Relações Família-Escola: Reflexões a partir dos estudos do discurso
Family-School Relation: Reflections based on the speech study
Emmanuel Henrique Souza Rodrigues1
[email protected]
RESUMO: A Escola e a Família são Aparelhos Ideológicos de Estado, conforme a teoria de Althusser, e, por
vezes, também se comportam como Aparelhos Repressivos de Estado. Isso é dissonância com propostas
“libertadoras” de pedagogia, como Freire e Piaget. A Linguística Aplicada, em sua vertente crítica, possibilita
a associação de diversas disciplinas em si, uma vez que analisa a linguagem como plural e não como fechada
em si mesmo, nas suas teorias. A relação entre a Família e a Escola se analisou através de entrevistas feitas na
Escola Padre Zuzinha, situada no Agreste pernambucano. A construção das relações Família X Escola, assim
como a criação de suas identidades, uma vez que essas construções são intrínsecas ao processo relacional, é
possível a partir dos estudos ditos críticos da linguagem. A Análise de Discurso Crítica, epistemologia que
visa, entre outras coisas, a denúncia de instâncias de poder e sua relação social de dominação, é também
aporte para essa análise.
Palavras-chave: Relações Pedagógicas; Linguística Aplicada Crítica; Análise de Discurso Crítica; Pedagogia
Libertadora; Família e escola.
ABSTRACT: School and Family are Ideological State Apparatuses, according to the Althusser‟s theory, and,
sometimes, they also conduct themselves as Repressive State Apparatuses. This is dissonance with the
“liberation” pedagogy propositions, by Freire and Piaget. The Applied Linguistics, in its critical approach,
enables us to associate different disciplines, analyzing the language as plural and not as closed in itself, in its
theories. The relation between Family and School was analyzed through interviews carried out at Padre
Zuzinha School, located in the Pernambuco‟s Agreste. The construction of the relations Family X School, as
well the creation of their identities, since these constructions are part of the relational process, is possible with
the called critical study of language. The Critical Discourse Analyses, which is an epistemology that aims to,
among other things, expose power instances and their social relation of domination, is a support to these
analysis.
Keywords: Pedagogic Relation; Applied Critical Linguistic; Critical Discourse Analyses; Liberation
Pedagogy; Family and School.
1. Introdução:
Dois Aparelhos Ideológicos de Estado (doravante AIE) fortes: Família e Escola
(ALTHUSSER, 2010[1985]). Formadoras de nossa sociedade moderna, quando essas
instâncias mudam, qual ocorre no hodierno, num mundo líquido e com identidades móveis
(BAUMAN, 2001 e 2005), põem em cheque uma à outra. Ambas podem ser consideradas
veículos de comunicação de um ideal burguês, portador do cerne capitalista e, então,
dispostas ao serviço do próprio capital, de uma maneira ou de outra.
As relações família-escola são essenciais nas concepções e relações pedagógicas.
Caetano (2003, pag. XX) diz que
1
Aluno da graduação em Letras da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru – FAFICA –, situada
em Caruaru-PE. Integrante, na instituição, do Núcleo de Pesquisa – NUPESQ. Bolsista de iniciação científica
do Programa de Iniciação Científica – PIC.
2
a necessidade de se estudar a relação família e escola se sustenta e é reafirmada
quando o professor se esmera por considerar o aluno, sem perder de vista a
globalidade da pessoa, ou seja, compreendendo que quando se ingressa no
sistema escolar, não se deixa de ser filho, irmão, amigo etc.
A concepção piagetiana da educação concorre que ela deve atingir os pólos de
autonomia intelectual e moral (KAMII, 2001). Os estudos de Freire afirmam ser da
educação o papel de libertação (FREIRE, 2009). Não obstante tais afirmações, sendo de
fato AIE‟s, corroboram para um aprisionamento dentro de uma ideologia: são prisioneiros
da própria ideologia libertarista.
