UNIJUÍ UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL Departamento de Economia e Contabilidade Departamento de Estudos Agrários Departamento de estudos da Administração Departamento de Estudos Jurídicos CURSO DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO, GESTÃO E CIDADANIA SIMONE REISTACH POSSÍVEIS IMPACTOS DA COBRANÇA DA ÁGUA E DA MERCANTILIZAÇÃO PARA O ECODESENVOLVIMENTO IJUÍ (RS) 2006 2 SIMONE REISTACH POSSÍVEIS IMPACTOS DA COBRANÇA DA ÁGUA E DA MERCANTILIZAÇÃO PARA O ECODESENVOLVIMENTO Ijuí (RS) 2006 3 SIMONE REISTACH POSSÍVEIS IMPACTOS DA COBRANÇA DA ÁGUA E DA MERCANTILIZAÇÃO PARA O ECODESENVOLVIMENTO Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Desenvolvimento, Gestão e Cidadania, área de concentração: Políticas e Projetos de Desenvolvimento, da UNIJUÍ Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre. Orientadora: Profª Drª Raquel Fabiana Lopes Sparemberger Ijuí (RS) 2006 4 UNIJUÍ Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Gestão e Cidadania - Mestrado A Banca Examinadora, abaixo-assinada, aprova a Dissertação POSSÍVEIS IMPACTOS DA COBRANÇA DA ÁGUA E DA MERCANTILIZAÇÃO PARA O ECODESENVOLVIMENTO elaborada por SIMONE REISTACH Como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Desenvolvimento, Gestão e Cidadania. Banca Examinadora: Profa. Dra. Raquel Fabiana Lopes Sparemberger (UNIJUÍ): _________________________ Prof. Dr.Gilmar Antonio Bedin (UNIJUÍ): _______________________________________ Prof. Dr. Andersom Cavalcante Lobato:__________________________________________ Ijuí (RS), 01 de abril de 2006. 5 Água que nasce da fonte serena do mundo E que abre um profundo grotão Água que faz inocente riacho e deságua na corrente do ribeirão Águas escuras dos rios que levam a fertilidade ao sertão Águas que banham aldeias e matam a sede da população Águas que caem das pedras nos véus das cascatas, ronco de trovão E depois dormem tranqüilas no leito dos lagos, no leito dos lagos Águas dos igarapés, onde Iara, a mãe d água é misteriosa canção Água que o sol evapora, pro céu vai embora, virar nuvem de algodão. Gotas de água da chuva, alegre arco-íris sobre a plantação Gotas de água da chuva, tão tristes, são lágrimas na inundação Águas que movem moinhos são as mesmas águas que encharcam o chão E sempre voltam humildes pro fundo da terra, pro fundo da terra Terra, planeta água Terra, planeta água Terra, planeta água (Planeta Água: Guilherme Arantes) 6 AGRADECIMENTOS A Deus, pela vida. Aos meus pais, Emilio e Ana. Pelo apoio e carinho. E por tornarem este sonho possível. Aos meus tios Noemi e Beno Fiuza, pelo apoio e colaboração. A minha querida professora e orientadora Raquel Sparemberger, exemplo de dedicação e competência, pela amizade, paciência, dedicação e incentivo. Obrigada por colaborar para a concretização de uma etapa importante na minha vida. E a todos os que de um ou outro modo me deram apoio. 7 RESUMO A Constituição Federal em seu artigo 21, inciso XIX, define como competência da União instituir o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Coerentemente, com essa atribuição, foi promulgada, em 1997, a Lei nº 9.433/97, criando a possibilidade de adoção de um novo modelo de gestão de recursos hídricos no Brasil. Entre as inovações está a consideração de que a gestão desse recurso deve ser participativa e descentralizada, em que o Poder Púbico e usuários e comunidade discutem e indicam as soluções para os problemas. A nova legislação entende que a água é recurso escasso e, portanto, com valor econômico e sugere a cobrança pelo seu uso como um dos instrumentos de gestão. Há muitos questionamentos, entretanto, sobre a aplicação da cobrança pelo uso da água no Brasil. Principalmente no que se refere aos impactos que poderá acarretar aos usuários e como será este repasse à sociedade. Outro problema abordado é o caso da apropriação para fins comercias da água, pelas grandes corporações. Sendo que estas mercantilizações ou privatizações são exigências do FMI aos paises subordinados para o recebimento de empréstimos não trazendo grandes benefícios à sociedade. Em síntese, o trabalho conclui que, apesar de ser um instrumento bastante poderoso, a cobrança pelo uso da água não deve ser vista como um instrumento de gestão isolado e capaz de resolver todas as questões relacionadas com o planejamento e gestão de recursos hídricos. E também que as externalidades criadas pela comercialização da água são, em suma, negativas e merecedoras de nova postura institucional no sentido de coibir esse processo de exploração. Palavras-chave: Recursos Hídricos. Cobrança pelo Uso da Água. Mercantilização. Privatização. Ecodesenvolvimento. Cidadania. 8 ABSTRACT The Federal Constitution in its article 21, incise XIX, defines as Union competence, the creation of the National Water Resources Management System. Coherent with such attribution, It was promulgated, in 1997, the Law number 9.433/97, creating the possibility of the adoption of a new model of water resources management in Brazil. Among the new ways there is the consideration that the management of this resource must be participative and decentralized, in which the Public Power, users and community discuss and indicate solutions to the problems. The new law understands that water is a lean resource, thus with an economic value and it suggests a charge for its use as an instrument of management. There are many questions, however, about the application of a charge for using the water in Brazil. Mainly in what is related to the impacts that may be caused to the users and the way it is going to be played back to the society. Another problem approached is the case of the appropriation of water by the largest corporations with commercial objectives. Considering that such trades or privatizing are requested by IMF in order to receive funds without bringing great benefit to the society, though. To summarize, the work made possible to conclude, although it can be a powerful instrument, the charge for the use of water must not be seen as an isolated managing instrument which is able to solve all the questions related to the planning and management of water resources. And also that the external factors created by commercializing water, are negative and deserve a new institutional posture, in a sense of stopping such an exploration process. Key-Words: Water Resources. Charging for the Use of Water. Commercialization. Privatization. Eco-development. Citizenship. 9 LISTA DE SIGLAS ANA Agência Nacional de Águas CAERD Companhia de Água Esgoto de Rondônia CAERN Companhia de água e Esgoto do Rio Grande do Norte CAESB Companhia de Água e esgoto de Brasília CAEMA Companhia de Água e Esgoto do Maranhão CAGECE Companhia de Água e Esgoto do Ceará CAGEPA Companhia de Água e Esgoto da Paraíba CASAL Companhia de Abastecimento e Saneamento de Alagoas CEDAE Companhia Estadual de Água e Esgoto CESAN Companhia Espírito-santense de Saneamento COMPESA Companhia Pernambucana de Saneamento CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente COPASA Companhia de Saneamento de Minas Gerais CORSAN Companhia Rio Grandense de Saneamento COSAMA Companhia de Saneamento do Estado do Amazonas COSAMPA Companhia de Saneamento do Pará 10 CNRH Conselho Nacional de Recursos Hídricos DESO Departamento de Saneamento de Sergipe DBO Demanda Bioquímica de Oxigênio DMAE Departamento Municipal de água e Esgoto DNAEE Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica EMBASA Empresa Baiana de Água e Saneamento IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística MMA Ministério do Meio Ambiente ONG Organização Não Governamental PNRH Política Nacional de Recursos Hídricos PPP Princípio Poluidor Pagador PUP Princípio Usuário Pagador SABESP Companhia de Saneamento básico de São Paulo SEMA Secretária de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do RS SANEAGO Saneamento de Goiás SANEATINS Companhia de Saneamento de Tocantins SANEMAT Companhia de Saneamento do Estado do Mato Grosso SANEPAR Companhia de Saneamento do Paraná SANESUL Empresa de Saneamento do Mato Grosso do Sul SNGRH Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos OCDE Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico 11 LISTA DE TABELAS E FIGURAS Tabela 01: Quadro de Volume e Renovação das Águas.................................................................27 Tabela 02: Usos Múltiplos da Água...............................................................................................36 Tabela 03: Enquadramentos dos Corpos de Água..........................................................................47 Tabela 04: Síntese dos Principais Problemas e Desafios para a Gestão de Recursos Hídricos no Brasil...............................................................................................................................................76 Tabela 05: Incertezas e Riscos no Processo da Cobrança..............................................................99 Tabela 06: Tarifas de Água (categoria residencial) Cobradas por Algumas Companhias do Brasil em Junho de 2000.........................................................................................................................110 Tabela: 07: Acesso aos Serviços de Saneamento por Classe de Renda.......................................111 Tabela 08: Proporção de Municípios, por Condição de Esgotamento Sanitário (%), Segundo as Grandes Regiões (2000)...............................................................................................................112 Figura 01: Consumo de Água na Agricultura, Indústria e no Uso Urbano...................................38 Figura 02: Hierarquia dos Objetivos da Cobrança Pelo Uso da Água Disponível no Ambiente.101 Figura 03: Brasil, Consumo Anual Per Capita............................................................................137 Figura 04: Água Mineral Consumo Anual - Países Selecionados.............................................138 12 SUMÁRIO INTRODUÇÃO............................................................................................................................13 1 AS ÁGUAS E O REGIME JURÍDICO DOS RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL.......17 1.1 A questão das Águas.................................................................................................................17 1.2 Poluição versus Principais Usuários.........................................................................................28 1.3 A Política Nacional dos Recursos Hídricos..............................................................................39 1.4 Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.....................................................54 2 A COBRANÇA E OS ASPECTOS SOCIAIS PELO USO DA ÁGUA................................68 2.1 Aspectos Legais para a Cobrança dos RH - Infrações e Penalidades ......................................68 2.2 A Relação entre Ecodesenvolvimento e Desenvolvimento .....................................................86 2.3 Possíveis Impactos da Cobrança pelo Uso da Água e o Ecodesenvolvimento.........................95 2.4 Direito à Água, Exclusão Social e Saneamento Básico..........................................................115 3 OS DIREITOS SOBRE A ÁGUA: TITULARIDADE E OS REFLEXOS DA DOMINIALIDADE PÚBLICA.................................................................................................114 3.1 A Água como Bem de Domínio Público................................................................................114 3.2 Competência da União dos Estado e Municípios ..................................................................124 3.3 Externalidades da Privatização e Mercantilização dos Recursos Hídricos............................129 3.4 Água e Cidadania....................................................................................................................142 CONCLUSÃO ............................................................................................................................154 REFERÊNCIAS..........................................................................................................................159 13 INTRODUÇÃO A água é um bem precioso e insubstituível, pois além de ser um elemento vital para existência da própria vida na terra, é utilizado por inúmeros setores como insumo básico para suas atividades. Há, desse modo, necessidade de que sejam criados critérios e normas consistentes com a legislação especifica, de forma a regular e disciplinar os diferentes usos da água: na indústria, na agricultura, no setor hidrelétrico e consumo urbano. A água doce presente em rios, lagos e lençóis subterrâneos correspondem a menos de 0,3% do volume total de água do planeta. E, por ser depositaria de boa parte dos resíduos gerados pelas atividades humanas, acaba tornando-se cada vez mais oneroso transformar novamente á água doce com boa qualidade para o consumo. Os conflitos de interesse existentes com relação ao uso da água, representados pelo setor hidroelétrico, pelos complexos industriais, pelas necessidades de abastecimento urbano, irrigação e adensamento urbano industrial, evidenciam a necessidade de articulação institucional e de adoção e uma política de gestão integrada dos recursos hídricos, onde a bacia hidrográfica é a unidade básica de planejamento e gestão. 14 A Constituição, no seu artigo 21, inciso XIX, define como competência da União instituir o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Coerentemente com essa atribuição, foi promulgada, em 1997, a Lei 9.433, que estabeleceu a Política Nacional de Recursos Hídricos, e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Contudo, mesmo com a introdução de critérios de sustentabilidade às praticas dos usuários, essa lei das águas introduziu, dentre outros instrumentos, a cobrança pelo uso da água no Brasil como um instrumento de gestão e como um instrumento econômico a ser aplicado tanto nos usos quantitativos quanto nos usos qualitativos. Enquanto instrumento de gestão, a cobrança deve produzir e arrecadar recursos para dar suporte financeiro ao sistema de gestão de recursos hídricos e às ações definidas pelos planos de bacia hidrográfica. Enquanto instrumento econômico, a cobrança deve balizar corretamente, para a sociedade, o uso dos recursos hídricos de forma racional e que atenda aos princípios do desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, a cobrança deve apresentar equidade social, prudência ecológica e eficiência econômica, além de trazer impactos ambientais positivos. Para isso acontecer, deve ser criada e cultivada uma política de educação ambiental. A degradação ambiental gerada pela falta de investimentos em coleta e tratamento de esgotos tem levado à crescente poluição dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos por carga orgânica e nutrientes, e os resultados disso são os problemas de saúde gerados pela má qualidade da água e pela falta de saneamento. Trata-se de uma situação socialmente injusta e ambientalmente degradante, pois, enquanto as áreas mais ricas recebem água tratada e têm esgoto coletado pagando tarifas subsidiadas, as camadas mais baixas da população não recebem água em quantidade e qualidade suficientes e não têm coleta de esgoto. 15 O desenvolvimento deve ser sustentável, ou seja, o gerenciamento eficiente dos recursos hídricos implica uma abordagem que torne mais compatíveis os interesses socioeconômicos com a proteção dos ecossistemas naturais. A inovação está em se considerar, explicitamente, que a água é recurso escasso e, portanto, com valor econômico e que a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e participativa onde o poder público, usuários e comunidade devem discutir e indicar as soluções para os problemas, criados a partir da privatização e mercantilização da água, que é uma exigência do FMI (Fundo Monetário Internacional) aos países pobres e subordinados para o recebimento de empréstimos. Importante assinalar que esta visão sustentável da questão ambiental é um grande avanço para a sociedade e, se concomitante a isso for instituída uma política de educação ambiental, no sentido de modificar comportamentos que degradam a natureza, estará se incrementando também, o processo de cidadania e a melhoria da qualidade de vida da população. Em síntese, o que se espera com o modelo sistêmico de integração participativa é a criação de uma vontade política regional que, além de arrecadar recursos, tenha sucesso na Administração Pública, promovendo o uso racional e a proteção das águas. Sob esta ótica, a presente dissertação expõe, através de uma análise do arcabouço teórico conceitual, os impactos da cobrança pelo uso da água e da mercantilização dos recursos hídricos tanto paro os usuários quanto para a sociedade, sugerindo o ecodesenvolvimento como resposta. Nesse sentido, o capítulo primeiro aborda a multiplicidade dos usos da água, enfocando especialmente a poluição hídrica, além da caracterização dos poluentes e dos danos potenciais. Busca também apresentar um panorama, o mais completo possível, da Política Nacional e do 16 Sistema de Gestão dos Recursos Hídricos, sendo que os dados levantados nesse capítulo servirão de suporte para os demais. No segundo capítulo, é dedicada especial atenção aos aspectos legais da cobrança pelo uso da água, bem como infrações e penalidades a quem causar danos aos recursos hídricos. Prestando a devida atenção ao paradigma ecodesenvolvimento versus desenvolvimento, na busca de compatibilizar os interesses da economia com a proteção do meio ambiente. Também enfatiza o possível impacto da cobrança da água para o ecodesenvolvimento, bem como as incertezas e riscos que surgem com esse instrumento. Outro fator importante abordado neste capítulo é o direito à água e saneamento básico como forma de inclusão social. O capítulo terceiro analisa, os direitos sobre a água: titularidade e os reflexos da dominialidade, bem como o papel da União dos Estados e Municípios frente à nova legislação. Nesta análise, também se procura mostrar as externalidades provocadas pela privatização e mercantilização dos recursos hídricos, no Brasil e em vários países que adotaram essa postura. Afirma-se também que o uso racional e responsável se dará por meio da construção de uma nova cidadania onde os cidadãos tenham clareza de suas responsabilidades. 17 1 AS ÁGUAS E O REGIME JURÍDICO DOS RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL Derramarei sobre vós água pura e sereis purificados. Eu vos purificarei de todas as impurezas e de todos os ídolos. Dar-vos-ei um coração novo e incutirei um espírito novo dentro de vós . (Ezequiel, 36, 25-26) 1.1 A questão das águas A água representa uma necessidade fundamental para a vida não somente dos seres humanos, mas de todos os seres vivos. As gerações do passado e do presente sempre dependeram de água potável para sua sobrevivência e desenvolvimento cultural e econômico. A água doce é, portanto, essencial à manutenção da vida, sustentando também as atividades econômicas e o desenvolvimento. Diante deste contexto, percebe-se que o desenvolvimento e o meio ambiente estão indissoluvelmente vinculados e devem ser tratados mediante a mudança do conteúdo, das modalidades e das utilizações do crescimento. Três critérios fundamentais devem ser obedecidos 18 simultaneamente para se alcançar a sustentabelidade ecológica: equidade social, prudência ecológica e eficiência econômica (SIRVINSKAS, 1993, p. 07). Equidade social, prudência ecológica e, eficiência econômica se darão conciliando desenvolvimento econômico com proteção ambiental, ou oferecendo-se determinados incentivos1 através do mercado, para que os usuários e poluidores, modifiquem seus comportamentos e aproveitem os recursos naturais de forma mais eficiente. Dessa forma, as políticas de ecodesenvolvimento são uma tentativa de restabelecer a harmonia perdida entre o desenvolvimento econômico e o meio ambiente. Constitucionalmente o meio ambiente é um bem de uso comum do povo2, mas isso não quer dizer que pode ser usado sem respeitar seus limites, conforme demonstra Leite (1998, p. 61): Isso significa que o proprietário seja ele público ou particular, não poderá dispor da qualidade do meio ambiente ecologicamente equilibrado, devido à previsão constitucional, considerando o uso macrobem de todos. Adita-se, no que se refere à atividade privada, a qualidade do meio ambiente deve ser considerada, pois o constituinte diz que a atividade econômica deverá observar, entre outros, o principio da proteção ambiental, conforme estatui o art. 170, inciso VI3 da Constituição Federal. 1 A implementação crescente da gestão ambiental, inclusive por meio da certificação de acordo com as normas ISO 14001, espelham a preocupação das empresas com seus problemas internos relativos ao meio ambiente. Outras formas de incentivo são os chamados mercados verdes , que representam oportunidade de negócios onde a consciência ecológica está presente, também chamados de ecobusiness (LUSTOSA, 2003). 2 A legislação ambiental brasileira tem suas bases na Constituição Federal, art. 225, que estabelece: todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida . 3 Constituição Federal: art. 170, inciso VI defesa do meio ambiente. 19 A expressão meio ambiente contida na Carta Magna, nos remete à Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, artigo 3°, inciso I, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente e define o meio ambiente como sendo o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, obriga e rege a vida em todas as suas formas . Ou, conforme esclarece Machado (1994, p.72) a definição federal é ampla, pois vai atingir tudo aquilo que permite a vida, que a abriga e rege . Também interessante lição nos é dada por Silva (2004, p.20) sobre o conceito jurídico de meio ambiente: O conceito de meio ambiente há de ser, pois, globalizante, abrangente de toda a natureza, o artificial e original, bem como os bens culturais correlatos, compreendendo, portanto, o solo, a água, o ar, a flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e arquitetônico. O meio ambiente é assim, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as formas. A integração busca assumir uma concepção unitária do ambiente, e compreensiva dos recursos naturais e culturais. Nessa linha de raciocínio cabe registrar que o meio ambiente pode sim ser considerado como o conjunto de relações e interações que condiciona a vida em todas as suas formas , conforme nos mostra o artigo 3º, I, da lei n.6.938/81. E porque o meio ambiente deve ser visto como um todo, e não em partes fragmentárias, Callenbach (1993) nos mostra os problemas ecológicos também não podem ser entendidos isoladamente. São problemas interligados e interdependentes e, por isso, sua compreensão e solução requere um novo tipo de pensamento sistêmico ou ecológico. Esse novo pensamento precisa ser acompanhado de uma mudança de valores da sociedade, passando da expansão para a conservação, da quantidade para a qualidade, da dominação para a parceria. O novo paradigma pode ser denominado como uma visão holística 20 do mundo, a visão do mundo como um todo integrado, e não como um conjunto de partes dissociadas. Devido à complexidade dos problemas globais que envolvem a biosfera e a vida humana, como um ciclo que ultrapassa fronteiras levando ao colapso várias sociedades, na lição de Capra (1999, p.23) pode-se dizer que esses problemas não estão isolados uns dos outros: São problemas sistêmicos, o que significa que estão interligados e são interdependentes. Por exemplo, somente será possível estabilizar a população quando a pobreza for reduzida em âmbito mundial. A extinção de espécies animais e vegetais numa escala massiva continuará enquanto o Hemisfério Meridional estiver sob o fardo de enormes dívidas. A escassez dos recursos e a degradação do meio ambiente combinam-se com populações em rápida expansão, o que leva ao colapso das comunidades locais e à violência étnica e tribal que se tornou a características mais importante da era pós-guerra fria. Em última análise, esses problemas precisam ser vistos, exatamente, como diferentes facetas de uma crise, que é, em grande medida, uma crise de percepção. Ela deriva do fato de que a maioria de nós, e, em especial nossas grandes instituições sociais, concordam com os conceitos de uma visão de mundo obsoleta, uma percepção da realidade inadequada para lidarmos com nosso mundo superpovoado e globalmente interligado. Há soluções para os principais problemas de nosso tempo, algumas delas até mesmo simples. Mas requerem uma mudança em nossas percepções, no nosso pensamento e nos nossos valores. Introduzir mudanças em nossas percepções, pensamentos e valores significa adequar-se novas necessidades e possibilidades, interferindo na cultura organizacional do aparelho administrativo. Nesse caso, segundo Andrade (2000), um fator que contribui para a mudança da postura atual do homem frente às questões ambientais é a pressão do mercado internacional exigindo uma adequação ambiental dos processos e produtos, através da política econômica de empresas, regiões ou até mesmo países. A mudança de paradigma, da administração ambiental para a administração ou gerenciamento ecológico, porém, nem sempre é uma prática voluntária. Isso porque tal mudança pode ir de encontro a interesses e costumes já estabelecidos e, na grande 21 maioria das vezes, ultrapassados pelas novas exigências da sociedade nesse sentido, faz-se necessária a explicitação do conceito de ecologia em seus aspectos raso e profundo : A palavra `ecologia vem do grego oikos (casa). Ecologia é o estudo de como a Casa Terra Funciona. Mais precisamente é o estudo das relações que interligam todos os moradores da Casa Terra. A ecologia é um campo muito vasto. Pode ser praticada como disciplina cientifica, como filosofia, como política ou como estilo de vida. Como filosofia, é conhecida por ecologia profunda , uma escola de pensamento fundada pelo filósofo norueguês Arne Naess no inicio da década de 1970. Naess estabeleceu uma distinção importante entre ecologia rasa e ecologia profunda . A ecologia rasa é antropocêntrica. Considera que o homem, como fonte de tudo o valor, está acima ou fora da natureza e atribui a este um valor apenas instrumental ou utilitário. A ecologia profunda não separa o homem do ambiente; na verdade, não separa nada do ambiente. Não vê o mundo como uma coleção de objetos isolados e sim uma rede de fenômenos indissoluvelmente interligados e interdependentes. A ecologia profunda reconhece o valor intrínseco de todos os seres vivos e encara o homem como apenas um dos filamentos da teia da vida. Reconhece que estamos todos inseridos nos processos cíclicos da natureza e que deles dependemos para viver. (CAPRA, 2003, p. 20) Concluída a explicitação dessa nova ecologia, a questão básica é redefinir a concepção atual de meio ambiente, de forma que ela reflita o paradigma da ecologia profunda. Essa nova concepção é explicitada por Lutzemberger (1980, p.12) para quem a ecologia4 deve ser compreendida como a ciência da Sinfonia da Vida e a ciência da sobrevivência. Longe de ser uma especialização a mais, entre outras tantas, a Ecologia é uma generalização, ela é a visão global das coisas, é a visão sinfônica do Mundo, a visão do Universo como esquema racional integrado . 