Rev. Bras. Fisiot. V oi. I, No. 2 (1996) 51-60
©Associação Brasileira de Fisioterapia
51
Reabilitação na Lesão do Ligamento Cruzado Anterior:
Uma Revisão da Literatura
. , . 1 e G .A . p·llll-2
V . C . D lOlllSlO
1
Fisioterapeuta, Professor e Supervisor de Estágio na área de Ortopedia e Traumatologia da Universidade
de Ribeirão Preto - UNAERP
Mestrando em Bioengenharia- EESC/FMRP-USP
2
Fisioterapeuta, concluinte do curso de aprimoramento em Ortopedia e Traumatologia da Universidade de
Ribeirão Preto - UNAERP
Universidade de Ribeirão Preto- UNAERP, Av. Costábile Romano, 2201
14.096-380 Ribeirânia, Ribeirão Preto- SP
Recebimento: 1.4.96
Resumo. Este trabalho apresenta uma revisão atualizada da literatura a respeito da lesão do Ligamento
Cruzado Anterior e seu tratamento, abordando desde a fisiologia articular, mecanismo de lesão, diagnóstico, reconstrução
ligamentar e tratamento fisioterápico, sendo estes últimos com ênfase a partir da técnica de Dejour, atualmente a mais
utilizada pelos cirurgiões devido às características favoráveis de resistência e cicatrização do enxerto. A reabilitação é
abordada com análise de vários protocolos de tratamento, seus resultados e diferenças, buscando um melhor entendimento
com bases no conhecimento científico.
Palavras-chave: reabilitação, ligamento cruzado anterior, lesão, reconstrução
Abstract. This research presents an up-to-date review ofliterature regarding to the front cruciate ligament
injury and its treatrnent, by approaching since joint physiology, injury mechanism, diagnosis, ligament reconstruction and
physiotherapeutic treatrnent, and the last two ones focused on Dejour' s technique: the most used procedure among surgeons
nowadays due to favorable features of graft resistance and healing. The rehabilition is presented by assessing severa!
protocols oftreatment, their results and contrasts, expecting a better comprehension based on scientific knowledge.
Keywords: rehabilitation, anterior cruciate ligament, injury, reconstruction
Introdução
A lesão e o tratamento do ligamento cruzado anterior
(LCA), estão sendo bastante discutidos atualmente e, sem
dúvida, são o destaque entre as lesões de joelho. Tal fato deve-se
ao importante papel biomecânico que este ligamento exerce no
joelho e da grande incidência de lesões em atletas de alto nível,
exigindo dos pesquisadores estudos mais aprofundados e propostas de tratamento que sejam eficientes.
Com a evolução das técnicas cirúrgicas houve um aprimoramento das técnicas fisioterápicas, tomando possível uma
reabilitação mais precoce, evitando-se desta forma complicações relativamente comuns há alguns anos. Entretanto, o
sucesso da fisioterapia neste tipo de lesão não é, ainda, totalmente fundamentada cientificamente e tão pouco a conduta é a
mesma em diferentes lugares.
Endereço para correspondência: R. Heitor Chiarello, 436 - ap. 22, 14.020-520
Jd. Irajá- Fone (016) 623.8902
Nossa intenção é mostrar uma revisão atualizada sobre o
assunto, passando pela fisiologia articular, tipos de lesão,
quadro clínico, evolução, complicações do tratamento conservador e cirúrgico, até diversas propostas de reabilitação, atualizando esses vários aspectos sem imposição de regras ou
verdades absolutas. Desta forma acreditamos estar contribuindo
para que cada fisioterapeuta elabore suas conclusões e que haja
uma constante busca de bases científicas que forneçam subsídios para a opção da melhor conduta no seu tratamento.
Fisiologia Articular
O ligamento cruzado anterior (LCA) possui, dentro da
biomecânica importante papel na estabilidade do joelho. Auxiliado pelo ligamento cruzado posterior (LCP), ele mantém o
contato das superficies articulares do fêmur e da tíbia, nos
movimentos de flexo-extensão.
52
Dionísio & Pini
Durante a flexão o LCA é responsável pelo deslizamento
do côndilo femural para frente e seu rolamento para trás e
corresponde ao fator passivo que explica este mecanismo entre
côndilos e platôs tibiais.
Assim, como.no caso das fibras musculares, as fibras do
LCA não são todas-solicitadas ao mesmo tempo. Trata-se de um
verdadeiro recrutamento no decorrer do movimento devido a
desigualdade no comprimento de suas fibras que variam de
acordo com a posiÇão e local de inserção. Durante a flexão do
joelho entre 90° e 120°, por exemplo, as fibras ântero-inferiores
do LCA estão afrouxadas e as póstero-superiores estão tensionadas. Na extensão completa, o LCA como um todo está
tenso, sendo, por isso, um dos "freios" da hiperextensão. Os
movimentos de rotação, também tensionam o LCA. A rotação
interna provoca um contato mútuo entre os ligamentos cruzados
que se enrolam, tensionando-se mutuamente. A partir dos 15°20° de rotação externa o LCA começa a tensionar-se cada vez
mais, enrolando-se sobre a face axial do côndilo femural extemo, quando a rotação externa prossegue.
O LCA, portanto, está sempre tenso em algumas de suas
fibras, independentemente da angulação de movimento em que
o joelho se encontre 1•2 •3 .