A Análise do Discurso (doravante AD), em suas diversas linhas, como a Análise de
Discurso Crítica (doravante ADC) vem para os estudos linguísticos trazendo a ideia de
linguagem sob o seguinte tripé: Discurso, Prática Discursiva e Prática Social, sendo o
discurso, sob a concepção de Fairclough (2001[1992]), não apenas reflexo ou representação
de entidades e relações sociais, mas de fato constituinte de tais pontos. Ainda afirma que “a
posição dos sujeitos sociais é realizada no discurso” (FAIRCLOUGH, 2001[1992], pag.
23). Bem como a identidade, que também é discursivamente construída
(MAINGUENEAU, 2008)
Os discursos providos pelos sujeitos da pesquisa realizada, sob forma de entrevistas,
são analisados através do método da ADC, que pode ser definida como (DIJK, 2010, pág.
114)
um tipo de investigação analítica discursiva que estuda principalmente o modo
como o abuso de poder, a dominação e a desigualdade são representados,
reproduzidos e combatidos por textos orais e escritos no contexto social e
político.
É intenção desse artigo demonstrar, teórico e praticamente, algumas das instâncias
ideológicas presentes nos discursos dos sujeitos entrevistados, verificando como elas se
interpõem nos sujeitos e qual sua relação entre eles. Sabendo se tratar de um trabalho que
envolve relações sociais, de família e escola, é de interesse ainda demonstrar como a
formação de identidade de cada um dos sujeitos retrata a forma de relacionamento com o
outro.
2. Leitura ampliada: A escola e a família, a sociedade e questões identitárias
Sobre a escola e as questões sociais, temos que ela é formadora da mão de obra, se
analisando sob perspectiva marxista (ALTHUSSER, 2010[1985]). Ainda temos que, (pag.
58)
a reprodução da força de trabalho não exige somente uma reprodução de sua
qualificação mas ao mesmo tempo uma reprodução de sua submissão às normas
da ordem vigente.
A escola se formou como AIE, isto é, como estrutura formadora de ideologias que
serve a uma ideologia central, desde o seu princípio, na Revolução Francesa, e toma o lugar
da Igreja e da Família, tal como era concebida, ditando, a partir desse recorte histórico,
3
como deveriam pensar e agir, além de ser propagadora do pensamento e cultura burgueses.
É um AIE “dominante, muito embora não escutemos sua música, a tal ponto ela é
silenciosa!” (ALTHUSSER, 2010[1985], pag. 79)
Sobre a questão Família, que forma com a Escola o par dominante de AIE, está em
crise tal instância. A crise familiar pode ser vista desde os noticiários, manifestações outras
sociais e na escola: as relações estão em crise. Ocorre isso pelo fato de haver uma relação
intrínseca entre um e outro, uma vez que “a Igreja foi substituída pela Escola em seu papel
de AIE dominante” (ALTHUSSER, 2010[1985], pag. 81), formando o novo par com a
Família. Sendo, então, a Escola e a Família par intrínseco, a crise nas duas é provocadora e
ao mesmo tempo vítima da “crise de identidade” (HALL, 2011, pág. 07) pela qual a
sociedade hodierna passa. Bauman (2001, 2005), usa as terminologias “líquido” para se
referir ao que passamos hoje, sendo a liquidez da sociedade a falta de formas estamentadas,
concretadas. Acima de tudo é imagem de um tempo de mudança de conceitos pelo qual
passamos. Como diz Marx e Engels (1973, apud Hall, 2011, pág. 14), na modernidade
todas as relações fixas e congeladas, com seu cortejo de vetustas representações e
concepções, são dissolvidas, todas as relações recém-formadas envelhecem antes
de poderem ossificar-se. Tudo que é sólido se desmancha no ar....
Os discentes são submissos a uma AIE: a Escola. Há um veículo de discurso que faz
com que esse AIE seja transmitido para os discentes. Esse veículo é o porta-voz da
estrutura ideológica de poder. Nomeando aquele que transmite através do poder expresso
em seu discurso o posicionamento social que o discente, que transformar-se-á no cidadão,
deve ter, temos o docente.
