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O JARDINEIRO
S
urgiu do nada, como o manto rubro das
papoilas na Primavera; com umas sandálias de couro e um longo cajado de madeira
de carvalho.
Deambulou pelas praças e pelo mercado, a
perguntar se alguém estava disposto a vender-lhe um terreno espaçoso. E encontrou o seu
lugar nos arredores da aldeia, junto de um
regato cantarolador com reflexos dourados.
Construiu uma cabana. E à sua volta um
jardim, grande como os sulcos do vento; bordado com heras, clematites, passionárias e
madressilvas; salpicado de açucenas, violetas,
lírios e pensamentos.
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E sentou-se à porta do seu jardim, oferecendo a sua beleza e a sua paz a todo aquele
que as quisesse gozar. Disse-lhes que aquele
jardim era o jardim da vida, e que a porta
estaria sempre aberta para todo aquele que
quisesse encontrar a paz.
Os pássaros e os esquilos fizeram ninhos
nas suas árvores, as fadas e os elfos procuraram refúgio entre as suas plantas, e os
homens encontraram abrigo para o seu coração entre as suas flores.
E o jardineiro dedicou-se a cuidar de plantas e árvores, esquilos e pássaros, fadas, elfos
e homens.
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OS CANTOS DE DEUS
N
ão é de estranhar que os seus vizinhos
achassem o jardineiro um tanto ou
quanto esquisito. Viam-no falar muitos dias
com as plantas, acariciá-las e tratá-las com
carinho. E por outro lado, não ganhava
dinheiro com elas, o que aquelas pessoas
achavam ainda mais estranho.
– Porque é que acaricias e falas com as
tuas plantas, se elas não são capazes de sentir a tua mão nem de te ouvir? – acabou por
lhe perguntar um dos seus vizinhos.
– E como sabes que não me sentem nem
me ouvem? – respondeu o jardineiro.
O vizinho ficou perplexo.
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– Homem, toda a gente sabe que as plantas não são capazes…
– A maioria dos homens também não sente nem ouve Deus – interrompeu-o o jardineiro –, e mesmo assim Deus não deixa de
nos falar e cuidar de nós.
O vizinho sentia-se cada vez mais confuso.
E, sentindo-se um tanto incomodado, voltou
a perguntar:
– E como é que sabes que Deus existe? Eu
nunca o vi, nem nunca o ouvi. Nem sequer
notei esses cuidados de que falas.
O jardineiro baixou o olhar com tristeza e
ficou calado; e quando o vizinho já pensava
que não ia conseguir responder-lhe, olhou-o
nos olhos com ternura, e disse-lhe:
– Nas noites de luar só te dás conta de que
os grilos cantam quando se calam, e é o silêncio que te alerta para a presença dessa vida
escondida. Deus nunca deixou de nos cantar,
nunca deixou de nos falar e mimar, e é por
isso que a maioria dos homens não se apercebem das Suas carícias.
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«Se Deus deixasse de cantar, logo a seguir
seria demasiado tarde para nos darmos conta de que estava ali.»
E, a sorrir, acrescentou:
– Mas não te preocupes. Deus nunca deixará de cantar.
– Sendo assim, nunca poderemos convencer-nos de que Deus existe – respondeu o
vizinho, com um sorriso triunfante.
O jardineiro desatou a rir, e poisando a
mão no ombro do vizinho, disse-lhe:
– Passa-se o mesmo com os grilos… Se
fizeres silêncio dentro de ti, o silêncio revelar-te-á os cantos de Deus.
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