Força de gaveta anterior
É definida como um puxão aplicado sobre a extremidade
proximal da tíbia, através da força do quadríceps durante a
extensão do joelho. É a força que possui o maior efeito de
estresse sobre o LCA, explicando o porquê deste músculo ser
considerado o antagonista do LCA 1• Alguns achados clínicos
revelam um aumento do deslocamento tibial durante os últimos
30° de extensão após a lesão do LCA, portanto, o LCA é
submetido a estresse de 30° a 0° de extensão4 .
O deslocamento anterior também aumenta quando se requer maior força do quadríceps; par exemplo, um paciente
submetido a uma série de exercícios-eom resistência progressiva
para o quadríceps de 30 a 0° está expondo o LCA a níveis de
estresse progressivo conforme a resistência é aumentada. Entretanto, levantar o membro inferior com angulação de joelho
5
maior que 30° de flexão não estressa o ligamento . Dando
6
suporte a este achado, Wilk e Andrews mediram o maior
deslocamento tibial durante)este isocinético do quadríceps de
30°-15° de flexão.
Tais fatos justificam os critérios de reabilitação na França
em que exercícios em cadeia cinética aberta, onde os pés estão
sem apoio e facilitam a translação anterior da tíbia em relação
ao fêmur pela contração do quadríceps e pela ausência de
contração simultânea dos isquiotibiais. Portanto, a utilização do
dinamômetro isocinético está contra indicado antes dos 6 meses
de pós-operatório (P.O.). Até este período todos os exercícios
são realizados em cadeia cinética fechada (pé fica apoiado),
aumentando assim, a compressão articular e produzindo uma
ação simultânea entre isquiotibiais e quadríceps (co-contração),
reduzindo pela metade a translação anterior da tíbia sobre o
fêmur7 .
Rev. Bras. Fisiot.
A literatura8 aponta algumas solicitações do LCA, onde a
maior encontrada é a corrida em descida, que tem solicitação
igual a 125%. Porém, a bicicleta estacionária é uma das
menores, sendo de 7% a solicitação do LCA.
Conclui-se então que atividades de vida diária e exercícios
que exponham o retalho de LCA a diferentes magnitudes de
força de gaveta anterior podem resultar em graus diferentes de
estresse tecidual 5 .
Tensão do LCA e do retalho de LCA
O comportamento biomecânico do LCA e do retalho do
LCA foram estudados pela medida das mudanças no comprimento dos mesmos em diferentes condições experimentais 5, e
o autor chegou às seguintes conclusões:
O LCA não sofre estresse em rotação externa e flexão
passiva.
Na rotação interna e flexão passiva ocorre distensão do
LCA mesmo com 120% de flexão, e chega ao máximo de
distensão em tomo dos 15°.
Em contração isométrica simulada do quadríceps com
flexão menor de 45%, temos distensão do LCA e chega ao
máximo aos 15° de flexão. Isto pode ser compreendido devido
ao esforço necessário do quadríceps para manter a extensão e o
LCA ser um fator restritivo à translação anterior da tíbia. Portanto, o quadríceps pode mudar o comprimento do LCA e
exercícios isométricos em extensão devem ser evitados quando
se quer evitar estresse no ligamento.
Com relação aos retalhos, observa-se que existe um
pronunciado aumento do percentual nos primeiros 120° de
flexão e a mudança do comprimento é menor que 1,O mm em
condições experimentais, sendo insuficiente para ocorrer ruptura. Entretanto é necessário uma correta colocação cirúrgica do
retalho, ou seja, a posição deve ser semelhante à posição do
ligamento original, chamado de ponto isométrico. A localização
cirúrgica resulta em uma aproximação do comprimento e tensão
constantes em qualquer movimento do joelho. Isometria perfeita, porém, é praticamente impossível de ser conseguida cirurgicamente. Então, alguns cirurgiões elegeram que uma
distensão menor que 2 mm durante os primeiros 90 de flexão
seria um bom critério para uma fixação isométrica aceitável.
Mecanismos de Lesão do LCA
Podemos dividir os mecanismos de lesão em lesões associadas e isoladas. As lesões associadas são:
Um traumatismo em valgo, mais flexão e rotação externa,
acarretam, sucessivamente, seguindo uma força crescente: lesão
do LCM, LCA e desinserção do menisco medial 1. Este mecanismo de lesão é muito comum em esquiadores e pode vir
associado à lesão da musculatura da pata de ganso que tenta
conter o valgo.
Quando ocorre um deslocamento completo através de
hiperextensão maior que 30°, há rotura primeiro do LCP (Ligamento Cruzado Posterior) e depois do LCA9 .
V oi. I. No. 2, 1996
Reabilitação na Reconstrução do LCA
Uma força posterior direta contra a extremidade superior
da tíbia provoca um deslocamento anterior enquanto o joelho é
fletido, e produz a lesão do LCA geralmente associada com uma
lesão oculta do LCP e cápsula articular9 .
As lesões isoladas são:
Durante o movimento forçado de flexão, varo, rotação
interna, os ligamentos cruzados enrolam-se, o compartimento
lateral se abre e o côndilo interno do fêmur pressiona o LCA,
lesando-o7 .
A rotação interna da tíbia quando o joelho é estendido
pode produzir uma rotura isolada do LCA pois tanto a porção
póstero-lateral quanto a ântero-medial deste ligamento estão
tensas neste movimento 9 .