A idéia do discurso formando imagens de si, coisa que Maingeuenau (2008)
chamará ethos, ajudará em demonstrar que, nesse caso em estudo, o docente, ao construir
essa imagem, de si e do aparelho educacional ao qual pertence, constrói a imagem que a
escola tem perante a família, assim como demonstra como o ethos familiar é constituído
para ele. A identidade, o ethos, que Fairclough (2001[1992]) vai dizer se formar com o
discurso mas também de outras formas, como a linguagem corporal, determina também
como as relações se dão e se constroem, uma vez que só temos formação identitária porque
temos o outro (WOODWARD, 2009) e a compreensão que os processos de formação
identitária são essenciais para o entendimento de como as relações sociais se constroem.
Sabendo que essa situação atual, da dupla Família-Escola, é confusa, vê-se que crise
afeta em profundo essas relações, turvando o papel de cada uma delas: por vezes
misturando-os, outras, afastando-os por completo. Seja de pontos de aparência mais simples
- a tarefa de casa - e indo a categorias mais complexas à primeira vista - a avaliação - as
coisas não parecem ser tão claras e ordenadas na contemporaneidade.
A escola tem, nas reflexões de Szymanzki (2010, pág. 99), em relação à família,
uma especificidade – a obrigação de ensinar (bem) conteúdos específicos de áreas
do saber, escolhidos como sendo fundamentais para a instrução de novas
gerações. O problema de as crianças aprenderem fração é da escola. Família
nenhuma tem essa obrigação.
4
E, por outro lado (pág. 99), “professora alguma tem de dar „carinho maternal‟ para
seus alunos. Amor, respeito, confiança, sim, como professora e membro adulto da
sociedade”. Para que os momentos educacionais, seja esse contato com os sujeitos
educacionais na educação formal, nos bancos escolares, ou na informal, nos demais
momentos, sejam passíveis de toda possibilidade de frutificarem o máximo que podem, tais
relações precisam estar definidas.
É aqui, nesse contexto, que o estudo de como se dá os embates entre as duas
instâncias congruentes (aqui ainda poder-se-ia utilizar a adjetivação: conflitantes, pares,
concorrentes, amigas, adversárias e assim por diante, uma vez que a relação pode assumir
qualquer uma dessas realidades) se torna essencial.
3. A(s) Análise(s) de Discurso
“O que é discurso?” pode ter várias respostas, embora todas tenham, nesse trabalho,
os aspectos inerentes à AD. Tal disciplina é dita como um estudo externo na linguística, na
percepção que é um projeto que nasce “sob o horizonte comum do marxismo e de um
movimento de crescimento da linguística” (MUSSALIM, 2009, pág. 102), é uma
confluência entre a linguística e as questões marxistas, relacionando-a com objetos
sociológicos, históricos, psicanalíticos, antropológicos em geral etc.
Uma das definições de discurso é dada por Orlandi (2005, pág. 21), quando diz que
“o discurso é efeito de sentido entre locutores”: analisando o discurso como tendo sido
produzido por sujeitos e para terem determinado significado e fazer certa comunicação, o
discurso tem efeito e pode ter sentidos múltiplos entre os envolvidos no processo
comunicativo.
Uma possibilidade para os estudos do discurso é a ADC, que é fundamentada nos
estudos de, dentre outros, Fairclough (2001[1992]), assim como estudadas amplamente por
Rezende e Ramalho (2011). Há a aplicação desse método e teoria em Melo, (2010). A ADC
se assemelha com as demais vertentes de estudo do discurso, como a AD de linha Francesa,
inaugurada com Pechêux, embora nem todas as AD‟s sejam fruto de um mesmo caminho
epistemológico (REZENDE e RAMALHO, 2011).
A ADC, que é o referencial teórico para este trabalho, pressupõe alguns postulados,
quais (MELO, 2010, pag. 95):
1. a linguagem é um fenômeno social;
2. os indivíduos e as instituições possuem significados e valores específicos que
se expressam de forma sistemática por meio da linguagem;
3. os textos são as unidades relevantes da linguagem e da comunicação;
4. os leitores e os ouvintes não são receptores passivos em sua relação com os
textos;
5. existem semelhanças entre a linguagem da ciência e a linguagem das
instituições.
