Ainda a respeito deste período: As décadas de 30 e 40 foram caracterizadas pela ênfase na assistência, não obstante, de acordo com Rizzini (1997, p. 30), a presença sempre forte nos discursos jurídicos de tentativas de criminalização da infância pobre. A assistência, entretanto, desde o final do século XIX, realizava-se prioritariamente em instituições fechadas. Esse confronto entre discursos e práticas assistenciais de corte asilar e preventivo, a partir de posturas ora jurídicas, ora médicas ou educativas, expressou o movimento mais geral de busca de uma ordem política, econômica e social coerente com a construção da 22 república. Em 24 de novembro de 1943, o Decreto-Lei nº 6.026, reformou as medidas aplicadas aos menores infratores de 14 a 18 anos e também determinou que deveria 19 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 04. ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e Juventude. 21 NAHRA, Clícia Maria Leite. Mônica Bragaglia. Conselho Tutelar: gênese, dinâmica e tendências. Canoas: Ed. ULBRA, 2002. p. 45. 22 NAHRA, Clícia Maria Leite. Mônica Bragaglia. Conselho Tutelar: gênese, dinâmica e tendências. 20 15 existir uma investigação dos fatos por eles praticados23. A respeito deste marco histórico, Roberto Barbosa Alves elucida: O Decreto, que acabou sendo apenas uma lei de emergência, previa a aplicação de três medidas: a) entrega aos pais ou responsável; b) entrega a um tutor ou pessoa que assumisse a guarda; c) a internação em estabelecimento de reeducação ou profissional. Mas, tais medidas, longe de guardar relação com os princípios do Código Penal, distinguiam os menores apenas por sua periculosidade.24 Ainda nesse sentido, Martha de Toledo Machado: Se no final do século XIX, início do século XX, já existia casas públicas de custódia de crianças e adolescentes, por volta da década de 1960, com a criação da Funabem e das Febens estaduais, o Poder Público passa a interferir de modo mais significativo na questão, ampliando quantitativamente o atendimento. E, mantendo a tradição anterior, o fez orientado, de um lado, pela política de institucionalização em escala expressiva (embora infinitamente aquém da demanda que se pretendia atender, gerada pela funda marginalização sócio-econômica histórica a que vem sendo submetida a ampla maioria da população brasileira), com a criação dos gigantescos internatos para crianças e adolescentes, basicamente carentes.25 De acordo com as palavras de Clícia Maria Leite Nahra e Mônica Bragaglia, foi durante o início da Ditadura Militar que: [...] foi aprovado o primeiro Código de Menores do Brasil e as Casas dos Expostos foram desativadas. O Poder Judiciário cria e regulamenta o Juizado de Menores e todas as suas instituições auxiliares. O Estado assume o protagonismo como responsável legal pela tutela da criança órfã e abandonada. A criança desamparada, nessa fase, fica institucionalizada e recebe orientação e oportunidade para trabalhar.26 Em 10 de abril de 1967, ocorreu uma nova reforma no Código de Menores, com a criação da Lei nº 5. 258, que ―alterou o procedimento relativo aos menores delinqüentes e tornou obrigatória a internação‖ 27 . Em 22 de maio de 1968, a Lei nº 5.439 alterou o Decreto-Lei nº 6.026/43, dizendo que quando não existisse a periculosidade, o menor seria entregue aos pais ou 23 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 05. ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e Juventude. 25 MACHADO, Martha de Toledo. A Proteção Constitucional de Crianças e Adolescentes e os Direitos Humanos. Barueri, SP: Manole, 2003. p.27. 26 NAHRA, Clícia Maria Leite. Mônica Bragaglia. Conselho Tutelar: gênese, dinâmica e tendências. Canoas: Ed. ULBRA, 2002. p. 45. 27 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e Juventude. 24 16 responsável, tutor ou a quem assumisse a sua guarda, também poderia ser internado em estabelecimento de reeducação ou profissional; caso houvesse periculosidade, o menor seria encaminhado para internação em estabelecimento adequado até a decisão judicial.28 Após inúmeras reformas, o Senador Nélson Carneiro adequou um projeto de lei da década de 1950, apresentando-o como ―Projeto de Lei nº 105‖ e começou a receber diversas emendas. As alterações legais foram realizadas por diversos juristas paulistas e as emendas eram elaboradas pelos juízes de menores, convertendo-se ao Código de Menores (Lei nº 6.697, de 10 de dezembro de 1979) 29. É importante ressaltar que o Código de Menores de 1979 é considerado um marco no direito da infância e juventude brasileira e será apresentado no próximo tópico. 2.1 O PRIMEIRO GRANDE MARCO HISTÓRICO DO DIREITO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE – CÓDIGO DE MENORES DE 1979 OU CÓDIGO MELLO MATTOS O Código de Menores de 1979 regulava sobre ―assistência, vigilância e proteção aos menores de 18 anos, que se encontrassem em situação irregular, ou entre 18 e 21 anos, nos casos expressos em lei‖ ―Doutrina da Situação Irregular‖ 30 . Desta forma, criou-se à conceituação da 31 , sendo que o menor de idade era considerado um ―objeto‖, que deveria ser tutelado pelo Estado. Segundo Clícia Maria Leite Nahra e Mônica Bragaglia são ―nessa fase, as instituições passam a ter maior importância que os próprios menores, no sentido em 28 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 06. ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e Juventude. 30 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e Juventude. 31 BRASIL.Prómenino.Disponívelem:<www.promenino.org.br/Ferramentas/Conteudo/tabid/77/ConteudoId /70d9fa8f-1d6c-4d8d-bb69-37d17278024b/Default.aspx>. Acesso em: 22 de setembro de 2009. 29 17 que a disciplina interna e a segurança externa aos muros eram os principais critérios de eficácia dos programas de assistência‖.32 A respeito do Código de Menores de 1979, Martha de Toledo Machado esclarece: Em síntese, com a constituição dos juízos de menores e a cristalização do direito do menor criou-se um sistema socioparental de controle de toda a infância socialmente desassistida, como meio de defesa social em face da criminalidade juvenil, que somente se revelou possível em razão da 33 identificação jurídica e ideológica entre infância carente e infância delinqüente. Josiane Rose Petry Veronese explica que a ―doutrina da situação irregular constituía um sistema em que o menor de idade era objeto tutelado pelo Estado, sobrelevando a responsabilidade da família‖ 34 , ou seja, o Estado detinha mais poder em relação à criança ou adolescente do que a própria família. Assim sendo, a Doutrina de Situação Irregular apresentada pelo Código de Menores de 1979 estigmatiza a criança e ao adolescente, que são caracterizados como menores de idade ―desajustados‖, quando equiparado ao ―menor infrator‖ ou ―necessitados‖, que seriam aqueles encontrados em situações de vulnerabilidade social35. Ainda nesse sentido: Em tempos de outrora, quando o diploma da criança e do adolescente fazia equivaler situação irregular a pobreza, marginalizando elevado número de componentes da população infanto-juvenil, bem assim de suas famílias, o art. 8º estabelecia amplo arbítrio ao órgão judiciário na definição de normas erga omnes, segundo particularíssimas idiossincrasias, ao definir o maior interesse 36 da criança e do adolescente. 32 NAHRA, Clícia Maria Leite. Mônica Bragaglia. Conselho Tutelar: gênese, dinâmica e tendências. Canoas: Ed. ULBRA, 2002. p. 46. 33 MACHADO, Martha de Toledo. A Proteção Constitucional de Crianças e Adolescentes e os Direitos Humanos. Barueri, SP: Manole, 2003. p. 42. 34 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. Florianópolis: OAB/SC, 2006. p. 13. 35 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito à educação: uma questão de justiça. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 49. 36 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito à educação: uma questão de justiça. 18 A respeito sobre o Código de Menores: Eram previstas seis situações irregulares – que determinavam a competência da Justiça de Menores –, graduadas desde o abandono até a infração penal (art. 2º). O Código propunha para elas seis diferentes medidas de assistência e proteção, desde advertência ou entrega do menor a seus pais até a internação (art. 14). Não havia proporcionalidade entre as situações irregulares e as medidas, de modo que a aplicação destas dependia de um exame socioeconômico e cultural do menor e de sua família. Com isso, as medidas detentivas de segurança podiam ser aplicadas independentemente da prática de fato delitivo. O juiz e o promotor não eram sujeitos neutros: assumiam uma função tuitiva, e não integravam uma tríplice relação processual. Aliás, as medidas podiam ser aplicadas mediante procedimentos administrativos ou contraditórios, de iniciativa oficial ou provocados pelo Ministério Público ou por 37 quem tivesse legítimo interesse (art. 86). Crianças e adolescentes são equiparados a meros ―objetos‖ em virtude que não eram considerados sujeitos de direito e não possuíam direitos especiais. A obrigação estatal era ―encontrar uma solução‖ para cada caso concreto, aplicando os ―dispositivos referentes à assistência, vigilância e proteção aos menores de dezoito anos, que se encontrassem em situação irregular, como no caso de abandono ou infração penal‖ 38. Conforme Clícia Maria Leite Nahra e Mônica Bragaglia: Os movimentos críticos das políticas para a infância até então vigentes, desde a década de 70, chegam à década de 80 já apontando para o esgotamento da legislação recém-imposta do Código de Menores e da Política Nacional do Bem-Estar do Menor.39 É importante ressaltar que a década de 80 trouxe uma inovação na área do Direito da Infância e Juventude no Brasil,40 que é a transição do Código de Menores de 1979 para a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/1990. 37 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da infância e juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 06-07. ALVES, Roberto Barbosa. Direito da infância e juventude. 39 NAHRA, Clícia Maria Leite. Mônica Bragaglia. Conselho Tutelar: gênese, dinâmica e tendências. Canoas: Ed. ULBRA, 2002. p. 46 40 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da infância e juventude. 38 19 2.2. O SEGUNDO MARCO HISTÓRICO DO DIREITO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE – A CONSTITUIÇÃO ―CIDADÃ‖ (CRFB DE 1988) A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é um marco na vida da população brasileira e é considerada como ―modelo‖ para diversos países, visto que todos os direitos inerentes à pessoa humana estão descritos no texto constitucional, inclusive o Direito da Infância e Juventude41. Conforme Roberto Barbosa Alves, apesar da Constituição da República do Brasil de 1988 ser ―anterior à Convenção sobre os Direitos da Criança, utilizou como fonte o projeto da normativa internacional e sintetizou aqueles preceitos que mais tarde seriam adotados pelas Nações Unidas‖ 42. Neste sentido, Martha de Toledo Machado elucida: A proteção especial que crianças e adolescentes receberam no Brasil a partir de 1988 foi construída no bojo do vigoroso processo de mobilização popular de cunha francamente democratizante e humanitário que pôs fim à ditadura militar e engendrou a Assembléia Nacional Constituinte.43 Ainda neste sentido, Martha de Toledo Machado: Em harmonia axiológica com a supremacia que o valor dignidade da pessoa humana recebeu no Pacto de 1988, é que foi inserida na generosa concepção da Carta Cidadã um sistema de proteção especial para crianças e jovens, reconhecidos na sua especificidade de seres humanos ainda em 44 desenvolvimento físico, psíquico e emocional. A CRFB de 1988 determina: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá41 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 07 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e Juventude. 43 MACHADO, Martha de Toledo. A Proteção Constitucional de Crianças e Adolescentes e os Direitos Humanos. Barueri, SP: Manole, 2003. p. 55. 44 MACHADO, Martha de Toledo. A Proteção Constitucional de Crianças e Adolescentes e os Direitos Humanos. Barueri, SP: Manole, 2003. p. 105. 42 20 los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.45 Conforme o artigo 227 da CRFB de 1988, a principal inovação é considerar crianças e adolescentes como seres detentores de proteção integral e de prioridade absoluta por todos, inclusive pelo Poder Público. Desta forma, crianças e adolescentes têm prioridade de atendimento em virtude de sua condição peculiar de desenvolvimento, visto que é seres que apresentam uma natural fragilidade ou por estarem numa fase em que se completa sua formação com riscos maiores‖46. Josiane Rose Petry Veronese esclarece a respeito da Doutrina da Proteção Integral: Quando a legislação pátria recepcionou a Doutrina de Proteção Integral fez uma opção que implicaria num projeto político-social para o país, pois ao contemplar a criança e o adolescente como sujeitos que possuem características próprias ante o processo de desenvolvimento em que se encontram, obrigou as políticas públicas voltadas para esta área a uma ação conjunta com a família, a 47 sociedade e o Estado. Ainda neste sentido, a Doutrina de Proteção Integral faz referência a ―prevalência do atendimento, apoio e proteção à infância e juventude estabelece a necessidade de cuidar, de modo especial, daquelas pessoas por sua natural fragilidade ou por estarem numa fase em que se completa sua formação com riscos maiores‖.48 De acordo com as palavras de Roberto Barbosa Alves, a inovação do Estatuto da Criança e do Adolescente transformou o direito dos menores em direito da infância e juventude, adotando a Doutrina de Proteção Integral49. Tal doutrina obriga a todos, seja a comunidade ou o Estado, em promover os direitos das crianças e dos 45 BRASIL. Constituição de 1988. Disponível em: <www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 17 outubro 2009. 46 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da criança e do adolescente. São Paulo: Rideel, 2006. p. 16 47 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. Florianópolis: OAB/SC, 2006. p. 09-10. 48 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da criança e do adolescente. São Paulo: Rideel, 2006. p. 16 49 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da infância e juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 08. 21 adolescentes deste país, respeitando sua condição peculiar de desenvolvimento, visto que não apresentam condições plenas de reconhecer seus direitos50. É importante ressaltar que a Constituição Federal ―é um verdadeiro sistema de proteção de direitos fundamentais que é próprio de crianças e de adolescentes‖ 51 . Tais assuntos serão adotados no decorrer deste trabalho. 2.3. O TERCEIRO GRANDE MARCO HISTÓRICO DO DIREITO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE – ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS (20 DE NOVEMBRO DE 1989) Em 20 de novembro de 1989, a Assembléia Geral das Nações Unidas elaborou a Resolução nº 1.386, que trata a respeito da Convenção sobre os Direitos das Crianças52 e apresentou várias inovações no direito das crianças e dos adolescentes, conforme elucida Roberto Barbosa Alves: A doutrina da ONU reconheceu a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, e não apenas como objeto de proteção, e a partir daí recomendou aos países-membros que estabelecessem uma justiça especializada e que construíssem um modelo processual caracterizado pelo processo devido, pela presunção de inocência e pelos critérios de proporcionalidade e igualdade.53 Martha de Toledo Machado afirma que ―os tratados internacionais e as Declarações de direitos da ONU representam historicamente grande avanço para a efetiva proteção dos direitos humanos. Assim também o foi quanto aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes‖ 54. São as palavras de Clícia Maria Leite Nahra e Mônica Bragaglia: Já em 1986, organizações não-governamentais de defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, influentes no projeto da Convenção dos Direitos da Criança da ONU e por ela influenciadas, iniciaram um movimento em direção 50 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da criança e do adolescente. ALVES, Roberto Barbosa. Direito da infância e juventude. 52 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 07. 53 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e Juventude. 54 MACHADO, Martha de Toledo. A Proteção Constitucional de Crianças e Adolescentes e os Direitos Humanos. Barueri, SP: Manole, 2003. p. 70. 