Diagnóstico
Uma rotura isolada do LCA é considerada incomum, e o
aparecimento da mesma deve estar associado com roturas
intersticiais de outras estruturas estabilizadoras. Uma rotura
antiga complicada por outras lesões ligamentares ou de menisco, geralmente, representa o resíduo de algo que antes foi uma
lesão única9 .
Os testes clínicos a seguir são os mais freqüentemente
empregados para diagnosticar a insuficiência do LCA.
• Sinal da Gaveta Anterior
• Teste de Lachman
• Pivot-Shift Test
• Jerk Test
Além desses exames clínicos, e na impossibilidade de
realizar exames mais sofisticados como Tomografia, Ressonância Magnética, etc., dispõe-se atualmente do SAD (Subluxação
Anterior Diferencial) que é uma medida radiológica 10 .
Conseqüências a Lesão do LCA sem
Reconstrução
O LCA exerce sobre o joelho um importante papel estabilizador. Trabalhos têm sido feitos envolvendo indivíduos não
submetidos a reconstrução após grave lesão do LCA e observando suas implicações 10•11 . As observações principais desses
estudos são:
• Adaptações no modo de andar, correr, subir e descer
escadas têm sido observadas em pacientes com lesão do LCA.
Isto ocorre numa tentativa de evitar acúmulo de força na região
anterior da tíbia. Ocorrem diversas alterações metabólicas a
partir destas adaptações que ainda não estão completamente
entendidas. No entanto, há um aumento do consumo de 02 na
ordem de 8% para a corrida a 150 m/min nos pacientes com
lesão do LCA. Isto representa um significante "gasto" da corrida, porém, a caminhada não é afetada significativamente. A
divergência entre o "gasto" normal e em pacientes com lesão
do LCA é notada com o aumento da velocidade 11 .
• Verificou-se ainda, que, nos casos de lesão do LCA, a
sub luxação anterior da tíbia podia ser provocada pelo músculo
quadríceps. Num portador de lesão de LCA, este movimento
anormal de sub luxação ocorreria na marcha diária, pois durante
53
a fase de apoio a contração do músculo quadríceps é vigorosa e
conseqüentemente as trações anteriores da tíbia são intensas.
Esta agressão diária acaba por acarretar alteração cartilaginosa,
inicialmente indolor, que com o passar dos anos progride expondo o osso subcondral rico em terminações nervosas e tornando-se doloroso. Este efeito nocivo da marcha, portanto,
provocará a artrose, ao passo que os episódios de falseio provocarão a lesão meniscal em tomo de seis meses a dois anos
pós-lesão. Portanto, a cirurgia de reconstrução do LCA, quando
bem sucedida, elimina a instabilidade articular do joelho, reduzindo os riscos de artrose e lesão meniscal justificando a maior
indicação cirúrgica nestas lesões 10•
Evolução do Tratamento Cirúrgico nas Lesões
doLCA
Inicialmente era realizada a sutura do ligamento, havendo
grande perda de elasticidade e dificuldade em reinserir-se os
feixes do LCA coto a coto devido às diferenças no seu comprimento.
Há mais ou menos dez anos eram utilizados para a
reconstrução do LCA ligamentos sintéticos, devido à sua maior
resistência em relação ao LCA. Contudo foi observado que, com
a solicitação contínua do ligamento sintético durante os
movimentos, havia um processo de degeneração após dois
anos de cirurgia. Fragmentos destes ligamentos artificiais soltavam-se dentro da articulação irritando a membrana sinovial.
Atualmente seu uso tem indicações restritas e precisas, não
existindo até agora, substituto artificial para o LCA7 .
Atualmente há várias técnicas para reconstrução do LCA
lesado. A plastia extra-articular (Lemaire) utilizando o tensor
da fáscia lata (TFL), onde a fáscia é passada por baixo do LCL
(Ligamento Colateral Lateral) inserindo-se na tuberosidade tibial, recriando origem e inserção do LCA e impedindo o JERK.
anterior 13 . Dentre as plastias intra-articulares podemos citar a
técnica onde utiliza-se o tendão do músculo semitendinoso que
reproduz a anatomia dos fascículos do LCA, realizando-se sua
tenodese 9 •13 . Outra técnica intra-articular é a do tipo Kennett
Jones, onde ocorre a utilização do 1/3 médio do tendão patelar,
provocando a desinserção somente da região patelar, levando o
novo ligamento através da falha da porção central do tendão,
sendo inserido no côndilo lateral do fêmur descrita em 1963 9 ,
que em 1984 foi modificada por Dejour, onde este retira todo o
1/3 médio do tendão patelar com uma porção óssea da tuberosidade tibial e outra da patela, que serão introduzidos através de
túneis na tíbia e no fêmur tentando reproduzir a localização
anatômica do LCA 10, sendo mais indicada atualmente. Pode ser
realizada por via artroscópica, diminuindo a agressão cirúrgica
e acelerando a recuperação. Domit et a!. 13 , realizaram um
estudo comparativo entre três técnicas para reconstrução do
LCA:
I. Dejour + Lemaire (com T.F.L.)
2. Dejour + Tenodese do semitendinoso
3. Dejour
54
Dionísio & Pini
O trabalho concluiu que os resultados foram equilibrados
entre as três técnicas. As plastias extra-articulares, portanto, só
se justificam para prevenir um acidente com rotura do enxerto
intra-articular, situação na qual o paciente encontraria-se com
uma plastia a mais para impedir o pivot-shift.