Por conseguinte, vê-se a relação íntima da questão social e sua análise, assim como
suas representações identitárias, e a ADC. O quadro teórico postulado por Fairclough,
chamado de Análise do Discurso Textualmente Orientada, é posto por seu teórico-pai como
5
Teoria Social do Discurso (MELO, 2010, pag. 95). Fairclough (2001[1992], pag. 101) traça
um esquema de como o discurso se relaciona com o social:
TEXTO
PRÁTICA DISCURSIVA
(Produção, distribuição, consumo)
PRÁTICA SOCIAL
As AD‟s outras, entretanto, seja a que corrente epistemológica pertençam, portam,
por sua própria natureza, criticidade (MAINGUENEAU, 2010): permitem que seja visto o
além do aparente no discurso. Podendo ser visto as relações de poder ou, com as interfaces
da sociologia e filosofia, a representação social (MELO, 2010). É, então, essencial para os
estudos que envolvam relações humanas.
O discurso e a linguagem servem também para gerar identidades, conforme
prenunciado nos estudos de Rajagopalan (2009), quando fala das identidades que os
linguístas devem construir para que possam se apresentar à sociedade como de fato são, a
partir do que fazem, estudam. É também explorado na teoria de Maingueneau (2008, 2004),
quando afirma que “por meio da enunciação, revela-se a personalidade do enunciador”
(2004, pág. 98). Fairclough (2001[1992]) vai analisar o mesmo assunto, porém inserindo-o
numa dimensão de análises de poder, coisas próprias da ADC.
Essa pesquisa ainda se encaixa nos pressupostos da Linguística Aplicada (doravante
LA), na sua vertente crítica, conforme evoca Pennycook, pedindo por uma “Linguística
Aplicada Transgressiva” (2006, pág. 67) dos limites disciplinares, fundando-a em
pressupostos interdisciplinares. Como também postula Rajagopalan (2009, pág. 123), que,
falando da possibilidade critica dessa área interdisciplinar, diz que
abordar a linguística de forma crítica implica, antes de tudo, abrir mão de uma
das ideias preconcebidas a respeito de pesquisa linguística que na verdade tem
funcionado como um entrave.
Criticando a linguística que se assenta na “torre de marfim”, ele compara estudos
que apenas teorizam sobre a língua, “abordada como ela poderia ser num mundo ideal e
paradisíaco e não como ela de fato é em nosso mundo vivido” (pág. 27), diz que atitudes
assim são tão ilógicas como os cientistas das biológicas terem como “único objetivo da
pesquisas sobre a AIDS a elaboração de uma teoria sobre a doença e não a descoberta de
uma cura” (pág. 134).
Essa vertente epistemológica permite que seja feito um diálogo com ciências tantas
outras. Conforme afirma Moita Lopes (2006, pág. 96),
se quisermos saber sobre linguagem e vida social nos dias de hoje, é preciso sair
do campo da linguagem propriamente dito: ler sociologia, geografia, história,
antropologia, psicologia cultural e social etc.
6
Acrescentando-se a essa lista a Pedagogia, é assim que esse trabalho está
fundamentado.
4. (Dis)Curso no contexto Família X Escola: a Família X Escola em (dis)curso
4.1 A pesquisa
A pesquisa que originou esse artigo foi feita na Escola Padre Zuzinha, na cidade de
Santa Cruz do Capibaribe, em Pernambuco. A pesquisa se classifica (PRESTES, 2008):
a) Quanto aos objetivos: como uma pesquisa empírica, “dedicada a codificar o lado
mensurável da realidade” (pág. 25);
b) É explicativa quanto à forma de estudo, já que vai “em busca da razão, do por
que das coisas”, além de “identificar quais são seus fatores determinantes” (pág.
26);
c) É, enfim, uma pesquisa de campo, que através de questionários o pesquisador
“coleta seus dados, investigando os pesquisados em seu meio” (pág. 27).