51 22 à introdução do conteúdo do documento das Nações Unidas na Constituição Federativa do Brasil (CF).55 Neste momento, crianças e adolescentes são considerados sujeitos de direitos, tendo em vista o fato de se encontrarem em processo de desenvolvimento56. Desta forma, surgiu a da Doutrina de Situação Irregular pela Doutrina de Proteção Integral, ou seja, crianças e adolescentes devem ser protegidos por todos: Estado, familiares e sociedade. Podemos observar tal mudança com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e também com o Estatuto da Criança e do Adolescente. 2.4. O QUARTO GRANDE MARCO DO DIREITO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (LEI FEDERAL Nº 8.069/1990) A década de 90 é considerada a consolidação da democracia, visto que ocorre a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/1990 no dia 13 de julho do mesmo ano. Esta normativa altera as intervenções estatais na vida de crianças e adolescentes57. Neste sentindo, o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/1990 é aplicado para todas as crianças e adolescentes, com a participação de todos. Além disso, se torna evidente a crescente participação popular e estatal nas políticas sociais. 58 Ainda neste sentido, Gisella Lorenzi elucida que: 55 NAHRA, Clícia Maria Leite. Mônica Bragaglia. Conselho Tutelar: gênese, dinâmica e tendências. Canoas: Ed. ULBRA, 2002. p. 47. 56 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da Criança e do Adolescente. Florianópolis: OAB/SC, 2006. p.09. 57 BRASIL.Prómenino.Disponívelem:<www.promenino.org.br/Ferramentas/Conteudo/tabid/77/ConteudoId /70d9fa8f-1d6c-4d8d-bb69-37d17278024b/Default.aspx>. Acesso em: 22 de setembro de 2009. 58 BRASIL.Prómenino.Disponívelem:<www.promenino.org.br/Ferramentas/Conteudo/tabid/77/ConteudoId /70d9fa8f-1d6c-4d8d-bb69-37d17278024b/Default.aspx>. Acesso em: 22 de setembro de 2009. 23 ―[...] a constituição dos conselhos dos direitos, uma das diretrizes da política de atendimento apregoada na lei, determina que a formulação de políticas para a infância e a juventude deve vir de um grupo formado paritariamente por membros representantes de organizações da sociedade civil e membros representantes das instituições governamentais‖. 59 Segundo Mônica Bragaglia: Ao se normatizar, no Brasil, na Lei Federal n. 8.069/90, essa doutrina buscou unificar, mesmo que oficialmente, a diversidade de interesses e concepções presentes na sua elaboração. Isso ocorreu porque, mesmo existindo um movimento e uma articulação ampla em defesa de uma percepção diferenciada com relação à criança e do adolescente, as estratégias de concretização para 60 tal questão revelavam posições divergentes. Com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, Clícia Maria Leite Nahra e Mônica Bragaglia relatam que: Elabora-se o ECA e se inicia o conseqüentemente reordenamento institucional, com a criação da Fundação Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência, em substituição à Funabem, mas com a tarefa peculiar e transitória de fomentar a organização nacional, estadual e municipal dos Conselhos de Direitos e dos Conselhos Tutelares.61 Uma das grandes inovações do Estatuto da Criança e do Adolescente é que crianças e adolescentes são considerados sujeitos de direitos: [...] uma proteção mais ampla acabou sendo adotada pelo novo Estatuto (Lei nº 8.069/90), afastando-se das disposições da legislação anterior; especificou-se direitos visando uma proteção integral aos interesses da criança e do adolescente, colocando-os, pelo menos tecnicamente, à salvo de negligência, discriminação, exploração, crueldade, e mesmo quando tratar-se de menor infrator, impor-lhe tratamento diferenciado e propício para reestruturação, nem 62 sempre com sucesso garantido. Neste sentido, Roberto Alves Barbosa exemplifica: A CF inaugurou um verdadeiro sistema de proteção de direitos fundamentais que é próprio de crianças e de adolescentes. Assim, estabeleceu princípios que viriam a se converter em diretrizes do ECA: o reconhecimento de que crianças e 59 BRASIL.Prómenino.Disponívelem:<www.promenino.org.br/Ferramentas/Conteudo/tabid/77/ConteudoId /70d9fa8f-1d6c-4d8d-bb69-37d17278024b/Default.aspx>. Acesso em: 22 setembro 2009. 60 BRAGAGLIA, Mônica. Auto-organização: um caminho promissor para o Conselho Tutelar. São Paulo: Annablumme, 2005. p. 43. 61 NAHRA, Clícia Maria Leite. Mônica Bragaglia. Conselho Tutelar: gênese, dinâmica e tendências. Canoas: Ed. ULBRA, 2002. p. 47. 62 MILANO FILHO, Nazir David. Estatuto da criança e do adolescente: comentado e interpretado de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direito, 2004. p. 17. 24 adolescentes são sujeitos de direitos e a garantia de prioridade absoluta no atendimento de seus direitos.63 A partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente, crianças e adolescentes são considerados sujeitos de direitos, pois são ―titulares de direitos comuns a toda e qualquer pessoa‖. 64 Ainda a respeito do assunto: Uma vez imposto um novo rumo pela Constituição, editou-se a Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que também deveria concentrar a tarefa de manter perfeita identidade com a Convenção da ONU. [...] O Estatuto poderia mesmo estar adaptado à normativa internacional, até por influência do anterior Código de Menores de 1979 (art. 5º); mas uma interpretação sistemática conduz à inevitável conclusão de que o interesse de crianças e adolescentes segue sendo a meta do novo modelo. Como afirma Antônio Fernando Amaral e Silva, os fins sociais do Estatuto, refletidos na promoção e na defesa dos direitos, constituem uma diretriz para que o interesse supremo seja o direito de criança e do adolescente, e não mais um duvidoso e supostamente melhor interesse, dependente do critério subjetivo do intérprete65. O Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/90, adotou a aplicação da Doutrina de Proteção Integral de crianças e adolescentes e aboliu a Doutrina da Situação Irregular apresentada pelo Código de Menores de 197966. A respeito do assunto, Roberto Barbosa Alves: O ECA permitiu que o direito dos menores cedesse lugar aos direitos da infância e juventude. A opção teve como fundamento o abandono da doutrina da situação irregular em favor da doutrina da proteção integral. Conseqüentemente, substitui-se uma justiça de menores, tuitiva e paternalista, por uma justiça da infância e juventude adequada ao direito científico e às normas constitucionais. O Estatuto proscreveu o termo ―menor‖ e preferiu os vocábulos criança e adolescente, para definir, respectivamente, as pessoas de 67 até 12 anos e aquelas que tenham entre 12 e 18 anos (art. 2º). 63 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da infância e juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 10. LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da criança e do adolescente. São Paulo: Rideel, 2006. p. 15. 65 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da infância e juventude. 66 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da infância e juventude. 67 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da infância e juventude. 64 25 Além de crianças e adolescentes, o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/1990 inova ao ―proteger‖ os autores de ato infracional, aplicando medidas de proteção e sócio-educativa para os mesmos. Quanto a Doutrina de Proteção Integral, Josiane Rose Petry Veronese e Moacyr Motta da Silva dizem: A proteção integral, diferentemente, repõe o órgão julgador em seu insubstituível e imprescindível papel de regulador das questões sociais, transmudando-se, de singelo garantidor de direitos individuais, para se tornar também garantidor de interesses metaindividuais, de natureza difusa, passando a ter, em consonância com a ordem constitucional de 1988, um papel verdadeiramente político, funcionando como árbitro nos litígios de massa, onticamente políticos.68 Ainda neste sentido: Quando a legislação pátria recepcionou a Doutrina de Proteção Integral fez uma opção que implicaria num projeto político-social para o país, pois ao contemplar a criança e o adolescente como sujeitos que possuem características próprias ante o processo de desenvolvimento em que se encontram, obrigou as políticas públicas voltadas para esta área a uma ação conjunta com a família, a sociedade e o Estado.69 A Doutrina de Proteção Integral de crianças e adolescente é uma inovação proposta pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, com o objetivo de garantir os direitos fundamentais e na aplicação dos princípios favoráveis à criança, sendo dever dos pais ou responsáveis oferecer proteção.70 São as palavras de Mônica Bragaglia: A partir da Doutrina da Proteção Integral, busca-se conceber e tratar a criança e o adolescente como sujeitos de direitos em condição especial de desenvolvimento, e, portanto, merecedores de prioridade nas ações desenvolvidas pela sociedade e seus agentes. 71 Segundo Clícia Maria Leite Nahra e Mônica Bragaglia: 68 SILVA, Moacyr Motta da., VERONESE, Josiane Rose Petry. A tutela jurisdicional dos direitos da criança e do adolescente. São Paulo: LTr, 1998. p. 132. 69 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. Florianópolis: OAB/SC, 2006. p. 09-10. 70 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. 71 BRAGAGLIA, Mônica. Auto-organização: um caminho promissor para o Conselho Tutelar. São Paulo: Annablumme, 2005. p. 55. 26 A sociedade, o Estado e a família (pais e mães) são responsáveis pelo cuidado de quem ainda não chegou à fase adulta. Este é um princípio irrenunciável se quisermos considerar-nos em um padrão civilizatório mínimo: prioridade 72 absoluta às crianças e aos adolescentes. Por fim, Clícia Maria Leite Nahra e Mônica Bragaglia entendem que: A promulgação da Constituição Federativa do Brasil e do ECA marcam o início de uma nova fase, que pode ser chamada de desinstitucionalizadora, caracterizada pela implementação de uma nova política, que se baseia numa legislação que rompe com paradigmas anteriores de atenção à criança desamparada. É a fase atual.73 Em virtude da criação da Doutrina de Proteção Integral cabem ao Poder Público garantir os direitos de crianças e adolescentes, principalmente aqueles considerados como ―fundamentais‖.74 O assunto será abordado no decorrer do Capítulo II. 72 NAHRA, Clícia Maria Leite. Mônica Bragaglia. Conselho Tutelar: gênese, dinâmica e tendências. Canoas: Ed. ULBRA, 2002. p. 14. 73 NAHRA, Clícia Maria Leite. Mônica Bragaglia. Conselho Tutelar: gênese, dinâmica e tendências. 74 NAHRA, Clícia Maria Leite. Mônica Bragaglia. Conselho Tutelar: gênese, dinâmica e tendências. 27 3 A IMPORTÂNCIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO PARA AS CRIANÇAS Inicialmente, a Constituição da República Federativa do Brasil 1988 apresenta o direito à educação no art. 6º, sendo considerado também com a dimensão de direito social75, devendo ser ofertados a todos os brasileiros, sem distinção de cor, idade ou raça. Mônica Sifuentes elucida: Tratar do direito à educação, sobretudo em um país como o Brasil, de grandes desigualdades sociais e econômicas, é o mesmo que cuidar da exclusão social. No entanto, essa questão não se relaciona apenas com a riqueza ou pobreza. Ela pode assumir formas mais sutis, tais como a discriminação contra as pessoas de outra raça, cor ou nacionalidade, os indígenas, as crianças em idade escolar fora das escolas, os portadores de deficiência e os adultos analfabetos.76 É importante ressaltar a importância da educação, pois esta é extremamente ―necessária ao desenvolvimento do ser humano. Assim sendo, às crianças e aos adolescentes deve-se propiciar, da melhor forma possível a oportunidade de recebê-la‖ 77 . Neste sentido, Roberto João Elias: No caso, o termo ―educação‖ deve ser entendido como o trabalho sistematizado seletivo e orientador, pelo qual nos ajustamos à vida de acordo com as necessidades ideais e propósitos dominantes. Há, portanto, um vínculo muito íntimo entre tal direito e a escola, pois é precipuamente por meio desta que aquele se concretiza. Não há dúvida de que o desenvolvimento adequado da personalidade prescinde, de forma insofismável, da passagem pela escola. Daí por que o Poder Público e a família, de modo especial, são responsáveis para que tal direito – o de escolarização – concretize-se na vida de cada menor.78 75 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito à educação: uma questão de justiça. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 209. 76 SIFUENTES, Mônica. O direito à educação e a exclusão social. Disponível em: <www. http://www.redebrasil.inf.br/0artigos/educacao.htm>. Acesso em: 21 setembro 2009. 77 ELIAS, Roberto João. Direitos Fundamentais da Criança e do Adolescente. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 79. 78 ELIAS, Roberto João. Direitos Fundamentais da Criança e do Adolescente. 28 Assim sendo, direitos sociais e direito de igualdade estão interligados como forma de melhorar a vida dos menos favorecidos, sendo necessária à aplicação dos dispositivos presentes na Lei Maior como meio de garantir o acesso em todas as áreas (educação, saúde, etc)79. José Afonso da Silva conceitua direitos sociais como: [...] prestações positivas proporcionadas pelo Estado, direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade.80 A apresentação do direito fundamental-social apresentada por Wilson Donizeti Liberati é de extrema importância visto que: A Constituição Federal incluiu a educação, no art. 205, como direito fundamental-social, estabelecendo os seguintes objetivos: a) pleno desenvolvimento da pessoa; b) preparo da pessoa para o exercício da cidadania; c) qualificação da pessoa para o trabalho. Na perfeita expressão de José Afonso da Silva, ‗integram-se, nestes objetivos, valores antropológicoculturais, políticos e profissionais‘. [...] Não haveria de prosperar um ―direito à educação‖ isolado de princípios interligados com os demais princípios formadores dos direitos e garantias individuais. Assim, o art. 206, a Constituição acertou em acolher os princípios da universalidade, do ensino, da igualdade, da liberdade, do pluralismo, da gratuidade do ensino público, da valoração dos profissionais de ensino, da gestão democrática da escola e referenciais de qualidade.81 O direito à educação é considerado um direito-social, pois é uma condição de igualdade entre os brasileiros e está elencado no art. 205 da CRFB de 1988: Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua 82 qualificação para o trabalho. Neste sentido, Wilson Donizeti Liberati: A Constituição Federal incluiu a educação, no art. 205, como direito fundamental-social, estabelecendo os seguintes objetivos: a) pleno desenvolvimento da pessoa; b) preparo da pessoa para o exercício da cidadania; c) qualificação da pessoa para o trabalho. Na perfeita expressão de 79 ELIAS, Roberto João. Direitos Fundamentais da Criança e do Adolescente. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 285-286. 81 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito à educação: uma questão de justiça. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 209-210. 82 BRASIL. Constituição de 1988. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 13 outubro 2009. 80 29 José Afonso da Silva, ‗integram-se, nestes objetivos, valores antropológicoculturais, políticos e profissionais‘. 83 Com as palavras de João Roberto Elias: É oportuno observar que a Constituição Federal, no art. 205, preceitua que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família. Ao mesmo tempo, em que o Estado deve propiciar vagas escolares para todos, a família é obrigada a matricular seus filhos e cuidar para que eles freqüentem com assiduidade a escola.84 Ainda quanto ao Direito à Educação: Não haveria de prosperar um ―direito à educação‖ isolado de princípios interligados com os demais princípios formadores dos direitos e garantias individuais. Assim, o art. 206, a Constituição acertou em acolher os princípios da universalidade, do ensino, da igualdade, da liberdade, do pluralismo, da gratuidade do ensino público, da valoração dos profissionais de ensino, da gestão democrática da escola e referenciais de qualidade.85 De acordo com o artigo 208 da CRFB de 1988 e artigo 4º da LDB, é dever do Poder Público oferecer educação escolar, inclusive àqueles que não tiveram acesso na idade própria. Ou seja, os Estados e Municípios têm a obrigatoriedade em oferecer tais serviços à população. Iza Rodrigues da Luz corrobora: A Constituição de 1988 se tornou um marco histórico na redefinição doutrinária e no lançamento dos princípios de implementação de novas políticas para a infância de zero a seis anos, afirmando os direitos das crianças, entre eles o direito à educação. No capítulo dedicado aos direitos sociais determina: Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XXV – assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até aos seis anos de idade em creches e pré-escolas. Quanto à educação: 83 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito à educação: uma questão de justiça. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 209-210. 84 ELIAS, Roberto João. Direitos Fundamentais da Criança e do Adolescente. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 79-80. 85 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito à educação: uma questão de justiça. 30 Art. 208 – O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: [...] IV – atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de 86 idade. O art. 227 da CRFB de 1988 apresenta o direito à educação como garantia legal prevista para crianças e adolescentes. Além disso, é importante ressaltar que o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/1990 também regulamento a respeito do direito à educação de crianças e adolescentes. 87 Roberto João Elias elucida: A educação é sumamente necessária ao desenvolvimento do ser humano. Assim sendo, às crianças e aos adolescentes deve-se propiciar, da melhor forma possível, a oportunidade de recebê-las (sic). No caso, o termo educação deve ser entendido como o trabalho sistematizado seletivo e orientador, pelo qual ajustamos à vida de acordo com as necessidades ideais e propósitos dominantes. Há, portanto, um vínculo muito íntimo entre tal direito e a escola, pois é precipuamente por meio desta que aquele se concretiza. Daí por que o Poder Público e a família, de modo especial, são responsáveis para que tal direito – o de escolarização – concretize-se na vida de cada menor.88 É importante entender que a educação é indispensável ao desenvolvimento de crianças, adolescentes, homens e mulheres. Entretanto, esta função deve ser realizada em conjunto com um trabalho sistematizado seletivo e orientador pelo qual ajustamos à vida de acordo com as necessidades ideais e propósitos dominantes. Há, portanto, um vínculo entre tal direito e a escola, pois é precipuamente por meio desta que aquele se concretiza. 89 86 LUZ, Iza Rodrigues da. Educação infantil: direito reconhecido ou esquecido? Disponível em: < http://www.fe.unb.br/linhascriticas/n22/Educacao_infantil.htm>. Acesso em: 23 de setembro de 2009. 87 BRASIL. Direito à educação – NEV Cidadão – Difusão de direitos. Disponível em: <www. http://nev.incubadora.fapesp.br/portal/educacao/direitoaeducacao>. Acesso em: 21 de setembro de 2009. 88 ELIAS, João Roberto. Direitos fundamentais da criança e do adolescente. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 79. 89 ELIAS, João Roberto. Direitos fundamentais da criança e do adolescente. 31 3.1 O DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO O direito fundamental possui garantias nomeadas e especificas, de acordo com os conceitos presentes no texto constitucional.90 É evidente que o direito fundamental apresenta um grau mais elevado de garantia, segurança e imutabilidade, visto que qualquer alteração, é dependente de uma emenda constitucional. 91 José Afonso da Silva elucida que os ―direitos fundamentais do homem constitui a expressão mais adequada a este estudo, porque, além de referir-se a princípios que resumam a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico‖.92 O direito fundamental pode ser resumido aos direitos de ―sobrevivência do homem‖, ou seja, sem tais direitos, não haveria a convivência humana. É por isso que tais direitos devem ser concretamente e materialmente efetivados.93 Neste sentido, Martha de Toledo Machado: De plano cumpre anotar, ademais, que me parece inequívoco, cristalino mesmo, que os direitos elencados no caput do artigo 227 e no seu parágrafo 3º e no artigo 228 da CF são direitos fundamentais da pessoa humana: a própria natureza deles assim o faz. Com perdão da obviedade: se o caput do art. 5º da CF menciona a vida, a liberdade, a igualdade, para depois especificar os inúmeros desdobramentos (ou facetas) desses direitos nos seus incisos, e se o artigo 227, caput, refere-se expressamente à mesma vida, liberdade, dignidade, para em seguida desdobrá-las, seja no próprio caput, seja no parágrafo 3º, seja no artigo 228, evidente que se trata de direitos da mesma natureza, ou seja dos direitos fundamentais da pessoa humana.94 Ainda neste sentido, Martha de Toledo Machado: É de ver, desde já, que dentro da terminologia que distingue os direitos fundamentais individuais de direitos fundamentais sociais, os direitos arrolados 90 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 515. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito constitucional. 92 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo. 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 178. 93 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo. 94 MACHADO, Martha de Toledo. A Proteção Constitucional de Crianças e Adolescentes e os Direitos Humanos. Barueri, SP: Manole, 2003. p. 105-106. 91 32 no artigo 227 não se reduzem a nenhum dos dois grupos, mas contemplam direitos que se enquadram em ambos. A mera análise comparativa entre o rol do art. 227, de um lado, e o rol dos artigos 6º e 7º, de outro, assim já demonstra. Só que são direitos fundamentais de uma pessoa humana de condição especial: da pessoa humana ainda em fase de desenvolvimento.95 São de extrema importância os direitos fundamentais na vida de todos, especialmente para crianças e adolescentes, visto tratar-se de seres em condição peculiar de desenvolvimento e detentores da proteção integral 96. A respeito do Direito Fundamental, Martha de Toledo Machado esclarece: [...] que os direitos elencados nos artigos 227 e 228 da Constituição Federal são direitos fundamentais do ser humano e direitos fundamentais de um ser humano especial. Em segundo, os direitos fundamentais de crianças e adolescentes demandam uma conformação especial, uma estruturação distinta daquela conferida aos direitos fundamentais dos adultos, eis que, se assim não se concebesse faltaria o ―mininum necessário e imprescritível‖, que constitui o conteúdo da noção de personalidade, que aludia De Cupis; se assim não se concebesse as crianças e os adolescentes seriam apenas objetos de direito do mundo adulto.97 Desta forma, os direitos fundamentais são considerados: [...] a função de direito de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por porte dos mesmos (liberdade negativa).98 Segundo Alexandre de Morais, os direitos fundamentais estão classificados por ―gerações‖, visto que os da primeira geração são os direitos civis e políticos, principalmente interligados as liberdades clássicas, negativas ou formais. 99 95 MACHADO, Martha de Toledo. A Proteção Constitucional de Crianças e Adolescentes e os Direitos Humanos. Barueri, SP: Manole, 2003. p. 106-107. 96 MACHADO, Martha de Toledo. A Proteção Constitucional de Crianças e Adolescentes e os Direitos Humanos. 97 MACHADO, Martha de Toledo. A Proteção Constitucional de Crianças e Adolescentes e os Direitos Humanos. 98 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 60. 99 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 33 Os direitos fundamentais da segunda geração são os direitos econômicos, sociais e culturais, identificados pelas liberdades positivas, reais e concretas. Tais direitos estão ligados a igualdade de todos os humanos, sem qualquer tipo de distinção.100 Os direitos de terceira geração ―materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos geneticamente a todas as formações sociais, consagram o principio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento‖.101 É neste período que ocorre o ―reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade‖.102 Os direitos fundamentais das gerações ou dimensões ―correspondem a uma sucessão temporal de afirmação e acumulação de novos direitos fundamentais‖. 103 Com as palavras de Dirley da Cunha Júnior ―os direitos fundamentais de primeira geração são os direitos e garantias individuais e políticos clássicos (liberdades públicas) e os direitos fundamentais de segunda geração são os direitos sociais, econômicos e culturais‖.104 De acordo com Alexandre de Moraes, ―os direitos fundamentais de terceira geração os chamados direitos de solidariedade e fraternidade, que englobam o direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, ao progresso, a paz, a autodeterminação dos povos e a outros direitos difusos‖.105 É de extrema importância ressaltar que há também ―direitos de quarta geração ou dimensão. E isso é natural, porque a essência do ser humano é evolutiva, 100 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p.61. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 102 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 103 CUNHA Júnior, Dirley da. Controle judicial das omissões do Poder Público: em busca de uma dogmática constitucional transformadora à luz do direito fundamental à efetivação da constituição. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 196. 104 CUNHA Júnior, Dirley da. Controle judicial das omissões do Poder Público. 105 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 101 34 uma vez que a personalidade de cada indivíduo é sempre, na duração da vida, algo incompleto e inacabado‖.106 Portanto, os direitos fundamentais são as garantias constitucionais, que apresentam ―uma eficácia e aplicabilidade imediata‖.107 De acordo com José Afonso da Silva, ―a eficácia e a aplicabilidade das normas que contêm os direitos fundamentais dependem muito de seu enunciado, pois se trata de assunto que está em função do Direito Positivo‖.108 Ainda nesse sentido: A Constituição é expressa sobre o assunto, quando estatui que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm a aplicação imediata. Mas certo é que isso não resolve todas as questões, porque a Constituição mesma faz depender de legislação ulterior a aplicabilidade de algumas normas definidoras de direitos sociais, enquadrados dentre os fundamentais. Por regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia contida e aplicabilidade imediata.109 Se todos os direitos fundamentais têm a sua aplicação imediata e são de extrema importância para a população, podemos dizer que o direito à educação está incluído nesta situação, visto que é necessária para formação do desenvolvimento das aptidões e potencialidades do educando.110 Alexandre de Moraes conceitua o termo ―educação‖: É mais compreensivo e abrangente que o da mera instituição. A educação objetiva propiciar a formação necessária ao desenvolvimento das aptidões, das potencialidades e da personalidade do educando. O processo educacional tem por meta: (a) qualificar o educando para o trabalho; e (b) prepará-lo para o exercício consciente da cidadania. O acesso à educação é uma das formas de 111 realização concreta do ideal democrático. 106 CUNHA Júnior, Dirley da. Controle judicial das omissões do Poder Público: em busca de uma dogmática constitucional transformadora à luz do direito fundamental à efetivação da constituição. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 197. 107 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p.62. 108 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo. 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 180. 109 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo. 110 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 111 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 35 Ressaltamos a importância de salientar que o direito a creche está incluso no Direito à Educação, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal: Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das ―crianças de zero a seis anos de idade‖ (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro 112 pragmatismo governamental. Nesse sentido, o artigo 208 da CRFB de 1988 prevê: Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. § 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. § 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. § 3º - Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, 113 pela freqüência à escola. O Direito à vaga em creche está previsto na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, é considerado um direito social para os cidadãos e é um dever do Estado. 112 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 436-996-6. Relator: Min. Celso de Mello. Brasília: 26 de outubro de 2005. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 12 de outubro de 2009. 113 BRASIL. Constituição de 1988. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 24 de outubro de 2009 (grifo nosso). 36 3.2 A EDUCAÇÃO É UM DIREITO SUBJETIVO PÚBLICO? A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, determina no § 1º do artigo 208 que ―o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo‖.114 José Afonso da Silva conceitua o ―direito subjetivo público constituem um conceito técnico-jurídico do Estado Liberal, preso, como a expressão de ―direitos individuais‖, à concepção individualista do homem; por isso também se tornara insuficiente para caracterizar os direitos fundamentais‖.115 Ainda sobre o assunto, ―a expressão direitos públicos subjetivos‖ 116 é utilizada para relacionar a ―situação jurídica subjetiva do indíviduo em relação ao Estado, visando colocar os direitos fundamentais no campo do direito positivo‖.117 Walter Ceneviva diz que ―o acesso à educação é direito público subjetivo, inalienável (art. 208, § 1º) enquanto poder atribuído pela Constituição a todas as pessoas que, querendo receber educação proporcionada pelo Estado, exijam deste as medidas próprias para sua satisfação‖ 118. É dever do Estado garantir vaga em creche e pré-escola para as crianças, conforme o inciso IV do art. 208 da CRFB de 1988: Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: [...] 114 BRASIL. Constituição de 1988. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 13 de outubro de 2009. 115 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo. 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 176. 116 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo. 117 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo. 118 CENEVIVA, Walter. Direito Constitucional Brasileiro. 3. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 408. 37 IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade.119 Segundo Romualdo Portela de Oliveira: O inciso IV afirma o ―atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade‖, além da extensão do Direito à Educação a essa faixa etária, abre-se a possibilidade de considerá-la fazendo parte da educação ―básica‖. Com isto, pode-se incorporar este nível de ensino ao sistema regular, exigindo, portanto, sua regulamentação e normatização na legislação educacional complementar, o que não ocorria na vigência da Constituição anterior, pois este nível de ensino era ―livre‖. Outra conseqüência é a mudança na concepção de creches e pré-escolas, passando-se a entendê-las como instituições educativas e não de assistência social.120 Apesar de previsto constitucionalmente, o direito à educação também está determinado nos artigos 53 e 54 do ECA, pois além da educação ser considerada um direito de crianças e adolescentes, o Estado também têm o dever de proporcionar o acesso ao ensino121. Neste sentido, Wilson Donizeti Liberatti: O acesso ao ensino público é direito público subjetivo de crianças e adolescentes (CRFB, art. 208, § 1º, e ECA, art. 54, § 1º). O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente (CRFB, art. 208, § 2º, e ECA, art. 54, § 2º).122 Desta forma, ―direito subjetivo é uma forma de agir ou não, consistente no indivíduo invocar a lei na defesa de seu interesse concreto, em face da outra‖.123 Podemos entender que o direito à educação é um direito público subjetivo. 119 BRASIL. Constituição de 1988. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 13 de outubro de 2009. 120 OLIVEIRA, Romualdo Portela de. O direito à educação na Constituição Federal de 1988 e seu restabelecimento pelo sistema de Justiça. Disponível em: <http://www.anped.org.br/rbe/rbedigital/RBDE11/RBDE11_07_ROMUALDO_PORTELA_DE_OLIVEIRA.p df >. Acesso em 22 de maio de 2008. 121 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da criança e do adolescente. São Paulo: Rideel, 2006. p. 66. 