O reforço intra-articular com o semitendinoso pode ser útil
apenas para aumentar a base de inserção do neoligamento,
reproduzindo-se a morfologia dos feixes do LCA; ou seja, a
utilização de um monofascículo do tendão patelar (técnica de
Dejour), pode, isoladamente, reproduzir os resultados das outras
duas técnicas. Contudo, é necessário ressaltar que esta técnica,
apesar de mais aceita e eficiente5,13 , apresenta muitas complicações e desvantagens 14 , IS, 16 como veremos adiante.
Considerações sobre Retalho do Tendão Patelar
Utilizado na Técnica de Dejour
Após sua implantação o retalho sofre uma sene de
mudanças celulares resultando em um novo tecido ligamentar,
não chegando contudo a adquirir a conformação microgeométrica do LCA normal.
Uma vez que o retalho esteja cirurgicamente colocado,
inicia-se o processo de cicatrização, que é caracterizado pela
necrose avascular e por revascularização partindo da membrana
sinovial. A revascularização dá suporte à proliferação de fibras
colágenas que eventualmente tomam a aparência de um ligamento "normal" por volta de 12 a 18 meses de pós-operatório5.
Resultados da Técnica de Dejour na
Estabilidade Sagital
A estabilidade sagital do joelho após a reconstrução com
tendão patelar é considerada boa quando ao término de dois anos
de pós-operatório, o deslocamento anterior da tíbia não ultrapassa 2,3 mm em relação do joelho não lesado. Quando esta
diferença é igual ou maior que 3 mm o procedimento cirúrgico
é considerado um fracasso 14 .
Complicações da técnica de Dejour
Coehn et al. 15 dividiram as principais complicações da
técnica de Dejour da seguinte forma:
I) Complicações intra-operatórias
Fratura de pateta quando retira-se os blocos ósseos com
martelo e formão.
Fratura do platô tibial durante fresagem do túnel tibial
com broca de 9 mm.
Enxerto de tamanho inadequado devido à incompatibilidade entre blocos e túneis ósseos.
Sulcoplastia insuficiente propiciando atrito entre enxerto
e parede do sulco intercondiliano (este atrito é responsável por
um estalido audível e que se resolve espontaneamente após 9
meses de pós-operatório).
2) Complicações pós-operatórias imediatas:
Trombose venosa profunda
Rev. Bras. Fisiot.
Parestesia, que se resolve após 48 h de pós-operatório,
devido ao uso prolongado do garrote(+ de 2 h).
3) Complicações tardias:
Tendinite da pata de ganso
Tendinite do tendão patelar
Crepitação patelar
Afrouxamento do enxerto após mínimo de l ano de
pós-operatório.
AIM (Amplitude Incompleta de Movimento) para extensão causada por:
• bloqueio meniscal
• aderência do tendão patelar
• retração de isquiotibiais
• insuficiência dos vastos
• posicionamento inadequado do enxerto
• reabilitação retardada ou inadequada.
• Ruptura tardia do tendão remanescente
• Artrose
Força muscular após técnica de Dejour
É importante avaliar o prejuízo para o joelho da obtenção
do retalho patelar que causa uma lesão no mecanismo extensor.
O modo de calcular este prejuízo é medindo o grau de força do
quadríceps antes e após a cirurgia 16 .
Existem poucos trabalhos que abordam o assunto. O teste
precoce de força do quadríceps nos seis primeiros meses de
pós-operatório não era realizado devido à força anterior exercida na tíbia durante a contração 1' 7 ,! 6.
Após pesquisas, no entanto, provou-se que na contração
isolada do quadríceps com angulação de 70° ou mais de flexão
do joelho, ocorre uma força de gaveta posterior 16 .
Isto deu aos pesquisadores segurança para medir a força
do quadríceps no pós-operatório imediato e, através disso, conduzir um estudo de força do quadríceps nas várias fases após
reconstrução por um período de três meses a sete anos. O estudo
resultou nos seguintes achados:
Após três meses de pós-operatório os pacientes apresentaram força do quadríceps menor que 50% em relação ao
membro não lesado em homens e 33% nas mulheres.
Em homens a força retomou a 78% ao término do
primeiro ano e 85% ao final do seguimento (sete anos).
Nas mulheres, ao final de cinco anos a força do quadríceps
era de 70% em relação ao pré-operatório.
Os outros músculos do membro inferior operado recuperaram totalmente a força anterior à cirurgia, tanto nos homens
como nas mulheres.
Conclui-se, portanto, que a técnica apresenta a desvantagem de provocar déficit de força no quadríceps. Supõe-se que
este prejuízo seja em decorrência da retirada do retalho 16 .
Reabilitação
Devido à alta incidência de limitação da amplitude articular do joelho após reconstrução do LCA, alguns cirurgiões do
Deaconess Hospital (Ohio, EUA) 17 começaram a movimentar
Voi. I. No. 2,
1996
55
Reabilitação na Reconstrução do LCA
precocemente os joelhos que, anteriormente eram completamente imobilizados a 20° de flexão até por volta do 21 o
pós-operatório. O uso desta movimentação mostrou-se altamente eficiente e efetiva na restauração dos movimentos do
joelho. Estes mesmos cirurgiões observaram que joelhos colocados em órtese após reconstrução tinham retorno mais rápido
da mobilidade completa em relação aos joelhos completamente
imobilizados.