Foi feita com professores e família de alunos. Os dados de uma de outra, porém,
terão tratamento diferente. A pesquisa com os professores se deu na escola, com eles
escrevendo e respondendo as questões por si mesmos, pondo a forma de organização do
texto, com termos e sintaxes que lhe são próprios. A pesquisa com a família, entretanto, não
contou com a escrita dos próprios sujeitos. Ela se dava com a pergunta presente no
questionário e, após a resposta, a forma de colocar no questionário era formulada pelo
pesquisador que, logo em seguida, lia para os sujeitos pesquisados para verificar se estavam
de acordo com a forma posta.
Compreende-se que essa maneira não é totalmente fidedigna, uma vez que qualquer
alteração a nível sintático ou morfológico pode modificar a mensagem original. Não
obstante, a semântica, a mensagem que se quis passar, que é o interessante para essa
pesquisa, compreendeu-se que não sofria alteração significativa, o que figuraria
manipulação de dados. Assim, a opinião central, o essencial dela, preservado, a partir da
confirmação da forma posta no questionário, considera-se útil para esse estudo e válido o
corpus adquirido.
4.2 O corpus analisado
Com a pergunta sobre a frequência do comparecimento dos pais à escola, em geral
foi respondido que não compareciam, a não ser em Reuniões de Pais e Mestres (doravante
RPM) ou quando são chamados em uma “situação desagradável” com o filho, como disse o
prof052. Resume bem tudo isso o prof01 quando diz que “Quase nunca. Só quando são
chamados a comparecer na escola”
A totalidade dos professores definiu como importante o comparecimento dos pais na
escola. O prof09 diz que “a tarefa de educar é tarefa de todos – escola e família”. “A
2
As fichas de entrevista foram enumeradas sob a seguinte metodologia: as pesquisas com os professores
foram denominadas “prof” e enumeradas. As entrevistas com as famílias, por sua vez, foram denominadas
como “fam” e também enumeradas.
7
parceria dos pais é importantíssima no processo de ensino e aprendizagem”, é a opinião do
prof06. Um pouco mais congruente ao exposto teórico aqui é a opinião do prof05, que diz
“a escola não consegue ir muito longe sem a participação da família, porque a base vem da
família”.
Todos os professores disseram que já conversaram com os pais por causa de seus
filhos. Uns falaram que o fizeram por conta de comportamento ou rendimento escolar,
outros somente por causa das RPM‟s.
Em relação à RPM, porém, alguns divergiram. O prof02 falou que somente de
semestre em semestre era realizada, os restantes, bimestralmente. Uns falaram que era
apenas para entrega de provas, outros disseram que tinha como fim falar com os pais sobre
os alunos. Percebe-se que os que falaram isso eram os que conversavam com os pais, já que
a direção afirmou que era feita a reunião de bimestre a bimestre e para a entrega dos
boletins e, quando a família procurava o professor, ele o atendia durante esse momento.
Sobre a discussão de gênero dos familiares que vinham à escola todos foram
categóricos ao afirmar serem as mães. Isso caracteriza, indubitavelmente, o AIE que estão
inseridos os sujeitos em relação ao seu gênero, já que o prof08 afirmou que tem “grande
número de mulheres com trabalhos domésticos, elas tem mais tempo de comparecer”. Essa
é a visão que se tem do sujeito de gênero feminino, o ethos formado delas, que obedece a
uma hierarquização social (PRADO, 2008) que as faz serem rebaixadas a serviços tidos
como menores na sociedade, os quais seriam os domésticos. Em nenhum momento foi
apontado algo como “elas são mais cuidadosas com os filhos do que os pais” ou ainda “são
elas as sujeitos de criação primeiros”, mas ao clássico do “mulher que pilota fogão”. Daí
feita uma inferência intrínseca à ideologia que define esses papéis, e ela foi corroborada por
pelo menos dois outros professores, assim como é repetido na linguagem da mídia, política,
publicidade e, como demonstrado, no discurso que demonstra essa concepção sendo
também dos sujeitos da educação.