122 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da criança e do adolescente. 123 PESTANA, Denis. Manual do conselheiro tutelar. Curitiba: Juruá, 2008. p. 183. 38 3.3 O DIREITO À CRECHE DAS CRIANÇAS Atualmente, a realidade da família brasileira é existe um aumento da taxa de divórcios e separações, por isso, as famílias monoparentais (mãe ou pai e seus descendentes) estão aumentando a cada dia. Isso sem contar o alto índice de mães ou pais solteiros. Nesse sentido, Fernando Lefévre: Acrescente-se a isso o fato de que o próprio trabalho da mulher sendo também visto e experenciado entre nós, enquanto ingresso no mundo da cultura, como um direito recente acaba, no imaginário da mãe, do marido, da família, da comunidade e do funcionário da creche, dando lugar a um grave conflito de papéis na medida em que a "mãe que trabalha" não consegue ver e viver, de forma integrada, seus papéis sociais - de mãe, de mulher e de trabalhadora experimentando, ao contrário, sentimentos desagregadores e conflitivos já que não consegue ser, por inteiro, nem mãe, nem trabalhadora, nem mulher ou companheira. Por outro lado, apenas e simplesmente por ter decidido colocar seu filho sob os cuidados da instituição, é também vista, freqüentemente, pelo funcionário, como negligente em relação a seu papel de mãe; ou merecedora de gozar do direito de ter seu filho cuidado na creche apenas e quando estiver exercendo seu papel de trabalhadora.124 A nova realidade brasileira das famílias monoparentais e também a alta inserção da mulher no mercado de trabalho são situações que necessitam de um ambiente sadio para crianças, visto que muitas vezes não existe a figura de uma pessoa responsável que cuidaria da criança ou ainda os pais não detêm condições financeiras de arcar com tais custos.125 De acordo com as palavras de Roberto João Elias: A creche e a pré-escola são relevantes, especialmente no que se refere aos filhos de mães que precisam trabalhar para compor o orçamento doméstico. Já que nosso sistema é o da proteção integral, não basta que o Estado apenas assegure a escola a partir dos sete anos, mas que dê a criança o necessário 124 LEFÉVRE, Fernando. A importância da creche para o processo de inserção social e para o ingresso da criança na cultura. Disponível em: <http://www.fsp.usp.br/LEFEVRE.HTM>. Acesso em 24 de outubro de 2009. 125 FERREIRA, Luiz Antônio Miguel. As creches no fundeb. Disponível em:< http://www.recriaprudente.org.br>. Acesso em 10 de outubro de 2009. 39 desde o seu nascimento, no campo educacional, o que é de capital importância ao seu desenvolvimento.126 Ainda neste sentido, Luiz Antônio Miguel Ferreira diz que ―a inserção da mulher no mercado de trabalho e a conscientização sobre a importância e a necessidade da educação da criança para o seu desenvolvimento têm proporcionado um aumento significativo na demanda‖ 127 . Iza Rodrigues da Luz afirma que a CRFB de 1988 é considerada um marco histórico na redefinição doutrinária e no lançamento dos princípios de implementação de novas políticas para a infância de zero a seis anos, afirmando os direitos das crianças, entre eles o direito à educação 128. Neste sentido, João Roberto Elias: O art. 53 do ECA proclama que a criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho. Com efeito, sem o devido preparo, o acesso ao trabalho e ao gozo dos direitos civis e políticos tornar-seão improváveis.129 De acordo com José Barbosa Alves: O ECA garante à criança e ao adolescente o atendimento a creche e préescola, de zero a 6 anos de idade, assim como o acesso ao ensino fundamental, obrigatório e gratuito e igualitário, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria. Aos portadores de deficiência é garantido o atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino (arts. 53 e 54). Em qualquer caso, o atendimento deverá ser prestado em estabelecimento próximo da residência do aluno130. Ora, a creche auxilia os pais no sentido de proporcionar um ambiente social e educacional para as crianças, enquanto os genitores estão trabalhando. A criança 126 ELIAS, João Roberto. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 2. ed. De acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2004. 127 FERREIRA, Luiz Antônio Miguel. As creches no fundeb. Disponível em:< http://www.recriaprudente.org.br>. Acesso em 10 de outubro de 2009. 128 LUZ, Iza Rodrigues da. Educação infantil: direito reconhecido ou esquecido? Disponível em: < http://www.fe.unb.br/linhascriticas/n22/Educacao_infantil.htm>. Acesso em: 23 maio 2008. 129 ELIAS, Roberto João. Direitos Fundamentais da Criança e do Adolescente. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 80. 130 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da infância e juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 27-28. 40 aprende a socializar com outras crianças, dividindo seus brinquedos e alimentos, fazendo amizades e também ocorre o desenvolvimento do intelecto e da cultura. São as palavras de Fernando Lefévre: Por essas e por outras razões, o assim chamado "componente pedagógico" que mais apropriadamente poderíamos chamar de "componente de promoção do desenvolvimento" - da atividade das creches, sobretudo daquelas que atingem as populações dos estratos sociais mais subalternizados, tende a ser colocado num segundo plano, tanto na prática de trabalho quanto no imaginário da população e dos próprios funcionários. Sair da rua, da natureza, para entrar na cultura, quando se trata de "criança pobre" é, entre nós, um movimento social ainda bastante imerso no campo prático e imaginário do paternalismo caritativo protecionista, de caráter eminentemente negativo. [...] A educação da criança pobre pequena tem algo de explicitamente subversivo na medida em que ela aparece facilmente, para o menos "engajado" dos profissionais, como uma empresa essencialmente destinada a forjar um "sujeito epistemológico" ou cognoscente que qualquer ser humano pode, em princípio, vir a ser, entendido como um "criador de si mesmo e do mundo num processo de interações sujeitoobjeto" (DOLLE, 1978, pag. 73). Esta possibilidade ou virtualidade deve ser explorada ao máximo. Com efeito, hoje em dia poucos acreditam, firmemente, no "sangue azul" ou, no nosso caso, que as crianças já venham programadas, do útero, em termos de possibilidades de desenvolvimento, segundo a origem social de seus pais. Em outras palavras, poucos de nós acreditam, hoje, convictamente, que "criança pobre já nasce meio burrinha". Ora, o jogo, a luta, o desafio prático e ideológico para uma sociedade contraditória como a nossa na medida em que perpassada, ao mesmo tempo, por um movimento perverso de exclusão e por uma inegável criatividade e abertura social - no campo da educação de crianças pequenas em creches, consiste em combater, com afinco e persistência, o movimento de produção, pela creche, do "não-trobadinhamarceneiro", propugnando, positivamente, para o despertar do sujeito epistêmico que existe - e que aparece muito claramente na criança pequena em todo ser humano. Produzir, por exemplo, "não-trombadinhas" aparece-nos como fazendo parte de um movimento de exclusão ou, se se preferir, de inclusão subalterna, na medida em que não se trata de gestar crianças para que realizem plena mas sim subalternamente, as suas potencialidades de desenvolvimento, notadamente enquanto sujeitos cognoscentes. Na creche, a criança pequena pobre brasileira pode, ainda, entrar, com os dois pés, no mundo da cultura. Na creche, a criança pobre brasileira ainda tem chances de ver alterado seu destino, historicamente marcado pela exclusão, com ou sem compensação 131. Em virtude da realidade social do nosso país, devemos ter consciência que muitas crianças freqüentam as creches como uma forma de garantir o recebimento de comida e também proteção, conforme as palavras de Fernando Lefévre: 131 LEFÉVRE, Fernando. A importância da creche para o processo de inserção social e para o ingresso da criança na cultura. Disponível em: <http://www.fsp.usp.br/LEFEVRE.HTM>. Acesso em 24 de outubro de 2009. 41 Desta forma, a luta por creches, enquanto movimento social, sobretudo nas periferias das grandes cidades brasileiras, pode ser vista como um início de disposição, por parte dos segmentos populares, de sair da "natureza" para começar a ingressar na "cultura". Mas se trata, segundo nossa experiência no estudo e no trato com o tema, de algo bastante embrionário. Com efeito, as creches, em nosso país, são, enquanto "aquisições" sociais, recentes, ainda muito atreladas a reivindicações populares ligadas à necessidade de guardar temporariamente crianças para que suas mães possam ser plenamente incorporadas ao mercado de trabalho. Ora, quando um direito - o de ter seus filhos protegidos ou afastados da "rua" (ou, nos termos de TURNER, da "natureza") quando a mãe trabalha - está ainda, em termos quantitativos e qualitativos, longe de ser alcançado, a sobreposição de outro direito - o de ter seus filhos, além de "guardados", "educados" e "desenvolvidos" - só pode 132 aparecer como impertinente e intempestivo. É direito das crianças freqüentarem as creches, porém suas matriculas não são obrigatórias, pois cabe aos genitores analisar se é necessário colocar seus filhos nas instituições como forma de garantir seu desenvolvimento psíquico e motor, conforme elucida Sirlene Virgílio Bueno: A secretária Municipal de Educação, Jane Shirley Escodro Ferretti, aproveitou a presença dos pais para falar da importância de estarem sempre atuantes na escola dos filhos, o que também foi reforçado pelo prefeito. ―Posso garantir que não vai faltar esforços por parte da equipe da creche para atender as necessidades das crianças, mas a presença de vocês na vida deles é fundamental. A escola é apenas um complemento‖, ressalta Jane.133 Ainda neste sentido: [...] não se pode negar a importância dessa primeira etapa na educação infantil para o desenvolvimento psicológico e motor da criança, com os conseqüentes desdobramentos no desenvolvimento humano, na formação da personalidade, na construção da inteligência e na aprendizagem.134 Wilson Donizete Liberatti afirma: O art. 29 da LDB recorda que a educação infantil é a primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até os seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.135 132 LEFÉVRE, Fernando. A importância da creche para o processo de inserção social e para o ingresso da criança na cultura. Disponível em: <http://www.fsp.usp.br/LEFEVRE.HTM>. Acesso em 24 de outubro de 2009. 133 BUENO, Sirlene Virgílio. Populares e autoridades prestigiam inauguração da creche de Tombadouro. Disponível em: < http://www.indaiatuba.sp.gov.br/gabinete/imprensa/noticias/9559/>. Acesso em: 24 de outubro de 2009. 134 FERREIRA, Luiz Antônio Miguel. As creches no fundeb. Disponível em:< http://www.recriaprudente.org.br>. Acesso em 10 de outubro de 2009. 135 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito à educação: uma questão de justiça. São Paulo:Malheiros, 2004. p. 236. 42 É importante ressaltar que o artigo 30 da LDB divide o ensino infantil em creches, destinadas às crianças de zero a três anos de idade; já a pré-escola é assegurada para crianças acima de três anos de idade até os seis anos. 136 De acordo com Wilson Donizete Liberatti, a LDB determina que as creches deverão atender crianças de zero a três anos, adotando objetivos educacionais, seguindo as normas diretrizes curriculares nacionais propostas pelo CNE. É neste período que os estímulos educativos exercem uma grande influência na formação da personalidade e no desenvolvimento da criança. 137 Desta forma, torna-se evidente a importância da criança estar matriculada e freqüentando a creche, pois haverá um grande progresso no seu desenvolvimento, bem como a mesma estará com seu direito à educação garantido pelo Poder Público. 3.4 O DIREITO A VAGA EM CRECHE E O PODER PÚBLICO O artigo 211 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 determina que é dever da União, os Estados, do Distrito Federal e dos Municípios oferecer educação para todos os brasileiros, independentemente da idade, raça ou cor, conforme dito anteriormente. De acordo com o texto constitucional, a União é responsável pelo sistema federal de ensino e dos Territórios, além de financiar as instituições de ensino públicas federais. Os Estados e Distrito Federal exercem o dever de atuar no ensino fundamental e médio. Os Municípios devem atender a demanda relativa ao ensino fundamental e a educação infantil.138 136 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito à educação: uma questão de justiça. São Paulo:Malheiros, 2004. p. 236. 137 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito à educação: uma questão de justiça. 138 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 696. 43 Wilson Donizeti Liberatti esclarece: O sistema de competências (pelo menos para o desenvolvimento do ensino fundamental) está proposto no art. 211 da CF. Sabe-se, pela disposição constitucional, que esta competência é concorrente para Municípios e Estados. São eles os desencadeadores e provedores do direito (fundamental) à ―educação‖. Por sua vez, a União atuará, supletivamente, na distribuição de 139 recursos financeiros. De acordo com o artigo 208 da Constituição Federativa da Republica do Brasil de 1988: O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I – ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II – progressiva universalização do ensino médio gratuito; III – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV – educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até cinco (05) anos de idade (grifo nosso) [...].140 Está evidenciado que o artigo 208 da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 ―especifica as garantias que incumbem ao Estado o adimplemento do dever de promover e incentivar a educação‖. 141 Além disso, tal atividade é de competência do município, que deverá contar com a cooperação técnica e financeira dos Estados e da União para situações especificas, baseado no art. 30 e incisos V, VI, VII da CRFB de 1988.142 Nesse sentido: [...] O prefeito salientou a importância da creche para o bairro. ―Sabemos que a creche é fundamental para o pai e a mãe que trabalha fora. Com esse novo prédio estamos oferecendo mais estrutura para atender as famílias da região do Tombadouro, não pelo serviço e pelo carinho que é oferecido pela Associação, que sei que já é excelente, mas pelo espaço físico que é bem melhor‖, 143 argumenta. 139 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito à educação: uma questão de justiça. São Paulo:Malheiros, 2004. p. 213. 140 BRASIL. Constituição de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 de outubro de 2009. 141 CENEVIVA, Walter. Direito Constitucional Brasileiro. 3. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 407. 142 SILVA, Moacyr Motta da. A tutela jurisdicional dos direitos da criança e do adolescente. São Paulo: LTr, 1998. p. 128. 143 BUENO, Sirlene Virgílio. Populares e autoridades prestigiam inauguração da creche de Tombadouro. Disponível em: < http://www.indaiatuba.sp.gov.br/gabinete/imprensa/noticias/9559/>. Acesso em: 24 de outubro de 2009. 44 Apesar da obrigação do município em oferecer vagas em creches para crianças, o Poder Público não consegue assegurar vagas para todos os infantes e por causa disso, o Município de Florianópolis instituiu a Portaria nº 079/2009144, que seria uma forma de ―filtrar‖ as inscrições nas creches municipais e analisar cada caso, concedendo as vagas para as famílias que estiverem de acordo com os requisitos estipulados pela Secretaria Municipal de Educação. 144 Anexo. 