4 Ost (1995) a ecologia esta progressivamente a impor uma visão integrada e dinâmica das relações entre as espécies, desde quando foi criado o termo ecologia em 1986, Ernest Haechel, discípulo de Darwin, definiu-o como a ciência das relações dos organismos como o mundo exterior, no qual nos podemos reconhecer como fatores da luta pela existência . Entre estes, Haeckel incluía as características físicas e químicas do habitat, o clima, a qualidade da água, a natureza do solo, bem como o conjunto das relações favoráveis ou desfavoráveis dos organismos uns com os outros. 22 A visão do mundo integrado nos alerta para o fato de que a solução dos problemas ambientais não pode ocorrer de forma isolada. Um exemplo disso são os recursos hídricos, que, dentro de uma unidade de planejamento como a bacia hidrográfica, interagem com os demais recursos naturais na área de captação, além de serem influenciados pelas chuvas, disseminando os poluentes através das chuvas ácidas. Já no tocante aos recursos hídricos, segundo Feldmann (1994, p.12) a expressão recursos hídricos é usualmente associada à parcela da água5 possível de ser utilizada pelo homem . A doutrina é escassa sobre o conceito de recursos hídricos. O próprio legislador nacional não usava esta terminologia até o advento da Constituição de 1988. Veja-se a propósito, que o Código de Águas não faz referência à recursos hídricos. Nos seus diversos artigos utiliza sempre a terminologia águas . O mesmo se observa nos Códigos Civil (arts. 563/568) e Penal (art. 270) e na legislação de pesca (Dec. lei 221/67). O constituinte também não adotou terminologia uniforme. No art. 21, XIX, CF, faz referência aos recursos hídricos mas, logo em seguida, atribui competência à União para legislar sobre águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão . Trata-se, portanto, de terminologia nova que está a desafiar o enfrentamento da doutrina, para sua exata compreensão (SILVA 2002, p.180). É importante ressaltar, que, a Lei n. 9.433/97 também não distingue o termo água da expressão recursos hídricos e, por esse motivo, no presente trabalho estes serão utilizados como sinônimos. Dentre os recursos ambientais, Viegas (2005. p. 17) destaca que a água é um dos que mais têm sido alvo de preocupação por parte das comunidades internacional e brasileira, por ser atingida freqüentemente em sua qualidade e quantidade . 5 Água: é um composto químico formado de dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio (H2O). A água constitui uma unidade de medida de densidade e a escala termométrica centesimal (Celsius) se baseia no ponto de solidificação 0° e de ebulição 100°C. (GUERRA e GUERRA, 2003) 23 Diante da importância da água, Magossi e Bonacella (apud LEAL, GUIMARÃES, 1997, p. 63) ensinam que, a água insere-se no grupo dos essenciais à vida, podendo mesmo ser considerada imprescindível, pois ela está presente em todos os organismos vivos, fazendo parte de uma infinidade de substancias e órgãos. Além disso, transporta diverso composto nutritivos dentro do solo, movimenta turbinas na produção de energia elétrica, refrigera máquinas e motores, ajuda a controlar a temperatura de nossa atmosfera e apresenta ainda uma série de funções de extremo valor . A água é juridicamente um recurso ambiental, conforme estabelece o artigo 3º, V, da Lei federal n° 6.938/81, que assim os enumera: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora . Por essa razão é que Leal e Guimarães (1997) ressaltam que a crise ambiental que envolve as águas, com o aumento da demanda e redução da disponibilidade hídrica, tanto em quantidade como em qualidade, constitui-se num dos mais graves impactos ambientais deste final de século, com repercussões em todas as atividades humanas e nos planos de desenvolvimento sócioeconômico . Também a par de sua imprescindibilidade Viegas (2005, p. 23-24) estima-se que hoje mais de 1 bilhão de pessoas não disponha de água suficiente para o consumo e que, em 25 anos, cerca de 5,5 bilhões estarão vivendo em locais de moderada ou considerável falta de água. A ONU, de outro lado, aponta que faltará água potável para 40% da população mundial em 2050, enquanto especialistas com visão mais pessimista antecipam esse prazo para 2025. 24 A água é primordial para a manutenção de todas as espécies e sua gestão deve ter como objetivos o uso racional e a redução de impactos ambientais6 que afetem diretamente a capacidade produtiva dos recursos hídricos. Nesse sentido, David Drew (1994, p. 87) resume muito bem a situação quando ensina que Pode-se dizer que a água doce é o mais importante recurso da humanidade, individualmente considerado. À escala mundial, o que inibe a expansão da agricultura e o povoamento de vastas regiões é a insuficiência de água. À escala local, os recursos hídricos determinam a localização de certas indústrias, como a geração de energia; antigamente, o estabelecimento de povoações estava em relação estreita com a localização de rios e fontes. As povoações do oásis oferecem um exemplo cabal. Do ponto de vista humano, as limitações impostas pela água são suprimento insuficiente (desertos, estiagem) ou demasiado (pântanos, inundações). Dessa forma, o modelo de inesgotabilidade perdeu consistência técnico-científica, quando a Lei n. 9.433/97 estabeleceu literalmente que a água é um recurso natural limitado (artigo 1°, III). Diante desse fato, percebe-se que a multiplicidade de funções que a água desempenha, está associada à sua capacidade de apresentar-se em três estados distintos, como nos ensina Popp (1988, p.105): À água está distribuída na terra nos três estados conhecidos: sólido, líquido e vapor. As temperaturas médias na superfície da terra e em pequenas profundidades da crosta estão geralmente compreendidas entre 5° e 40°C, condicionando desta maneira a maior proporção da água no estado líquido (1400 bilhões de toneladas, 97,85%). Nos pólos e nas grandes altitudes, devido às temperaturas anuais situarem-se predominantemente abaixo de 0°C, a água encontra-se no estado sólido (24.000.000 de km³)7, ou 30 bilhões de toneladas, 2,15%). Na atmosfera, a água acha-se no estado de vapor ou em fase de 6 Impacto Ambiental: expressão utilizada para caracterizar uma série de modificações causadas ao meio ambiente, influenciando na estabilidade dos ecossistemas. Os impactos ambientais podem ser negativos ou positivos, mas, nos dias de hoje, quando a expressão é empregada, já está mais ou menos implícito que os impactos são negativos. Os impactos podem comprometer a flora, fauna, rios, lagos, solos e a qualidade de vida do ser humano (GUERRA e GUERRA, p. 2003, p. 350). 7 1 m³: 1000 litros (m³) e 1 Km³: 1 bilhão de metros cúbicos (m³) (TUNDISI, 2003). 25 transição dentro do ciclo, pronta a transformar-se em chuva ou neve (0,001%). Caso parte da água não estivesse retida nos pólos sob a forma de gelo, o nível dos mares seria pelo menos 90 metros acima do atual. Uma parcela relativamente pequena ocupa parte da superfície dos continentes (cem vezes menos que aquela concentrada nos pólos), constituindo os rios e lagos (0,010%). Porém, o ciclo hidrológico estabelece uma relação perfeita entre água salgada e água doce a partir do fenômeno da evaporação, que é quando a água salgada dos oceanos se transforma em doce e cai sobre os continentes. Já no tocante às características físico-química e biológica, Sperling (apud SOARES, 2003, p.19) as principais características da água podem ser expressas como: - físicas, que se referem, em sua maior parte, aos sólidos presentes na água, os quais podem ser em suspensão, ou dissolvidos, dependendo do tamanho; - químicas, que se referem à presença de matéria orgânica ou inorgânica; - biológicas, que dependem dos seres presentes na água, que podem ser vivos ou mortos. Dentre os vivos tem-se os de origem animal e vegetal, além de parasitas. Contudo, muitas dessas características são alteradas mesmo que inconscientemente pelo homem. Daí a importância do Conselho Nacional do Meio Ambiente CONAMA, que por meio da Resolução n.º 20, de 18 de junho de 1986, classificou as águas em doces, salobras e salinas. As águas doces possuem um grau de salinidade inferior a 0,5%; as águas salobras possuem um grau de salinidade entre 0,5% e 30%; e as águas salinas possuem um grau de salinidade superior a 30%. Água doce, segundo o vocabulário de Recursos Hídricos do IBGE (2004) corresponde à água que possui baixas concentrações de matéria dissolvida (salinidade inferior a 2.000 ppm) principalmente cloreto de sódio (NaCl) . 26 A água doce é própria para o consumo humano, sendo destinada ao abastecimento doméstico, à recreação de contato primário, à proteção das comunidades aquáticas, à irrigação, à aqüicultura, à dessedentação de animais, entre outros. Em termos de águas subterrâneas, a utilização no Brasil é bastante modesta. Sendo perfurados de 8 mil a 10 mil poços por ano, a grande maioria para abastecimento de indústria. Somente nas últimas décadas vem-se verificando a tendência para o abastecimento público com águas subterrâneas, como é o caso dos aqüíferos. O Aqüífero Guarani8 é o maior depósito subterrâneo de água doce do planeta. Sua área é de, aproximadamente, 1,2 milhão de Km²,. dois terços dele estão em oito estados brasileiros. O restante se estende sob territórios da Argentina, Paraguai e Uruguai (NALINI, 2003, p.54) Já no caso da água salobra e da água salgada, a forma viável de se utilizá-la é através da dessalinização, mas, para Drew (1998, p.121) gasta-se muita energia nesse processo: A dessalinização de água salobra9 ou de água do mar, usando destilação por descarga ou métodos de membrana, está ficando comum nos países ricos. A capacidade mundial de dessalinização em 1976 era de cerca de 2.400 milhões de litros de água do mar por dia, aumentando 16% ao ano. Em países como Israel, Austrália e Kuwait, assim como no oeste dos Estados Unidos, usinas médias de dessalinização já vêm operando há anos. Há uma limitação, que é a enorme quantidade gasta de energia. A dessalinização é um processo dispendioso e os equipamentos tem um custo relativamente elevado, sendo impraticável para vários paises, inclusive o Brasil. Também o 8 O Aqüífero Guarani está localizado no centro-leste da América do Sul, entre 12° e 35° de latitude Sul e 47° e 65° de longitude Oeste, subjacente a quatro paises: Argentina. Brasil, Paraguai e Uruguai. Tem extensão aproximada de1,2 milhões de km², sendo 840 mil km² no Brasil, 225,500 mil Km² na Argentina, 71,700 mil Km² no Paraguai e 58,500 Km² no Uruguai. A porção brasileira integra o território de oito estado: MS (213.200 Km²), RS (157.600 Km²), SP (155.800 Km²), PR (131.300 Km² ), GO (55.000 Km²), MG (51.300Km² ), SC (49.200 Km² ) e MT (26.400 Km² ). A população atual do domínio de ocorrência do aqüífero estimada em 15 milhões de habitantes (UNIAGUA, 2004, p.01). 9 Água salobra: diz-se de água com nível de salinidade entre o da água doce e o da água do mar (NALINI, 2003, p.328). 27 processo de dessalinização pode causar danos ao meio ambiente: se o sal for despejado diretamente no solo ele fica inviável para a agricultura e os aqüíferos se contaminam. No entanto, é claro que estratégias para enfrentar a escassez de água devem considerar tecnologias de dessalinização para a obtenção de mais água, porém mais importante é a diminuição do desperdício e do consumo excessivo, aliada a técnicas de conservação e proteção dos mananciais e recuperação dos sistemas degradados (TUNDISI, 2003). Diante de desafios tão imensos quanto dramáticos, é interessante ver o quadro das águas em sua distribuição sobre o planeta Terra. Embora com pequenas diferenças todos os índices apontam para a mesma direção. Tabela 01: Quadro de volume e renovação das águas Localização Vol. (1000 Km³) Oceanos 1.464.000,0 97,6000 37.000 anos 31.290,0 2,0860 16.000 anos 4.371,0 0,2910 300 anos 255,0 0,0170 1 a 1.000 anos Solo e subsolo 67,0 0,0040 280 dias Atmosfera 15,0 0,0010 9 dias 1,5 0,0001 6 a 20 dias Massas polares Rochas sedimentares Lagos Rios % Renovação Fonte: COSTA (1991, p. 05) É certo que, não havendo controle, muitos mananciais10 serão progressivamente contaminados e extintos. Isso porque o ciclo natural das águas consegue repor satisfatoriamente 10 Manancial: Ponto natural visível de descarga de água subterrânea formada na interseção de um aqüífero e da Superfície do solo (NALINI, 2003, p.312). 28 parte das águas, mas não no mesmo ritmo de sua destruição. Portanto, quando se fala em falta de água para 40% da humanidade, um terço dos países do mundo terá escassez permanente de água (CNBB, p 29). Nenhuma alternativa para combater a escassez de água, no entanto, pode prescindir de uma mudança de atitude da população como um todo diante do problema. E um dos problemas graves a ser enfrentado é a poluição, que desequilibra o ecossistema refletindo diretamente sobre as condições de vida da população. 1.2 Poluição versus Principais Usuários A crise ambiental nada mais é que o esgotamento dos modelos de desenvolvimento econômico e industrial, modelos provenientes da Revolução Industrial, que prometeu o bemestar de todos, contudo, não cumpriu tal promessa, apesar dos benefícios tecnológicos que trouxe, pois consigo veio também a devastação ambiental planetária e indiscriminada. A poluição é uma das conseqüências do desenvolvimento, ela ocorre quando esse desenvolvimento é baseado apenas no lucro, deixando de levar em consideração todo o ecossistema. Partindo dessa premissa, Silva (1993, p. 389) esclarece que: Poluição, do latim polluere, significa estragar, sujar, corromper. Poluição da água é (...) a contaminação da água, em virtude do que se torna impura ou nociva ao uso. E essa poluição se mostra pelo efeito de coisa a ela trazida, pela qual se alterou em sua pureza. A corrupção da água é o estrago dela, a sua inutilização por vários meios, inclusive pela contaminação. 29 A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente n.º 6.938/81, artigo 3º, III, assim define poluição: a) Como a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: b) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; c) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; d) afetem desfavoravelmente a biota; e) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; f) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos O que se busca é que a água tenha aspecto limpo, pureza de gosto e que esteja isenta de microorganismos patogênicos. A poluição da água indica que um ou mais de seus usos foram prejudicados. A poluição pode classificar-se, segundo nos ensina Pellacani (20005, p.54), como: Mecânica, química, por pesticidas, orgânica, biológica, física, térmica e por detergentes sintéticos quanto a etiologia do agente poluidor. Quanto ao modo de contaminação, é classificada como agrícola, industrial, gerada pelo lixo, por dejetos humanos e por mercúrio. É classificada como maciça e crônica, de acordo com a sua intensidade e freqüência. É mais freqüente a poluição do tipo mista, ou seja, a associação de duas ou mais espécies de poluição referidas acima. Muitas dessas substâncias, principalmente como é o caso dos metais pesados, resistem à degradação, e se acumulam nas redes alimentares passando para os alimentos e, conseqüentemente, para o homem, podendo causar impactos negativos à saúde humana como mutações, defeitos de crescimento e câncer. Em comunhão com o exposto, Nalini (2003, p.5051) nos diz que metais pesados, muitas vezes presentes na água, têm grandes impactos sobre a saúde humana e dos animais. Podem afetar o desenvolvimento do corpo e da mente e são cancerígenos, conforme testes laboratoriais. A utilização excessiva de fertilizantes, os resíduos químicos lançados aos rios, a inadequação dos sistemas de tratamento, tudo isso compromete a qualidade da água oferecida à população.[...] A poluição industrial é índice de subdesenvolvimento. É atestado de atraso. Representa sintoma de produção ineficiente. Mesmo assim, continua a 30 existir. Não se espere, todavia, uma meã culpa do próprio empresariado, mas exija-se um funcionamento industrial politicamente correto, com gradual eliminação da atividade poluente. A cidadania é que deve cobrar, das industrias locais, a mesma postura empresarial eticamente irrepreensível, reclamada nos países de origem. Ações imediatas devem ser tomadas pelo Poder Público, no sentido de coibir que países industrializados transfiram os danos e suas conseqüências aos países subdesenvolvidos. Ponting (1995, p.599) nos mostra que Aproximadamente, 80% de todo o lixo tóxico11 produzido pelos países industrializados é colocado em locais não adequados; muitos são somente revestidos com argila, que é um material permeável. Nessa área, existem ainda tentativas deliberadas, perigosas e altamente irresponsáveis para a exportação do problema. Muitos dos lixos mais perigosos são enviados para a Europa Oriental e para o Terceiro Mundo, para que os que os enviam possam beneficiar-se com os regulamentos mais permissíveis e de menor oposição pública, onde são depositados em locais que exigem menos procedimentos de segurança ou simplesmente são deixados ao ar livre. Contaminando os cursos d água, ou até mesmo os lençóis freáticos, a ordem nesse caso parece que é a de se obter o máximo de lucro, mesmo à custa da maior poluição, não se preocupando com os impactos que esse lixo, muitas vezes radioativo, poderá causar a todo o ecossistema ao longo do tempo. Com relação à conscientização da sociedade sobre os efeitos causado pela poluição por pesticidas sintéticos,12 vejamos o que nos ensina Maccornick (1992, p.29): efeitos adversos da má utilização dos pesticidas e inseticidas químicos sintéticos, gerou muita controvérsia e aumentou a consciência pública quanto às implicações da atividade humana sobre o meio ambiente e quanto a seu custo, por sua vez, para a sociedade humana. 11 Lixo tóxico: lixo perigoso que é capaz de causar lesões graves, como queimaduras, danos no tecido ou câncer, e até mesmo a morte nos homens e em outros organismos (NALINI, 2003,p312). 12 Sintético: Elaborado ou produzido artificialmente, por síntese química; é uma imitação, ou análogo a algo naturalmente observável, mas resultante de processo artificial. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. 31 Um exemplo drástico de contaminação e suas conseqüências nos é dado por Beckestein (2003): no final de março de 2003, uma enorme mancha negra, vinda do município de Cataguases, em Minas Gerais, através do Rio Pomba, tomou conta do Rio Paraíba do Sul, até chegar ao litoral. As águas escuras e repletas de uma espuma venenosa, contaminada por produtos tóxicos, mataram peixes, crustáceos e toda a vida que encontraram pelo caminho. O responsável por este lastro de destruição, apontado como o maior desastre ambiental do país, foi o vazamento de um reservatório da indústria mineira Cataguases de papel. Autuada várias vezes e alertada de risco iminente do rompimento do reservatório, a empresa nada fez para impedir a catástrofe. Está sendo estudada a possibilidade de contaminação das águas por organocloratos, que são substâncias cancerígenas, o que tem preocupado a secretaria da Saúde, sendo possível que alguns moradores das regiões pobres possam ter consumido peixe do local. Se houve contaminação por organocloratos, só após seis meses começarão a aparecer, bem como os casos de câncer. As amostras de água do Paraíba do Sul apresentavam altos índices de fenóis e soda caustica, além de profundas alterações no PH e oxigênio. A contaminação passa do plâncton aos peixes herbívoros e logo aos peixes carnívoros maiores até chegar à sua última presa: o homem. Esta é uma das razões para se cumprir certos padrões de qualidade, o controle da disposição de resíduos no ambiente natural. A Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) divulgou relatório sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos, em 10 de abril de 2003 segundo o qual metade da população dos países em desenvolvimento está exposta a fontes de águas poluídas e contaminadas, conforme nos mostra Amarante (2003, p.28): 32 De acordo com o estudo, dois milhões de toneladas de dejetos humanos, além de resíduos industriais, químicos e agrícolas são jogados em água receptoras todos os dias. Nesse ritmo, a contaminação das águas poderia chegar, num futuro breve, a 12 mil km³. Para se ter uma idéia do que isso significa, a água contida em todas as represas até hoje construídas no mundo não passam de oito mil km³. Em relação ao Brasil, o relatório diz que o país tem água em quantidade suficiente para atender a todos, mas a distribuição é irregular. Num ranking da Unesco envolvendo 180 países sobre a quantidade anual de água disponível per capita, o Brasil aparece na 25ª posição, com 48. 314 m³. por todo o País, 92,7% das residências têm rede de água potável, no entanto, apenas 37,7% das casas estão ligados à rede de esgoto. Desta forma, mais de 60% dos dejetos são despejados diretamente nos rios e mares. Entretanto, antes de se afirmar que uma água está poluída deve-se segundo, a Resolução 20/96 do Conama, saber para que uso ela se destina e, conseqüentemente, quais os critérios de qualidade que poderão ser aceitos de modo a satisfazer o fim último de sua utilização. Segundo Rocha e Coimbra (apud, SOARES, 2003, p.15), as águas podem constituir recursos limitantes ou indutores do processo de desenvolvimento econômico social de determinada área, e sua gestão pode interferir no uso e ocupação do solo . Por esse motivo, a sociedade vem acordando para a problemática ambiental, buscando formas alternativas de desenvolvimento, conciliadas com a preservação do meio ambiente e a melhoria da qualidade de vida. Nesse sentido, Franza (1995, p.29) nos alerta: La sobreexplotación del medio ambiente, que puede producir benefícios de corto plazo a grupos circunscriptos, tiene irremediablemente efectos negativos sobre a mayoria de la población presente y la generaciones futuras, generándose uma contradiction entre el interés particular inmediato y el interés social de mediano y largo plazo. Isso tudo sem deixar de levar em conta a interdependência de fatores, como clima, biodiversidade, usos e serviços que farão uso conjunto do sistema aquático e seus potenciais 33 impactos ao ecossistema. Não obstante essa constatação, cabe registrar estas palavras de Leal e Guimarães (1997): Esse panorama de crise d água, que na verdade pode-se chamar de crise ambiental ou crise de modelo de desenvolvimento e de organização social, tem sua expressão em todos os locais do país, principalmente nas áreas urbanas, as quais, contínua e persistentemente vêm degradando e matando seus rios. No geral os problemas são: esgotamento industrial e doméstico sem tratamento; poluição das águas superficiais e subterrâneas; deposição irregular de lixo; desmatamentos; acelerado crescimento populacional; favelização da população em áreas de preservação ambiental e/ou de riscos de inundações e desmoronamentos; crise no abastecimento devido ao aumento da demanda e diminuição da quantidade e da qualidade da água; conflito entre diferentes usos da água (urbano, industrial e agrícola). Para amenizar ou mesmo solucionar esses conflitos, torna-se essencial a adoção de políticas públicas consistentes, no sentido de evitar que a escassez se torne um entrave ao desenvolvimento do país, mesmo o Brasil estando numa posição privilegiada pela quantidade de água que possui. Conforme estudos apresentados pelo DNAEE (Departamento Nacional de Águas e Energia), em 1992, ao Ministério do Meio Ambiente: o Brasil encontra-se numa posição privilegiada, possuindo 11,6% da água superficial do mundo, e 112.000Km³ cúbicos de água subterrâneas, em geral de boa qualidade para qualquer uso ( MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 1999). Entretanto, em relação à densidade populacional brasileira a distribuição hídrica se dá de forma desigual. Ressaltando esse aspecto, Borsoi e Torres (2003, p.6) no texto A política de recursos hídricos no Brasil, nos mostram que a distribuição regional dos recursos hídricos é de 70% para a região Norte, 15% para a Centro-Oeste, 12% para as regiões Sul e Sudeste, que apresentam o maior consumo de água, e 3% para a Nordeste. Essa região, além da carência de recursos hídricos, tem sua situação agravada por um regime pluviométrico irregular e pela baixa permeabilidade do terreno cristalino. 