Com base nos achados acima, foi instituído neste hospital
o programa de mobilização precoce do joelho após reconstrução
do LCA (Tabela I). O programa consistia no uso de "CPM"
(Mobilização Passiva Contínua) no pós-operatório imediato
com angulação de 30 a 90° durante 8-12 h diárias. Nas 30-52
primeiras semanas de pós-operatório o trabalho de força e
propriocepção objetivava habilidade para efetuar difíceis tarefas como correr, saltar, etc. Os exercícios resistidos eram incluídos de modo a não estressar o retalho com angulação sempre
maior que 30° de flexão do joelho. Pacientes eram seguidos por
um ano, pois a imobilidade presente ao término deste período é
considerada permanente.
Em comparação a este protocolo, iniciou-se outro estudo18 onde se verificou que aqueles pacientes desistentes ou
aqueles que não seguiam corretamente o protocolo, ao mesmo
tempo obtinham extensão completa mais cedo e retomavam as
funções normais (sem desenvolver instabilidade); ao passo que
o número de complicações foi maior nos que usaram o protocolo
em vigência. Esses pacientes "desobedientes" foram, então,
seguidos cuidadosamente através da escala de Noyes modificada, verificando informações subjetivas e, através de dinamômetro isocinético da marca Cybex, teste de Lackman,
pivot-shift e mensuração da amplitude de movimento, as informações objetivas, não sendo verificada qualquer seqüela. Daí
em diante foi-se avançando gradualmente o início da reabilitação, mantendo-se as informações objetivas e subjetivas para
fins de comparação com as informações já obtidas.
Baseados nos resultados satisfatórios a longo prazo, a
equipe acima, deixou de usar as órteses, acrescentando-se o uso
de carga segundo tolerância individual, pennitindo-se retorno
às atividades assim que o paciente se sentisse pronto, ou seja,
com estabilidade e confiança em realizar suas atividades. Durante os três anos seguintes a análise das observações objetivas
e subjetivas confirmou a impressão clínica inicial de que amplitude de movimento era obtida mais rapidamente e completamente. Atrofias musculares eram prevenidas ou precocemente
revertidas. Desta forma, foi modificado o programa de reabilitação para pacientes com reconstrução LCA denominado: Protocolo de Reabilitação Acelerada (Tabela 2).
Este protocolo 18 encoraja o paciente a caminhar com
extensão total e apoio do membro inferior operado já na
primeira semana de pós-operatório. Na segunda semana os
pacientes com flexão maior ou igual a 100° participam de uma
série de exercícios do programa de fortalecimento muscular. Na
quarta semana permite-se todo tipo de atividades de vida diária.
Na oitava semana se o escore do dinamômetro isocinético da
marca Cybex: perfaz 70% do membro não lesado se permite o
Tabela 1. Protocolo de reabilitação pelo Deaconess Hospital.
Tempo após Reconstrução
Programa de Reabilitação
1o dia
Crioterapia. CPM (30 a 90°)
Mobilização da patela
Exercícios para tornozelo
Uso de órtese com flexo de 20°
Marcha com 2 muletas sem
descarga do peso
Acrescenta exercícios
isométricos para isquiotibiais
Exercícios ativos para quadril
Exercícios autopassivos de
extensão e ativos de flexão do
joelho. Co-contração de
quadríceps e isquiotibiais
1a2
meses
Acrescenta exercícios
isométricos para quadríceps
Exercícios ativo-resistidos para
o quadril
Bicicleta estacionária com carga
gradual e progressiva
2 a 3 meses
Acrescenta exercícios
isométricos para quadríceps e
isquiotibiais
Ativo-resistido para os
isquiotibiais
Exercícios excêntricos para
quadríceps (45°-90°)
Exercícios proprioceptivos leves
3 a4 meses
Reforço muscular global com
ênfase para os isquiotibiais 3: 1
em relação ao quadríceps
Exercícios proprioceptivos
moderados
Corrida no plano sem mudança
de direção
4 a 8 meses
Reforço muscular intensificado
Alongamentos
Exercícios proprioceptivos
avançados (obstáculos
Corrida com mudança de direção
8 a 12 meses
Fase de condicionamento
retorno aos esportes leves, desde que o paciente tenha recuperado a necessária agilidade e funcionalidade do membro.
Uma série de biópsias do retalho obtidas a vários estágios
diferentes não revelou nenhuma reação histológica adversa.
Em 1992 foi publicado um trabalho sobre a experiência na
Reabilitação do LCA no hospital de Belo Horizonte. O trabalho
propõe um protocolo (Tabela 3) similar ao protocolo americano,
porém, mais cauteloso em relação ao apoio sobre o membro
operado nas primeiras quatro semanas 19 .
Dionísio & Pini
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Tabela 2. Protocolo de reabilitação acelerada.
Tempo após Reconstrução
Programa de Reabilitação
1o dia de P.O.