45 4 A GARANTIA DO DIREITO À VAGA EM CRECHE O direito de crianças a vagas em creche é considerado fundamental, previsto na Constituição Federativa na Republica do Brasil de 1988 e também determinado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90, conforme constatado no desenvolvimento do segundo capítulo. Apesar da previsão legal, a realidade apresentada no país é bem diferente, tendo em vista que o ―direito à creche‖ não está assegurado nas instituições. A realidade é que faltam vagas nas instituições de ensino municipais, ou seja, milhares de crianças estão com seu direito violado145. Neste sentido, Elaine Granconato: A administração contesta o déficit de vagas apontado na ação civil pública interposta pelo Ministério Público. Em 2007, 8.350 estariam fora da escola. A Prefeitura aponta 3.125 crianças hoje na fila de espera. Os próprios conselheiros tutelares confirmaram o déficit em torno de 8.000 para os pais. "Todo pedido que entra para vagas em creches encaminhamos diretamente para a Prefeitura (Secretaria de Educação), que tem o controle da lista de espera. Hoje, gira em torno de 8,000", afirmou a conselheira Maria do Socorro 146 da Silva. Primeiramente, os pais devem dirigir-se até a creche municipal mais próxima de sua residência ou local de trabalho e realizar a inscrição da criança na respectiva instituição. A respeito do assunto, Elaine Gancronato apresenta: "Nunca bateram na minha porta", desabafou a cabeleireira Michele Ferreira da Silva, 21 anos, moradora no Jardim Arco Íris, que inscreveu a filha de 3 anos na creche do bairro. O protocolo é do dia 5 de junho de 2008. Além de Michele, apenas a avó de outra criança mantinha um número de protocolo passado pela instituição. As outras mães entrevistadas pelo Diário afirmaram não ter recebido nada das escolas que comprovasse o pedido. "Nem o nome anotaram", acusou a auxiliar de limpeza Maria Aparecida Araújo de Carvalho, 23, do Jardim Casa 145 GRANCONATO, Elaine. Pais reclamam da falta de vaga em creche em Diadema. Disponível em: <http://home.dgabc.com.br/default.asp?pt=secao&pg=detalhe&c=1&id=5769645>. Acesso em: 19 de outubro de 2009. 146 GRANCONATO, Elaine. Pais reclamam da falta de vaga em creche em Diadema. 46 Grande, que em março de 2008 bateu na porta da creche em busca de vagas para a filha de 3 anos. "Ganho salário-mínimo e pago R$ 250 de aluguel, como posso pagar uma escolinha", indagou, ao acrescentar que voltou neste ano novamente. O conselheiro Fábio Cássio Alves reforçou a necessidade de ver qual órgão estaria falhando ao não emitir o comprovante às famílias. "Aqui apenas encaminhamos os pedidos. Cobrar vagas desculpem, mas é obrigação 147 da Prefeitura", argumentou. Ressalta-se que este procedimento tem que ser iniciado no final do mês de outubro, pois todas as fichas de matriculas são encaminhadas para uma comissão analisá-las, conforme os critérios estabelecidos pela Portaria 070/2009 da Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis/SC148. A comissão analisa cada ficha de inscrição e após alguns dias, a listagem das crianças ―contempladas‖ estará afixada no mural de cada creche municipal, das suas respectivas regiões149. Caso os genitores verifiquem que a criança não foi contemplada, estes devem procurar o Conselho Tutelar para garantir o direito a creche, conforme a seguinte informação: Precisando trabalhar e sem ter com quem deixar o filha de pouco mais de um ano, uma mãe residente na Vila Luiza, recorreu a Uirapuru apelando por uma creche, pois a mesma está há dois meses procurando vaga e não consegue. Ela alega que não tem condições de pagar uma creche particular. Em contato com o setor pedagógico da Secretaria de Educação, fomos informados que no bairro não há creche municipal e nesse caso específico a mãe deve procurar o Conselho Tutelar para garantir o direito a vaga em alguma creche da cidade.150 As providências adotadas pelo Conselho Tutelar serão descritas a seguir. 147 GRANCONATO, Elaine. Pais reclamam da falta de vaga em creche em Diadema. Disponível em: <http://home.dgabc.com.br/default.asp?pt=secao&pg=detalhe&c=1&id=5769645>. Acesso em 19 outubro 2009. 148 Portaria 079/2009 - anexo. 149 Portaria 079/2009 - anexo. 150 UIRAPURU, Rádio. Falta de vaga em creche pública: mãe busca garantir o direito do filho. Disponível em: < http://www.rduirapuru.com.br/?menu=noticialer&id=3436>. Acesso em: 19 de outubro de 2009. 47 4.1 O CONSELHO TUTELAR O Conselho Tutelar foi criado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90, com o objetivo de atuar nos casos de situação de riscos e de ser encarregado pela sociedade civil de zelar pelo cumprimento integral dos direitos da criança e do adolescente151. Neste sentido, Clícia Maria Leite Nahra e Mônica Bragaglia entendem que ―nesse cenário, o Conselho Tutelar é um organismo chave que tem, em sua definição, a competência formal de zelar pelo cumprimento dos direitos previstos em lei‖ 152. Conforme o artigo 131 do ECA: ―O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta lei‖.153 São as palavras de Clícia Maria Leite Nahra e Mônica Bragaglia: O ECA, ao tratar da formação e das atribuições dos Conselhos Tutelares define duas características básicas que merecem a observância rigorosa de quem neles atua e de toda a sociedade: são elas a permanência e a autonomia, condições fundamentais para que os Conselhos Tutelares se legitimem como política pública de proteção aos Direitos Humanos, independente da classe social em que a violação aconteça e dos interesses que serão enfrentados na proteção de uma criança ou adolescente vítima. Isso significa independência de 154 quem quer que seja para representar o interesse maior que é o das crianças. É importante ressaltar que este órgão é autônomo, ou seja, toma decisões baseadas nas leis, seja na Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 ou Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90. Além disso, o Conselho Tutelar é 151 NAHRA, Clícia Maria Leite. Mônica Bragaglia. Conselho Tutelar: gênese, dinâmica e tendências. Canoas: Ed. ULBRA, 2002. p. 75. 152 NAHRA, Clícia Maria Leite. Mônica Bragaglia. Conselho Tutelar: gênese, dinâmica e tendências. 153 BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 de outubro de 2009. 154 NAHRA, Clícia Maria Leite. Mônica Bragaglia. Conselho Tutelar: gênese, dinâmica e tendências. Canoas: Ed. ULBRA, 2002. p. 18. 48 considerado permanente, pois depois de criado não pode ser destituído. E, também é não-jurisdicional, pois não está interligado ao Poder Judiciário155. Neste sentido, Wilson Donizete Liberatti: Em matéria técnica de sua competência, o Conselho, por ser autônomo, delibera, ou seja, toma decisões e age, aplicando medidas práticas sem qualquer interferência externa. Percebe-se, pois, que essa autonomia é apenas funcional, não havendo qualquer impedimento, do ponto de vista administrativo, a que o Conselho esteja ligado ou subordinado a outro órgão, ou que, do ponto de vista financeiro, depende de verbas externas ou de alguma Secretaria 156 Municipal. A respeito do Conselho Tutelar, são palavras de Mônica Bragaglia: O Conselho Tutelar surge associado a um conjunto de pressupostos legais que caracterizam a Doutrina de Proteção Integral à Criança e ao Adolescente. Esta Doutrina, como já vimos anteriormente, emerge de um processo gestado na sociedade brasileira, e mesmo mundial, de busca de superação de uma lógica menorista de trato com a criança e o adolescente.157 O Conselho Tutelar está vinculado administrativamente ao Município, ou seja, este deverá fornecer as verbas necessárias para o seu funcionamento. Entretanto, todas as decisões deste órgão deverão ser realizadas de forma imediata e independente. Clícia Maria Leite Nahra e Mônica Bragaglia corroboram: Como organismo integrado à política pública de proteção à infância, o Conselho Tutelar é uma instituição recente na sociedade brasileira. Foi somente a partir do ECA, portanto, desde julho de 1990, que se firmou a base legal para o estabelecimento de Conselhos Tutelares.158 Conforme dito anteriormente, o Conselho Tutelar é vinculado à administração local, entretanto, tal ligação ocorre visto que o município deve arcar com os custos de seus funcionários (conselheiros tutelares, auxiliar administrativo, estagiário, notificadores, auxiliar de limpeza, motoristas, telefonistas); fornecimento de energia 155 LIBERATTI, Wilson Donizeti. Direito da criança e do adolescente. São Paulo: Rideel, 2006. p. 105. LIBERATTI, Wilson Donizeti. Direito da criança e do adolescente. São Paulo: Rideel, 2006. p. 105. 157 BRAGAGLIA, Mônica. Auto-organização: um caminho promissor para o Conselho Tutelar. São Paulo: Annablumme, 2005. p. 43. 158 NAHRA, Clícia Maria Leite. Mônica Bragaglia. Conselho Tutelar: gênese, dinâmica e tendências. Canoas: Ed. ULBRA, 2002. p. 15. 156 49 elétrica, telefone, celular, internet, água e também deve equipar com os materiais necessários para o bom funcionamento do órgão159. A respeito sobre o assunto: Os Conselhos Tutelares atendem ao município, registrando todos os casos de sua competência e abrangência. As ações cotidianas são seguidas da emissão de documentos de notificação, requisições, sindicâncias, advertências ou termos de responsabilidade. Semestralmente elaboram relatórios contendo síntese quantitativa das ocorrências recebidas, registradas e acompanhadas no 160 período. Quanto aos conselheiros tutelares, Mônica Bragaglia apresenta: A diversidade presente na gênese do Conselho manifesta-se e garante espaços para sua sobrevivência de diferentes formas. Uma delas sustenta-se o fato de que o Estatuto da Criança e do Adolescente – ao colocar parâmetros mínimos de candidatura para função e processo de escolha do Conselheiro Tutelar e não legislar sobre forma de funcionamento e estrutura do órgão – deixa espaço para que cada município legisle sobre estes e outros aspectos que julgar necessários, dada as suas peculiaridades.161 O artigo 132 do Estatuto da Criança e do Adolescente determina que ―em cada Município haverá, no mínimo, um Conselho Tutelar, composto de cinco membros, escolhidos pela comunidade local para mandato de três anos, permitidos uma recondução‖ 162. Neste sentido, Mônica Bragaglia: Dessa maneira, nota-se que tal estrutura integra, em sua constituição, a presença de cinco componentes, cujo único vínculo, em principio, é o objetivo comum da função. A partir daí, estes componentes devem trabalhar juntos na garantia de direitos das crianças e dos adolescentes, da comunidade a qual são relacionados.163 Mônica Bragaglia elucida: 159 NAHRA, Clícia Maria Leite. Mônica Bragaglia. Conselho Tutelar: gênese, dinâmica e tendências. SOCIAL, Atlas. Perfil de Atendimento dos Conselhos Tutelares. Disponível em: <http://www.atlassocialjf.pjf.mg.gov.br/doc/capitulo_4/4.1.7_perfil_de_atendimento_dos_conselhos_tutelar es.doc>. Acesso em: 19 de outubro de 2009. 161 BRAGAGLIA, Mônica. Auto-organização: um caminho promissor para o Conselho Tutelar. São Paulo: Annablumme, 2005. p. 44. 162 BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 de outubro de 2009. 163 BRAGAGLIA, Mônica. Auto-organização: um caminho promissor para o Conselho Tutelar. São Paulo: Annablumme, 2005. p. 51. 160 50 Vejamos a demonstração desta situação com relação aos requisitos para candidatura ao cargo de Conselheiro Tutelar. O artigo 133, do Estatuto da Criança e do Adolescente referencia que se seguem ―I – reconhecida idoneidade moral; II – idade superior a vinte e um anos; III – residir no município‖. Ao mesmo tempo, nos artigos 134 e 139, a lei permite a ampliação de outros requisitos e critérios de candidatura e funcionamento através das 164 legislações municipais. É evidente que o Conselho Tutelar apresenta uma diversidade entre seus membros e também na própria atribuição deste órgão, conforme o artigo 136: São atribuições do Conselho Tutelar: I – atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos arts. 98 e 105, aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII; II – atender e aconselhar os pais ou responsável, aplicando as medidas previstas no art. 129, I a VII; III – promover a execução de suas decisões, podendo para tanto: a) requisitar serviços públicos nas áreas da saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança; b) representar junto à autoridade judiciária nos casos de descumprimento injustificado de suas deliberações; IV – encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos de criança ou adolescente; V – encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência; VI – providenciar a medida estabelecida pela autoridade judiciária, dentre as previstas no art. 101, de I a IV, para o adolescente autor de ato infracional; VII – expedir notificações; VIII – requisitar certidões de nascimento e de óbito de criança ou adolescente quando necessário; IX – assessorar o Poder Executivo local na elaboração de proposta orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente; X – representar, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos direitos previstos no art. 220, inciso II da Constituição Federal; XI – representar ao Ministério Público, para efeito das ações de perda ou suspensão do poder familiar.165 É importante ressaltar que o Conselho Tutelar está sujeito a fiscalização do Ministério Público, que deverá atuar no período de escolha dos membros deste órgão, de acordo com o artigo 139 do ECA: ―O processo para escolha dos membros do Conselho 164 Tutelar será estabelecido em Lei Municipal e realizado sob a BRAGAGLIA, Mônica. Auto-organização: um caminho promissor para o Conselho Tutelar. São Paulo: Annablumme, 2005. p. 44. 165 BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 de outubro de 2009. 51 responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e a fiscalização do Ministério Público‖166. Ainda sobre o Conselho Tutelar, Wilson Donizeti Liberatti esclarece: O Conselho Tutelar é, também, um espaço que protege e garante os direitos da criança e do adolescente, no âmbito municipal; é uma ferramenta, um instrumento de trabalho nas mãos da comunidade, que fiscalizará e tomará providências para impedir a ocorrência de situações de risco pessoal e social para crianças e adolescentes.167 De acordo com o entendimento de Mônica Bragaglia: No conjunto destas atribuições, a diversidade é elemento presente. É possível identificar atribuições de caráter burocrático, como é o caso da V, VII e VIII atribuição; de caráter político, por exemplo, a IX atribuição; e, mesmo de caráter assistencial, como na II atribuição.168 Ainda neste sentido: Essa diversidade cria uma outra, relativa às características favorecidas pelas diferentes atribuições. Por exemplo, uma ação definidora de comportamentos ganha solo fértil para ocorrer nas disposições da atribuição II. Ao mesmo tempo, outro leque de atribuições (III, IV, X e XI) favorece uma ação de garantia de direitos.169 Apesar do Conselho Tutelar ser destinado a todas as crianças e adolescentes, bem como suas famílias; a realidade é que a maioria dos atendimentos são destinados às pessoas carentes, que muitas vezes não têm conhecimento do seu direito ou de como proceder na falta deste. Neste sentido, Luiz Antônio Miguel Ferreira: É fácil constatar que as maiores prejudicadas são as crianças pobres, visto que as ricas ou as de classe média alta têm acesso a creches privadas ou a babás. Estão excluindo os filhos de mulheres que saem cedo de casa como diaristas, empregadas domésticas, funcionárias de empresas de transporte, faxina, comércio e daqueles que nem essas oportunidades de emprego têm e que são 170 mais pobres ainda. 166 BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 de outubro de 2009. 167 LIBERATTI, Wilson Donizeti. Direito da criança e do adolescente. São Paulo: Rideel, 2006. p. 104. 168 BRAGAGLIA, Mônica. Auto-organização: um caminho promissor para o Conselho Tutelar. São Paulo: Annablumme, 2005. p. 49. 169 BRAGAGLIA, Mônica. Auto-organização: um caminho promissor para o Conselho Tutelar. 170 FERREIRA, Luiz Antônio Miguel. As creches no fundeb. Disponível em: <http://www.recriaprudente.org.br>. Acesso em: 13 de outubro de 2009. 52 Mônica Bragaglia realizou um estudo sobre o público alvo que procura o Conselho Tutelar: Quando indagados sobre os motivos que levam as pessoas a buscarem a ação do CT, os Conselheiros, indicam, num percentual de 73, 3%, que é ―para pedir esclarecimento‖ e ―pela existência de violação de direitos contra a criança e o adolescente‖. Em segundo lugar, com 36, 7% das respostas, aparece o item ―para definir o comportamento de crianças e adolescentes‖, e, com 33, 3%, surge a, resposta ―para pedir auxílio material‖.171 Ainda a respeito sobre o assunto: Não obstante constituir um direito da criança e ter sua importância reconhecida, a universalização do atendimento aqueles que necessitam de creche representa uma meta distante posto que, segundo dados da Pesquisa Nacional da Amostra Domiciliar (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2003, somente 11,7% das crianças têm assegurado este direito. O Plano Nacional da Educação informa que o Brasil possui 12 milhões de crianças a serem atendidas na faixa etária de 0 a 3 anos. 172 São as palavras de Mônica Bragaglia: Todos estes dados demonstram uma realidade cotidiana, no Conselho Tutelar, marcada pela imprevisibilidade de demandas postas ao Conselho e de ações realizadas pelos Conselheiros. Conseqüentemente, a dinâmica de funcionamento deste sistema convive e se mantém num estado de permanentes embates entre posições divergentes, confronto entre práticas distintas, convivência entre expectativas variadas e choque entre ações diferenciadas. Isso configura, no Conselho Tutelar, uma realidade permanentemente afastada do equilíbrio, onde o fluxo de energia e matéria é constante.173 Em relação ao presente trabalho, a família que não conseguir a vaga na creche deverá dirigir-se ao Conselho Tutelar. Desta forma, o atendimento deverá ser realizado por um Conselheiro Tutelar, que verificará se os genitores trouxeram todos os documentos necessários para realizar o preenchimento da ficha SIPIA. Wilson Donizeti Liberatti esclarece: [...] Os passos são o levantamento de dados da realidade, sua análise e avaliação, e, finalmente, a correição e responsabilização das práticas equivocadas ou desviadas de seus limites. Nessa perspectiva é que temos elementos poderosos de diagnósticos programas como o Sistema de Informação para a Infância e Adolescência – SIPIA I, uma das metas da versão 171 BRAGAGLIA, Mônica. Auto-organização: um caminho promissor para o Conselho Tutelar. FERREIRA, Luiz Antônio Miguel. As creches no fundeb. Disponível em: <http://www.recriaprudente.org.br>. Acesso em: 13 de outubro de 2009. 