34 Esta má distribuição da água acarreta sérios conflitos entre os usuários, pois em algumas áreas as retiradas são bem maiores que a oferta, causando um desequilíbrio nos recursos disponíveis, acarretando limitações em termos de desenvolvimento para essas regiões. A água está mal distribuída: 70% das águas doces do Brasil estão na Amazônia, onde vivem apenas 7% da população. Essa distribuição irregular deixa apenas 3% de água para o Nordeste. Essa é a causa do problema de escassez de água verificado em alguns pontos do país. Em Pernambuco existem apenas 1.320 litros de água por habitante e no Distrito Federal essa Média é de 1.700 litros, quando o recomendado são 2.000 litros (AMBIENTEBRASIl, 2004, p.1). É importante ressaltar, porém, que o Brasil destaca-se no cenário mundial pelas grandes descargas de água doce dos seus rios: a produção de águas doces no Brasil representa 53% do continente sul - americano (334.00m³/s) e 12% do total mundial (1.488.000m³/s) (REBOUÇAS, 1999, p.29). De todo modo, o que se almeja é não só expor as facetas ligadas à disponibilidade dos recursos hídricos no planeta, mas sugerir a adoção de algumas providências que seriam eficientes para a modificação do panorama atual da crise da água. Como a Constituição brasileira assegura que a saúde é direito de todos e dever do Estado (art.196) e será prestada pelo sistema único (SUS art. 198, caput), que inclui dentre as diretrizes a priorização para atividades preventivas (art. 198, II), competindo-lhe participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico (art. 200, IV), as carências nesse setor fazem com que os índices de doença no Brasil se acentuem. "Apenas para se ter uma idéia, estima-se que, em nosso país, 70% das internações infantis em hospitais públicos e 40% da mortalidade infantil tenham origem em deficiências de saneamento básico, estando diretamente correlacionados, portanto, ao despejo de 35 esgoto nos corpos d água, à escassez qualitativa da água que abastece a população e à disseminação de doenças de veiculação hídrica" (IBGE, 2002). Para impedir a poluição destrutiva, são necessárias ações locais,tomadas em decorrência de políticas públicas apropriadas: Os administradores públicos necessitam ter a consciência de que gastar os parcos recursos atualmente disponíveis com o tratamento de doenças é um mau negócio quando estas podem ser prevenidas. Assim, medidas políticoadministrativas tendentes ao fornecimento de água potável e à captação e tratamento de esgotos geram, a um só tempo, evitação de doenças e tratamento médico-hospitalares; uma melhor qualidade de vida à população; a economia de recursos públicos, pois os maiores gastos com o saneamento básico são feitos uma única vez, enquanto o tratamento da população em razão de sua falta é permanentemente; uma efetiva melhoria na qualidade ambiental de um modo geral; dentre outros resultados positivos (VIEGAS, 2005, p. 48). É importante ressaltar que, para se alcançar objetivos concretos, tornam-se necessárias políticas com diretrizes, orientações, ações e atividades de curto, médio e longo prazo. Levandose em conta a realidade local, explicitando normas e regras para o usuário que polui com vistas a manter sob controle o descompasso entre disponibilidade e demanda. Para que isso seja alcançado, a Lei 6.938/81, em seu artigo 3°, inc IV, define como poluidor a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental . Dessa forma, o conceito de degradação ambiental, segundo Nalini (2003, p.293), é expresso, como o esgotamento ou destruição de um recurso potencialmente renovável, como solo, pastagem, floresta ou vida selvagem por sua utilização num ritmo mais rápido do que o de seu reabastecimento natural . 36 Na Lei 6.938/81, art. 3º, inc II, está definida a degradação da qualidade ambiental como a alteração adversa das características do meio ambiente , em perfeita consonância com os objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) tipificada nesta referida Lei o artigo, 2º diz que: a PNMA tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no país, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana . Tundisi (2003, p.31-32) ´´afirma que, ao longo de toda a história, o desenvolvimento econômico e a diversificação da sociedade resultaram em usos múltiplos e variados dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos´´. Não só o aumento populacional e a aceleração da economia ampliam os usos múltiplos; o desenvolvimento cultural faz com que outras necessidades sejam incorporadas resultando em uma multiplicidade de impactos, de diversas magnitudes, que exigem, evidentemente, diferentes tipos de avaliação quali e quantitativa e monitoramento adequado a longo prazo. Essa diversificação dos usos múltiplos tornou os impactos mais severos e complexos, produzindo inúmeras pressões sobre o ciclo hidrológico e sobre as reservas de água superficiais e subterrâneas. Na tabela 02 são apresentados os principais usos múltiplos da água. Tabela 02: Usos múltiplos da água Agricultura Irrigação e outras atividades relacionadas Abastecimento público Usos domésticos 37 Hidroeletricidade Usos industriais diversificados Recreação Turismo Pesca Produção pesqueira comercial ou esportiva Aquacultura Cultivo de peixes, moluscos, crustáceos de água doce. Reserva de água doce para futuros empreendimentos e conseqüente uso múltiplo Transporte e navegação Mineração Usos estéticos Recreação, turismo, paisagem Fonte: TUNDISI (2003, p.29) Os usos múltiplos da água incluem, além da irrigação, a recreação e o turismo, extremamente importantes em regiões do interior dos continentes, em que o acesso à recreação em água doce é mais fácil e barato e conseqüentemente, com pressão considerável sobre rios, lagos e represas. Outro uso intensivo é na mineração, principalmente na lavagem e purificação de minérios, além de diversificada e múltipla série de processos na indústria, como resfriamento, limpeza e descarga de materiais. Outro importante uso é na produção de hidroeletricidade, que, no caso do Brasil, supre cerca de 85% da energia necessária ao país: a produção de 1kw de eletricidade requer 16.000 litros de água, o que da uma idéia quantitativa dos volumes de água necessários para produzir energia (TUNDISI, 2003, p.29-32). De forma geral, da água existente no mundo são utilizados 70% na agricultura, 23% na indústria e 7% como água potável. No Brasil são 61% na agricultura, 21% uso urbano e industrial 18%, sendo que, a água utilizada na agricultura é grandemente desperdiçada, pois quase 60% de seu volume total se perde antes de atingir a planta, conforme pode-se constatar na figura abaixo: 38 Figura 01: consumo de água na agricultura, indústria e no uso urbano. Fonte: ITABORAHY, 2004. A irrigação poderá trazer impactos ambientais, como a salinização dos solos, a contaminação dos recursos hídricos e o consumo exagerado da disponibilidade hídrica que, muitas vezes, inviabiliza a aproveitamento dessa água para outros usos. Nesse contexto, segundo Borsoi e Torres (2004) a irrigação é uma forma de uso consuptivo da água, isto é, parte usada para este fim não retorna ao seu curso original e, normalmente, a parte que retorna aos mananciais tem qualidade inferior à que foi captada. Na indústria também há perdas, devido ao dimensionamento de processos que priorizam insumos de custos mais elevados, em detrimento de conservação de recursos como a água e o ar. Também os usos urbanos apresentam impactos negativos, devido ao desperdício dos recursos hídricos, tanto durante a captação quanto durante a distribuição, devido à má conservação das redes de abastecimento. Portanto, o desafio maior está em encontrar estratégias viáveis para a administração, operação e manutenção dos sistemas de abastecimento de água que possam torná-los auto- 39 sustentáveis e permanentes, através da Política Nacional dos Recursos Hídricos (PNRH), que foi estabelecida pela Lei Federal nº 9.433, de 08 de janeiro de 1997, vindo a substituir o Código das Águas,estabelecido pelo Dec. 24. 643, de 10 de julho de 1934. 1.3 A Política Nacional dos Recursos Hídricos O Código de Águas13 definiu os direitos de propriedade e uso dos recursos hídricos para abastecimento, irrigação, navegação e usos industriais e, ainda, as normas para a proteção da quantidade e qualidade das águas no território nacional. Foi posteriormente, atualizado e regulamentado em 1965 e 1966 (Lei n.º 4.904 e Decreto nº 9.433, de janeiro de 1997). A história da política de água no Brasil, segundo Barbosa (2003), iniciou-se, sob o aspecto legal e institucional, em 1933, com a criação, no Ministério da Agricultura, da Diretoria de Águas, a qual logo foi transformada em Serviço de Águas. Este Serviço de Águas foi transferido, em 1934, para a estrutura do Departamento Nacional da Produção Mineral DNPM. Neste mesmo ano, a edição do Código de Águas representou grande avanço na política de águas no Brasil. A vinculação, nessa época, das atribuições e competências sobre os recursos hídricos ao Ministério da Agricultura (MA), de certa forma refletia a prioridade do uso dos recursos hídricos do país considerados na época como de vocação eminentemente agrícola. Em 1940, o Serviço de Águas tornou-se Divisão de Águas, em função da promulgação do decreto-lei número 6.402. 13 O Código de Águas dispõe sobre sua classificação e utilização, dando ênfase ao aproveitamento do potencial hidráulico que, na década de 30, representava uma condicionante do progresso industrial que o Brasil buscava (GRANZIERA, 1993, p.48). 40 No entender de Borsoi e Torres (2004, p. 09), esse modelo era ineficiente, pois: A inadequação desse modelo de gestão tinha como conseqüência o agravamento dos conflitos de uso e de proteção das águas e a realimentação do processo de elaboração de novos instrumentos legais para reforçar o esquema legal. Ao final, tinha-se um vasto conjunto de leis e normas, muitas vezes conflitantes e de difícil interpretação. Para Antunes (2004, p.808) essa vasta e conflitante legislação explica-se o fato na medida em que o Código Civil limitava-se a uma regulamentação cujo fundamento básico era o direito de vizinhança e a utilização das águas como bem essencialmente privado e de valor econômico limitado . Ademais, segundo Barbosa (2003, p.08), pode-se ver claramente que: a partir da década de 50 do século XX, a estratégia governamental era implantar a infra-estrutura necessária para a expansão do parque industrial brasileiro, iniciada na região Sudeste do país. Com isso, em 1961, o Departamento Nacional da Produção Mineral foi transferido para o Ministério das Minas e Energia e, com ele, a Divisão de Águas. O arranjo institucional de então acabou transformando a Divisão de Águas no Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica DNAEE, através da Lei 4.904 de 1965. O DNAEE teve sua denominação modificada em 1968, de acordo com decreto lei nº 63.951, em Departamento Nacional de Águas e Energia DNAE. O DNAEE era considerado o órgão de administração direta sobre a água e o setor elétrico e as atribuições governamentais estavam subordinadas, mais diretamente, a esse departamento. Durante essa época de (1968-1980), O setor elétrico centralizava a gerência financeira de compensação de equalização das tarifas de energia elétrica, cujos fundos, em nível nacional, eram significativos. Esta hegemonia administrativa e financeira sobre os recursos hídricos gerou expressivos movimentos em outros setores, principalmente no da irrigação, o que culminou, em 1985, com a criação do Ministério Extraordinário da Irrigação, setor anteriormente localizado no âmbito do Ministério do Interior, e com os Programas PRONI- Programa Nacional de Irrigação e o PROINE Programa de Irrigação do Nordeste. Este Ministério, através de uma 41 determinação presidencial, reservava para sua administração as concessões de água destinada à irrigação. Isto de um certo modo dificultou a administração dos recursos hídricos, bem como a promoção do uso compartilhado da água, no caso dos rios considerados de domínio da União (BARBOSA, 2003, p.09). Foi a partir dos anos 80 que começaram as discussões em torno dos pontos críticos da gestão dos recursos hídricos na Brasil. Verifica-se que o setor de energia era o único que criava demanda por regulação e, em conseqüência, assumia o papel de gestor dos recursos hídricos, pois detinha todas as informações disponíveis sobre a água. Segundo Borsoi e Torres (2004), em 1984 o DNAEE finalizou o diagnóstico sobre as bacias hidrográficas e foi criado o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Também no início dos anos 80 alguns comitês de bacia, a exemplo do Paranapanema, Paraíba do Sul e Doce, começaram a evoluir. Mas foi a promulgação da Constituição de 1988 que introduziu diversos novos aspectos relativos à gestão das águas e que vêm ao encontro de uma visão mais moderna sobre a administração dos recursos hídricos. Já com relação ao Código de Águas, a nova Constituição modificou muito pouco, sendo que a alteração mais importante foi a extinção do domínio privado da água, previsto, em alguns casos, no referido Código. É importante ressaltar, porém, que a preocupação política com as águas, no Brasil, é recente, e a legislação pertinente ao tema foi desenvolvida praticamente a partir da Constituição Federal de 1988. Porém, a Lei Federal 9.433/97, que se encontra ainda em estágio de implementação e que dispõe sobre os recursos hídricos, criou estrutura e instrumentos de gestão, delegando à sociedade local o poder de decisão sobre a melhor forma de usar e preservar esse valioso recurso. 42 No sentido de tornar as ações ambientais efetivas, será necessário buscar um melhor entendimento das relações complexas existentes em relação à natureza e na relação do homem com a natureza, para se elaborar e pôr em prática uma política ambiental realmente eficaz para o país. Nesse sentido, de buscar essa harmonia, Toledo Machado (1999, p.105), antropóloga do Ministério do Meio Ambiente, preceitua que em nível mundial, a percepção dos problemas ambientais vem se modificando consideravelmente, embora permaneça, ainda, apesar dos indiscutíveis avanços, o contraste entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento. Nas economias altamente industrializadas, os problemas de meio ambiente podem ser associados à poluição, e as políticas ambientais orientam-se no sentido de evitar o agravamento da degradação e a restaurar os padrões de qualidade da água, do ar e do solo. Já nos países em desenvolvimento, a crise ambiental está claramente associada ao esgotamento e degradação dos recursos naturais. O Brasil tem as duas faces, entretanto o lado mais desenvolvido mantém, ainda, uma profunda diferença social, econômica e tecnológica. As questões ambientais vividas hoje expressam esta crise citada pela autora acima, e nos obrigam a refletir sobre a necessidade de transformações que conjuguem a melhoria da qualidade da vida ao respeito à diversidade em seu entendimento amplo, exigindo a participação de todos os segmentos da sociedade para a implantação da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), instituída na Lei 9.433/97, cujos fundamentos que a embasam estão estabelecidos no artigo 1º e seus incisos, segundo os seguintes princípios: I- a água é um bem de domínio público; II- a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico; III- em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais; IV- a bacia hidrográfica é a unidade territorial para a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; V- a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades. 43 Essa nova visão proporcionará uma gestão descentralizada e democrática das águas, envolvendo múltiplos usos e diferentes formas de compartilhamento, uma verdadeira transformação não apenas na gestão das águas, como na própria gestão ambiental. Os objetivos estabelecidos pela Lei nº 9. 433, artigo 2º, são estes: I assegurar à atual e às futuras gerações necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos; II a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável; III a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrente do uso inadequado dos recursos naturais. De fato, nos incisos I e II estão explicitados os princípios do desenvolvimento sustentável dos recursos hídricos. Também a Constituição Federal Brasileira, em se artigo 225, caput, já inseria a obrigação de se instaurar o desenvolvimento sustentável. E a lei 9.433/97 demarca concretamente a sustentabilidade dos recursos hídricos em três aspectos: disponibilidade de água, utilização racional e utilização integrada (MACHADO, 2002, p.38-39). O principal aspecto que pode ser compreendido destes princípios é que a nova concepção legal busca encerrar com a verdadeira apropriação privada e graciosa dos recursos hídricos. Com efeito, sabemos que a indústria e a agricultura são os grandes usuários dos recursos hídricos. Normalmente, a água é captada, utilizada e devolvida para o seu lugar de origem, sem que aqueles que auferem vantagens e dividendos com a sua utilização paguem qualquer quantia pela atividade. E mais, a recuperação e manutenção das boas condições sanitárias e ambientais dos recursos hídricos, conspurcados pelas diversas atividades econômicas que deles dependem, é um encargo de toda a sociedade que, com seus impostos, subsidiam de forma inaceitável diversa atividades privadas (ANTUNES, 2004, p.823). Torna-se imperioso, dessa forma, reverter essa situação, enquanto a sustentabilidade dos sistemas pode ser recuperada, mantendo o mais integro possível o ciclo das águas na natureza. 44 Para isso, faz-se necessário o uso dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos PNRH, elencados no artigo 5º e seus incisos: I - os planos de recursos hídricos; II- o enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos preponderantes da água; III - a outorga de direitos de uso de recursos hídricos; IV - a cobrança pelo uso dos recursos hídricos; V - o sistema de informações sobre os recursos hídricos. Os instrumentos constituem meios para atingir determinadas metas prefixadas; no caso, certos padrões ambientais, sendo utilizados paralelamente ou em complemento com outros instrumentos, como, por exemplo; regulamentações legais e acordos com indústrias. A seguir, poder-se-á observar melhor como funcionaram esses instrumentos. a) Os Planos de Recursos Hídricos Os Planos de Recursos Hídricos são os programas adotados para melhor gestão da águas, no espaço geográfico da bacia, também procurando definir a distribuição das vazões entre os usuários da água. Considerando esses aspectos, Antunes (2004, p.825) nos relata que os planos de recursos são planos diretores cujo objetivo é fundamentar e orientar a implantação da política Nacional de Recursos Hídricos PNRH, bem como o gerenciamento dos recursos hídricos. Os Planos de Recursos Hídricos serão elaborados por bacia hidrográfica, por estado e para o país. Eles poderão ser criados em âmbito local, regional e nacional e neles devem estar claramente 45 expressas as metas de racionalização, melhoria da qualidade e de aumento de disponibilidade além das medidas a serem tomadas para o fortalecimento das instituições gestoras: o objetivo de elaborar um plano é ter um documento que apresente orientações, diretrizes, ações e atividades de curto, médio e longo prazo, com horizontes de 5, 10 e 20 anos. Deve apresentar medidas para o fortalecimento das instituições gestoras, explicitar normas e regras para os usuários com vistas a manter sob controle o descompasso entre disponibilidade e demanda (SANTOS, 1999, p.164). A partir do exposto, Domingues e Santos (2003) concluem que a elaboração de planos demanda levantamento e estudos de sistemas físicos e ambientais na base territorial, compreendendo hidrologia, geomorfologia, climatologia, pedologia, ecossistemas relacionados aos recursos hídricos; a infra-estrutura hídrica; os aspectos socio-econômicos (usos e usuários da água e outros relevantes), e os aspectos legais, políticos e institucionais direta ou indiretamente ligados aos recursos hídricos. Um dos elementos-chaves do planejamento de recursos hídrico é a análise prospectiva da evolução da necessidade de água dos diferentes setores de atividade, no quadro do desenvolvimento sócio-econômico nacional e regional, em horizontes temporais relativamente alargados (da ordem de vinte anos), há que se entender quanto a este propósito que o futuro é o resultado de uma complexidade de interações entre algumas variáveis controláveis e muitas não controláveis. Segundo Magalhães (1999), o planejamento de recursos hídricos visa sobretudo obter respostas concretas paras as situações futuras incertas, considerando horizontes temporais relativamente alargados, e não respostas otimizadas para situações futuras pré determinadas. Pretende-se assegurar a disponibilidade de água na quantidade, qualidade e viabilidade requerida pelos diferentes setores de atividades, salvaguardando a conservação da natureza e dos recursos 46 naturais e a proteção dos valores ambientais e patrimoniais, pressupostos da sustentabilidade do desenvolvimento sócio-econômico. É importante ressaltar, porém, que o planejamento de recursos hídricos deve articular as políticas de desenvolvimento sócioeconômico com a política do meio ambiente, consolidando assim o conceito de recurso natural e fator econômico ; atingidos esses objetivos, o Plano de Recursos Hídricos terá se transformado num imprescindível instrumento de gestão democrática, descentralizada e sustentável desses recursos. b) Estabelecimento das Classes de Água O estabelecimento de um sistema de classificação das águas é essencial para se organizar o sistema administrativo destinado a exercer a fiscalização do controle de qualidade das águas interiores. Atualmente, a matéria está regida por resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente CONAMA. A atividade administrativa do CONAMA dirige-se tanto para a proteção das águas marinhas, quanto para a proteção das águas doces (ANTUNES, 2004). O principal instrumento regulamentar é a resolução do CONAMA nº 20, de 18 de junho de 1986, que estabelece uma classificação para todo tipo de águas existentes no território brasileiro. Esta resolução estabeleceu nove classes de uso preponderantes para as águas: doces, 5 classes: (Especial, I a IV); salinas, 2 classes: (VI e VII); e salobras, 2 classes: (VIII e IX), vejamos a tabela abaixo: 47 Tabela 03: Enquadramentos dos Corpos de Água I - Classe Especial - destinadas: (a) abastecimento doméstico sem prévia ou com simples desinfecção; (b) à preservação do equilíbrio natural das comunidades aquáticas. II - Classe I - águas destinadas: (a) ao abastecimento doméstico após tratamento simplificado; (b) à proteção das comunidades aquáticas; (c) à recreação de contato primário (natação, esqui-aquático, mergulho); (d) à irrigação de hortaliças que são consumidas cruas e de frutas que se desenvolvam rentes ao solo e que sejam ingeridas cruas sem remoção de películas; (e) à criação natural e/ou intensiva (aqüicultura) de espécies destinadas à alimentação humana. III - Classe 2 destinadas: (a) ao abastecimento doméstico, após o tratamento convencional; (b) à proteção das comunidades aquáticas; (c) à recreação de contato primário (esqui-aquático, natação e mergulho); (d) à irrigação de hortaliças e plantas frutíferas; (e) à criação natural e/ou intensiva (aqüicultura) de espécies destinadas à alimentação humana. IV- Classe 3 - destinadas: (a) abastecimento doméstico, após tratamento convencional; (b) à irrigação de culturas arbóreas, cerealíferas e forrageiras; (c) à dessedentação de animais. V- Classe 4 - águas destinadas: (a) à navegação; (b) à harmonia paisagística; (c) aos usos menos exigentes. Águas Salinas VI Classe 5 - águas destinadas: (a) recreação de contato primário; (b) à proteção das comunidades aquáticas; (c) à criação natural e/ou intensiva (aqüicultura) de espécies destinadas à alimentação humana. VII - Classe 6 - águas destinadas: (a) à navegação comercial; (b) à harmonia paisagística; (c) à recreação de contato secundário. Águas Salobras14 VIII Classe 7 - águas destinadas: (a) recreação de contato primário; (b) à proteção de comunidades aquáticas; (c) à criação natural e/ou intensiva (aqüicultura) das espécies destinadas à alimentação humana. IX Classe 8 - águas destinadas: (a) à navegação comercial; (b) à harmonia paisagística; (c) à recreação de contato secundário. Fonte: Resolução 20/86 CONAMA A referida resolução conceitua o enquadramento como o estabelecimento do nível de qualidade (classe) a ser alcançado e/ou mantido em um segmento de corpo de água ao longo do tempo (art. 2º, b ). o órgão público ambiental irá verificar a situação da água em cada setor. Para cada classe de água há a previsão de parâmetros de matérias flutuantes, óleos e graxas, substâncias que formem depósito objetáveis, coliformes, DBO5 (demanda bioquímica de oxigênio), OD (oxigênio dissolvido), turbidez, PH (análise da acidez ou alcalinidade), substâncias potencialmente prejudiciais (MACHADO, 2002, p.55). Dessa forma, o enquadramento dos corpos em classes, segundo os usos preponderantes da água, visa assegurar às águas qualidade compatível com os usos mais exigentes a que forem 14 Águas salobras ingeridas desde tenra idade podem ser causa de maior incidência de cálculos renais, pressão arterial mais elevada e problemas renais precoces (TUNDISI, 2003, p. 95) . 