Mobilização passiva 0-90°
Órtese em extensão completa
Apoio na marcha tanto quanto
tolerado (sem muletas)
2 a 4 dias
Pré-requisitos para alta
hospitalar: mínimo de
dor, extensão total, apoio total
do peso sem muletas
7 a 10 dias
Acrescenta alongamento de
isquiotibiais com faixa, flexão
ativa-assistida, retirada gradual
da órtese para
caminhar, subir, descer escadas
2 a 3 semanas
Mobilização passiva de 0-110°
Fortalecimento da panturrilha
Atividades com carga
5 a 6 semanas
Mobilização passiva de 0-130°
Avaliação isocinética
Início corridas leves, pular
corda, exercícios de agilidade
Uso de órtese somente durante
esportes
10 semanas
Mobilização passiva total
Exercícios de agilidade
Atividades esportivas específicas
16 semanas
Dinamômetro isocinético da
marca Cybex
4-6 meses
Retomo a todos os esportes se o
paciente estiver bem e se
completou programa de corridas
Controvérsias sobre o protocolo de reabilitação
acelerada
"Embora os resultados do programa acelerado sejam expressivos, não é completamente consistente com as bases científicas da cicatrização do retalho e com a biomecânica" 5 . Isto se
justifica com base em:
Estudos em macacos, realizados por Clancy et al. (apud
Parker\ que demonstraram uma fraqueza do enxerto de LCA
por volta da oitava semana de pós-operatório. O programa
acelerado propõe o início das corridas, deslocamentos laterais
e pular corda em um tempo em que as pesquisas científicas
básicas indicam que o retalho está no ponto mais fraco durante
a cicatrização. Mesmo assim, a estabilidade da articulação do
joelho parece não ser afetada, havendo uma incongruência entre
ciência básica da cicatrização do retalho e os achados clínicos
do programa de reabilitação acelerada.
Noyes et al. (apud Parker5) levantaram a hipótese de que
atividades diárias submetem o LCA a forças não maiores que
454 N (100 lbs). Como a força máxima suportável pelo retalho
do LCA é de 2.734 N (615 lbs), há uma margem de segurança
Rev. Bras. Fisiot.
de 80% em que o LCA suporta forças mais extenuantes. Tal fato
pode explicar a capacidade do retalho em tolerar atividades
aceleradas como pular corda, exercícios de agilidade, correr e
retomar a qualquer atividade esportiva após quatro a seis meses
de pós-operatório. Essas observações, no entanto, foram
efetuadas em joelhos de cadáveres e se necessita muita cautela
para aplicar estas observações na clínica.
Acnoczky et a/. 20 , observaram que o retalho de tendão
patelar em cães, após 20 semanas de pós operatório, possuía um
diâmetro três vezes maior que o original. Atribui-se este
aumento à deposição intensa de colágeno. Interessante notar que
esses cachorros não eram imobilizados e iniciavam-se exercícios graduais com peso já na segunda semana de pós operatório. Foram medidos altos níveis de colágeno no Ligamento
Colateral Mediai de cães treinados com exercícios.
O aumento do metabolismo durante os exercícios pode,
portanto, aumentar a síntese total do colágeno e, como de um
modo geral os tendões e ligamentos são formados por 75-80%
desta substância, ocorre conseqüentemente um aumento da
força e cicatrização do retalho. São necessárias, no entanto,
maiores pesquisas para se entender claramente a relação existente entre exercícios e cicatrização do retalho cirúrgico.
Achados preliminares indicam que um retalho fixado corretamente pode ser fortalecido em pacientes que apoiem o peso
sobre o membro e executam exercícios para quadríceps em
cadeia cinética fechada 5 .
A ausência de efeitos adversos na cicatrização do enxerto
com a aplicação do programa acelerado pode ser, portanto,
entendida em termos de isometria do retalho e dos efeitos
benéficos de exercícios controlados no metabolismo do
colágeno e no fortalecimento do retalho, como mostra o
Esquema 1.
Shelboume et al. 18 supõem, ainda, que a introdução precoce de atividades de vida diária normal pode causar um retomo
mais rápido da celularidade funcional do retalho, ou seja, o
Menor força
de Retalho
Maior força
de Retalho
Esquema 1. Situação metabólica em um tempo definido após a cirurgia.
Fonte: Parker5
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Reabilitação na Reconstrução do LCA
V oi. I. No. 2, 1996
Tabela 3. Protocolo em vigor no Hospital Belo Horizonte.
Tempo após Reconstrução
Programa de Reabilitação
Tempo após Reconstrução
Exercícios ativos de extensão e
flexão do joelho
Crioterapia
CPM 0-90°
Exercícios proprioceptivos !Sem
carga
Estimulação elétrica em cocontração do quadríceps e
isquiotibiais
Marcha com apoio total
Mobilização passiva de patela
ADM de 0-110°
Exercícios para o tornozelo
1 a 2 meses
Uso de órtese em extensão
Acrescenta exercícios
isométricos para quadríceps e
isquiotibiais
Exercícios proprioceptivos leves
Alongamentos
2 a 3 meses
Exercícios ativo resistidos para o
quadril
Reforço muscular global com
ênfase para os isquiotibiais
Exercícios proprioceptivos
moderados
Exercícios auto-passivos de
extensão e ativos de flexão do
joelho
Co-contração de quadríceps e
isquiotibiais
Acrescenta: exercícios ativoresistidos para isquiotibiais
Exercícios excêntricos para
quadríceps (30-90°)
Marcha com duas muletas e
apoio (20, 30 peso corporal)
Corrida no plano sem mudança
de direção
3 a4 meses
Reforço muscular intensificado
Bicicleta estacionária
Exercícios proprioceptivos
avançados
Marcha com órtese e apoio
parcial
Corrida com mudança de direção
ADM em tomo de 0-90°
2 a 4 semanas
Programa de Reabilitação
Acrescenta: Exercícios ativoresistidos para o quadril e
isquiotibiais
fibroblasto atinge o seu tamanho máximo procedendo sua maturação de forma acelerada, tornando o retalho viável precocemente.