173 BRAGAGLIA, Mônica. Auto-organização: um caminho promissor para o Conselho Tutelar. 172 53 do Programa Nacional dos Direitos Humanos (meta 11, de médio prazo), envolvendo a criação de um instrumento da gestão para as intervenções 174 referentes à violação de direitos de crianças e adolescentes. Em seguida, o profissional (Conselheiro Tutelar) deverá explicar para os pais que será expedida uma requisição para a Secretaria Municipal de Educação, exigindo que a criança tenha o direito a vaga em creche atendido. É dever do Conselho Tutelar realizar a requisição de vaga em creche, conforme artigo 136 do ECA: Art. 136. São atribuições do Conselho Tutelar: [...] II – Atender e aconselhar pais ou responsáveis, aplicando as medidas previstas no art. 129, I a VII; III – promover a execução de suas decisões, podendo para tanto: a) requisitar serviços públicos nas áreas da saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança.175 Por este motivo que se torna de extrema importância que a família tenha em mãos toda a documentação necessária, que são: certidão de nascimento da criança, declaração de falta de vaga em creche e comprovante de inscrição na creche 176. Na requisição, haverá um prazo estipulado para que a Secretaria Municipal de Educação ofereça resposta177. Wilson Donizeti Liberatti elucida: Os Conselhos Tutelares, por sua vez, são a própria sociedade em defesa da proteção integral. Seu papel é de identificação de lesões ou ameaça de lesão a direito de crianças e adolescentes, encaminhando-os à resposta adequada, através da requisição de serviços. Seu poder é de autoridade, consistindo tanto em infração administrativa como em crime o descumprimento de suas determinações.178 174 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito à educação: uma questão de justiça. São Paulo:Malheiros, 2004. p. 24. 175 BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 de outubro de 2009. 176 Documento em anexo. 177 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito à educação: uma questão de justiça. 178 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito à educação: uma questão de justiça. São Paulo:Malheiros, 2004. p. 33. 54 Em alguns dias, o Conselho Tutelar recebe a resposta do órgão público, que poderá contemplar a família com a concretização do direito a vaga em creche ou não. No primeiro caso, o ofício apresenta a qual creche municipal a família deve se dirigir e efetuar a matrícula da criança. Nesse sentido: Mesmo entendendo que a realização das normas programáticas previstas pelo ECA traz, em seu interior, a possibilidade de visualização de uma outra e nova sociedade, a atuação do Conselho Tutelar, na conjuntura de 90, na sociedade brasileira, é contraditória em essência, embora traga consigo um mecanismo formal e real de mudança da realidade.179 Entretanto, caso a resposta não seja favorável, é dever do Conselho Tutelar encaminhar cópia dos documentos e comunicar a situação para o Ministério Público, com o intuito que o ―fiscal da lei‖ adote as providências necessárias para a efetivação do direito da criança180. Ou seja, apesar do Conselho Tutelar ter a função de zelar pelos direitos das crianças e adolescentes, muitas vezes, na prática, não existe a efetivação de tal direito, apesar dos procedimentos adotados pelo órgão. Por isso, é de mister importância a atuação do Ministério Público, com o intuito de garantir o direito violado. 179 NAHRA, Clícia Maria Leite. Mônica Bragaglia. Conselho Tutelar: gênese, dinâmica e tendências. Canoas: Ed. ULBRA, 2002. p. 75. 180 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito à educação: uma questão de justiça. 55 4.2 O MINISTÉRIO PÚBLICO O Conselho Tutelar encaminha um documento para o Ministério Público, comunicando o atendimento da família e os devidos procedimentos adotados, com cópia da documentação expedida e recebida. Além disso, elucida que, apesar de realizar a requisição de vaga em creche, a Secretaria Municipal de Educação não atendeu a solicitação do CT181. Neste sentido, apesar da atuação do Conselho Tutelar, a criança continua com o direito à educação violado. É função do Ministério Público intervir nesta situação, pois é de sua competência ―a tarefa de resguardar os interesses sociais ou individuais que excedem os das causas judiciais sobre direitos individuais indisponíveis promovidas ou contestadas (art. 172)‖.182 Neste sentido, Walter Ceneviva: O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado (art. 127). Sua incumbência constitucional compreende a defesa de ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais, como um todo, e dos individuais indisponíveis, sendo-lhe vedada à representação judicial e a consultoria jurídica de entidade pública (art. 129, IX). Esta restrição impõe aos Estados, Municípios e órgãos da administração que se defendam, em juízo e fora dele, através de suas procuradorias, como confirma o art. 132.183 O Ministério Público é o órgão legitimado para propor ação de alimentos, guarda, investigação de paternidade, etc. Além disso, o MP está presente em todas as ações que envolvam crianças e adolescente, por isso, sempre haverá um membro do MP presente nas audiências realizadas na Vara da Infância e Juventude e na Vara da Família. Ainda neste sentido: 181 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito à educação: uma questão de justiça. São Paulo:Malheiros, 2004. p. 33. 182 CENEVIVA, Walter. Direito Constitucional Brasileiro. 3. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 307. 183 CENEVIVA, Walter. Direito Constitucional Brasileiro. 3. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 307. 56 A autonomia administrativa e funcional é exercida em dois setores do governo, o federal (Ministério Público da União, composto por unidades independentes, quanto ao seu funcionamento e quanto à sua missão específica) e o estadual (subordinado à Constituição e à lei locais, obedecidos os preceitos gerais da Carta Magna).184 O artigo 129 da Constituição Federativa do Brasil de 1988 determina: São funções institucionais do Ministério Público: [...] II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para proteção do patrimônio 185 público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. O Ministério Público adota a confecção de uma Ação Civil Pública, que deverá ser realizada com uma quantidade mínima de crianças. É importante ressaltar que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a atuação do Ministério Público, conforme os artigos 201 e 208: Art. 201. Compete ao Ministério Público: [...] V - promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3º, inciso II, da Constituição Federal; [...] VIII - zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis; [...] X - representar ao juízo visando à aplicação de penalidade por infrações cometidas contra as normas de proteção à infância e à juventude, sem prejuízo 186 da promoção da responsabilidade civil e penal do infrator, quando cabível. (...) Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta irregular: [...] III - de atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de 187 idade. 184 CENEVIVA, Walter. Direito constitucional brasileiro. 3. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 309. BRASIL. Constituição da Republica de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 de outubro de 2009. 186 BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. 187 BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. 185 57 Informamos ainda que o Ministério Público é o responsável para ingressar com as ações judiciais de representação contra o Poder no Público, como no caso de falta de vaga em creche. São as palavras de Josiane Rose Petry Veronese: Feitas estas considerações, podemos perguntar: o Administrador Público pode sofrer algum tipo de ―punição‖ por não cumprir seus deveres face ao direito à Educação? Sim. Pode a autoridade competente, representante do Estado, ao deixar de cumprir suas obrigações, ser responsabilizada, conforme se aduz do artigo 43, §2º, do Estatuto que determina: O não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente.188 Ainda neste sentido: De acordo com tal entendimento, a questão da legitimação passiva para as demandas judiciais de responsabilidade por ofensas aos direitos assegurados à criança, quer digam respeito ao não-oferecimento ou oferta irregular das atividades enumeradas no art. 208 do ECA, apontam no sentido do Município189. O trabalho do Ministério Público é extremamente importante para as situações de vaga de falta em creche, quando o Conselho Tutelar não consegue suprir tal necessidade, tendo em vista a efetivação do direito da criança. 4.3 O PODER JUDICIÁRIO O direito a creche é considerado um direito fundamental, de extrema importância no caráter social e educativo da criança. Sua legitimação está prevista na Constituição da República Federativa do Brasil, no Estatuto da Criança e do Adolescente e também na Lei de Diretrizes Básicas (LDB), conforme já apresentado no decorrer dos capítulos anteriores. 188 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. Florianópolis: OAB/SC, 2006. p. 48. 189 SILVA, Moacyr Motta da. VERONESE, Josiane Rose Petry. A tutela jurisdicional dos direitos da criança e do adolescente. São Paulo: LTr, 1998. p.128. 58 A Constituição da Republica Federativa do Brasil determina que é do Poder Público, neste caso, dos municípios oferecer vagas nas creches, tendo em vista que é responsável pela educação infantil, conforme já discutido no Capítulo II. A não oferta de vagas em creches municipais é caracterizada como omissão do Poder Público e cabe aos Conselhos Tutelares e ao Ministério Público adotar os devidos procedimentos para a concretização do direito, de acordo com o conteúdo apresentado no Capítulo III. Neste sentido, Elaine Granconato: Grupo de 16 pessoas, entre avós, mães e pais com os filhos a tiracolo, foi ontem ao Conselho Tutelar 1 de Diadema reivindicar vagas em creches municipais ou conveniadas. A maioria aguarda na fila há pelo menos dois anos. A Justiça condenou em julho a Prefeitura a zerar em até dois anos o número de crianças que estão na lista de espera do atendimento público.190 Além do Conselho Tutelar e do Ministério Público, a população também pode requerer seus direitos, por isso: O conceito Advocacy, está em voga, já que muitas instituições de garantia de direitos, tem apostado na capacitação de lideranças comunitárias para estarem desenvolvendo atividades de informação e orientação a população,dentro de suas comunidades, facilitando o entendimento das pessoas mais carentes em questões administrativas do dia a dia. Desde o questionamento de uma simples falta de vaga em creche pública [...]. A idéia fazer com que as pessoas tendo maior conhecimento dos seus direitos, iniba as violações desse direito por quem quer que seja. Principalmente aqueles que deveriam zelar por esta garantia.191 Geralmente, cada ação judicial traz o histórico familiar, pois muitas crianças encaminhadas às creches estão em ―situação de risco‖, conforme a seguinte matéria: A falta de vagas nas três creches que atendem o conjunto habitacional Frei José Maria Lorenzetti está causando transtornos às moradoras do bairro que precisam trabalhar. Sem alternativas, algumas mães deixam os filhos pequenos em casa sob os cuidados dos irmãos mais velhos — que têm, geralmente, entre 190 GRANCONATO, Elaine. Pais reclamam da falta de vaga em creche em Diadema. Disponível em: <http://home.dgabc.com.br/default.asp?pt=secao&pg=detalhe&c=1&id=5769645>. Acesso em: 19 de outubro de 2009. 191 VENTURA, Edmilson. Moradores de comunidades contam com assessoria jurídica. Disponível em: < http://www.anf.org.br/2009/08/26/moradores-de-comunidades-contam-com-assessoria-juridicapopular/>. Acesso em: 19 de outubro de 2009. 59 10 e 14 anos. Outras foram obrigadas a abandonar o emprego por não ter com quem deixar o filho.Lílian Lopes contou que sua filha Raíssa, de um ano e oito meses, não consegue vaga em nenhuma das três creches. Os irmãos Marcos, de 11 anos, e Jéssica, de 10, se revezam para cuidar da caçula, enquanto os pais trabalham. ―A Jéssica estuda à tarde e está perdendo reforço e aula de computação de manhã para cuidar da irmã. Marcos estuda de manhã e também perde computação para cuidar de Raissa‖, lamentou Lílian. A mãe relatou que até o mês de junho Raissa estava na creche, mas ela perdeu o emprego e, conseqüentemente, a vaga da filha. ―Já faz dois meses que estou trabalhando novamente e preciso da creche. Trabalho das 7h às 11h e das 12h30 até 17h30. Às vezes, chego tarde e a neném está com fome porque o Marcos não sabe fazer mamadeira. Aliás, não posso deixar ele mexer no fogão‖, disse. Lílian contou que procurou o Conselho Tutelar para resolver a situação e foi informada que a creche é obrigada a ceder vaga. ―Mas a diretora falou que só terá vaga para o próximo ano. Como vou fazer? Vou pedir pra guardarem a minha vaga de emprego para o ano que vem também?‖, protesta. A mãe de Raissa contou que, quando foi até o Conselho Tutelar, foi informada que, numa reunião entre o juizado de menores e as creches, decidiu-se que o município é obrigado a abrir vagas. Segundo Lílian, os conselheiros ainda afirmaram que a vaga deve ser obtida mesmo se a mãe não estiver trabalhando. ―Essa semana o botijão de gás em casa vazou e tive que chamar o bombeiro. E se meus filhos estivessem sozinhos? Alguém vai acabar chamando o Conselho Tutelar. Quando tirarem meus filhos de mim, como vou fazer? Claro que a diretora da creche não vai devolvê-los para mim‖, desabafa.192 Ainda a respeito do assunto: Érica Aparecida Santos Mendes é mãe de três crianças e teve que abandonar o emprego por falta de vaga em creche. Sua filha Jenifer, de 5 anos, está na escola Peralta. Já Elen Cristina, de 3 anos, e David Henrique, de três meses, não conseguem vagas em nenhuma creche. O sobrinho Cauã, de um ano e três meses, também está sem vaga. ―Tive que abandonar meu emprego porque minha mãe não podia ficar com meus filhos‖, lamenta. Ela trabalhava em uma fábrica das 7h às 17 horas. Albertina de Fátima Oliveira é mãe de cinco filhos. O caçula, de um ano e cinco meses, também não consegue vaga em creche. ―Meu filho de 13 anos quase perdeu o ano escolar por faltar muito para cuidar do irmão. Se a mãe não trabalhar, a criança vai passar fome dentro de casa e o Conselho Tutelar tira-os de casa. Nós conseguimos emprego, mas não temos com quem deixar as crianças‖, reclama Albertina. Ela contou que chegou a procurar uma babá, mas o valor era muito alto. Ana Paula Gomes Pereira precisa de vaga para seus dois meninos, um de três anos e outro de cinco meses. A filha mais velha, de sete anos, já vai à escola. Para trabalhar, a dona193 de-casa deixa um filho com a avó materna e o outro, com a avó paterna. Quando as creches municipais estão ―lotadas‖, ou seja, com a quantidade máxima de crianças permitida naquele local, não existe a possibilidade de ingresso novas crianças, a não ser nos casos de desistência ou transferência, porém ainda não é suficiente para todas. 192 DEBATE. Mães reclamam: faltam vagas em creches da cidade. Disponível em: < http://www2.uol.com.br/debate/1336/cidade/cidade08.htm>. Acesso em: 19 de outubro de 2009. 193 DEBATE. Mães reclamam: faltam vagas em creches da cidade. 