48 destinadas, bem como diminuir os custos de combate à poluição das águas mediante ações preventivas permanentes (artigo 9º, Lei 9.433/97) . Considerando-se estes aspectos, Mota e Aquino (2001, p.115) trazem interessante lição: Os objetivos deste instrumento são: assegurar às águas qualidade compatível com os usos mais exigentes a que forem destinadas e diminuir os custos de combate à poluição das águas, mediante ações preventivas permanentes. Este mecanismo permite fazer a ligação entre a gestão da qualidade e a gestão da quantidade da água. Em outras palavras, fortalece a relação entre a gestão dos recursos hídricos e a gestão do meio ambiente. O estabelecimento dos padrões de qualidade ambiental visa fundamentalmente o controle de substâncias potencialmente prejudiciais à saúde humana, como microorganismos patogênicos, substâncias tóxicas e radioativas. Compete à Agência de Água propor aos respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica o enquadramento dos corpos de água nas classes de uso, para encaminhamento ao respectivo Conselho Nacional ou Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, de acordo com o domínio destes (Lei 9.433/97, art.44, a ). Esse enquadramento tem, por escopo fixar os critérios do uso dos corpos d água em conformidade com os padrões estabelecidos pelas resoluções. c) A Outorga O regime de outorga de direito de uso de recurso hídrico é um dos instrumentos da Política Nacional de Recurso Hídricos, e tem como objetivos o controle quantitativo e qualitativo 49 dos usos da água e o efetivo exercício dos direito de acesso à mesma. Outorga de direito de uso dos recursos hídricos é o mecanismo pelo qual é concedida autorização (ou concessão) ao usuário, para que faça uso da água (BALARINE, 2000, p.165). Compete à união, segundo Sirvinskas (2005, p. 154), definir os critérios de outorga dos direitos de uso dos recursos hídricos (artigo 21, XIX, da CF). A outorga é o consentimento; a concessão, a aprovação. Assim, para a outorga dos direitos de uso dos recursos hídricos, faz-se necessário o consentimento do Poder Executivo Federal (artigo 29, II, da Lei 9.433/97) e dos Poderes Executivos Estaduais e do Distrito Federal (artigo 30,I, da Lei n. 9.433/97). Segundo a Lei supra citada, artigo 12, estão sujeitos à outorga os seguintes usos de recursos hídricos: I derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo de água para consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo produtivo; II extração de água de aqüífero subterrâneo para consumo final ou insumo de processo produtivo; III lançamento em corpo de água de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final; IV aproveitamento dos potenciais hidrelétricos; V outros usos que alterem o regime, a quantidade ou qualidade da água existente em um corpo de água. Na vigência da legislação anterior, a outorga era obrigatória para captação e derivação de recursos hídricos de um corpo d água; isso posto, pode-se constatar com o advento da nova lei, a outorga passou a ser também obrigatória para o lançamento de efluentes (esgoto, águas servidas e resíduos líquidos industriais), 50 à medida que o rio ou corpo receptor é utilizado para diluição de efluentes que podem afetar negativamente a qualidade das águas. Com esta medida, o mecanismo de outorga, que era utilizado para atender somente os aspectos quantitativos da gestão da águas, passa a ser utilizado, também. Para promover a gestão de qualidade (CARVALHO, 2003, p. 267-268). A outorga deverá ser solicitada à entidade de direito público que tenha a titularidade, embora não seja concedida de forma definitiva. Toda outorga estará condicionada às prioridades de uso estabelecidas nos Planos de Recurso Hídricos e respeitar a classe em que o corpo hídrico estiver enquadrado e preservar o uso múltiplo dos recursos hídricos. A outorga de direito de uso de recursos hídricos poderá ser suspensa parcial ou totalmente, em definitivo ou por prazo determinado, nas seguintes circunstâncias, segundo o artigo 15 da lei 9.433/97: I não cumprimento pelo outorgado dos termos da outorga; II ausência de uso por três anos consecutivos; III necessidade premente de água para atender a situações de calamidade, inclusive as decorrentes de condições climáticas adversas; IV necessidades de prevenir ou reverter grave degradação ambiental; V necessidade de se atender a usos prioritários, de interesse coletivo, para os quais não se disponha de fontes alternativas; VI necessidade de serem mantidas as características de navegabilidade do corpo de água. É importante ressaltar, porém, que a atribuição de outorgar o direito de uso de recursos hídricos, em corpos de água de domínio da União a partir da aprovação da Lei nº 9.984/2000, passou a ser de competência da Agência Nacional de Águas ANA. Cabe as Agências de Água conforme o artigo 44 Lei 9.433/97: a) manter o balanço atualizado da disponibilidade de recursos hídricos em sua área de atuação; b) manter o cadastro de usuários de recursos hídricos; c) efetuar, mediante delegação do outorgante, a cobrança pelo uso de recursos hídricos . 51 Nas outorgas de direito de uso de recursos hídricos de domínio da União, contados da data de publicação dos respectivos atos administrativos de autorização, estão definidos na Lei nº 9. 984, de 2000, artigo 5º os seguintes períodos e condições: I implantação do empreendimento objeto de outorga; II implantação do empreendimento projetado; III até dois anos, para início da até seis anos, para conclusão da até trinta e cinco anos, para vigência da outorga de direito de uso . Não se pode esquecer que a outorga15 de direito de uso deverá respeitar sempre as prioridades nos planos de bacia, o enquadramento e os usos múltiplos dos recursos hídricos. Evidentemente, tem alguns usos que independem de outorga pelo Poder Público, conforme definido em regulamento: I o uso de recursos hídricos para a satisfação das necessidades de pequenos núcleos populacionais, distribuídos no meio rural; II captações e lançamentos considerados insignificantes; III as derivações, as acumulações de volumes de água consideradas insignificantes16 (§1º artigo 12). Nesse sentido o que se percebe aqui, portanto, é que a atitude de gerenciar os recursos hídricos não se constitui apenas numa obrigação imposta pela lei, mas, numa necessidade de controle para a promoção do bem-estar social. Dessa forma, a outorga de direito de uso, enquanto 15 Significa autorizar, de forma controlada, o uso dos recursos hídricos, no tempo e no espaço, para determinada finalidade, de forma racional, dentro das limitações ambientais e sistêmicas inerentes à bacia hidrográfica, objetivando assegurar o acesso e o uso múltiplo desses recursos. A necessidade de assumir essa postura deve-se ao fato da água ser um bem público e qualquer pessoa (física ou jurídica) pode ter acesso à mesma. E por ser um bem de domínio da União ou dos Estados, todo e qualquer uso (público ou privado) deve ser aprovado e monitorado pelo Poder Público competente (CARDOSO DA SILVA 1999, p.67). 16 os pequenos usos considerados insignificantes para atender às comunidades em termos de abastecimento e dessedentação de animais. Seriam usos insignificantes não passíveis de outorga e, por sua vez, não seriam futuramente passíveis de cobrança, que seria o instrumento conseqüente a essa outorga Monteiro (1999, p.155). 52 instrumento de gestão, garante ao usuário a sua cota sobre os recursos hídricos e, mais, associada aos instrumentos de fiscalização e de cobrança, estimula o desenvolvimento de uma postura de responsabilidade individual e coletiva dos mesmos. d) O Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos A Lei 9.433/97 conceitua o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos em seu artigo 25, como "um sistema de coleta, tratamento, armazenamento e recuperação de informações sobre os recursos hídricos e fatores intervenientes em sua gestão". Machado (2001, p.461) diz que sem informação não se implementará uma Política de Recursos Hídricos respeitadora do interesse coletivo". Desse modo, para Balarine (200, p.165) o Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos está destinado a levantar bases de dados relativos aos recursos hídricos, alimentando a sociedade civil, gestores e usuários com informações imprescindíveis à tomada de decisões. É em comunhão com esse contexto que Cirilo, Asfora e Costa (2003, p.26) nos dizem que a base de dados e informações (BDI) é o elemento central de um Sistema de Informações. Uma BDI bem estruturada concorre para uma considerável simplificação dos processos de manutenção, atualização e disponibilização dos seus dados e informações. Um bom planejamento da mesma deve levar em conta as implementações atuais e futuras. São princípios básicos para o funcionamento do Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos, conforme o artigo 26: (i) descentralização da obtenção e produção de dados e 53 informações; ii) coordenação unificada do Sistema; iii) acesso aos dados e informações garantido a toda a sociedade . O Sistema de Informações, segundo o artigo 27, da Lei 9.433/97, objetiva: I - reunir, dar consistência e divulgar informações sobre a qualidade e a quantidade dos recursos hídricos; II - atualizar permanentemente as informações sobre demanda e disponibilidade de águas em todo território nacional; III fornecer subsídios para a elaboração dos Planos de Recursos Hídricos. Cabe à ANA, segundo a Lei 9.984/200 art. 4°, XIV, organizar, implantar e gerir o Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos . Por sua vez, as informações referentes aos recursos hídricos são oriundas de diversas fontes e processos como nos ensina: I) compilação no plano de bacia hidrográfica; II) monitoramento de demandas, medida de utilização e estimativa das necessidades concernentes ao uso industrial, agrícola, turístico e urbano e/ outros; III) informações do sistema de outorga e da cobrança pelo uso da água; VI) informações referentes ao licenciamento, para implantação de novas obras hídricas (poços, barragens, adutoras);V) dados resultantes da operação dos hidrossistemas; VI) dados oriundos da participação popular e pública na gestão dos recursos hídricos; VII) monitoramento hidroambiental (medida de parâmetros fluviométricos, estoques de água, pluviométricos, de aqüíferos, dados sobre qualidade da água superficial e subterrânea e parâmetros climáticos) (SOUSA FILHO E GOUVEIA, 2001, p.84). Esse sistema de informações compartilhado dará, segundo Sousa Filho e Gouveia (2001, p.91), a capacidade de diferentes usuários manipularem as mesmas partes dos dados simultaneamente (acesso concorrente), todos os usuários podem ter acesso às mesmas parcelas de dados (propósitos diferentes) . 54 A cobrança pelo uso de recursos hídricos faz parte dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, mas será analisada no capítulo dois, que trata especificamente da cobrança e dos aspectos sociais pelo uso da água. No tocante ao gerenciamento dos recursos hídricos, é notório o avanço conquistado, principalmente nesta última década, não só no Brasil mas em nível mundial. Nesse período, a água passou a ser uma das principais questões de debates que culminaram em ações políticas capazes de promover o desenvolvimento sustentável desse recurso, considerando-se os principais problemas relacionados às águas e os meios de ação que permitiram alterar a sua condição de fragilidade e possibilitar a todos o acesso a esse bem único, fonte de vida para todos os seres, conforme veremos nos próximos itens. 1.4 Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos No Brasil, a Constituição Federal de 1988 previu a criação de uma legislação especial sobre as águas, quando dispôs, em seu artigo 21 que: Compete à União: XIX instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direito de uso . A lei 9.433, de 08 de janeiro de 1997, regulamentando esse dispositivo constitucional, instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, criando o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, (artigo 32), que possui atribuições de planejamento e também de controle administrativo, com os seguintes objetivos: I - coordenar a gestão integrada das águas; II - arbitrar administrativamente os conflitos relacionados com os recursos hídricos; 55 III - implementar a política nacional de recursos hídricos; IV planejar, regular e controlar o uso, a preservação e a recuperação dos recursos hídricos; promover a cobrança pelo uso dos recursos hídricos. Sendo o Brasil considerado a maior bacia hidrográfica do mundo, e diante da situação de escassez que este recurso enfrenta em nível mundial, a lei supracitada procura regular essa importante riqueza, para que possamos usá-la de forma racional, além de garantir assim a sua preservação. Esta lei, também conhecida como Lei das Águas representa um novo marco institucional no país, abrangendo princípios, normas e padrões de gestão universalmente aceitos e praticados em diversos países. Integram o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, art. 33, Lei 9.433/97: I o Conselho Nacional de Recursos Hídricos; II os Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal; III os Comitês de Bacia Hidrográfica; IV os Órgãos dos Poderes Públicos Federal, Estaduais e Municipais, cujas competências se relacionem com a gestão de recursos hídricos; V as Agências de Água. O princípio norteador dessa lei foi a gestão democrática, participativa e descentralizada dos recursos hídricos, determinando a divisão de responsabilidades entre o Estado e os setores da sociedade. A instância deliberativa máxima desse sistema é o Conselho Nacional de Recursos Hídricos CNRH, estando todo o Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos subordinado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), e a sua presidência, exercida pelo Ministro do Meio Ambiente, tendo como Secretaria Executiva a Secretaria de Recursos Hídricos, órgão da estrutura do MMA. 56 A gestão tem de enfrentar dificuldades crescentes para satisfazer o incrementos das necessidades deste recurso, requeridas pelas diferentes situações de uso e não pode, simplesmente, limitar-se a um conjunto de processos de decisão casuísticos. Nesse sentido, temos a lição do engenheiro civil e secretário adjunto da Ministra do Ambiente de Portugal Magalhães (1999, p. 121), para quem a gestão da água é determinante da qualidade ambiental e do nível da qualidade de vida das populações, em particular do desenvolvimento sócioeconômico harmonioso e sustentável, e deverá contribuir para reduzir as assimetrias regionais favorecendo a organização e destruição do território. Desse modo, a gestão da água não pode se limitar a um processo de decisão casuístico para responder de forma avulsa a cada problema, seja de excesso de água, seja de poluição e degradação da qualidade da água, seja de proteção ambiental; pelo contrário, a gestão do recurso água, para ser eficaz, terá de ser baseada em soluções integradas, coerentes e eficazes em face dos diferentes objetivos que se pretende atingir. Em atenção à escassez da água, a gestão deve levar em consideração a conservação da natureza, a proteção dos ecossistemas e a valorização dos recursos hídricos, que exigem também a mobilização de elevados recursos financeiros para a recuperação e proteção da rede hidrográfica, das albufeiras17, dos estuários18 e lagunas costeiras e dos sistemas aqüíferos, além de impor restrições à utilização crescente dos recursos hídricos, à artificialização do regime hidrológico dos cursos de água e à degradação da qualidade da água dos meios hídricos. 17 Albufeiras: termo regional de Portugal usado para as depressões na zona costeira cheia de água salgada. Acham-se separadas do mar, por uma língua de terra mais ou menos larga, embora estejam em comunicação com o mesmo, no Brasil, usa- se a denominação laguna, para tais acidentes na zona costeira (GUERRA e GUERRA, 2003, p.29). 18 Estuário - Foz de um rio ou baía, onde se misturam a água doce do rio e a água salgada do mar. Os estuários são importantes por se constituírem num dos mais diversificados ecossistemas (GUERRA e GUERRA, 2003, p.59). 57 Nesta óptica, o planejamento é essencial, e fator condicionante do desenvolvimento. No entanto, segundo Machado (2002, p.94), no Sistema Nacional de Recursos Hídricos a gestão é descentralizada, mas não pode ser antagônica e desordenada, ou seja, as Agências de Água, os Comitês de Bacia Hidrográfica, os Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos e o Conselho Nacional de Recursos Hídricos são ligados por laços de hierarquia e cooperação. Os conflitos de águas não serão apenas arbitrados pelo Poder Judiciário, mas passarão a ter instâncias administrativas anteriores as do próprio Sistema Nacional de Gerenciamento. a) Conselho Nacional de Recursos Hídricos O Conselho Nacional de Recursos Hídricos tem o poder de impulsionar a legislação conseqüente à Lei Federal n° 9.433/97, por meio da discussão e edição de resoluções sobre os mais diversos tópicos dessa lei, que carecem de regulamentação. Também é foro indicado para dirimir contendas entre conselhos estaduais, comitês e mesmo usuários dos recursos hídricos de qualquer parte do território nacional. Desse modo segundo, Milare (2004, p.598) é o órgão maior do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos SINGREH, ao qual conferiu o legislador importante papel normativo e de articulador do planejamento de recursos hídricos com os planejamentos nacional, regionais, estaduais e dos usuários . O Conselho Nacional de Recursos Hídricos é, portanto o órgão administrativo mais elevado, na hierarquia do Sistema Nacional de Recursos Hídricos, cabendo-lhe decidir sobre as grandes questões do setor (BALARINE, 2000, p.166). O Conselho Nacional de Recursos Hídricos é composto segundo, a lei 9.433/97, artigo 34, por: 58 I representantes dos Ministérios e Secretarias da Presidência da República com atuação no gerenciamento ou no uso de recursos hídricos; II representantes indicados pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos; III representantes dos usuários dos recursos hídricos; IV representantes das organizações civis de recursos hídricos. Quanto ao número de representantes do Poder Executivo federal, este não poderá exceder à metade mais um do total dos membros do CNRH. Também o Conselho foi objeto de regulamentação pelo Decreto 2.612, de 3.6. 1998, reunir-se-á em caráter ordinário a cada seis meses no Distrito Federal (artigo 5º, caput). Das competências atribuídas ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos, estão, segundo o artigo 35: I promover a articulação do planejamento de recursos hídricos com o planejamento nacional, regional, estaduais e dos setores usuários; II arbitrar, em última instância administrativa, os conflitos existentes entre Conselhos Estaduais e dos setores dos usuários; III deliberar sobre os projetos de aproveitamento de recursos hídricos cujas repercussões extrapolem o âmbito dos Estados em que serão implantados; IV deliberar sobre as questões que lhe tenham sido encaminhadas pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos ou pelos Comitês de Bacias Hidrográficas; V - analisar propostas de alteração da legislação pertinente a recursos Hídricos e à Política Nacional de Recursos Hídricos; VI estabelecer diretrizes complementares para a implantação da Política Nacional de Recursos Hídricos, aplicação de seus instrumentos e atuação do Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos; VII aprovar propostas de instituição dos Comitês de Bacias Hidrográficas e estabelecer critérios gerais para a elaboração de seus regimentos; VIII Vetado IX acompanhar a execução e aprovar o Plano Nacional de Recursos Hídricos e determinar as providências necessárias ao cumprimento de sus metas; X estabelecer critérios gerais para outorga de direitos de uso de recurso hídricos e para a cobrança por seu uso (LEI 9.433/97). Por esses dados, já pode-se visualizar que cabe ao Conselho decidir sobre grandes questões do setor, além de dirimir as contendas de maior vulto; portanto, conforme Lanna 59 (1996, p.01), a gestão dos recursos hídricos deve ser uma atividade analítica e voltada à formulação de princípios e diretrizes, ao preparo de documentos orientados e normativos, à estruturação de sistemas gerenciais e à tomada de decisões, que tem por objetivo final promover o inventário, uso, controle e proteção dos recursos hídricos . Entretanto, cabe registrar também que os Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos integram o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (artigo 33, II, da Lei 9.433/97). Podem, assim, os Conselhos Estaduais, segundo Milaré, (2005, p. 600) i) suscitar e encaminhar questões para deliberação do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (art.35, IV, da Lei 9.433/97); ii) deliberar sobre acumulações, derivações, captações e lançamentos de pouca expressão, para efeito de isenção da obrigatoriedade de outorga de direitos de uso de recursos hídricos , quando esses recursos forem do seu domínio (art. 38,V); iii) atuar como órgão recursal das decisões dos Comitês de Bacia estaduais (art. 38, Parágrafo único); iv) autorizar a criação de Agências de Água, em bacias de rios de domínio estadual (art. 42, parágrafo único); v) apreciar propostas das Agências de Águas via Comitês de Bacia, para encaminhamento e deliberação final dos órgãos estaduais de controle ambiental quanto ao enquadramento dos corpos de água nas classes de usos (art. 44, XI, a ). Segundo Machado (2002, p.104), seria importante que os Estados organizassem seus Conselhos Estaduais e da mesma forma os Comitês de Bacias Hidrográficas; assim buscariam a paridade de votos com organizações civis de recursos hídricos e com os usuários. O Conselho Nacional de Recursos Hídricos é o principal fórum de discussão nacional sobre gestão de recursos hídricos, exercendo o papel de agente integrador e articulador das 60 respectivas políticas públicas, particularmente quanto à harmonização do gerenciamento de águas de diferentes domínios. b) A Agência Nacional de Águas (ANA) A Agência Nacional de Águas - ANA - é uma autarquia sob regime especial, com autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de implementar, em sua esfera de atribuições, a Política Nacional e o Gerenciamento de Recursos Hídricos, obedecendo aos fundamentos, objetivos, diretrizes e instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos e será desenvolvida em articulação com órgãos e entidades públicas e privadas integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Lei 9.984/2000). A ANA tem, ainda, uma especial atribuição, de fiscalizar os usos de recursos hídricos nos corpos de água de domínio da União (artigo 4°, V, da Lei 9.984/2000). Tendo sempre em vista a preservação e conservação dos recursos hídricos, Nalini (2003, p. 54) assevera que desde a Conferência de Dublin19 em 1993, a água passou a ser considerada recurso finito e vulnerável. A criação da Agência Nacional da Água ANA, em 1999, evidencia certa preocupação brasileira com o tema, ainda desprezado por 19 Conferência de Dublin: ocorreu em janeiro de 1992, sobre recursos hídricos e desenvolvimento sustentável, reuniu mais de quinhentos participantes, incluindo especialistas de mais de cem países e representantes de cerca de oitenta entidades internacionais e organizações não-governamentais (FARIAS, 2005). Princípios de Dublin: Águas doces são um recurso finito e vulnerável, essencial para manter a vida, o desenvolvimento e o meio ambiente. Desenvolvimento de recursos hídricos e gerenciamento devem ser baseados em uma abordagem participativa envolvendo planejadores, usuários e administradores em todos os níveis. As mulheres têm papel central no gerenciamento, provisão e conservação das águas. A água tem valor econômico em todos os seus usos competitivos e deveria ser reconhecida como um bem essencial (Tundisi, 2003, p.155). 61 muitas comunidades. De nada adiantará o funcionamento dessa agência reguladora de recursos hídricos, se não houver um trabalho de conscientização populacional intensa. Lembra Luciel Henrique de Oliveira que a cultura de consumo apresenta-se como um dos principais fatores de perturbação ambiental e acrescenta ser necessário mostrar a água potável como uma commodity para o século XXI, discutir a melhor estratégia para o gerenciamento dos recursos hídricos, analisar programas e leis, e discutir a gestão é uma questão de legislação ou educação da população. De acordo com Garrido (2003, p.04), à ANA cabe uma série de relevantes atribuições, com destaque para a emissão das outorgas de direito de uso dos recursos hídricos, a realização da cobrança pelo uso da água, a operação do Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos, os estudos para o aumento da disponibilidade de água e o combate a todas as formas de degradação da qualidade dos mananciais. A atuação da ANA obedecerá aos fundamentos, objetivos, diretrizes e instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos e será desenvolvida em articulação com órgãos e entidades públicas e privadas integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (artigo 4º, Lei 9. 984/2000). Há que se ressaltar também, segundo Machado (2002, p103), que há um grande desafio à nova Agência: o de não se permitir à mesma o desvio de sua finalidade e, portanto, o dinheiro arrecadado deve ser usado prioritariamente na bacia em que foi gerado (art. 22 da Lei 9.433/97). Ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos e aos Comitês de Bacia Hidrográfica caberá articular-se para que não se crie mais uma CPMF (o tributo do cheque). Os diretores da ANA e os funcionários de todos os escalões do Ministério da Fazenda cometerão improbidade administrativa se retiverem as receitas hídricas. Trata-se de um dever legal e não de uma faculdade o repasse desses recursos; e, assim, o Poder Judiciário está obrigado a decidir pela sua correta aplicação. Nesse sentido, o Projeto de Lei 6.079/2002 é bem taxativo ao afirmar que o montante arrecadado pela cobrança estará vinculado às bacias em que for realizado (artigo 17) e, no caso 62 dos recursos hídricos de domínio da União, a Agência Nacional de Águas investirá um mínimo de 92,5% na bacia geradora (artigo 17, § 2°), o projeto de lei também prevê (artigo 25, I e Parágrafo Único) que 2,5%, sobre a arrecadação da cobrança pelo uso dos recursos hídricos de domínio da União, serão transferidos como recursos do FNRH (Fundo Nacional de Recursos Hídricos) . Do ponto de vista legal, existe a possibilidade de a arrecadação ocorrer de forma descentralizada, já que a própria Lei 9.984/00 faculta à ANA delegar ou atribuir essa execução de atividades de sua competência para as Agências de água (artigo 4º, § 4°). c) Comitês de Bacias Hidrográficas Os Comitês de Bacias Hidrográficas são um tipo novo de organização no Brasil, embora em países desenvolvidos, como a França, já existam há décadas. Os Comitês contam com a participação de usuários, das prefeituras, de organizações civis e de representantes estaduais e federais e seus membros exercem o papel de um parlamento das águas da bacia, pois é o local de decisões sobre as questões relativas à mesma. Os Comitês de Bacias Hidrográficas, segundo Kettelhut (1999) são as células-mater do sistema de gerenciamento de recursos hídricos. Será nessa entidade que todos os preceitos de descentralização e de democratização previstos na Lei 9.433/97 deverão ser praticados. Devido à importância do Comitê no Sistema de Gerenciamento Setorial, o seu funcionamento tem que estar de acordo com os fundamentos da Política Nacional de Recursos Hídricos,de modo especial àqueles que preconizam: a água como bem público; o uso múltiplo dos recursos hídricos; a bacia hidrográfica como unidade de planejamento e, principalmente, a descentralização e a democratização da gestão de recursos hídricos. Os Comitês de Bacia Hidrográfica são, portanto, 63 órgãos colegiados com atribuições normativas, deliberativas e consultivas a serem exercidas na bacia hidrográfica de sua jurisdição (artigo 1°, §1º, da Resolução de 10/4/2000). Os Comitês de Bacia Hidrográfica terão como área de atuação (artigo 37: a) a totalidade de uma bacia hidrográfica, b) sub-bacia hidrográfica de tributário do curso de água principal da bacia, ou de tributário desse tributário; c) grupo de bacias ou sub-bacias hidrográficas contíguas . Compete aos Comitês, no âmbito de sua área de atuação, conforme previsto no artigo 38 da referida Lei de recursos hídricos: I - promover o debate das questões relacionadas a recursos hídricos e articular a atuação das entidades intervenientes; II - arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos relacionados aos recursos hídricos; III - aprovar o Plano de Recursos Hídricos da Bacia; IV - acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da Bacia e sugerir as providências necessárias ao cumprimento de suas metas; V - propor ao Conselho Nacional e aos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos as acumulações, derivações, captações e lançamentos de pouca expressão. Para efeito de isenção da obrigatoriedade de outorga de direitos de uso de recursos hídricos, de acordo com os domínios destes; VI - estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir os valores a serem cobrados; VII Vetado; VIII Vetado; IX - estabelecer critérios e promover o rateio de custo das obras de uso múltiplos, de interesse comum ou coletivo. Há aqui uma atitude absolutamente inovadora, à medida que as competências e decisões que seriam tradicionalmente atribuídas ao Poder Executivo migram para o Comitê, transformado em lócus de decisão sobre as iniciativas de gestão das águas de uma determinada bacia (CARVALHO, 2003, p.266). 64 Os Comitês de Bacias Hidrográficas são compostos por representantes, conforme artigo 39 da Lei 9.433/97: I da União; II dos Estados e do Distrito Federal cujos territórios se situem, ainda que parcialmente, em suas respectivas áreas de atuação; III dos Municípios situados, no todo ou em parte, em sua área de atuação; IV dos usuários das águas de sua área de atuação; V das entidades civis de recursos hídricos com atuação comprovada na bacia. §1º. O número de representantes de cada setor mencionado neste artigo, bem como os critérios para sua indicação, serão estabelecidas nos regimentos dos Comitês, limitadas as representações dos Poderes Executivas da União, Estados, Distrito Federal e Municípios à metade do total de membros. A proporcionalidade entre esses segmentos foi definida na Resolução nº 05, de 10 de abril de 2000. A Resolução prevê que os representantes dos usuários sejam de até 40% do número de representantes do Comitê. A somatória dos governos municipais, estadual e federal não poderá ultrapassar a 40% e os da sociedade civil organizada será de 20%. Outro ponto importante ressaltado pela lei é que, nos Comitês de Bacias Hidrográficas, cujos territórios abranjam áreas indígenas devem ser incluídos representantes da Fundação Nacional do Índio bacia. FUNAI - e das comunidades indígenas ali residentes ou com interesse na 65 Entretanto, registrando que, o espaço de atuação dos Comitês é diversificado20, e reconhecendo a importância da educação ambiental para a sustentabelidade dos recursos hídricos no país, Albuquerque Filho (2003, p. 42-43) salienta que a Resolução nº 5, do Conselho Nacional de Recursos Hídricos sobre as atribuições dos comitês, a educação ambiental lá está, integrando as duas importantes políticas públicas: Artigo 7º, Cabe aos Comitês de Bacias Hidrográficas: (...) VI - desenvolver e apoiar iniciativas em educação ambiental, em consonância com a Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999, que institui a Política Nacional de Educação Ambiental . Nesse sentido, Machado (2002, p.105), reforça que uma gestão dos recursos hídricos descentralizada que está como fundamento da Política Nacional de Recursos Hídricos levará os Comitês de Bacia Hidrográfica a terem personalidade jurídica, o que lhes dará não somente maior autonomia, mas uma maior facilidade para caracterizar sua responsabilidade jurídica frente à eficiência ou ineficiência de sua atuação. No que tange à essa busca de gestão descentralizada, cada Estado deverá fazer a respectiva regulamentação referente aos Comitês de sua abrangência, sendo que alguns estados já estão com essa regulamentação em estágio bem avançado, como é o caso do Rio Grande do Sul, São Paulo e Espírito Santo, entre outros. 20 Os comitês têm descoberto ou sido chamados a outros papéis ou atribuições que são desempenhadas, sempre que não confrontam com a Lei. Em muitas oportunidades, questões ou acontecimentos relacionados com os recursos hídricos ou, de forma mais ampla, com o meio ambiente, tem sido trazidos aos comitês. Exercem, assim, o papel de fórum para a discussão desses assuntos, oportunizando que os mesmos venham à tona e sejam esclarecidos ou, às vezes ensejem tomadas de posição ou de decisões. É o caso de licenciamento de empreendimentos que possam ter efeitos relevantes sobre a bacia hidrográfica, quando os comitês podem contribuir para a divulgação do processo, para a ampliação da manifestação de opiniões e para as decisões dos órgãos licenciadores. É também o caso de acontecimentos imprevistos, como acidentes provocados pelo homem ou ocorrências meteorológicas, quando o comitê contribui para o esclarecimento e a tomada de medidas apropriadas. As políticas públicas, nos seus aspectos relacionados à questão ambiental também encontram nos comitês espaço para sua discussão. É o que acontece com relação a vários setores do saneamento, (esgotamento sanitário, drenagem urbana, resíduos sólidos etc), a temas da produção agropecuária (questão dos agrotóxicos, dos organismos geneticamente modificados etc), da produção industrial (tecnologias limpas, por exemplo), da produção de energia, dos transportes, do urbanismo etc. Além desses, um papel que os comitês têm desempenhado diz respeito ao incentivo educação ambiental, entendida como 66 d) As Agências de Água As Agências de Água fazem parte do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SNGRH) e, no entender de Antunes (2004, p.832) as Agências têm por função o desempenho das atividades técnicas necessárias para que os Comitês de Bacia Hidrográficas possam ver aplicadas as sua deliberações. As Agências de água podem prestar serviços para mais de um Comitê. As Agências de água deverão ter a sua constituição autorizada pelos Comitês e pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos. As condições legais necessárias à constituição de Agências de Água (artigo.43), são as seguintes: a) prévia existência do respectivo ou respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica; b) viabilidade financeira assegurada pela cobrança do uso dos recursos hídricos em sua área de atuação . Nesse sentido, incumbe à Agência de Bacia, no âmbito de sua atuação, artigo 44, da Lei 9.433/97: I manter o cadastro atualizado da disponibilidade de recurso hídrico em sua área de atuação; II manter o cadastro de usuários de recursos hídricos; III efetuar, mediante delegação do outorgante, a cobrança pelo uso de recursos hídricos; IV analisar e emitir pareceres sobre projetos e obras a serem financiados com recursos gerados pela cobrança pelo uso dos recursos hídricos e encaminhá-los à instituição financeira responsável pela administração desses recursos; V acompanhar a administração financeira dos recursos arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos em sua área de atuação; VI gerir o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos em sua área de atuação; VII acelerar convênios e contratar financiamentos e serviços para a execução de suas competências; VIII elaborar a sua proposta orçamentária e submetê-la à apreciação do respectivos ou respectivos Comitês de Bacias Hidrográficas; IX promover os estudos necessários para a gestão dos recursos hídricos em sua área de atuação; X elaborar o Plano de Recursos Hídricos para apreciação do respectivo Comitê de Bacia Hidrográfica. essencial para gerar mudanças de comportamento solidamente fundamentadas e permanentes. (GRASSI e CÁNEPA 2000, p.133-134) 67 Compete, ainda, às Agências de Água propor ao respectivo ou respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica: a) o enquadramento dos corpos de água nas classes de usos, para encaminhamento ao respectivo Conselho Nacional ou Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, de acordo com o domínio destes; b) os valores a serem cobrados pelo uso de recursos hídricos; c) o plano de aplicação dos recursos arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos; d) o rateio de custos das obras de uso múltiplo, de interesse comum ou coletivo. O controle da atividade financeira das Agências de Água, também estará previsto na legislação: O anteprojeto das Agências de Água preconiza uma estrita fiscalização, levandose em conta a natureza jurídica apontada para as Agências de Água, que serão fundações de direito privado , dizendo: as Agências de Água, cuja área de atuação abranja correntes de água da União, serão fiscalizadas, quanto aos procedimentos efetuados e os resultados obtidos, pelo Tribunal de Contas da União e pelo Ministério Público Federal . Certamente, as legislações estaduais de recursos hídricos irão também buscar meios de controle da seriedade financeira e de controle dos resultados das Agências de água de rios de domínio dos Estados ( MACHADO, 2002, p.118). Nesse contexto, as Agências de água podem ser consideradas órgãos executivos de suporte aos respectivos Comitês de bacia, surgindo daí a necessidade de um planejamento integrado dos recursos hídricos, que, integrando as visões setoriais, procura assegurar a sustentabilidade dos múltiplos usos, com eqüidade e isenção, de forma a resultar no máximo de retorno social e econômico. A Política Nacional dos Recursos Hídricos é o resultado de um processo participativo que teve como origem à vontade da sociedade brasileira de resolver os problemas que vinham ocorrendo em função dos conflitos de usos dos recursos hídricos. Seguindo esse contexto, neste 68 capítulo procurou-se demonstrar de forma clara e sucinta a importância da gestão das águas, o levantamento de questões importantes pertinentes aos usos e o registro de avanços na legislação, tratando especificamente da Política e da gestão nacional dos recursos hídricos, e de seus instrumentos de gestão. Tudo isso, exceto a cobrança pelo uso da água, que, devido à sua complexidade, será abordada no capítulo específico referente ao assunto. 2 A COBRANÇA E OS ASPECTOS SOCIAIS PELO USO DA ÁGUA O dia, a água, o sol, a lua, a noite são coisas que eu não tenho que comprar com dinheiro. (Titus Muccius, dramaturgo romano) 2.1 Aspectos legais da cobrança pelo uso dos recursos hídricos - infrações e penalidades A cobrança pelo uso dos recursos hídricos é um dos instrumentos da política pública para o setor, estando prevista na legislação federal e nas leis estaduais. Esse instrumento vem juntar-se aos demais com o objetivo de induzir o usuário da água a uma postura de racionalidade quando da tomada de suas decisões de consumo em relação a esse recurso natural. Segundo disposto na Lei n. 9.433/97, a cobrança pelo uso de recursos hídricos no Brasil deve atender tanto ao objetivo 69 econômico quanto ao financeiro, sempre buscando garantir o ecodesenvolvimento com o uso equilibrado dos recursos naturais de forma que esses possam ser legados às futuras gerações, ou seja, usando os recursos naturais com responsabilidade social e visão de futuro. Quanto aos objetivos da cobrança, o artigo 19, da Lei n.º 9.433/97 estabelece que: I reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação do seu real valor; II incentivar a racionalização do uso da água; III obter recursos financeiros para financiamento dos programa e intervenções dos planos de recursos hídricos. Nesse sentido, a Lei 9.433 apresenta texto bastante próximo ao modelo francês de gestão de bacias hidrográficas. Esse modelo, desenvolvido pela França,21 é estruturado por Comitês de Bacias e as Agências de Água, que são o órgão gerenciador e arrecadador das cobranças pelos serviços executados. O programa de cobrança está diretamente relacionado com a aplicação desses recursos nos planos de atividades das agências de bacias. A utilização da cobrança pelo uso dos recursos hídricos é uma das formas de se aplicar o Princípio 16 da Declaração do Rio de Janeiro da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992: As autoridades nacionais devem esforçar-se para promover a internalização dos custos de proteção do meio ambiente e o uso dos instrumentos econômicos, 21 A gestão de recursos hídricos na França foi iniciada em 1898, teve diversas contribuições em termos de regulamentações de caráter mais setorial e culminou com a lei de dezembro de 1964, que permitiu a criação de um sistema de gestão de águas bastante racional. Segundo essa legislação, a bacia hidrográfica foi definida como a unidade básica de gerenciamento dos recursos hídricos e foi constituído um fundo de investimento. Na estrutura francesa, o Comitê de Bacia é composto por representantes dos usuários (industriais, agricultores, distribuidores de água, associações de pescadores e de turismo etc.), das coletividades locais (eleitos indiretamente) e do Estado (nomeados pelo governo). O Comitê de Bacia elege metade dos membros do conselho de administração da Agência de Bacia. A Agência de Bacia é um órgão público com autonomia financeira que atende a uma ou mais bacias. Suas atividades centram-se na atribuição de empréstimos e subsídios para a realização de obras de interesse comum e na contribuição para a execução de estudos e pesquisas. A agência tem competência para cobrar tarifas dos usuários de água, seja pela quantidade consumida, seja pela poluição provocada (BORSOI e TORRES, 2004). 70 levando-se em conta o conceito de que o poluidor deve, em princípio, assumir o custo da poluição, tendo em vista o interesse do público, sem desvirtuar o comercio e os investimentos intencionais (MACHADO, 2002, p.79). Já o artigo 21 da Lei de águas determina o que deve ser observado na fixação dos valores a serem cobrados: I nas derivações, captações e extrações de água, o volume retirado e seu regime de variação; II nos lançamentos de esgotos e demais líquidos ou gasosos, o volume lançado e seu regime de variação e as características físico-químicas, biológicas e de toxidade do efluente. É importante observar, segundo Nalini (2003, pp.47/48) que a escassez do produto o torna mais valioso. Submeter a água a tratamento, armazená-la, distribuí-la por encanamento, não é barato. Assim, as tarifas tendem a aumentar. Existe um projeto de lei, em curso pela Assembléia Legislativa de São Paulo, cujo objetivo é permitir a cobrança pelo uso da água, não somente da água tratada e fornecida a domicílio. O intuito da cobrança pela utilização dos recursos hídricos é reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor. Além disso, o propósito é incentivar o uso racional e sustentável da água e obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos. Estarão sujeitos à cobrança todos aqueles que utilizam os recursos hídricos. A fixação dos valores a serem cobrados pela utilização dos recursos hídricos considerará três fases: a captação, extração e derivação, a diluição, transporte e assimilação de efluentes e outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente em um corpo d água. Percebe-se, mediante as observações até aqui elencadas, que a cobrança é concebida como instrumento de gestão da escassez de recursos hídricos, 71 A Lei nº 9.433/97 utiliza um princípio segundo o qual o uso da água deve ser pago quando este implica na retirada de determinado volume de água ou no lançamento de poluentes. Significando, em ambos os casos, que os valores cobrados pelo recurso hídrico deverão considerar o impacto ambiental produzido, já que este é de conseqüência das características dos usos supracitados (relação causa-efeito). Como grandes impactos negativos sobre a água podem levar à impossibilidade de seu uso, novamente aparece a necessidade de o valor cobrado junto ao usuário de água ser em função da escassez do recurso hídrico. Mais do que isso, o valor total arrecadado pelo sistema de cobrança deve ser fundamentado na gestão dessa escassez, mesmo que o montante arrecadado sirva para o funcionamento de ações mitigadoras da oferta de recursos hídricos (FONTES E SOUZA, 2004. p.99). Cabe registrar aqui que está prevista a cobrança pela derivação da água ou pela introdução de efluentes nos corpos d água, tendo em vista sua diluição, transporte e assimilação. Dependendo da classe de enquadramento do corpo d água em questão, também deve ser observado que, como numa bacia podem conviver diversas autoridades outorgantes, habilitadas a cobrar pelo uso dos recursos hídricos, é fundamental que a cobrança seja implantada por bacia, e não por rios. Entretanto essa cobrança pelo uso de recursos hídricos não é um novo tributo, destinado a reforçar o orçamento geral da União e Estados; ao contrário visa a reconhecer a água como um bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor (Lei 9.433/97, artigo 19). Essa cobrança ou contraprestação pela utilização das águas públicas conforme Pompeu (apud PEREIRA, 2002, p.121); I - não configura imposto (já que este destina-se a cobrir despesas feitas no interesse comum, sem ter em conta as vantagens particulares obtidas pelos contribuintes); II taxa de polícia 22 não é taxa22 ( já que, não se está diante do exercício de poder de polícia ou da utilização efetiva ou potencial de serviço público taxa de serviço); III Quando um serviço for prestado diretamente pela Administração, a finalidade única da prestação é atender a uma necessidade pública, e a sua remuneração se dará necessariamente por taxa (SPAGNOL, 1994,p.83). 72 não é contribuição de melhoria (já que inexiste obra pública cujo custo deva ser atribuído à valorização de imóveis beneficiados) . E assim, segundo o autor, se está diante de preço público23. Isso posto pode-se constar que a cobrança pelo uso de recursos hídricos, Não é um novo tributo, destinado a reforçar o orçamento geral da União ou dos Estados. Ao contrário, a cobrança visa a reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação do seu real valor (art. 19 da Lei 9.433/97). Visa ainda a implementar o sistema de gestão, que irá garantir a sustentabelidade na utilização do recursos hídricos, tema de interesse de todos os usuários, atuais e das futuras gerações (KELMAN 2004, p.05). Desse modo, no entender de Fontes e Souza (2004, p.99) a cobrança de recursos hídricos constitui-se em tarifa, não se configurando em imposto ou taxa, posto que estes se tratam de tributos que derivam do patrimônio do particular, o que não se aplica a água. Assim, em função dos fundamentos apresentados até agora, conclui-se que a cobrança pelo uso do bem público água trata-se de tarifa ou preço público. De acordo com esse caso, em que a propriedade das águas é pública, o sistema de gestão das águas caracteriza-se por três fatores, segundo Lanna (2000): I) a necessidade de descentralização da gestão, através da qual o Estado, sem abrir mão do domínio sobre a água, permite que sua gestão seja realizada de forma compartilhada com a sociedade, mediante a participação de entidades especialmente implementadas; II) a adoção do planejamento estratégico na unidade de intervenção, bacia hidrográfica, mediante a qual os governos, usuários 23 Quando um serviço público, atendidas as prescrições legais, for prestado por particulares, terá dupla finalidade (satisfação de uma necessidade pública e lucro), e sua remuneração se dará pela figura do preço público (SPAGNOL, 1994,p.83). 73 das águas e sociedade negociam e estabelecem metas de desenvolvimento sustentável atrelada a instrumentos normativos para alcança-las; III) a utilização de instrumentos normativos e econômicos que visem a atingir as metas de desenvolvimento sustentável estabelecidas no planejamento estratégico . Dessa forma, a cobrança pelo uso da água está inserida na Política Nacional dos Recursos Hídricos, configurando instrumento destinado à realização dessa política. E, tão importante quanto se fazer uma cobrança justa e igualitária, será a aplicação dos valores na busca do ecodesenvolvimento. O artigo 22 da Lei n.