Tais explicações, entretanto, não passam de especulações
e pesquisas ainda são necessárias para que se examine o comportamento do retalho durante a força de gaveta anterior que
simula as condições extenuantes sofridas pelo ligamento durante atividades esportivas.
Estas interrogações justificam a maior cautela em relação
ao protocolo que as equipes de Shelbourne e de Hauteville, na
8
França, têm tem no seu programa de reabilitação do LCA . A
protetor
órtese é utilizada no pós-operatório imediato e um flexo
de 5° no joelho é mantido até o 45° dia de pós-operatório. O
apoio é iniciado com 50% peso corporal até o 10° dia, como
mostra o protocolo na Tabela 4.
A agressividade do protocolo acelerado poderá trazer
prejuízos futuros, tais como: instabilidade do joelho devido à
rotura ou frouxidão do enxerto com conseqüentes processos
articulares degenerativos 7 .
Propriocepção
Propriocepção é como chamamos a capacidade de receber
informações sobre o estado fisico do corpo, desde o compri-
4-6 meses
Fase de condicionamento e
treinamento específicos ao tipo e
nível esportivo
mento dos músculos, posição e angulação das articulações até
pressão profunda dos pés. Estas informações são captadas
através de vários receptores denominados proprioceptores, localizados profundamente em músculos tendões, ligamentos,
fáscias e cápsulas articulares, originando impulsos proprioceptivos conscientes ou inconscientes. Estes últimos não despertam
sensações, são usados para regulação muscular, através de
reflexo miotático, enquanto que os impulsos chamados conscientes atingem o córtex cerebral permitindo a consciência da
22
sensação da posição do corpo e da atividade muscula~l, .
Receptores tipo Golgi, Ruffini e Pacinni foram identificados nas inserções do LCA e mais especificamente na super12
ficie desse ligamento, ocupando 1% de sua área .
A demonstração dessas terminações nervosas no ligamento sugerem que o LCA tem uma neurofisiologia e uma
mecânica próprias e na deficiência deste ligamento há um
decréscimo da propriocepção articular do joelho. Este decréscimo proprioceptivo agrava ainda mais a instabilidade, pois
diminui a sensação de posição do joelho e conseqüentemen te o
estímulo para a contração muscular protetora. Exemplo: quando
a tíbia subluxa anteriormente, os músculos isquiotibiais se contraem (simulam biomecanicamen te a função do LCA). Na deficiência do LCA, com conseqüente prejuízo proprioceptivo, há
58
Dionísio & Pini
Tabela 4. Protocolo em vigor no hospital de Hauteville, França ( 1995).
Tempo após Reconstrução
Programa de Reabilitação
P.O. imediato
Órtese com flexo 5°
8 primeiros dias
CPM de 5° a 90°
Crioterapia periódica
Mobilização de patela
Flexão ativa do joelho
Extensão passiva do joelho
8° ao 21° dia
Marcha com apoio de 50% do
peso corporal e auxílio de
muletas
21° dia
ADM 5 a90
Trabalho muscular sem
resistência
Co-contração: skate em plano
inclinado
Fortalecimento de isquiotibiais
(60-80°)
21 o ao 45° dia
Conserva flexo protetor de 5°
Apoio total
Extensão total
Alongamentos
ADM 140°
Exercícios proprioceptivos
moderados
Exercícios de fortalecimento e
propriocepção intensificados
Natação
Corrida sem mudança de direção
após 120 dia
Saltos laterais
Retoma a atividade esportiva
progressivamente
Após 6 meses
Inicia fortalecimento de
quadríceps em cadeia cinética
aberta (Dinamômetro isocinético
- Cybex)
Após 8 meses
Pode iniciar preparo para
competições no esporte
redução desta facilitação muscular protetora e aumento da instabilidade como resultado 12 .
O controle muscular dinâmico diminui o tempo de resposta
da reação muscular e, conseqüentemente, o estresse sobre estruturas ósseas, musculares, ligamentares e meniscais do joelho.
Existe, portanto, forte indicação para reeducação proprioceptiva na
reabilitação do joelho deficiente da ação do LCA com ou sem
reconstrução ligamentar, com o objetivo de devolver a proteção
articular através de treinamento reflexivo 12• 23 .
Rev. Bras. Fisiot.
Programa de Reeducação Proprioceptiva
Cinco critérios de dificuldade são almejados ao curso
desta reeducação 8 . Dentro de cada critério é gerado uma progressão crescente de dificuldade.
Critério 1: Passagem da posição bipodal para a monopodal. É uma fase importante que necessita de um apoio total e
condiciona a ausência de gavetas durante a marcha.
Critério 11: Passagem do equilíbrio sobre solo estável
para solo instável.