60 Neste momento, as crianças que não conseguem efetuar a matrícula na creche municipal são colocadas em ―listas de espera‖ 194 . Tal situação caracteriza a violação dos princípios constitucionais e do Estatuto da Criança e do Adolescente. Por isso, a atuação conjunta do Conselho Tutelar e do Ministério Público é de grande importância para a efetivação do direito a vaga em creche, conforme já apresentado anteriormente.195 Cabe ao Juiz de Direito analisar cada caso e aplicar a Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 e também o Estatuto da Criança e do Adolescente. Além disso, o magistrado deve elucidar o fato que o direito à creche é considerado um direito fundamental das crianças, considerado de extrema importância e por isso deve ser garantido196. Neste sentido, Roberto Barbosa Alves: [...] estabelecer alguns direitos fundamentais próprios de crianças e adolescentes. Reitere-se que o art. 227 da CF procura garantir, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. A garantia constitucional permite a tutela daqueles direitos não reconhecidos espontaneamente, mas uma tutela diferenciada, em que o juiz não pode se comportar como o juiz comum, devendo julgar relevando a importância da validação desses interesses juridicamente protegidos na construção do Estado de Direito e que atende às peculiaridades do direito material, no seu conteúdo e extensão, impondo ato de validação concorde com os princípios determinantes de sua formulação.197 Nesse sentido, de acordo com o pensamento de Paulo Bonavides, impende aludir à figura do ―Juiz Social‖ onde argumenta baseado na doutrina alemã que ―fazer na cabeça do magistrado a ratio as decisões judiciais com mais sensibilidade para os direitos fundamentais e para o quadro social da ordem jurídica, a que se prende, doravante, a dimensão nova, concreta e objetiva daqueles direitos‖ 194 198 . Portaria 079/2009 - anexo. Capítulo III do presente trabalho. 196 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da infância e juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 14. 197 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da infância e juventude. 198 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 587. 195 61 Utiliza-se a nomenclatura de ―Juiz Social‖ para aquele julgador que além de analisar o direito material, considera ainda o ambiente familiar, seu histórico e a situação atual apresentada199. São as palavras de Josiane Rose Petry Veronese: A condição peculiar da criança e do adolescente como pessoa em desenvolvimento – considerado como o norte basilar do Estatuto, deve seu aplicador procurar sempre as medidas mais adequadas à proteção da criança e do adolescente. Por tratar-se de um ser em desenvolvimento merece toda atenção propiciada aos adultos mais algumas peculiares à sua condição. Pode o julgador, inclusive, contrariar certos dispositivos legais a fim de melhor proteger à criança e ao adolescente no caso concreto.200 Conforme dito anteriormente, a creche possui sua importância social e educativa na vida da criança. O Min. Celso de Mello argumenta que ―educação infantil como direito fundamental de toda a criança, e não se expõe, o processo de efetivação a análise meramente discricionária da Administração Pública‖.201 Quando o município realiza uma portaria202, com intuito de ―filtrar‖ o número de crianças que estão aguardando uma vaga em creche, temos uma afronta ao dispositivo constitucional e também ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Neste sentido, o Min. José Delgado alega ―que uma Constituição Federal é fruto da vontade política nacional, erigida mediante consulta das expectativas e das possibilidades do que se vai consagrar, por isso que cogentes e eficazes suas promessas, sob pena de restarem vãs e frias enquanto letras mortas‖.203 Ainda neste sentido: Ressoa inconcebível que direitos consagrados em normas menores como Circulares, Portarias, Medidas Provisórias, Leis Ordinárias, tenham eficácia 199 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 587. VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. Florianópolis: OAB/SC, 2006. p. 18. 201 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 410.715-5/SP. Disponível em: <www.tjsc.gov.br>. Último acesso em: 12 de outubro de 2009. 202 Documento em anexo. 203 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Resp. n. 575280 - SP. Relator: Min. José Delgado. Decisão Unânime. Disponível em: <www.tjsc.gov.br>. Último acesso em: 12 de outubro de 2009. 200 62 imediata e os direitos consagrados constitucionalmente, inspirados nos mais altos valores éticos e morais da nação sejam relegados a segunda plano. Prometendo o Estado o direito à creche, cumpre adimpli-lo, porquanto a vontade política e constitucional para utilizarmos a expressão de Konrad Hesse, foi no sentido na erradicação da miséria intelectual que assola o país. O direito à creche é consagrado em regra de normatividade mais do que suficiente, porquanto se define pelo dever, indicando o sujeito passivo in casu, o Estado.204 Desta forma, torna-se evidente que, o município de Florianópolis, ao criar a Portaria nº 079/2009205, está violando o direito de crianças quanto ao seu direito à educação, neste caso, o direito à vaga em creche. É por isso que o papel do Conselho Tutelar é de extrema importância, conforme as palavras de Clícia Maria Leite Nahra e Mônica Bragaglia: Nesse contexto, o Conselho Tutelar é o mais legítimo instrumento de pressão para que o ECA seja uma realidade no país, pois força a implementação dos mecanismos necessários ao atendimento digno aos direitos de todas as crianças e adolescentes, independentemente das situações que estejam envolvidas.206 Entretanto, a decisão para o caso concreto está nas mãos do magistrado, que apesar da situação, deve aplicar a lei, com o intuito de exercer a justiça. Sobre o assunto, Clícia Maria Leite Nahra e Mônica Bragaglia apresentam: Uma lei não pode ir além da previsão de regras que possibilita a atuação das pessoas e grupos sociais. Portanto, a existência de regras básicas para o Sistema de Proteção à Infância não substitui a necessidade de construção prática da Doutrina da Proteção Integral, a partir, principalmente, de mudanças de método, conteúdo e gestão, arraigados culturalmente em nossa 207 sociedade. Ainda referente sobre a atuação do Conselho Tutelar: O Conselho Tutelar que zela pelo cumprimento de direitos não age para substituir tudo aquilo que não existe ou aquilo em que há carência. Seu papel é cobrar dos devedores que assumam as suas responsabilidades, agindo ele perante a família através da aplicação de medidas e dos encaminhamentos e tencionando as estruturas sociais e as políticas públicas para a promoção e a garantia dos direitos das crianças e adolescentes, através da criação, do reforço e da melhoria dos serviços e programas de atendimento, podendo, para 204 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Resp. n. 575280 - SP. Relator: Min. José Delgado. Decisão Unânime. Disponível em: <www.tjsc.gov.br>. Último acesso em: 12 de outubro de 2009. 205 Documento em anexo. 206 NAHRA, Clícia Maria Leite. Mônica Bragaglia. Conselho Tutelar: gênese, dinâmica e tendências. Canoas: Ed. ULBRA, 2002. p. 78. 207 NAHRA, Clícia Maria Leite. Mônica Bragaglia. Conselho Tutelar: gênese, dinâmica e tendências. 63 tanto, utilizar-se das ações do Ministério Público e das representações judiciais. O Conselho Tutelar não é o pronto-socorro, mas é aquele que cobra, pela utilização de medidas administrativas e promoções judiciais, as responsabilidades da existência e da disponibilidade dos prontos-socorros necessários para assegurar com absoluta prioridade o atendimento dos direitos 208 das crianças e dos adolescentes como previstos no Estatuto. Apesar do Conselho Tutelar ser o órgão que ―cobra‖ que o Poder Público exerça seus deveres em benefício das crianças e adolescente, é importante ressaltar que, cabe apenas o juiz, optar pela decisão mais justa, com aplicação dos dispositivos legais e dos princípios constitucionais. A respeito do assunto: [...] A promotora da 2ª Vara da Infância e Juventude de Santa Cruz, Renata Catalano Rios, afirmou que desconhece os casos das mães do conjunto habitacional, mas garante que a situação precisa ser estudada. Ela recordou que, há alguns meses, o Conselho Tutelar representou contra a Secretaria de Educação justamente por suposta falta de vagas em creches. Na ocasião, segundo ela, a secretaria comprovou a inexistência dos casos. Ela lembrou, ainda, que a secretaria realizou recentemente a reforma e ampliação de creches e que, no período de obras, foi providenciado remanejamento e transporte por parte da administração para atender as mães. Renata Catalano admite que ―é impossível‖ atender todas as mães que pedem vagas e diz que há prioridades para aquelas que comprovadamente trabalham fora de casa. Ela orientou, ainda, que as mães procurem a secretaria da Educação, caso não consigam a vaga diretamente na direção das creches.209 Considerando que, o presente trabalho refere-se ao direito fundamental à vaga em creche e sua efetivação, é de primordial importância ressaltar que o magistrado estará analisando um processo judicial em que a criança faz parte da ação, ou seja, trata-se de uma problemática social e educacional, com referência àquele que é dotado de proteção integral, em virtude de sua condição especial desenvolvimento. 208 NAHRA, Clícia Maria Leite. Mônica Bragaglia. Conselho Tutelar: gênese, dinâmica e tendências. Canoas: Ed. ULBRA, 2002. p. 136-137. 209 DEBATE. Mães reclamam: faltam vagas em creches da cidade. Disponível em: < http://www2.uol.com.br/debate/1336/cidade/cidade08.htm>. Acesso em: 19 de outubro de 2009. de 64 5 CONCLUSÃO Considerado o objeto do trabalho de pesquisa realizado, verificou-se, que o Estatuto da Criança e do Adolescente adotou os princípios constitucionais e inovou ao declarar que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, visto sua condição peculiar de desenvolvimento e que são dotados de Proteção Integral, sendo dever da família, do Estado e da sociedade protegê-los. Além disso, estão descritos no ECA todos os direitos e deveres inerentes às crianças e aos adolescentes. Dentre todos os direitos elencados no Estatuto da Criança e do Adolescente, a educação é um deles, e compreende: a creche, o Ensino Fundamental e também o Ensino Médio. Entretanto, o presente trabalho refere-se ao direito fundamental à vaga em creche. A previsão legal do direito à educação também está prevista na Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. A Lei Maior determina que a educação é um direito fundamental de crianças e adolescentes, por isso, consideramos que a creche deve ser garantida para as crianças do município. O presente estudo defende a tese que a Portaria 079/2009, elaborada pela Secretaria Municipal de Florianópolis, é uma afronta aos princípios constitucionais e também ao Estatuto da Criança e do Adolescente. O município deve investir em políticas públicas, garantindo que todas as crianças estejam matriculadas e não utilizar mecanismos de ―filtrar‖ todos aqueles que estão inscritos, visto que a Lei considera que este é um direito fundamental. É neste sentido que o Conselho Tutelar deve atuar promovendo medidas administrativas para requisitar a vaga em creche para a criança que ―não foi contemplada‖ pela Portaria 079/2009. Caso a Secretaria Municipal de Educação comunique ao Conselho Tutelar que a criança continua aguardando a vaga, por isso, seu nome está na lista de espera, é dever deste órgão ingressar com uma representação, perante o Ministério Público. O Promotor de Justiça da 9ª Promotoria de Justiça da Capital irá analisar a representação encaminhada pelo Conselho Tutelar e constatado o direito violado, 65 deverá ingressar com uma Ação Civil Pública, que poderá ser em nome de apenas uma criança ou de várias, caracterizando a coletividade. A função do processo judicial, neste caso, a Ação Civil Pública, é garantir que o juiz analise a situação e defira que a criança deve ser matriculada em uma creche municipal, de preferência próximo a sua residência ou ao local de trabalho dos genitores. Ou seja, o município será obrigado a conceder uma vaga na creche para a referida criança. Muitas vezes, tais decisões judiciais estão associadas a uma pena de multa para o réu, caso este não cumpra com a sentença, no sentido de obrigar que o município adote tal medida e garanta o direito à vaga em creche, que conforme o título do presente trabalho é um direito fundamental. 66 REFERÊNCIAS ALVES, Roberto Barbosa. Direito da infância e juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. Anais da IV Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, 19 a 22 de novembro de 2001. Brasília, CONANDA: 2002. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 2000. BRAGAGLIA, Mônica. Auto-organização: um caminho promissor para o Conselho Tutelar. São Paulo: Annablumme, 2005. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 16. ed. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 2005. BRASIL. Constituição de 1988. Disponível em: <www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 17 de outubro de 2009. BRASIL. Direito à educação – NEV Cidadão – Difusão de direitos. Disponível em: <www. http://nev.incubadora.fapesp.br/portal/educacao/direitoaeducacao>. Acesso em: 21 de setembro de 2009. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 de outubro de 2009. BRASIL. Prómenino. Disponível em: <www.promenino.org.br/Ferramentas/Conteudo/tabid/77/ConteudoId/70d9fa8f-1d6c4d8d-bb69-37d17278024b/Default.aspx>. Acesso em: 22 de setembro de 2009. BRASÍLIA. Supremo Tribunal Federal. Ag. Reg. no Recurso Extraordinário nº 410.715-5 – SP. Relator: Min. Celso de Mello. Decisão Unânime, 22 de novembro de 2005. Diário de Justiça da União, Brasília, 03 de fevereiro de 2006. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 12 de outubro de 2009. BRASÍLIA. Supremo Tribunal Federal. RE 436.996-6. Relator: Min. Celso de Mello. Data da decisão: 26 de outubro de 2005. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 12 de outubro de 2009. 67 BRASÍLIA. Supremo Tribunal Federal. Resp 575280. Relator: Min. José Delgado. Data da decisão: 02 de setembro de 2004. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 12 de outubro de 2009. BUENO, Sirlene Virgílio. Populares e autoridades prestigiam inauguração da creche de Tombadouro. Disponível em: <http://www.indaiatuba.sp.gov.br/gabinete/imprensa/noticias/9559/>. Acesso em: 24 de outubro de 2009. CENEVIVA, Walter. Direito Constitucional Brasileiro. 3. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2003. CUNHA Júnior, Dirley da. Controle judicial das omissões do Poder Público: em busca de uma dogmática constitucional transformadora à luz do direito fundamental à efetivação da constituição. São Paulo: Saraiva, 2004. DEBATE. Mães reclamam: faltam vagas em creches da cidade. Disponível em: < http://www2.uol.com.br/debate/1336/cidade/cidade08.htm>. Acesso em: 19 de outubro de 2009. ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente: (Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990). 2. ed. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2004. ELIAS, Roberto João. 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O Secretário Municipal de Educação, no uso de suas atribuições, em conformidade com a Lei Federal nº 9394/96, Lei Municipal nº 7508/2007, e legislação complementar, R E S O L VE: Art. 1º Fixar o período de matrícula nas Unidades de Educação Infantil (UE): I - Rematrícula das crianças que frequentam a Unidade de Educação Infantil no ano em curso: de 19/10/2009 a 27/10/2009; II - Novas inscrições: de 03/11/2009 a 13/11/2009; II - Processo de seleção das crianças pela Comissão de Matrícula Microrregional: 01/12/2009: processo de seleção das crianças na Microrregional; 02 e 03/12/2009: atualização e correção dos dados no Sistema Lista de Espera Web; 04/12/2009: impressão da listagem oficial do sistema Lista de Espera Web; IV - Divulgação do resultado das crianças selecionadas, bem como da lista de espera dos respectivos grupos em ordem de classificação: 15/12/2009; V – As novas inscrições serão realizadas a partir do dia 01º de março de 2010 até um dia antes do período de novas inscrições para 2011. 