º 9.433/97 trata da destinação dos valores arrecadados com a cobrança pelo uso dos recursos hídricos, pois, esse dispositivo traz, em seu caput e incisos I e II, in verbis: Artigo 22. Os valores arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos serão aplicados prioritariamente na bacia hidrográfica em que foram gerados e serão utilizados I no financiamento de estudos, programas, projetos e obras incluídos nos Planos de Recursos Hídricos; II no pagamento de despesas de implantação e custeio administrativo dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. A aplicação dos recursos poderá ser feito a fundo perdido, ou seja, o dinheiro retorna à sua origem com vistas ao financiamento de projetos e obras que alterem, de modo considerado benéfico à coletividade, a qualidade, a quantidade e o regime de vazão dos corpos de água (ANTUNES, 2004, p.828). Os valores relativos à cobrança serão decididos em função de um planejamento dos usos dos recursos hídricos e das intervenções necessárias para atingir determinados objetivos de qualidade e garantir a disponibilidade, com a respectiva previsão de custos. Esse fato deixa claro 74 que o montante de recursos arrecadados deverá ser aplicado prioritariamente na própria bacia. Mas com certeza não será algo fácil de implantar, principalmente porque os usuários ainda não estão conscientes dos resultados que poderão ser obtidos através de tal cobrança. Nesse caso, embora a tarifa da água bruta para a irrigação já esteja estabelecida por lei ( o mesmo do setor industrial), devem ser esperadas grandes resistências políticas e sociais à implementação da cobrança neste setor. Reafirmado esse posicionamento Novais (2000, p.15), chama a atenção para os conflitos que podem se originar da relutância da indústria e agricultura em pagar pelo uso, embora estudos demonstrem que o custo ficará entre 0,3% e 0,4% do faturamento, a cobrança pelo uso da água é, portanto, o primeiro passo importante para regular e disciplinar o consumo . Sabendo se disso, deve-se considerar como altamente eficiente na gestão integrada e descentralizada dos recursos hídricos a participação da comunidade e usuários, os mecanismos de negociação e resolução de conflitos, os sistemas de cobrança pelo uso da água, a educação ambiental da população e a introdução de planejamento estratégico e de longo prazo na gestão das bacias hidrográficas, com sustentabilidade. O problema é que muitos usuários não têm consciência do que é efetivamente essa cobrança e como poderá ser usada. Nesse sentido nos mostra Campos e Studart (2001, p.108), que 75 os irrigantes localizados ao longo do rio não têm tradição de serem cobrados pela água captada diretamente do leito do rio perenizado; os irrigantes dos perímetros públicos, por sua vez, tem a percepção que já pagam pela água, através do K2; esta taxa, da ordem de R$ 6 a 10 reais por mil metros cúbicos, cobre, na verdade, unicamente os custos de operação e manutenção do sistema. Todavia, também é importante lembrar que a cobrança é condição necessária, mas não suficiente para atingir a eficiência, a eqüidade e a sustentabilidade. A ela deve-se agregar um modelo de racionalização, onde os usuários e a sociedade em geral devem ficar cientes das limitações do instrumento da cobrança e devem saber que o processo de recuperação ambiental e racionalização dos usos é um processo de longo prazo, que se está apenas iniciando: [...] a venda da água é uma tendência irreversível. Havendo escassez, haverá sobrevalorização e inevitabilidade da cobrança. Além disso, quem paga não desperdiça. O que é desprovido de valor, segundo uma postura cultural bem arraigada na população. Água sempre foi considerada um bem gratuito. As tarifas são até módicas, se pensar na raridade do produto e no seu valor agregado, exatamente porque escasseia em escala geométrica. A cobrança tem por objetivo arrecadar fundos a serem obrigatoriamente revertidos na melhoria da qualidade da água na bacia hidrográfica onde foram obtidos. A captação de água bruta dos rios ou do subsolo hoje não é paga. O pagamento ocorre somente em relação aos serviços de tratamento, distribuição e coleta de águas servidas (NALINI, 2003, p.48-49). Nesse ponto, Garrido (1996) chama a atenção para que se convencione que a cobrança funcione tanto mais como elemento indutor do desenvolvimento e tenha cunho altamente educativo, pois também se presta a sinalizar para o usuário na direção do uso racional dos recursos hídricos, ficando, portanto, clara sua ligação com a motivação econômica. E, sob o ponto de vista social, a cobrança cumpre duplo papel: enquanto de agente de distribuição de renda, de acordo com a sistemática de onerar mais alguns segmentos da sociedade do que outros; e como instrumento pelo qual o usuário de um recurso ambiental de uso comum contribui 76 financeiramente em função do uso econômico desse recurso, gerando fundos de investimento a serem idealmente empregados em projetos de interesse social. O problema é ultrapassar as soluções imediatistas (por exemplo, eleitoralismos interesseiros e ineficazes) e alcançar a busca política genuína e constitucional de remédios estruturais e duradouros (SANTOS, 2003). Muitas dessas políticas não levam em conta quais os impactos que os usos múltiplos dos recursos hídricos causam ao meio ambiente e, por esses motivos não traçam diretrizes para resolver os principais problemas e desafios. Tabela: 04 Síntese dos principais problemas e desafios para a gestão de recursos hídricos no Brasil. Região Norte nordeste CentroOeste Sudeste Usos Navegação Pesca Abastecimento Público Energia Pesca Navegação Turismo Recreação Pesca Navegação Abastecimento Turismo Recreação Abastecimento público Hidroeletricidade Turismo e recreação Pesca e aquacultura Navegação Uso industrial Turismo e recreação Características principais e impactos Abundância de água per capita Desmatamento Queimadas Mineração Escassez de água no semi-árido Salinização Doença de veiculação hídrica Áreas alagadas frágeis e de alta biodiversidade Introdução de espécie exótica Pesca excessiva Desmatamento e Hidrovias Escassez relativa (alta concentração de população) Intensa urbanização Grande numero de espécies exóticas introduzidas Eutrofização e toxidade Aqüíferos contaminados Uso excessivo dos aqüíferos Principais desafios e problemas Conservação e sustentabilidade dos recursos hídricos Saneamento básico Manutenção da biodiversidade Controle da pesca Sustentabelidade do semi-árido Saneamento básico Disponibilidade de água na região urbana e rural, e Incremento da pesca e aquacultura nos grandes reservatórios Conservação Manutenção da sustentabilidade Manutenção da biodiversidade Proteção de ecossistemas representativos Controle da pesca Recuperação de rios, lagos e represas Proteção dos mananciais e da biodiversidade Redução dos custos de tratamento Solução da eutrofização e toxidade Estímulo ao reuso Controle do turismo em grandes represas Recuperação e proteção dos aqüíferos 77 Sul Abastecimento público Irrigação Hidroeletricidade Navegação Pesca Uso industrial Turismo e recreação Abundância de água com tendência à escassez relativa por concentração de população Intensa urbanização Contaminação e poluição por atividades agrícolas Aumento da toxidade e eutrofização Contaminação dos aqüíferos Recuperação de rios, lagos e represas Redução dos custos de tratamento Tratamento da eutrofização e toxidade Proteção dos mananciais Proteção da biodiversidade em alagados Recuperação dos aqüíferos Todas Uso municipal Esgotos não tratados Degradação dos mananciais Contaminação dos aqüíferos Disposição de resíduos sólidos na bacias hidrográficas Proteção dos mananciais Diminuição do desperdício Proteção e conservação das bacias hidrográficas, Tratamento de esgotos, e treinamento de gerentes e Disposição adequada de resíduos sólidos urbanos Fonte: CTHidro (2002) modificado (apud TUNDISI, 2003, p.101) A partir desses dados mostrados na tabela 04, pode-se constatar que os usos múltiplos e os potenciais impactos nos recursos hídricos nacional são de variada magnitude e distribuição pelo país. Eles se devem em parte à urbanização e aos usos agrícolas. Conforme Tundisi (2003, p.03), um dos principais empecilhos ao gerenciamento dos recursos hídricos é controlar efetivamente a disposição de resíduos não tratados, impedindo o uso excessivo dos recursos hídricos através de mecanismos de gestão integrada e descentralizada. Nesse sentido, a cobrança pelo uso da água pode estabelecer de forma indireta a mesma compatibilização entre disponibilidades e demandas, na medida em que o preço cobrado pelo uso da água seja suficientemente indutor, a ponto de que o usuário seja estimulado a tomar medidas para utilizar de forma mais eficiente os recursos hídricos. Além disto, gerar recursos financeiros que poderão ser utilizados para os investimentos na bacia, de acordo com o que é planejado. A Lei 9.433/97 adota o princípio da subsidiariedade ao determinar que a aplicação dos recursos arrecadados seja decidida em primeira instância pelo correspondente comitê de bacia hidrográfica, caso exista, que tem a responsabilidade de aprovar o Plano de Recursos Hídricos da bacia (artigo 78 37). Idealmente, sob a ótica exclusiva da gestão de recursos hídricos, a cobrança deveria ser executada diretamente pela Agência de Água, caso exista, para sinalizar claramente ao usuário que se o pagamento se destina à aplicação na própria bacia. Entretanto, prevalece o pensamento jurídico de que, para que a Agência pudesse efetivamente cobrar, teria que ser instituída pela União ou pelo Estado, mediante autorização legislativa. Esta é a solução adotada na recente Lei de Recursos Hídricos do Estado de Minas Gerais (artigo 37, da Lei 13199/99) (KELMAN,2004.p.5). Entretanto, apesar de ser um componente importante no processo de gestão dos recursos hídricos, o papel efetivo da ANA dependerá muito da forma pela qual desenvolverá suas ações e de como se dará a sua implementação institucional. O poder da Agência Nacional de Águas ANA para arrecadar as receitas vindas da cobrança pelo uso das águas (artigo 4°, IX, da Lei 9.984/2000) é uma inovação que deixa dúvidas no cumprimento da política de descentralização da gestão de recursos hídricos. Para evitar obstáculos à necessária distribuição de receitas hídricas, consta da lei que a aplicação das receitas será feita por meio das Agências de Água, e só na ausência destas é que esses recursos poderão ir para outras entidades (artigo 4°. § 6°, da Lei 9.984/2000) (MACHADO, 2002, p.37). Mas, segundo o disposto no art. 21, § 1°, da Lei 9.984/2000, a ANA manterá registros que permitam correlacionar as receitas com as bacias hidrográficas em que foram geradas . Caso contrário, a Ana poderá privilegiar alguns usuários e prejudicar a outros, ao diminuir a disponibilidade de recursos, o que estaria em desacordo com o 2º e 5º princípios24 da Política Nacional do Meio Ambiente. 24 Segundo a Lei nº. 9.433/97 da PNRH, os princípios básicos que norteiam a gestão de recursos hídricos no Brasil são os seguintes: 1º Princípio Adoção da bacia hidrográfica como unidade de planejamento; 2º Princípio Promoção do uso múltiplo das águas; 3º Princípio Reconhecimento da água como um bem finito e vulnerável; 4º Princípio - Reconhecimento do valor econômico da água; 5º Princípio Gestão descentralizada e participativa. 79 Consoante a este entendimento, Tydeman (1999) realça algumas idéias no sentido de que não há dúvida de que o uso da água deverá ser ajustado de acordo com o que o sistema pode conceder, isso significa que deve ser feito um esforço em desenvolver providências institucionais e financeiras que favoreçam os serviços de água mais adequados à demanda que estimula a conservação e aumenta a recuperação dos custos de todos os setores; desenvolver um plano geral integrado do uso da água, permitindo os recursos de água serem valorizados num nível micro e macroeconômico, notadamente por promover gradualmente os subsídios escondidos e a regulação que distorce o preço do mercado. Caminhos devem ser encontrados para avaliar as externalidades de mercado, sendo capazes de determinar o valor de mercado dos recursos consumidos no futuro, bem como assegurando o funcionamento dos ecossistemas. Paralelamente à aplicação dos recursos hídricos, há que se ter em mente uma real e efetiva aplicação da educação ambiental, pois como nos ensina Isaias e Isaias (2003), a educação ambiental na gestão dos recursos hídricos não deve ficar restrita à divulgação de informações sobre os Comitês e suas deliberações, à organização de reuniões e à confecção e distribuição de folhetos e cartilhas. Esta educação ambiental deverá estar voltada, também, a identificar diferentes atores sociais e motivá-los à participação colaborativa, despertando-lhes a responsabilidade pelo gerenciamento, proteção e ordenação dos recursos hídricos sob sua influência. Dessa maneira, educadores e gestores ambientais, usuários de recursos hídricos com finalidade econômica ou não, estarão em pé de igualdade, tentando compatibilizar interesses em busca de objetivos comuns: assegurar a disponibilidade de água para todos, dentro de padrões de qualidade adequados aos respectivos usos e garantir a sua sustentabilidade em termos quantitativos e qualitativos. 80 Pelo exposto, percebe-se que os investimentos em bacias hidrográficas são geralmente elevados e compreendem reservatórios, sistemas de abastecimento e de esgotos, sistemas de irrigação, criação e fiscalização de reservas etc. Portanto, as formas de financiar os investimentos em bacias hidrográficas são a cobrança pelo uso da água e o rateio dos custos dos investimentos entre os usuários ou beneficiários. É de suma importância a implementação de uma política ambiental que busque evitar a ocorrência de danos ambientais e, ao mesmo tempo, atue como reeducadora dos empreendedores que poluem, como também incentivando toda atividade potencialmente agressora a rever seus procedimentos. A aplicação efetiva das infrações e penalidades aos usuários de recursos hídricos estão estabelecidas na Lei nº. 9.433/97. As infrações referem-se à utilização do recurso hídrico sem a competente outorga de direito de uso, ou em desacordo com esta, à execução de obras em desacordo com os termos da outorga, à declaração incorreta de volumes utilizados ou à fraude nas medições desses volumes, à desobediência às normas estabelecidas no regulamento dessa lei e a regulamentos administrativos fixados por órgãos competentes e ao obstáculo à ação fiscalizadora. São infrações às normas de utilização dos recursos hídricos, segundo artigo 49, da Lei 9.433/97: I derivar ou utilizar recursos hídricos para qualquer finalidade, sem a respectiva outorga de direito de uso; II iniciar a implantação ou implantar empreendimento relacionado com a derivação ou a utilização de recursos hídricos, superficiais ou subterrâneos, que impliquem alterações no regime, quantidade ou qualidade dos mesmos, sem autorização dos órgãos ou entidades competentes; III (Vetado) IV utilizar-se dos recursos hídricos ou executar obras ou serviços relacionados com os mesmos em desacordo com as condições estabelecidas na outorga; V perfurar poços para a extração de água subterrânea ou operá-los sem a devida autorização; 81 VI fraudar as medições dos volumes de água utilizados ou declarar valores diferentes dos medidos; VII infringir normas estabelecidas em regulamento, compreendendo as normas administrativas emanadas do órgãos competentes; VIII obstar ou dificultar as ações da fiscalização competente. A responsabilidade25 objetiva, ou o dever de reparar o dano independente de culpa se funda na idéia de que a pessoa que cria o risco deve reparar o dano advindo da sua ação, como se pode perceber ao observar a Lei 6.938/81, em seu artigo 14, § 1º: Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade . O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente. No campo da responsabilidade civil por poluição de águas doces superficiais, o diploma básico em nosso país é a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), cujas principais virtudes estão no fato de ter consagrado a responsabilidade objetiva do causador do dano e a proteção não só aos interesses individuais como também aos supra individual (interesses difusos, em razão de agressão ao meio ambiente em prejuízo de toda comunidade), conferindo legitimidade ao Ministério Público para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente (PELLACANI, 2005, p.93). Esta reparação significa o ressarcimento ou a compensação do dano sofrido, recompondo a situação jurídica anterior à ocorrência do dano. Segundo Lima (1999, p.116), o que se deve ter em vista nessa reparação é a vitima, assegurando-lhe a reparação do dano e não a idéia de infligir uma pena ao autor do prejuízo causado. Seguindo o entendimento do autor supracitado: 25 Responsabilidade: Capacidade de entendimento ético-jurídico e determinação volitiva adequada, que constitui pressuposto penal necessário da punibilidade. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999,p.1754. 82 O conceito clássico de culpa, sob fundamento psicológico, exigindo do agente a imputabilidade moral, cedeu terreno às várias noções e aplicações da culpa objetiva, no sentido de eliminar da responsabilidade extracontratual o elemento subjetivo. Entretanto, cada vez mais crescente de interesses [...], a necessidade imperiosa de se proteger a vítima, assegurando-lhe a reparação do dano sofrido, em face da luta díspar entre as empresas poderosas e as vítimas desprovidas de recursos; as dificuldades, dia a dia maiores, de se provar a causa dos acidentes produtores de danos e dela se deduzir a culpa, a vista dos fenômenos ainda não bem conhecidos na sua essência, como a eletricidade, a radioatividade e outros, não podiam deixar de influenciar no espírito e na consciência do jurista. Era imprescindível, pois, rebuscar um novo fundamento à responsabilidade extracontratual, que melhor resolvesse o grave problema da reparação dos danos, de molde a se evitarem injustiças. Convém ressaltar que o retorno ao estado anterior não exclui a condenação em dinheiro, conforme nos ensina Pellacani (2005, p.109) embora a indenização, nas vias judiciais, seja o meio mais comumente utilizado para alcançar a reparação do dano causado, é de grande valia ressaltar que nem todo dano se indeniza. É impossível determinar o montante a ser pago no caso da extinção de uma forma de vida, da contaminação de um lençol freático ou da devastação de uma floresta. Nesses casos, a composição monetária é absolutamente insatisfatória. São inúmeros os casos em que é impossível o retorno do bem ambiental à condição anterior. Uma espécie extinta jamais deixará de ser uma espécie extinta; um rio contaminado por metais pesados dificilmente apresentará as mesmas características naturais anteriores. As penalidades são as seguintes, segundo o artigo 50, da Lei de águas: I advertência por escrito, na qual será fixado o prazo para a correção da irregularidade; II multa simples ou diária, proporcional à gravidade da infração; III embargo provisório, por prazo determinado, para a execução de serviços e obras necessários para o cumprimento das normas legais e obras necessários para o cumprimento das normas legais referentes aos recursos hídricos; IV embargo definitivo, com revogação da outorga; 83 Como se constata, as penalidades variam desde a advertência à aplicação de multa, ao embargo provisório e até ao embargo definitivo, dependendo da gravidade da infração. Pode, também, a outorga ser suspensa, caso o usuário não efetue o pagamento dos valores fixados para a cobrança nos prazos e critérios estabelecidos pelo Comitê de Bacia. A esse respeito, Milaré (2004) esclarece que o embargo provisório paralisa a captação, a derivação ou extração da água, sendo imposto tanto no caso de descumprimento das condições da outorga quanto no de desobediência a normas referentes ao uso e proteção dos recursos hídricos. Já o embargo definitivo é imposto nos casos do não cumprimento das obrigações, no prazo estabelecido no embargo provisório, ou no caso de recursos hídricos sem outorga. No caso de infração, a conseqüência é a cassação da outorga. Entretanto, para que esse mecanismo de penalização se torne efetivo, o Estado deve recuperar o prestígio e a credibilidade do Poder Judiciário, desgastado pela inoperância frente ao absurdo número de processos a serem solucionados e que surgem diariamente, passando a alcançar maior agilidade em apresentar soluções aos conflitos surgidos. Para que as penalizações sejam efetivas, é imperioso que o sistema de informações seja ágil e atualizado, aliado ao princípio do poluidor -pagador e usuário-pagador. Segundo Ketelhut, Rodrigues, Garrido et al (2004), em 26/05 de 1972, o Conselho da OCDE (Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico) aprovou uma recomendação sobre os princípios diretores relativos aos aspectos econômicos das políticas ambientais, sobre o plano internacional , no qual instituiu o princípio poluidor-pagador (Polluter - pays principle). A OCDE defendia a necessidade de o Poder Público tomar medidas 84 para reduzir a poluição e buscar melhorar a alocação dos recursos naturais, relacionando o preço dos bens e dos serviços produzidos com a qualidade ou a quantidade dos recursos naturais utilizados nos processos. Assim vimos que instituído o princípio do poluidor pagador estabelece que ao poluidor devem ser imputados os custos necessários à prevenção e ao ambiente em estado aceitável. Isso significa que o custo de tais medidas deve, necessariamente, repercutir no custo dos bens e serviços que dão origem à poluição. Trata-se, segundo Ketelhut, Rodrigues, Garrido et al (2004), em realidade, de um princípio mais fundado em motivações éticas (justiça, eqüidade) que em motivações de eficiência econômica. O juízo de valor subjacente é o direito de todos a um meio ambiente limpo . Entretanto, nos termos do que a OCDE conceitua, por força do princípio poluidor-pagador, os poluidores devem suportar os custos das medidas antipoluição, o que os obrigaria, em princípio, a internalizar uma parte dos custos externos que foram impostos à coletividade. Essa conceituação se coaduna, inclusive com o princípio nº 16 da Declaração do Rio de Janeiro (ECO 92), que estabelece que: As autoridades nacionais devem esforçar-se para promover a internalização dos custos de proteção do meio ambiente e o uso dos instrumentos econômicos, levando-se em conta o conceito de que o poluidor deve, em princípio, assumir o custo da poluição, tendo em vista o interesse público, sem desvirtuar o comércio e os investimentos internacionais . Já o principio do usuário pagador estabelece que os usuários de recursos naturais devem estar sujeitos à aplicação de instrumentos econômicos para que o uso e o aproveitamento desses recursos se processem em beneficio de toda a coletividade. Esse princípio fundamenta-se na idéia de que os recursos ambientais garantem bens e serviços para a coletividade como um todo, 85 em conseqüência a, apropriação desse bem ou serviço por parte de um ou de vários entes privados dá à coletividade o direito a uma compensação financeira. É importante salientar que esse princípio estabelece a possibilidade de cobrança por todas as formas de uso e aproveitamento, sem questionar se essa cobrança é necessária ou desejável. O princípio também não estabelece diretrizes envolvendo modalidades de estrutura e de cálculo para a cobrança. Esse principio, conforme pode-se constatar na lição de Brinckmann. (1999, p.56), reconhece o caráter da água como um bem escasso, isto é, econômico, responsabilizando seu usuário pelo pagamento de uma tarifa que funciona como mecanismo de racionalização e controle, possibilitando geração de recursos financeiros que são investidos na conservação deste bem, a água. O princípio do usuário-pagador não é outro senão uma espécie de compensação pela poluição causada pelo usuário. Derani (1997, p.162) entende que: O princípio do poluidor-pagador (Verursacherprinzip) visa à internalização dos custos relativos externos de deterioração ambiental. Tal traria como conseqüência um maior cuidado em relação ao potencial poluidor da produção, na busca de uma satisfatória qualidade do meio ambiente. Pela aplicação deste princípio, impõe-se ao sujeito econômico (produtor, consumidor, transportador), que nesta relação pode causar um problema ambiental, arcar com os custos da diminuição ou afastamento do dano. Durante o processo produtivo, além do produto a ser comercializado, são produzidas externalidades negativas . São chamadas externalidades porque, embora resultem da produção, são recebidas pela coletividade, ao contrário do lucro, que é percebido pelo produtor privado. Daí a expressão privatização de lucros e socialização de perdas , quando identificadas as externalidades negativas. Com a aplicação do princípio do puluidor-pagador, procura-se corrigir este custo adicionado à sociedade, impondo-se sua internalização. Por isso, este principio também é conhecido como o princípio da responsabilidade (Verantwortungsprinzip). Pelo princípio do poluidor-pagador, arca o causador da poluição com os custos necessários à diminuição, eliminação ou neutralização deste dano. Ele pode, desde que isso seja compatível com as condições da concorrência no mercado, transferir estes custos para o preço do seu produto final. 86 O interesse econômico não pode ser favorecido em detrimento do equilíbrio do meio ambiente. Desse modo, segundo Vinha (2003, p.174), felizmente cada vez mais empresas compreendem que o custo financeiro de reduzir o passivo ambiental e administrar conflitos sociais pode ser mais alto do que o custo de fazer a coisa certa , isto é, de respeitar os direitos humanos e o meio ambiente de todos os povos, pois influenciam a percepção da opinião pública sobre a corporação, dificultando a implementação de novos projetos e a renovação de contratos. Vale ressaltar que este princípio não visa inviabilizar a atividade econômica, mas punir o poluidor que não possui consciência de que o bem ambiental é de uso comum do povo e finito. Desse modo, espera-se que, num futuro próximo, através da adoção dessas medidas preventivas, reparadoras e protetivas, as agressões aos recursos hídricos sejam amenizadas e a cultura predatória seja substituída pela preservacionista. 2.2 A relação entre Desenvolvimento e Ecodesenvolvimento Sendo a água um recurso natural escasso e vital, é incontestável a necessidade de planejar o seu uso, sob a ótica do desenvolvimento sustentável, a fim de evitar as limitações ao desenvolvimento econômico e social em razão da escassez, quantitativa e qualitativa, dos recursos hídricos. Compatibilizar a oferta e a demanda de água, em face de sua disponibilidade efetiva é, certamente, o caminho que conduz à desejada sustentabilidade dos recursos hídricos. O conceito de sustentabilidade ligado à preservação do meio ambiente é uma idéia recente, visto que, nos países desenvolvidos, o ambientalismo criou maiores proporções a partir 87 da década de 50. Isto se deve ao fato de que, a partir dessa época, ficaram evidentes os danos que o crescimento econômico e a industrialização causavam ao meio ambiente, fazendo prever as dificuldades de se manter o desenvolvimento de uma nação com o esgotamento de seus recursos naturais. Desse modo, as questões ambientais foram discutidas pela primeira vez em nível global durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, realizada em Estocolmo em 197226; conforme, Machado (1999), até então o modelo de desenvolvimento vigente caracterizava-se pela utilização não planejada dos recursos naturais. Durante essa Conferência foi introduzido o conceito de desenvolvimento ecologicamente sustentável e socialmente justo, ficando evidente a vulnerabilidade dos ecossistemas, assim como a necessidade de considerar questões ambientais no planejamento das atividades econômicas, o que levou a uma mudança do modelo de desenvolvimento. O termo ecodesenvolvimento foi introduzido por Maurice Strong, secretário geral da Conferencia de Estocolmo 72, e largamente difundido, a partir de 1974. Ele significa o desenvolvimento de um pais ou região, baseado em suas próprias potencialidades, portento endógeno27, sem criar dependência externa, tendo Por finalidade responder à problemática da harmonização dos objetivos sociais econômicos do desenvolvimento com uma gestão ecologicamente prudente dos recursos e do meio (SACHS, 1986, p.45). 26 Declaração de Estocolmo 1972: reza o principio do direito humano: Os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com o meio ambiente (BARBIERI, 2003). 27 Endógeno: Em resumo, o desenvolvimento endógeno é uma interpretação que permite explicar os processos de acumulação de capital e identificar os mecanismos que contribuem para o aumento da produtividade e competitividade de cidades e regiões. É uma interpretação voltada para a ação, associada ao momento em que a sociedade civil se mostra capaz de dar, mediante a política de desenvolvimento local, uma resposta aos desafios produzidos pelo aumento da concorrência nos mercados. O desenvolvimento de formas alternativas de gestão econômica, através das organizações intermediárias, e a criação de associações e de redes públicas e privadas possibilitam que as cidades e regiões otimizem suas vantagens competitivas e sejam incentivadoras do desenvolvimento econômico (BARQUEIRO, 2001,p.3). 