Existem diferentes tipos de solos instáveis que podemos
recriar facilmente a fim de complicar os exercícios de equilíbrio
a dificuldade reside na mobilidade oferecida pelos solos:
- mobilidades unidirecionais
- mobilidades bidirecionais
- mobilidades multidirecionais
Critério 111: Os desequilíbrios provocados.
A estimulação proprioceptiva por desequilíbrios provocados deve se ajustar sistematicamente aos auto-desequilíbrios
do paciente.
Nesta etapa deve-se suceder estímulos desestabilizantes
imprevisíveis provocados por outro paciente, no mesmo estágio
da reeducação, pelo fisioterapeuta, etc.
Critério IV: Pé fixo e pé móvel
A progressão do pé fixo para o pé móvel indo do deslocamento por pequenos saltos, associada geralmente quase ao
final da reeducação.
O pé no solo permite o trabalho de estabilização estática
dos rotadores externos e internos do joelho.
Critério V: A redução da informação periférica.
Este último critério de dificuldade proposto consiste em
atrapalhar as informações oferecidas pela visão ou ainda perturbar a concentração do paciente.
Durante toda a reeducação proprioceptiva é necessário
saber renovar os exercícios, evitando que com a automatização
dos mesmos, o paciente fique desatento e perca o interesse no
tratamento.
É importante organizar o tratamento proprioceptivo de
forma crescente, do mais fácil para o mais dificil, do mais
simples para o mais complexo, sem jamais pular fases, correndo
riscos desnecessários. A precipitação sem uma avaliação correta
das condições musculares e do enxerto, podem levar a instabilidades agravando a lesão e regredindo todo o tratamento.
Abaixo segue uma ordem crescente de dificuldade para
exercícios proprioceptivos 12 :
1. Exercícios no plano com apoio bipodal
2. Exercícios no plano com apoio unipodal
3. Exercícios no plano inclinado com apoio bipodal
4. Exercícios no plano inclinado com apoio unipodal
5. Exercícios na tábua de equilíbrio com apoio bipodal
6. Exercícios na tábua de equilíbrio com apoio unipodal
7. Exercícios na prancha oscilante
8. Exercícios no balancinho com apoio bipodal
9. Exercícios no balancinho com apoio unipodal
10. Corrida no plano sem mudança de direção
•
Vol. I. No. 2, 1996
Reabilitação na Reconstrução do LCA
11. Exercício na cama elástica com apoio bipodal
12. Exercício na cama elástica com apoio unipodal
13. Exercício no skate
14. Exercício com alternância de planos, saltos e obstáculos
15. Corrida em circuitos.
Os exercícios usados na reeducação proprioceptiva são
predominantemente feitos em cadeia cinética fechada, pois a
translação anterior da tíbia é reduzida pela metade, sendo a
melhor forma de exercícios para o joelho após reconstrução do
LCA.
Discussão
As incongruências entre a ciência básica do processo de
cicatrização e os achados clínicos após uma reabilitação acelerada mostram claramente que o assunto não está esgotado e
muito ainda há que se pesquisar5 .
Persiste a controvérsia sobre um protocolo mais agressivo
como preconizam os americanos do Deaconess Hospital e pela
equipe de Shelboume ou um mais cauteloso como recomendam
os franceses do Hospital Hauteville.
Sabe-se que, na prática, o protocolo acelerado não é nocivo a isometria do retalho e não aumenta a instabilidade da
articulação do joelho 5• 18 . A explicação reside provavelmente
na fixação do retalho em uma posição isométrica similar à
localização do LCA original, o que resulta em uma aproximação
do comprimento e tensão constantes do retalho em qualquer
movimentação do joelho 5 . Além disso, supomos que o reforço
da fixação do retalho com parafuso, aumenta ainda mais a
segurança na aplicabilidade de um protocolo mais precoce.
Isometria absoluta, porém, é difícil de ser obtida cirurgicamente e um protocolo que propõe apoio total e saltos tão
precocemente como é o caso do protocolo acelerado poderá
trazer frouxidão do retalho que mesmo pequena ocasionará
prejuízos futuros 7 .
Conclusão
É importante uma análise específica de cada caso e,
quando a opção for por um protocolo mais agressivo, se faz
necessária a confiança no sucesso da técnica cirúrgica, além do
conhecimento dos possíveis riscos de tal opção. O trabalho em
conjunto entre a equipe cirúrgica e fisioterapeutas, é, mais uma
vez, de suma importância para a qualidade da reabilitação.
Há consenso geral, como observamos neste trabalho, a
respeito da necessidade dos exercícios serem aplicados em
cadeia cinética fechada, até os primeiros seis meses de P.O.,
pelo menos. Deste modo, às forças de gaveta anterior sobre o
retalho cirúrgico são minimizadas.
Não há dúvida também, entre os pesquisadores, da importância da mobilização precoce nos casos de reconstrução do
LCA. A cinesioterapia destaca-se cada vez mais, sobrepondo-se
à imobilização que, se antes reinava absoluta, atualmente vai
ocupando espaço cada vez mais restrito.
59
Diante desses fatos, é fundamental que o tratamento a ser
administrado seja baseado nos conhecimentos científicos
aliados ao bom senso e ao entendimento de que não há um
protocolo absoluto, até porque cada indivíduo é um ser único,
dotado de particularidades físicas e psicológicas que, sem
dúvida, influenciam no resultado e evolução de qualquer
terapia.
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