72 Parágrafo Único. A Secretaria Municipal de Educação será responsável pela divulgação na mídia do processo de matrícula, ficando o Diretor de cada Unidade de Educação Infantil responsável pela apresentação e divulgação desta Portaria, em Assembléia Geral, com toda a comunidade educativa (pais, profissionais, agentes de saúde, conselho comunitário, associação dos moradores, etc.), em data que antecederá o início deste processo. Art. 2º A rematrícula da criança, que já frequenta a Unidade de Educação Infantil em 2009, se dará mediante o preenchimento do Formulário de Rematrícula pelos pais ou responsáveis: Parágrafo Único. Os pais ou responsáveis pela criança rematriculada deverão apresentar no mês de fevereiro de 2010, o cartão de vacina atualizado ou a justificativa médica e atualizar os dados cadastrais. Art. 3º O período das novas inscrições, para posterior seleção, será aberto, conforme Artigo 1º, devendo os pais e/ou responsáveis apresentarem, no ato da inscrição, em original e fotocópia, os seguintes documentos: I – Certidão de nascimento da criança; II – Cartão de vacina da criança atualizado ou a justificativa médica; III – Cópia da Carteira de Trabalho ou do contracheque atualizados dos pais ou responsáveis. Não tendo trabalho formal, deverá ser preenchida a declaração de renda bruta familiar dos pais ou responsáveis, conforme modelo da Secretaria Municipal de Educação. As informações constantes na declaração de renda serão de inteira responsabilidade dos signatários, estando sujeitas à conferência pela SME; IV – Comprovante de residência dos pais e/ou responsáveis (fatura de água, energia elétrica, contrato de aluguel e/ou declaração do agente de saúde); V – CPF dos pais ou responsáveis; VI – Apresentação do protocolo do visto de permanência para as famílias estrangeiras; VII – Apresentação de declaração de guarda, para as crianças que convivem com responsáveis, emitida pelo Juizado da Infância e Juventude; § 1º Quando a criança não possuir certidão de nascimento e/ou cartão de vacina e/ou declaração de guarda e/ou visto de permanência, a inscrição, a classificação e matrícula não serão inviabilizadas. No entanto, o Diretor da Unidade deverá contatar os órgãos competentes para a emissão destes documentos; § 2º É de responsabilidade da Unidade de Educação Infantil a entrega do comprovante de inscrição aos pais e/ou responsáveis, no ato da mesma. Art. 4º A Comissão de Matrícula, constituída em microrregiões (anexo), que fará a seleção das crianças para o ano letivo de 2010 terá a seguinte composição: I – Diretores das unidades que compõem a microrregião. Dentre eles, 01 (um) será escolhido, pelo grupo, para presidir a Comissão; 73 II – 02 (dois) Supervisores Escolares da microrregião (sendo um titular e outro suplente). Caso a UE não tenha este profissional, 2 (dois) representantes (sendo um titular e outro suplente) do quadro do magistério ou dos auxiliares de sala; III – 02 (dois) representantes dos pais e/ou responsáveis por unidade (sendo um titular e outro suplente). Estes representantes poderão ser da APP (Associação de Pais e Professores) ou Conselho de Escola; IV – 02 (dois) Agentes de Saúde e/ou Assistente Social (sendo um titular e outro suplente), de cada Unidade Local de Saúde da microrregião; V – 02 (dois) representantes do Conselho Comunitário ou da Associação de Moradores da microrregião (sendo um titular e outro suplente). § 1º É de responsabilidade do Diretor de cada unidade informar à comunidade educativa sobre o trâmite do processo de matrícula. A Comissão de Matrícula Microrregional deve zelar pela transparência do mesmo, assim como garantir o sigilo das informações pessoais da criança; § 2º Cada Unidade Educativa deverá realizar Assembléia, onde será apresentada esta Portaria e serão escolhidos os representantes dos pais; este processo deverá ser registrado em livro ata e entregue uma cópia, posteriormente, à Comissão de Matrícula Microrregional; § 3º As Comissões de Matrículas Microrregionais deverão registrar, em livro ata, todo o processo de seleção das crianças e a frequência dos membros da Comissão; § 4º Em cada Unidade Educativa, compete ao Diretor registrar em livro ata a classificação, as desistências, as perdas de vagas, os ingressos e a lista de espera; § 5º No ano de 2010, a Comissão de Matrícula Microrregional reunir-se-á, nas datas abaixo indicadas, para selecionar e (re) classificar as crianças em lista de espera. Esta seleção e (re) classificação terão validade até a próxima reunião: Data Microrregional 25 março 17 junho 19 agosto 21 outubro Prazo Máximo Para Inserir criança no sistema 23/03 15/06 17/08 19/10 Impressão do relatório Atualização dos dados no sistema Impressão da Listagem Oficial 24/03 16/06 18/08 20/10 26/03 18/06 20/08 20/10 29/03 21/06 23/08 25/10 § 6º No surgimento de novas vagas, se a UE não possuir crianças classificadas e o número de novas inscrições for superior ao número de vagas oferecidas, deverá ser convocada uma reunião Extraordinária da Comissão de Matrícula Microrregional, a fim de classificar estas crianças e preencher as vagas. Art. 5º Fica estabelecido, para a matrícula de novas crianças cujos pais e/ou responsáveis residam ou trabalhem no Município de Florianópolis, o critério da menor renda per capita. 74 § 1º Para o cálculo da renda per capita, serão consideradas a renda bruta familiar dos pais e/ou responsáveis, dividida pelo número de pessoas da família que dependam desta renda, e as situações de vulnerabilidades abaixo explicitadas: Crianças em situações de risco social, de saúde e psicológico informados pelas autoridades locais - agentes de saúde e conselheiros tutelares e, quando necessário, legitimado pela assistência social da Prefeitura de Florianópolis; Crianças em situação de tutela, guarda e abrigo; Pai e mãe menores de 18 anos, ou único responsável pela criança, também menor; Criança que tenha irmão já matriculado, ou selecionado, na mesma UE e nas mesmas situações de vulnerabilidade acima mencionadas. § 2º O cálculo final da renda per capita das crianças que apresentam situações de vulnerabilidade, será efetuado de acordo com a tabela a seguir, levando-se em conta a situação declarada pelas famílias e pelos profissionais afins. As crianças poderão estar incluídas em uma ou mais situações de vulnerabilidade, de forma cumulativa, como a tabela demonstra. Tabela de cálculo da renda per capita associada à vulnerabilidade Se a criança se enquadra em: Uma das situações de vulnerabilidade Duas das situações de vulnerabilidade Três das situações de vulnerabilidade Quatro das situações de vulnerabilidade Multiplicar a renda: per capita x 0,9 per capita x 0,8 per capita x 0,7 per capita x 0,6 § 3º Havendo empate na classificação, para ocupação de uma mesma vaga, a Comissão de Matrícula Microrregional fará sorteio da vaga. § 4º Nas Unidades de Educação Infantil, onde o atendimento acontece em período integral, é facultativo aos pais e/ou responsáveis o atendimento em período parcial. § 5º No surgimento de vaga, as crianças que já frequentam a Unidade Educativa terão prioridade para opção de troca ou ampliação de turno, considerando os critérios de seleção estabelecidos no caput deste artigo e o período de atendimento, integral e/ou parcial, da Unidade Educativa. § 6º A criança que completar 6 (seis) anos até o dia 1º de março de 2010, ou a criança matriculada no Ensino Fundamental, público ou privado, não poderá inscrever-se nas Unidades de Educação Infantil. Art. 6º Em conformidade com a Lei nº 11.700/2008, deve-se atender as crianças a partir dos quatro anos. No entanto, sempre que possível, buscar atender todas as faixas etárias entre 0 e 6 anos, levando-se em consideração o limite máximo de criança por faixa etária, ficando facultado forma diversa de organização dos grupos, conforme Art. 8º da Resolução nº 01/2009 do Conselho Municipal de Educação (CME). 75 Grupo Data de nascimento da Criança * Idade da criança Número de Crianças I A partir de março/2009 Mínimo 4 meses 15 crianças II março/2008 - fevereiro/2009 1 ano a 1 ano e 11 meses III março/2007 – fevereiro/2008 2 anos a 2 anos e 11 meses IV março/2006 – fevereiro/2007 3 anos a 3 anos e 11 meses 20 crianças V março/2005 – fevereiro/2006 4 anos a 4 anos e 11 meses 25 crianças 02 de março/2004 – fevereiro/2005 5 anos a 5 anos e 11 meses VI * Data de referência para cálculo das idades: fevereiro de 2010 I – Havendo vaga e não existindo lista de espera do grupo, deverão ser agrupadas crianças de diferentes idades, respeitando o número máximo de crianças por grupo, conforme Resolução nº 01/2009 do CME, visando ao preenchimento de todas as vagas. II – O número máximo de crianças, nos agrupamentos de idades diferentes, obedecerá ao percentual de 50% + 1 da idade predominante. III - As crianças poderão ocupar vagas em duas Unidades de Educação Infantil, desde que em períodos opostos. IV – Será admitida a inscrição e classificação da criança com menos de quatro meses de idade, porém, para ingressar deverá ter, no mínimo, 4 (quatro) meses de idade. Art. 7° No ano letivo de 2010, a criança que não comparecer à Unidade de Educação Infantil, sem justificativa dos pais ou responsáveis, por 5 (cinco) dias consecutivos ou 10 (dez) dias alternados durante o mês, perderá o direito à vaga, após tentativa de contato da Direção com a família. I – O afastamento da criança, motivado por situações particulares, poderá ser concedido pela Direção da Unidade de Educação Infantil, com prazo limite de até 30 (trinta) dias, devendo ser comunicado pela família com antecedência e por escrito. II - Em caso de afastamento da criança para tratar da saúde, fica resguardada a vaga, desde que o atestado seja apresentado até o quinto dia de ausência na Unidade. III – No caso de criança atendida em período integral, os critérios de frequência definidos no caput deverão ser respeitados nos dois períodos. Parágrafo Único. Todos os casos previstos neste artigo deverão ser registrados pela Direção da Unidade de Educação Infantil. Art. 8º O acesso e a permanência da criança na Unidade de Educação Infantil não serão condicionados ao uso de uniforme, ao material, à contribuição financeira à APP (Associação de Pais e Professores) ou a qualquer tipo de procedimento que restrinja estes direitos, salvo o exposto no Art. 7º. 76 Art. 9º A Direção da Unidade de Educação Infantil deverá encaminhar, à Diretoria do Observatório da Educação e Apoio ao Educando da Secretaria Municipal de Educação, a previsão de matrícula para 2010, conforme modelo oficial do Movimento Mensal de Matrícula, até o dia 11 de dezembro de 2009. Art. 10 A Secretaria Municipal de Educação, em caso de suspeita ou denúncia, fará revisão das matrículas que não obedecerem aos critérios estabelecidos nesta Portaria, promovendo, se necessário, ações administrativas e/ou judiciais. As informações constantes nas declarações das famílias e/ou responsáveis serão de inteira responsabilidade dos signatários, e, caso sejam inverídicas, os responsáveis responderão, em conformidade com a legislação vigente. Art. 11 É responsabilidade da Comissão de Matrícula Microrregional fazer cumprir esta Portaria. Os casos omissos serão resolvidos pela Comissão junto à Diretoria de Educação Infantil. Art. 12 Esta Portaria entrará em vigor na data de sua publicação, ficando revogada a Portaria 110/2008 e demais disposições em contrário. Florianópolis, 24 de setembro de 2009. ORIGINAL ASSINADA NO GABINETE RODOLFO JOAQUIM PINTO DA LUZ Secretário Municipal de Educação 77 PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO ANEXO DA PORTARIA Nº 079 /2009 UNIDADES QUE COMPÕEM AS COMISSÕES MICRORREGIONAIS DE MATRÍCULA NORTE 1: CONTINENTE 2: LESTE 1: Creche Hermenegilda C. Jacques Creche Paulo Michels Nei Orisvaldina Silva Creche Vargem Pequena Creche Maria Barreiros Nei Canto da Lagoa Nei Maria Salomé dos Santos Creche Celso Pamplona Nei Costa da Lagoa Nei Raul Francisco Lisboa Creche Jardim Atlântico Nei Retiro da Lagoa Creche Altino Dealtino Cabral CONTINENTE 3: LESTE 2: Creche Chico Mendes Nei Colônia Z-11 NORTE 2: Nei Judite Fernandes de Lima Creche Conj. Hab. Chico Nei São João Batista Creche Orlandina Cordeiro Mendes Creche Muquém Nei Barreira do Janga Creche Joel Rogério De Freitas Creche Elisabete Nunes Anderle Creche Vila Cachoeira Creche Machado de Assis Nei Santo Antonio de Pádua CENTRO 1: Creche Sta Terezinha do M. SUL 1: Nei Tapera Jesus NORTE 3: Nei Luiz Paulo da Silva Creche Anna Spyrios Dimatos Creche Morro da Queimada Creche Ingleses Nei Carianos Creche Morro do Mocotó Nei Ingleses Creche Idalina Ochôa Creche Almte Lucas A. Boiteux Nei Praia do Ingleses Creche Monteiro Lobato Creche Cristo Redentor Creche Bem-te-vi NORTE 4: SUL 2: Nei Jurerê Creche Marcelino Barcelos Dutra CENTRO 2: Creche Doralice Teodora Bastos Nei Caieira da Barra Do Sul Creche Rosa Maria Pires Creche Stella Maris C. Carneiro Creche Caetana Marcelina Dias Nei João Machado da Silva Nei Praia do Forte Creche Irmão Celso Creche Franklin Cascaes Nei Morro do Horácio SUL 3: Nei Costeira Creche Nossa Senhora de Creche Mons. Frederico Hobold Lourdes NORTE 5: Nei Vargem Grande Creche Maria Nair da Silva Nei Ponta do Morro Nei Campeche CENTRO 3: Creche Vila União Creche Diamantina B. da Creche Waldemar da Silva Filho Conceição Creche Joaquina Maria Peres Creche Irmã Scheilla Creche Fermínio Francisco CONTINENTE 1: Creche Dona Cota Vieira Creche Abraão Creche Nossa Senhora Aparecida SUL 4: Nei Coqueiros Nei Pântano do Sul Creche Anjo da Guarda Nei Nagib Jabor Nei Costa de Dentro Creche Ilha Continente Nei Armação Creche Apam Morro das Pedras Creche Francisca Idalina Lopes 78 ANEXO B MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA COORDENADORIA DE RECURSOS RECURSOS PROVIDOS NOS TRIBUNAIS SUPERIORES ATENDIMENTO CRIANÇA EM CRECHE E PRÉ-ESCOLA. DEVER DO ESTADO. NORMA EFICÁCIA PLENA (Apelação Cível n. 2005.039600-9, da Capital. Segunda Câmara de Direito Público. Rel. Desembargador Cid Goulart. Julgado em 12.9.2006). EMENTA OFICIAL: APELAÇÃO CÍVEL – ATENDIMENTO DE CRIANÇAS EM CRECHES E PRÉ-ESCOLAS – DEVER DO ESTADO –DIREITO FUNDAMENTAL ASSEGURADO PELO ART. 208, IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 – RECURSO DESPROVIDO. Não obstante o princípio da separação dos poderes, consagrado expressamente no texto constitucional brasileiro, é de ser ressaltado que o Poder Judiciário, quando se deparar com lesão ou ameaça a direito, está autorizado a intervir nos demais Poderes para suprir a ilegalidade, na forma do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988, notadamente quando se tratar de violação a direito fundamental. O direito à educação (incluindo a matrícula de crianças em creches e pré-escolas) é um direito social, catalogado no rol de direitos fundamentais de segunda geração, e de acordo com a melhor interpretação doutrinária, constitui cláusula pétrea, nos termos do art. 60, § 4º, IV, da Constituição Federal de 1988. Por esta razão, cabe ao Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) atuar prioritariamente na prestação de direitos educacionais, inclusive no que concerne ao atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade (art. 205 c/c 208, IV, da Constituição Federal), não lhe competindo argüir o caráter programático de tais normas para eximir-se de sua obrigação constitucional. 79 ATENDIMENTO CRIANÇA EM CRECHE. OBRIGAÇÃO DO ESTADO (Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 2006.026083-1, de Criciúma. Primeira Câmara de Direito Público. Rel. Desembargador Vanderlei Romer. Julgado em 21.9.2006). EMENTA OFICIAL: AÇÃO MANDAMENTAL AFORADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. NEGATIVA DE PEDIDO DE INSCRIÇÃO EM CRECHE MUNICIPAL. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE DE JUSTIÇA NESSE SENTIDO. ORIENTAÇÃO, CONTUDO, DO COLENDO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA ASSEGURAR A VAGA EM ESTABELECIMENTO DE ENSINO INFANTIL. NECESSIDADE DE RESPEITO A ESSA NOVA ORIENTAÇÃO. DESPROVIMENTO DA REMESSA NECESSÁRIA. ATENDIMENTO CRIANÇA EM CRECHE. OBRIGAÇÃO DO ESTADO (Reexame Necessário em Mandado de Segurança n. 2006.026324-6, de Criciúma. Primeira Câmara de Direito Público. Rel. Desembargador Volnei Carlin. Julgado em 28.9.2006). EMENTA OFICIAL: REEXAME NECESSÁRIO – INCLUSÃO DE CRIAÇAS EM CRECHE MUNICIPAL – ART. 205 E 208, IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E ART. 54, IV, DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – DEVER DE FORNECIMENTO DO SERVIÇO PÚBLICO. Exsurge da Carta Magna (arts. 205 e 208, IV) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 54, IV) a responsabilidade dos Entes da Federação, em regime de colaboração, de efetivar, aumentar, capacitar e propiciar condições de acesso e universalização ao sistema constitucional e legal de garantias de assistência à educação.