88 Essa Conferência foi um ponto de partida para a consideração da limitação ecológica imposta pela natureza ao processo econômico. Consoante a esse entendimento, o ecodesenvolvimento pressupõe uma solidariedade sincrônica com os povos atuais, na medida em que coloca o enfoque da lógica da produção para a ótica das necessidades fundamentais da população; e uma solidariedade diacrônica28, expressa na economia de recursos naturais e na perspectiva ecológica para garantir possibilidade de qualidade de vida às próximas gerações. (MONTIBELLER-FILHO, 2001, p.45). Optar pelo ecodesenvolvimento quer dizer adotar uma orientação de conservar o capital natural para as futuras gerações. Por outro lado, de acordo com Maurice Strong, secretário geral da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, (apud SACHS, 1993, p. 7) Perdemos a inocência. Hoje sabemos que nossa civilização e até mesmo a vida em nosso planeta estarão condenadas, a menos que nos voltemos para o único caminho viável, tanto para os ricos quanto para os pobres. Para isso, é preciso que o Norte diminua seu consumo de recursos e o Sul escape da pobreza. O desenvolvimento e o meio ambiente estão indissoluvelmente vinculados e devem ser tratados mediante a mudança do conteúdo, das modalidades e das utilizações do crescimento. Três critérios fundamentais devem ser obedecidos simultaneamente: equidade social, prudência ecológica e eficiência econômica. Mas, o que realmente importa, segundo o entendimento de Sachs (1993), é superar a visão de desenvolvimento somente como sinônimo de crescimento econômico. Nesse sentido, destacase a importância de alguns eventos, embora reconhecendo a complexidade e a gravidade dos desafios sociais e ambientais enfrentados pela comunidade, o Relatório de Founex, a Declaração 28 Diacrônica: 1. Relativo à diacronia, ou que dela resulta. 2. Que lida com a evolução temporal de determinado fato. (FERREIRA, 1999, p. 675). 1. Relativo à diacronia. 2. relativo ao estudo ou à compreensão de um fato ou de um conjunto de fatos em sua evolução no tempo. 3. LING relativo à abordagem do estudos lingüísticos que focalizam a evolução histórica dos fatos de uma língua. (HOUAISS; VILLAR, 2004, p. 1029). 89 de Estocolmo e a Declaração de Cocoyot (resultante do Simpósio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente PNUMA e da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento, realizada no México em 1974) continham uma mensagem de esperança com respeito ao planejamento e à implementação de estratégias ambientalmente viáveis para promover um desenvolvimento sócioeconômico eqüitativo, ou para o ecodesenvolvimento , para usar um termo sintético, que posteriormente os pesquisadores anglo-saxões denominariam desenvolvimento sustentável 29 . Hoje vários países possuem legislação específica e quase todos possuem ministérios ou agências para o planejamento e implantação de políticas ambientais. No entender de Derani (1997, p.132) O conteúdo da definição de desenvolvimento sustentável passa por uma relação intertemporal, ao vincular a atividade presente aos resultados que dela podem retirar as futuras gerações. As atividades que visam a uma vida melhor no presente não podem ser custeadas pela escassez a ser vivida no futuro. Para tanto, apresentam-se, como elementos a serem trabalhados, os seguintes fatores de produção: natureza, capital, tecnologia; os quais deverão ter sua dinâmica vinculada às aspirações presentes sem danificar possíveis interesses futuros. Além disso, dando-lhes o devido suporte, são necessárias alterações institucionais e nas respectivas políticas, visando uma espécie de planejamento, dentro de uma visão redistributiva das riquezas e dos ônus da atividade humana. Quando se usa a expressão desenvolvimento sustentável, tem-se em mente a expansão de atividade econômica vinculada a uma sustentabelidade tanto econômica quanto ecológica. Os criadores da expressão desenvolvimento sustentável partem da constatação de que o recursos naturais são esgotáveis. Por outro lado apóiam-se no postulado de que crescimento constante da economia é necessário para expandir-se o bem estar pelo mundo. 29 O principio do desenvolvimento sustentável procura conciliar a proteção do meio ambiente com o desenvolvimento socio-econômicos para a melhoria da qualidade de vida do homem. É a utilização racional do recursos naturais não renováveis. Também conhecido como meio ambiente ecologicamente equilibrado ou ecodesenvolvimento (SIRVINSKAS, 2005). 90 Na amplitude da temática sobre o desenvolvimento sustentável, destaca-se a necessidade de haver uma aliança entre o crescimento da economia e a preservação ambiental, a partir de uma mudança na sociedade em que os valores ecológicos sejam tão importante quanto os valores de mercado. Nesse sentido, Iglesias (2004, p. viii), presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento BID, diz que o desenvolvimento sustentável adota uma perspectiva de longo prazo do processo de desenvolvimento econômico e social que compreende a salvaguarda e o incremento do capital ambiental e social e a redução da iniqüidade. Esse conceito ganhou relevância no Relatório da Comissão Brundtland de 1987 e consolidou seu lugar como âncora para as políticas de desenvolvimento durante a Cúpula da Terra de 1992 no Rio de Janeiro. Além disso, o mesmo relatório destaca a importância da participação política, recomendando um equilíbrio entre os recursos e o crescimento demográfico. Porém, a história mostra que essas políticas de desenvolvimento vigente estão marcadas por severas contradições, diversas disparidades Ao mesmo tempo, por exemplo, em que o conhecimento tecnológico disponível multiplicou as capacidades de dominar a natureza, o ser humano está criando desequilíbrios ecológicos de grande magnitude, colocando em perigo aspectos básicos do ecossistema e sua própria sobrevivência. Enquanto as capacidades produtivas levaram a produção mundial a mais de 25 quatrilhões de dólares, as polarizações sociais cresceram acentuadamente e, segundo informes da Organização das Nações Unidas (1998), 358 pessoas são possuidoras de uma riqueza acumulada superior à de 45% da população mundial. As disparidades alcançam os aspectos mais elementares da vida cotidiana. Os acelerados progressos em medicina permitiram uma extensão considerável na expectativa de vida, porém, enquanto nas 26 nações mais ricas esta alcançava, em 1997, os 78 anos de idade, nos 46 países mais pobres era, ao mesmo ano, de 53 anos. (KLIKSBERG, 2001,p.106). Verifica-se, portanto, que os reflexos do desenrolar das atividades econômicas são os determinantes da forma de exploração dos recursos naturais. Entretanto, ao relacionar-se 91 ecodesenvolvimento30 com desenvolvimento, percebe-se que este, também, pode ser visto como um processo de expansão de liberdades, conforme nos mostra Sen (2000, p.17): O enfoque nas liberdades humanas contrasta com visões restritas de desenvolvimento, como as que identificam desenvolvimento com crescimento do Produto Nacional Bruto (PNB), aumento de rendas pessoais, industrialização, avanço tecnológico ou modernização social. O crescimento do PNB ou das rendas individuais obviamente pode ser muito importante como um meio de expandir as liberdades desfrutadas pelos membros da sociedade. Mas as liberdades dependem também de outros determinantes, como as disposições sociais e econômicas (por exemplo, os serviços de educação e saúde) e os direitos civis (por exemplo, a liberdade de participar de decisões e averiguações públicas). De forma análoga, a industrialização, o progresso tecnológico ou a modernização social podem contribuir substancialmente para expandir a liberdade humana, mas ela depende também de outras influências. A partir destas percepções do enfoque meramente técnico, e a necessidade de delimitar fins e meios, debatem-se visões ampliadoras dos objetivos que deveriam ser perseguidos pelo desenvolvimento. Junto ao crescimento econômico, surge a necessidade de alcançar-se a democracia e preservar o equilíbrio do meio ambiente. O Consenso de Presidentes da América, em Santiago (1998), refletiu esta ordem de preocupações, incluindo, em seu plano de ação, pontos que excedem as abordagens convencionais, como, entre outros, a ênfase na promoção da educação, a preservação e aprofundamento da democracia, a justiça e os direitos humanos, a luta contra a pobreza e a discriminação, o fortalecimento dos mercados financeiros e a cooperação regional em assuntos ambientais. Segundo Capra (2002, p.157) Com efeito, nesta virada de século, já está mais do que evidente que nossas atividades econômicas estão prejudicando a biosfera e a vida humana de tal modo que, em pouco tempo, os danos poderão tornar-se irreversíveis. Nessa 30 [...] Ecodesenvolvimento o qual distingue-se do desenvolvimento sustentável principalmente pelo seu caráter de auto- sustentável (MONTIBELLER-FILHO, 2001, p. 48). 92 precária situação, é essencial que a humanidade reduza sistematicamente o impacto das suas atividades sobre o meio ambiente natural. Esta ação deverá estar baseada na transparência e participação das ações desenvolvidas pelas instituições sociais; nesse sentido, Frantz (2003, p. 28) elucida que É importante ressaltar que um dos desafios maiores, na atualidade, no processo de desenvolvimento é o de submeter a economia à política, a política à ecologia, a tecnologia à ética e às necessidades do homem e não apenas à racionalidade do capital, do lucro. É preciso superar a ideologia da técnica no processo do desenvolvimento, produzindo clareza sobre o uso da tecnologia adaptada, sustentável ambientalmente, socialmente justa. Os objetivos sociais devem predominar sobre os objetivos econômicos. Em sentido mais amplo, a estratégia de desenvolvimento sustentável visa a promover a harmonia entre os seres humanos e entre a humanidade e a natureza: Desenvolvimento sustentável implica, então, no ideal de um desenvolvimento harmônico da economia e ecologia que devem ser ajustados numa correlação de valores onde o máximo econômico reflita igualmente um máximo ecológico. Na tentativa de conciliar a limitação dos recursos naturais com o ilimitado crescimento econômico, são condicionadas à consecução do desenvolvimento sustentável mudanças no estado da técnica e na organização social (DERANI, 1997, p.132). Atualmente, convergentemente à discussão sobre desenvolvimento sustentável, cresce a preocupação com o equilíbrio das condições de vida no planeta Terra, segundo Rivero (2002, p.186) estima-se que: Até o ano de 2020, a população dos países pobres terá quase dobrado, atingindo 6,6 bilhões, e será majoritariamente urbana. A menos que haja uma queda drástica e sem precedentes da taxa de natalidade, e um aumento também sem precedentes na disponibilidade de alimentos, energia, água, empregos, grande parte da população do mundo desenvolvido viverá em megalópoles caóticas com 93 milhões de pobres desempregados, subnutridos, cercados de poluição e violência. Outra necessidade critica, segundo Lovejoy (2002), é considerar o desenvolvimento dentro de todo um sistema ambiental vasto, dado que os problemas ambientais freqüentemente se instalam sem chamar a atenção, crescendo aos poucos, cada aumento parecendo coisa razoável a seu tempo e em seu contexto. No entanto, o agregado é desastroso. Cinqüenta anos de decisões sobre o uso da água provocaram caos no ecossistema do Sul da Flórida, exigindo um esforço multibilionário para restaurar o esgotamento natural. A situação grave em que está o mundo natural é problema dos mais difíceis e resistentes. É assunto para todas as nações e exige tanto iniciativas nacionais quanto a colaboração internacional. O desafio também esta totalmente ligado à condição em que as pessoas vivem, envolvendo a pobreza e a desigualdade. A busca e a conquista de um ponto de equilíbrio entre o desenvolvimento social, o crescimento econômico e a utilização dos recursos naturais exigem um adequado planejamento territorial que tenha em conta os limites da sustentabilidade. Entretanto, para que esse ponto e equilíbrio seja efetivo, tem-se a necessidade de conciliar o binômio economia e ecologia, consoante a este entendimento Sirvinskas (2005, p.44) esclarece que: Posto isso como se deve interpretar a expressão meio ambiente ecologicamente equilibrado, desenvolvimento sustentável ou ecodesenvolvimento? Essas expressões devem ser interpretadas conciliando o binômio econômico (art. 170, VI, da CF) versus meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, caput, da CF) 94 Por mais complexa que seja essa conciliação31, ela será possível com a aplicação de políticas inteligentes políticas associadas à manutenção dos ecossistemas, com interação ativa entre o Estado governo e população e, nesse caso, o instrumento da cobrança pelo uso da água pode ser indutor de mudança redirecionando os sistemas produtivos e sociais ao consumo sustentável. Buscando-se a disseminação de uma cultura mais racional, já esta se tornando comum o surgimento de expressões como ecoturismo32, ecopedagogia33, ecoeficiência34, entre outras. Essa nova dialética não apenas se opõe ao modo de exploração vigente, mas busca uma aproximação do cidadão para com os problemas ambientais. Essas concepções criam uma relação das práticas sociais com o meio ambiente, que se dá principalmente por meio da paisagem, transformada em produto a ser consumido. Nesse sentido nos mostra Ferrer (2002,p.78) no existe aparato coactivo que defienda los elementos ambientales comunes, ni autoridad que lo imponga, ni, añado , lo que es peor, existe todavía la asentada y 31 Assim conciliar meio ambiente e desenvolvimento significa considerar os problemas ambientais dentro de um processo contínuo de planejamento, atendendo-se adequadamente às exigências de ambos e observando-se as suas inter-relações particulares a cada contexto sócio-cultural, político, econômico e ecológico, dentro de uma dimensão tempo/espaço. Em outras palavras, isso implica dizer que a política ambiental não se deve erigir em obstáculo ao desenvolvimento , mas sim em um de seus instrumentos, ao propiciar a gestão racional dos recursos naturais, os quais constituem a base material. (MILARÉ, 2004, p.36) 32 Ecoturismo ou turismo ecológico: ... é a modalidade de turismo cujas bases estão fincadas nas propostas de desenvolvimento sustentável: comprometimento com as gerações futuras, justiça social e eficiência econômica; considerando o ambiente nas suas múltiplas conexões-naturais, econômicos, sociais e culturais (FARIA e CARNEIRO, 2001, p. 70). 32 Ecopedagogia: é a valorização da diversidade cultural, a garantia para a manifestação das minorias étnicas, religiosas, políticas e sexuais, a democratização da informação e a redução do tempo de trabalho para que todas as pessoas possam participar dos bens culturais da humanidade. A ecopedagogia, portanto, é uma pedagogia da educação multicultural.(REVISTA EDUCAÇÃO, 1999,p.42). 34 Ecoeficiência: o propósito é incentivar mecanismos de certificação e procedimentos voluntários de monitoramento. As empresas precisam ser conscientizadas de sua responsabilidade quando lançam no mercado produtos que podem comprometer o ambiente. A tecnologia disponível é suficiente para a adoção de alternativa mais saudável, em termos de preservação, mais econômica, o que interessa ao capital e eticamente irrepreensíveis, o que interessa ao marketing ( NALINI, 2003, p. 152). 95 generalizada conciencia de que atacarlos constituya un crimen contra la Humanidad. Corregir la demanda, que es el único factor que puede modificar el modelo de desarrollo. Todos sabemos lo que es el desarrollo sostenible, pero nadie sabe, o mejor, quiere saber, cual es el camino para alcanzarlo. Luce muy bien en el discurso político y se aplican algunos parches de insignificantes transcendencia, pero nadie plantea seriamente los sacrificios y renuncias que exigiría a nuestra oputas sociedades y a sus orgulhosos consumidores/eletores. En tto en cuanto el progreso tecnológico nos permita mantener, e incluso incrementar, nuestros niveles de consumo al reducir los impactos ambientales por unidad producida, cabalmente se precisa es reducir, o simplesmente acomodar o reorientar, nuestro consumo, el sistema falla estrepitosamente y el desarrollo sostenible se retira discretamente por el foro . Atento a esses fatos, o legislador constituinte de 1988 verificou que o crescimento das atividades econômicas merecia um novo tratamento. Não mais se poderia permitir que elas se desenvolvessem alheias aos fatos contemporâneos. A preservação do meio ambiente, então , passou a ser a palavra de ordem, porquanto a sua contínua degradação implicaria na diminuição da capacidade econômica do país e não seria possível à nossa geração e, principalmente, às futuras desfrutar de uma vida com qualidade. Diante do exposto, percebe-se que a liberdade de agir e dispor tratado no texto constitucional passou a ser compreendida de forma mais restrita, o que significa dizer que não existe de fato uma livre iniciativa voltada à disposição de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. E este deve ser o objetivo, à que se busca na verdade, a coexistência de ambos sem que a ordem econômica inviabilize um meio ambiente ecologicamente equilibrado e sem que este obste o desenvolvimento econômico. 2.3 Possíveis impactos da cobrança pelo uso da água e o ecodesenvolvimento 96 O uso excessivo e indiscriminado da água pode acarretar a diminuição do volume, ou esgotamento, dos aqüíferos subterrâneos, e mesmo dos estoques de água existentes na superfície, em lagos ou rios. Conforme Souza Filho e Gouveia (2001), o gerenciamento de recursos hídricos, para múltiplos propósitos, usos e objetivos, freqüentemente envolve diversos interesses que acarretam disputas. O gerenciamento dos conflitos está associada às incertezas no suprimento (demanda) nas modificações decorrentes de restrições institucionais e legais, e, ainda, a uma série de outros fatores inerentes ao ambiente gerencial, sendo indispensável uma negociação racional. Nesse caso, a cobrança pelo uso da água será um instrumento poderoso de ligação entre os instrumentos econômicos e os padrões ambientais. O problema é que, com a cobrança pelo uso da água estabelecida de forma não criteriosa, muitos setores usuários, especialmente a irrigação e a industria serão impactados35 negativamente, conforme Damásio, Fernandez, e outros (2004, p. 497): Na indústria, a cobrança plana pelo uso da água poderá aguçar os problemas já enfrentados por alguns segmentos, reduzir a geração de empregos na indústria e pressionar a inflação do país. Na irrigação, essa cobrança pode causar efeitos ainda mais graves, até mesmo inviabilizando o plantio na melhor técnica. Por exemplo, ao tratar usuários diferentes de forma igual, a cobrança plana poderá criar distorções graves na economia, com sérias repercussões na cadeia produtiva do País.[...] O impacto estimado sobre os usuários domésticos foi bem mais significativo, representando um acréscimo médio de 18% na conta de água de uma família que consumisse 20m³ de água por mês, enquanto que a cobrança pelo esgoto significaria um acréscimo médio em torno de 9% para municípios com estação de tratamento elevatória (ETE) e 40% para aqueles sem ETE. Dependendo dos critérios de cobrança estabelecidos, as indústria poderão ser pesadamente oneradas e afetadas em sua competitividade, principalmente aquelas de uso intensivo de água, como é o caso da siderurgia brasileira. No entender de Yuan (2003), essas 35 Impactos: Mudanças introduzidas pelo homem no ambiente natural (NALINI, 2003,p. 308). 97 empresas consomem de 50 a 300m³ de água por tonelada de aço produzido, dependendo da rota tecnológica, do porte e da gama de produtos fabricados. O volume de água que circula em uma usina de grande porte eqüivale ao consumo de água de uma cidade de cerca de 4 milhões de habitantes. Em função do significativo volume de água em circulação nas unidades de produção, as empresas siderúrgicas vêm, desde a década de 80, empreendendo esforços para fechar circuitos de água de processo, com taxa média de circulação em torno de 90%, o que diminui consideravelmente a captação de água e o lançamento de efluentes industriais nos corpos d água. Por outro lado, a instituição da cobrança pelo uso dos recursos hídricos, sem dúvida, induzirá à maior otimização dos ciclos internos de produção, fazendo com que as empresas busquem ainda mais maximizar a reciclagem das águas usadas no processo. Entretanto, segundo Faria (2005), no futuro, os usuários da água para fins domésticos e industriais vão competir cada vez mais com a agricultura irrigada, porque para produzir uma tonelada de grãos são necessárias mil toneladas de água, e a para uma tonelada de arroz, duas mil toneladas de água. Além disso, sistemas de irrigação mal planejados ou mal operados podem provocar a salinização e degradação dos solos, somente com a melhoria da eficiência dos sistemas de irrigação é, portanto um requisito prioritário para atingir o desenvolvimento sustentável. Não obstante, cabe registrar interessante estudo de sobre o impacto da cobrança pelos usos da água para os usuários de água potável, feita por Damásio, Fernandez, e et al, (2004) na bacia hidrográfica do Pirapama no Estado de Pernambuco, sendo que foi avaliado separando-se os consumidores em dois grupos: os de baixa renda e os de renda média-alta. Estimou-se que a 98 cobrança pelo uso da água bruta aumentará a conta de água do usuário de baixa renda em R$ 0,19, o que significa um acréscimo da ordem de 4,1% no seu gasto mensal com água. Por outro lado, o consumidor de classe de renda média-alta terá um aumento médio de R$ 0,59, o que representa um acréscimo de 1,9% no valor da conta mensal de água. O valor pago pelo uso da água para diluição de esgotamento sanitário, que foi de R$ 0,25, contribuirá para aumentar o gasto do consumidor em 5,4%, no grupo de renda baixa, e 2,5% no grupo de renda mais alta. No caso dos consumidores de baixa renda, a implementação da cobrança com base nos preços significaria um aumento de 9,6% nos seus gastos; já para os de renda média-alta, a implementação desses preços representaria um acréscimo de 4,3% no dispêndio com água e esgoto dos mesmos. Isso significa que o impacto dessa cobrança sobre os consumidor mais pobre é mais de duas vezes superior ao impacto sobre o orçamento daquele da classe de renda média-alta. Também segundo os autores supra citados, outro setor que será significativamente impactado, será o agrícola, face à implementação da cobrança pelo uso da água na irrigação; com base na política de preços ótimos, significará cobrar a quantia de R$ 9,54 por 1.000m³ de água captada. Isso representará uma redução na margem de lucro dos irrigantes (em relação à agricultura de sequeiro) da ordem de 70%. Essa redução é bastante significativa e só poderá ser absorvida com a extinção das culturas menos rentáveis e a introdução de outras mais rentáveis. No caso da cobrança pelo uso da água para geração de energia elétrica, resultou num acréscimo no custo de produção de R$ 9,68 por MWh de energia elétrica produzida, representando um acréscimo de 28% no custo de produção das usinas hidrelétricas. E, para o abastecimento industrial, implicou um aumento de quase 24% do custo de captação; já na diluição de carga 99 orgânica produzida pelas usinas sucro-alcooleiras através da prática da fertirrigação, acarretou um acréscimo de 0,7% do custo de produção de álcool. Diante do exposto, pode-se constatar que esses setores repassarão para a sociedade esse ônus, agregando mais valor aos serviços e produtos, decorrente de alterações nos custos de utilização e produção. Mas, por outro lado, o impacto da cobrança tem motivado as empresas para a pesquisa e o desenvolvimento de técnicas de redução do uso da água. Entretanto, como esse sistema de cobrança ainda é incipiente, surgem incertezas quanto aos riscos e medidas que deverão ser tomadas, conforme poder-se-á observar na tabela abaixo: Tabela 05: Incertezas e riscos no processo da cobrança Fases Incertezas Riscos Medidas Enquadramento dos corpos de água Avaliação da disponibilidade local Identificação do grau de regulariz. De obras hidráulicas Determinação da vazão captada Det. do regime de variação Adequação do enquadramento Quant. e qualidade disponíveis Vazão regularizada Enquadramento incorreto Valor da vazão captada Vazão subestimada/ Déficit de receita Erro no valor do coeficiente Melhoria do processo de enquadramento Aperf. do método de avaliação/ quant. do erro Quantificação do risco de falha no suprimento Quantificação do déficit provável Quantificação do déficit provável Quantificação do déficit provável Quantif. do risco de poluição e de perda financeira Quantificação do déficit provável Quantif. do risco de poluição e de perda financeira Melhora dos métodos de análise/ quantificação dos erros e de perdas financeiras Quanti. dos riscos ou subst. de métodos Qualificação dos riscos Melhoria do sistema Quantificar o risco financeiro Quantificar o risco financeiro Coeficiente de variação Erros na avaliação quantitativa e qualitativa Falta de água Estimativa do consumo efetivo Água consumida Consumo subestimado Identificação da finalidade Uso inadequado Uso da água Determinação da carga Quantif. e qualificação poluente lançada das cargas poluidoras Identificação da natureza da Fontes poluidoras e forma atividade poluidora de poluição Quantificação subestimada e qualificação inadequada Subestimação da capacidade poluidora Escolha da metodologia de Adequação à realidade cálculo local Impraticabilidade da metodologia Cálculo do valor a cobrar Estimativa de receita Perdas financeiras Negociação do valor a cobrar Registro do débito Execução da cobrança Êxito da negociação Inaceitabilidade ou impasses Contabilidade Falha contábil Capacidade de pagamento Falta de pagamento Recebimento do valor cobrado Eficácia do sistema Falta de controle 100 Fonte: VIEIRA (2001,p.137) As incertezas geram ou implicam em riscos, entendendo-se por riscos a probabilidade ou possibilidade da ocorrência de valores, eventos ou fenômenos indesejáveis ou adversos. O gerenciamento do risco pode tornar mais eficiente o uso dos recursos hídricos disponíveis, incorporando-se aos processos decisórios mecanismos de otimização de comportamento perante os riscos. Os riscos podem ser classificados, segundo Vieira (2001, p.133), em físicos ou estruturais, econômicos, sociais, ambientais e administrativos, que, por sua vez, podem se desdobrar em componentes e sub-componentes, em sucessivos níveis de detalhamento . Desse modo, avaliados os riscos pode-se construir um modelo indicador de medidas ou ações a serem tomadas em função dos tipos de riscos considerados, para cada tipo de atividade que se deseje gerenciar. Por outro lado, Buarque (2002, p.105), afirma que ao discutir e introduzir reformulações nas medidas se poderá minimizar os efeitos negativos e otimizar os positivos, de modo a alcançar o melhor desempenho geral das ações combinadas e, portanto, a promoção do desenvolvimento sustentável. Ou seja, na medida em que se evidenciem impactos negativos de alguma ação, deve-se procurar alternativas que permitam alterar o conteúdo e a orientação básica de tal ação, para reduzir seus efeitos negativos. Os conflitos de interesse com relação ao uso da água, representados pelo setor hidrelétrico, pelos complexos industriais, pelas necessidades de abastecimento urbano, irrigação e adensamento urbano industrial, por seu turno, evidenciam a necessidade de articulação interinstitucional para a adoção de uma política de gestão integrada de recursos hídricos. Porque, 101 de fato, a verdadeira escolha não é entre desenvolvimento e meio ambiente, mas entre formas de desenvolvimentos sensíveis ou insensíveis à questão ambiental (SACHS, 1993,p.17). Nesse sentido, a cobrança pelo uso da água vem sendo adotada como um ponto positivo, pois conforme Carvalho (2003, p.267): Trata-se de medida importante para valorar economicamente um recurso natural estratégico, servindo também, como instrumento à disposição do Poder Executivo para promover justiça fiscal, à medida que legitima obtenção de lucros da exploração de determinados recursos da natureza, constitucionalmente considerados como bens coletivos de uso comum do povo, não podendo significar a socialização dos prejuízos ambientais decorrentes do sobre uso dos bens naturais e da poluição provocada pela exploração e transformação desses recursos. Do ponto de vista social, a cobrança desempenha, também, papel de agente de distribuição de renda, quando o recurso ambiental adquirido gera fundo de investimento a ser empregado em projetos de interesse social, conforme se pode observar na figura abaixo, que trata da hierarquia dos objetivos estipulada pela Política Nacional de Recursos Hídricos. Figura 02: Hierarquia dos objetivos da cobrança pelo uso da água disponível no ambiente. 