“Acho importante que os alunos exercite (sic) os conteúdo (sic) trabalhados na sala,
em casa” e “Porque elas complementam o tempo que a escola pode oferecer” são respostas
às indagações sobre as atividades para casa pros alunos, dos prof01 e prof03,
respectivamente, e essa perspectiva de atividades para casa é dominante. Uma resposta
porém que merece ser analisada é a do prof02, que diz que as atividades de casa servem
para “forçá-los a estudar”. Essa perspectiva pedagógica se insere numa perspectiva Liberal
Tradicional, que tem por base a autoridade do professor que “exige atitude receptiva dos
alunos” (grifo nosso), além de visar “preparar o aluno para a vida” mas numa perspectiva
“intelectualista e, às vezes, como enciclopédica”. (LIBÂNEO, 1990, pág. 24). Está inserido
num processo de Aparelho Repressivo de Estado que, em contraste com os AIE‟s, não
manifesta seu poder através das ideologias, num plano ideologizante, mas num plano de
repressão mesmo, com punições, repreensões etc (ALTHUSSER, 2010 [1985]). É a
perspectiva exposta em Foucault (2010), assemelhando o sistema educacional a prisões, e
em (2001), quando ele se propõe a analise da microfísica do poder, como ele se manifesta
no micro, e não somente no macro.
Semelhante a essa concepção é a das famílias entrevistadas. A formação do ethos de
alguns se deram a partir do fato de se declararem evangélicos de uma forma, tendência, ao
conservadorismo. De todos os outros, houve o destaque da escola como maravilhosa e ser
dever de todo pai e mãe estar presente para saber como está o filho na escola, se está se
8
comportando bem. O fam01 também falou sobre o que a escola deve oferecer ao seu filho,
respondendo que deve oferecer prosseguimento nos estudos, coisa que ele não teve. Falou
muito em faculdade e ensino superior, o que faz com que se perceba uma visão dentro de
um AIE neoliberal, com visão na formação de força de trabalho e não na formação humana,
libertadora (FREIRE, 2009) e que visa a construção da autonomia do sujeito (KAMII,
2001).
8. Conclusão
A LA é um campo vasto, que é instrumento de investigação de infinitas
possibilidades empíricas. Sua dinâmica epistemológica é possível em diversas perspectivas.
A apresentada nesse trabalho, com as interfaces da pedagogia, é uma delas. Ela foi aporte,
com a ADC, para a compreensão de que, apesar de tanto que já foi avançado com
perspectivas pedagógicas cada vez mais atualizadas e melhor condizentes para os dias
atuais, o tradicionalismo persiste, com tendências fechadas e repressivas de aprendizagem.
Algo que preocupa os que pensam em tendências pedagógicas libertadoras e
construtoras de autonomia, que ajudem o sujeito a viver no meio social em que está
inserido, baseadas em pensadores como Piaget, Vygostsky, Freire, é a presença de AIE‟s e
até de ARE‟s no discurso dos sujeitos da educação, que formam, então, o discurso da
escola. Os que se preocupam em construir essas pedagogias têm que estar atentos a esse
momento de manifestação de tais instâncias de poder, uma vez que elas deturpam toda a
construção do indivíduo em detrimento da formação de mão de obra e de um ensino
enciclopédico e não crítico-reflexivo.
Não somente na Escola Padre Zuzinha isso acontece, mas existe a hipótese de tais
concepções existirem em todo o sistema educacional, vide a própria LDB e as leis e
proposições dos Poderes constituídos, que demonstram tais possibilidades. Esse estudo
nesta escola, porém, revela dados empíricos e palpáveis.
A possibilidade de verificar tais coisas através da linguagem é possível a partir de
sua concepção de politicamente, hierarquicamente e socialmente constituída e fornece nova
possibilidade às interpretações dos eventos pedagógicos, fazendo-os passíveis de diversas,
novas interpretações, além de permitir um novo insuflar das possibilidades dos estudos
lingüísticos (RAJAGOPALAN, 2009). A relevância social da linguística é verificada e,
descendo da Torre de Marfim, os linguístas vêm para junto dos mortais, na escola, para
tentar apontar as situações reconhecidamente inadequadas e dar possibilidades de resolução
de situações inadequadas ao ambiente pedagógico, lendo os tempos novos que se
apresentam a partir dos óculos da linguagem.
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