102 Fonte: JARDIM (2003, p.101) com base na Lei Federal 9.433/97 Conforme observa-se na figura acima, o objetivo mais importante deste instrumento é garantir a seus usuários um uso eficiente dos recursos hídricos, evitando possíveis distorções na economia, entre custos sociais e privados, maximizando a eficiência econômica e distributiva entre os setores, tentando combater distorções que, segundo Santos (1999, p.161), a sua alocação, ineficiente sem dúvida, vai se tornar cada vez mais um entrave a desenvolvimento econômico . Exemplo dessa alocação ineficiente, segundo Tundisi (2003, p.159) O problema dos custos de tratamento para produção de águas de abastecimento está relacionado com a qualidade da água, e não somente com a sua quantidade. Se os mananciais estiverem em excelente estado de conservação e a qualidade da água for muito boa, apenas poucas intervenções serão necessárias para produzir o suprimento de água adequado. Neste caso, os custos do tratamento são muito mais baixos. Em muitos municípios brasileiros, com mananciais bem conservados e florestas ripárias mantidas com pouco ou nenhum grau de contaminação agrícola, o custo do tratamento da água é de R$ 0,50 a R$ 0,80/1.000m³ em águas com mananciais deteriorados, contaminação química ou degradação pela composição de biomassa, aumento da toxidade por florescimentos de cianofíceas e liberação de toxinas, os custos do tratamento podem atingir de R$ 35,00 a R$ 40,00/1000m³. 103 Portanto, os custos do tratamento estão diretamente relacionados à qualidade da água dos mananciais e das fontes de abastecimento. Para se tentar resolver este problema, Cánepa (2000) diz que a adoção crescente de instrumentos econômicos, no sentido de induzir os agentes econômicos ao abatimento da descarga de efluentes e ao uso mais moderado dos recursos naturais, resulta diretamente num marco analítico custo-efetividade, que se integra perfeitamente ao uso dos padrões de qualidade dos corpos receptores. De fato, estabelecidos os padrões de qualidade para um trecho de rio, por exemplo, é possível induzir os agentes (consumidores, indústria, agricultores, etc.) a moderar o uso dos recursos tanto no lado da retirada de água como no lado do despejo de efluentes, e assim respeitar o padrão de qualidade ou encaminhar-se para sua consecução, mediante o uso de um dos dois principais instrumentos econômicos à disposição: a cobrança de um preço (uma renda de escassez) pelo uso do recurso, ou o estabelecimento de permissões negociáveis de utilização. Tanto um como outro instrumento permitem atingir um total de utilizações que não ultrapasse a capacidade de suporte ou assimilação do trecho de rio em questão. O meio ambiente não pode aparecer neste processo como apêndice, mas como estratégia de negócios, na qual os principais instrumentos da política econômica devem estimular a sustentabilidade, premiar o uso sustentável dos recursos naturais e promover o bem-estar das pessoas. Segundo Carvalho (2003) do mesmo modo, devem desestimular as práticas poluidoras e punir o uso predatório da natureza e a espoliação do trabalho. A utilização dos instrumentos econômicos, ao lado dos mecanismos de comando e controle do Estado, precisa ser contextualizada para que tenham a força de uma política de dimensão nacional, essencial para redefinir o papel do Estado e influenciar a atuação do Poder Executivo. Este novo ciclo de gestão do meio ambiente exige uma abordagem integrada da política ambiental, pois há, na natureza, 104 uma relação de total interdependência entre os recursos naturais. Florestas, águas, fauna e biodiversidade não existem separadamente, mas num processo de completa coexistência. Basta esta realidade para entender que a gestão ambiental, aplicada aos recursos naturais renováveis, precisa aproveitar a arquitetura da própria natureza para orientar os projetos de engenharia institucional direcionados à formulação e implantação das políticas de conservação e uso sustentável desses recursos. Por isso, é fundamental estar atento aos mecanismos de integração e articulação dessas políticas, para assegurar a necessária unidade nacional e a visão de conjunto das políticas de gestão do patrimônio natural do país. De acordo com Zaoual (2003), o problema do desenvolvimento não pode ser definido fora do paradigma que estrutura em profundidade a civilização do capitalismo. É um sistema que combina o mercado, a ciência, a tecnologia e procede, de um lado, por meio de concorrência e de acumulação de riquezas e, de outro, por intermédio de empobrecimento antropológico e material. O sistema em questão é programado para estender ao infinito sua hegemonia e sua exploração da diversidade humana e dos recursos naturais, codificando tudo o que possa aumentar seus lucros e destrói tudo o que não responde à sua nomenclatura de domínio e acumulação. Nessa seleção, a diversidade do mundo humano e ecológico corre riscos mais irreversíveis. O lucro é o projeto e o motor e os homens, as sociedades, os vegetais, os animais, todo o mundo está submetido a essa seleção. O sistema desenvolve todo o tipo de saber para desvendar os segredos da natureza, norteado por um único valor: o de agregar um valor mercantil, incorporando um lucro máximo. A cultura do capitalismo percebe e concebe a natureza como simples reservatório de energia, explorável à vontade. Disso resulta a depredação do planeta. Toda a sutileza da própria idéia de uma ciência econômica consiste em criar crenças científicas e sociais que a legitime e a realize nos fatos. 105 Assim, os impactos positivos e negativos devem ser verificados quanto à sua real ocorrência e dimensão, na tentativa de se estabelecerem efeitos comparativos entre realidades diferentes, de modo a propiciar a avaliação correta das possíveis alternativas, na busca do ecodesenvolvimento: El Derecho Ambiental unicamente adquirirá su madurez plena y podremos hablar de él con absoluta consistenci cuando sea el fruto de un nuevo contrato social, en el que esta vez se materealice un acuerdo voluntario de los Estados que defina, tanto su relación mutua, como el establecimiento de una autoridad común. La cabal protección del medio ambiente obliga la búsqueda de mecanismos institucionales que assegurem le eficaz materializacíón del solidariedad, en el que se inspira los nuevos derechos sociales, aunque con distinto alcance (FERRER,2002, p.88). A cobrança se caracteriza, nesse instrumento ou mecanismo institucional, que materializa a solidariedade, quando se transforma em um elemento capaz de propiciar a racionalidade no uso, ou quando dissuade os usuários de poluir estimulando a adoção de técnicas limpas. Nesse contexto, elucida Almeida (2003), não há possibilidade de desenvolvimento sustentável sem mudanças dos padrões de consumo e de produção. O consumo sustentável não tem a ver necessariamente com consumir menos, e, sim, consumir de forma eficiente Dessa forma, qualquer nível de cobrança tende a induzir melhorais na qualidade da água, seja por mudanças de comportamento por parte dos usuários na busca de redução de custos, seja porque gera ativos financeiros que podem ser aplicados no controle, proteção e tratamento do recurso. Portanto, no contexto da gestão de bacias hidrográficas, entende-se que o bem maior não é a água, mas a garantia do seu abastecimento; e o objetivo principal da cobrança não é 106 apenas o de auferir lucros, mas o de aumentar a disponibilidade de recursos hídricos através da preservação ambiental. 2.4 Direito à água, exclusão social e saneamento básico A cobrança pelo uso da água está vinculada diretamente à outorga de direitos de uso de recursos hídricos, sendo descartada a possibilidade de cobrança quando esses recursos hídricos forem para a satisfação das necessidades de pequenos núcleos populacionais, distribuídos no meio rural; quando as derivações, captações e lançamentos forem considerados insignificantes; assim como quando forem as acumulações de volumes de água. Nesse tópico, tomar-se-á por base a lição de Machado (2002), ao nos mostrar que a lei brasileira entrelaçou a cobrança das águas à outorga (artigo 20, caput, da Lei nº 9.433/1007). O uso da água em pequena quantidade é gratuito e estando em consonância com a Agenda 21, que afirma: Ao desenvolver e usar os recursos hídricos deve-se dar prioridade à satisfação das necessidades básicas e à proteção dos ecossistemas. No entanto, uma vez satisfeitas estas necessidades, os usuários da água devem pagar tarifas adequadas (18.8). O uso gratuito é para a água de beber e para o uso na alimentação e na higiene pessoais. Antes de cogitar-se sobre se o usuário é carente ou de baixa renda, deve-se ver nesse fornecimento de água uma atividade social obrigatória, através do Poder Público. Quando se fala em água, aparece o conceito de bem comum. E a água integrando o meio ambiente é "bem de uso comum do povo (artigo 225, caput, da CF). Inconstitucional e ilegal é portanto, o corte de água feito por qualquer órgão público ou por concessionárias do serviço público de abastecimento de água com relação àqueles que não puderem pagar o quantum mínimo desse recurso necessário para a sobrevivência. Além 107 da Ação Civil Pública, o Mandado de Segurança e a Ação Popular são instrumentos eficazes para corrigir esse acintoso desvio de poder. Porém, como até o momento não houve definição regulamentar sobre uso insignificante , temos de nos valer de conceitos internacionais. Para tantos, as necessidades básicas de cada ser humano residente na zona urbana são estimadas em 40 litros por dia segundo a Agenda 21 (18.58-a). Esse uso insignificante pode variar de país para país. Para mostrar essa disparidade média de consumo entre os países do Primeiro Mundo e os países pobres, Antunes (2004, p.796) diz que em média, a quantidade de água consumida por um cidadão europeu é setenta vezes maior do que a de um habitante de Gana. Um norte-americano consome 300 vezes mais água que um ganense . Já o brasileiro, segundo dados do IBGE (2002), "recebe em média 260 litros de água por dia., e em 2002 foram distribuídos diariamente, no conjunto do país, 0,26m³ (ou 260 litros) de água per capita, média que variou bastante entre as regiões. Na região Sudeste, o volume distribuído alcançou 0,36m³ per capita, enquanto no Nordeste ele não chegou à metade, apresentando uma média de apenas 0,17m³". O acesso à água para todos promove novas formas de integração social e de cidadania, especialmente levando-se em conta a saúde humana, a qualidade e a expectativa de vida. É fato reconhecido e demonstrado, por exemplo, a enorme redução de mortalidade infantil proporcionada pelo acesso à água tratada e de qualidade. Tundisi (2003) nos diz que, em grandes centros urbanos, especialmente de países em desenvolvimento ou emergentes, a população da área central recebe a água que o setor público distribui às residências, escolas, indústrias, clubes ou associações e comércio. Já a população situada em áreas periurbanas não tem acesso à água encanada e, portanto, depende da água distribuída por companhias privadas, em carros-pipas, 108 tendo de pagar mais caro por uma água de pior qualidade. A população da zona central das cidades, em muitos países, gasta 1% do salário com a água, enquanto o restante da população gasta cerca de 15%. Igualmente exclusiva é a distribuição de águas à população rural, que, além de não ter acesso à água adequada, depende do uso de cacimbas ou poços sem águas tratadas e de baixa qualidade ou, em muitos casos, contaminados por resíduos de fossas, pocilgas ou estábulos com grande concentração de coliformes fecais. Portanto, todos os projetos e iniciativas que promovem a chegada de água de qualidade às zonas periurbanas e rurais, especialmente para populações de baixa renda, representam políticas públicas de inclusão social e de equidade entre os cidadãos. Investimentos em saneamento, igualmente, também representam formas de inclusão social, principalmente no que tange ao tratamento de esgotos, dado que diminuem a incidência de doenças e as internações hospitalares, ao mesmo tempo em que evitam o comprometimento dos recursos hídricos. Além disso, vale ressaltar que o acesso a um suprimento adequado de água limpa é um direito básico do ser humano: Todas as pessoas têm direito à água limpa e sistemas públicos de fornecimento de saneamento básico independentemente de onde vivam. Este direito é melhor protegido mantendo-se os serviços de água e esgoto no setor público, regulando a proteção dos suprimentos de água e promovendo o uso eficiente da água. Este é o único modo de preservar suprimentos de água limpa para as pessoas que vivem em regiões com escassez de água. Também é vital lembrarmos que os povos indígenas têm direitos especiais de herança aos seus territórios tradicionais, inclusive à água. Esses direitos se originam no uso e posse da terra e na água de seus territórios e em seus sistemas legais e sociais antigos. O direito inalienável da autodeterminação dos povos indígenas deve ser reconhecido e deve ser classificado por todos os governos, e a soberania da água é fundamental à proteção desses direitos (BARLOW E CLARK, 2001,p.269). 109 O grande problema é o descaso e ausência de investimentos no setor de saneamento em nosso país, em geral em áreas urbanas com alta concentração populacional, são os esgotos sanitários, os principais responsáveis pelo comprometimento da qualidade ambiental dos corpos d água. Essas áreas requerem a implantação de soluções sistêmicas que permitam a coleta, transporte e tratamento e destinação de forma adequada e viável técnica e economicamente, pois, conforme preceitua Gomes (2003, p.16), hoje, a situação é dramática: pelo menos 1,7 bilhão de seres humanos estão alijados dos serviços de abastecimento de água. A ausência de saneamento básico e a falta de água matam mais de 30 mil pessoas por dia no mundo . Ressalta-se que, apesar do conceito de saneamento compreender os sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário, a coleta e disposição de resíduos sólidos, a drenagem urbana e o controle de vetores, considerou-se, neste trabalho, apenas os sistemas de água e esgoto. No entanto, essa opção metodológica não descarta a importância das demais ações de saneamento. Apesar de os valores sociais serem parte dos direitos fundamentais, são os valores econômicos, com base nos preços de mercado, que ditam as prioridades nas atividades humanas; desse modo, segundo o Ministério do Meio Ambiente (2000, p.57), merece registro o fato de que, a despeito de a população urbana ter aumentado 137% em 26 anos, passando de 52 milhões de pessoas em 1970 para 123 milhões em 1996, foi possível elevar, nesse período, o nível de abastecimento de água dos domicílios ligados à rede geral, de 60% para 91%. No entanto, persiste um quadro social desfavorável, já que mais de 11 milhões de pessoas que residem em cidades ainda não têm acesso à água por meio de rede canalizada. Atualmente, o principal déficit do setor de saneamento encontra-se no esgotamento sanitário, mais especificamente no que tange ao tratamento de esgotos sanitários. Segundo dados do PNAD/96, 48,9% do esgoto produzido no 110 Brasil é coletado em rede pública, sendo que apenas 32% desse esgoto é tratado. Isso representa menos de 16% do esgoto produzido. Combinado com políticas de saúde e habitação, o saneamento ambiental diminui a incidência de doenças e internações hospitalares. Por evitar comprometer os recursos hídricos, o saneamento ambiental garante o abastecimento de água com qualidade. Quanto aos valores das tarifas de água, variam conforme os estados, devido aos custos com a própria estrutura, ou a impostos36 embutidos nos preços das tarifas. Tabela 06: Tarifas de água (categoria residencial) cobradas por algumas companhias do Brasil em junho de 2000 COMPANHIA ÁGUA ( 10m³) CORSAN Rio Grande do Sul 21,34 CASAN Santa Catarina 9,90 SANEPAR Paraná 9,26 CESAN Espírito Santo 9,10 SANESUL Mato Grosso do Sul 9,00 CASAL Alagoas 8,00 SANEAGO Goiás 8,00 COSAMPA Pará 8,00 DMAE Rio Grande do Sul 7,61 COMPESA Pernambuco 7,50 CAGEPA Paraíba 7,32 COPASA Minas Gerais 7,20 CAERD Rondônia 7,20 SABESP São Paulo 6,62 DESO Sergipe 6,33 COSAMA Amazonas 6,24 SANEMAT Mato Grosso 6,00 SANEATINS Tocantins 6,00 CAERN Rio Grande do Norte 5,94 CEDAE Rio de Janeiro 5,26 EMBASA Bahia 5,00 CAESB Brasília 5,00 CAEMA Maranhão 4,30 CAGECE Ceará 3,70 ________________________________________________________________________________ 36 ESTADO Por exemplo, em operações externas de crédito para investimentos em saneamento, estima-se que os custos de impostos incidentes sobre execução de obras alcancem valores médios de 15%. Nesta hipótese, no mesmo ano de 2000, poderiam ter sido gerados impostos da ordem de R$ 364 milhões (ABICALIL, 2002) 111 Fonte: DMAE apud NETO (2000, p.68) Nota-se que a tarifa do consumo de água de 10m³ mais alta é a da Corsan cobra R$ 21,34, seguida da Casan (SC), (R$ 9,90) e da Sanepar (RS), que (PR) (R$ 9,20). Por outro lado, a tarifa de consumo de água mais baixa cobrada no Brasil é a da CAGECE (CE) ( R$ 3,70), provavelmente com subsídio do governo. A tarifa do DMAE de Porto Alegre se situa na média das de outros estados, com R$ 7,01 (NETO, 2000, p.69). No entanto, não é só o preço que varia. Entre 1989 e 2000, a proporção de água distribuída com tratamento variou, também, de acordo com o tamanho da população dos municípios. Ou seja, naqueles com mais de 100.000 habitantes, a água distribuída foi quase totalmente tratada. Já nos municípios com menos de 20.000 habitantes, 32,1% do volume médio distribuído não recebeu qualquer tipo de tratamento (IBGE, 2002). A abrangência do abastecimento de água também varia de acordo com o tamanho populacional do município: quanto mais populosos forem, maiores as proporções de domicílios abastecidos. Fato este que se repete no sistema de rede de esgoto: quanto maior a população do município, maior a proporção de domicílios com serviços de esgoto. Nos municípios com mais de 300.000 habitantes tem quase três vezes mais domicílios ligados à rede geral de esgoto37 do que os domicílios com população até 20 000 habitantes (IBGE, 2002). Diante dessas considerações, deve-se levar em conta também a grande disparidade de abastecimento de água e coleta de esgoto, na proporção de domicílios por classe de renda, conforme pode-se constatar na tabela abaixo: 37 Há um descaso do Estado referentemente ao esgotamento básico: o problema não é causado pela falta d dinheiro, mas por não ser considerado prioridade ( RICHARD JOLLY, apud NEIVA, 2001). 112 Tabela 07: Acesso aos serviços de saneamento por classe de renda. Classe de renda em salários Domicílios sem água canalizada Domicílios sem ligação à rede de mínimos (%) esgoto ou fossa séptica (%) 0a1 33 59 1a2 38 56 2a3 12 40 3a5 5 28 5 a 10 3 20 10 a 20 1 12 Mais de 20 1 9 Fonte: MPO/SEPURB/DESAN (1999); IBGE ( apud TUNDISI, 2003, p.99) No acesso aos serviços de saneamento por classe de renda, verifica-se que, quanto maior a classe de renda, maior é a porcentagem dos domicílios que recebem água canalizada. Por outro lado, a classe mais baixa tem menos acesso à água canalizada e também o maior percentual de domicílios sem ligação à rede de esgotos, o que agrava a situação sanitária e de saneamento em geral. A distribuição do atendimento guarda claros sinais de iniqüidade social, com déficits de atendimento concentrando-se nos segmentos populacionais de baixa renda, como se pode observar na tabela 7. Embora o acesso aos mais pobres tenha melhorado durante a década de 1990, com exceção da Região Norte, os dados da Tabela 8 não deixam dúvida quanto à iniqüidade presente nos serviços de saneamento. Tabela 08: Proporção de municípios, por condição de esgotamento sanitário (%), segundo as Grandes Regiões (2000) Grandes Regiões Sem coleta Só coletam Coletam e tratam Brasil 47,8 32,0 20,2 113 Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste 92,9 57,1 7,1 61,1 82,1 3,5 29,6 59,8 17,2 5,6 3,6 13,3 33,1 21,7 12,3 Fonte: IBGE (2002, p.05) No Brasil, em relação ao esgotamento sanitário, 47,8% dos municípios brasileiros não têm coleta de esgoto, ocorrendo na região Norte a maior proporção de municípios sem coleta (92,9%), seguida da Centro-Oeste (82,1%); nesses casos os principais receptores do esgoto in natura não coletados são os rios e mares. E dos 52,2% dos municípios que têm esgotamento sanitário, 32% têm serviço de coleta e 20,2% coletam e tratam o esgoto. Em volume, no país, diariamente, 14,5 milhões m³ de esgoto são coletados, sendo que apenas 5,1 milhões m³ são tratados. A região sudeste é a que tem a maior proporção de municípios com esgoto coletado e tratado (33,1%), seguida pelas regiões Sul (21,7%), Nordeste (13,3%), Centro-Oeste (12,3%) e Norte (3,6%) (IBGE, 2002). O que os dados sobre os sistemas de abastecimento de água potável e saneamento ambiental revelam a existência de uma situação perversa, agravada pela deterioração crescente da qualidade ambiental e poluição de rios ou pelas condições naturais de escassez de águas. Para atingir o objetivo da universalização dos serviços, superando os desafios impostos pela caracterização da demanda não atendida, é fundamental que se priorizem os investimentos com subsídios fiscais no atendimento às populações de mais baixa renda, que se estimulem investimentos em esgotamento sanitário e que o setor se modernize aumentando sua eficiência. Essas medidas permitirão a conservação dos recursos hídricos disponíveis, postergando a construção ou ampliação de sistemas de abastecimento de água, a expansão dos níveis de 114 cobertura e, eventualmente, a redução dos valores tarifários praticados; desse, modo também se estará se praticando a inclusão social. 3 OS DIREITOS SOBRE A ÁGUA: TITULARIDADE E OS REFLEXOS DA DOMINIALIDADE PÚBLICA A água é patrimônio de todos os seres vivos, não apenas da humanidade. Nenhum outro uso de água, nenhum interesse de ordem política, de mercado ou de poder; pode se sobrepor às leis básicas da vida (CNBB, 2004). 3.1 A Água como bem de domínio Público No contexto brasileiro, a tutela jurídica do meio ambiente ganhou ênfase a partir da década de 80, após ter passado por um período em que predominou sua desproteção total, principalmente em função do direito privatista de propriedade. Aos poucos, os legisladores foram atentando para a questão ambiental, mais com o objetivo de proteger o direito privado na composição de conflitos de vizinhança ou questões de saúde pública do que com a proteção ambiental propriamente dita. Mas, de qualquer forma, foi o Código de Águas instituído pelo 115 Decreto nº. 24.643, de 10 de julho de 1934, que, segundo Antunes (2004), trouxe profunda alteração nos dispositivos do Código Civil brasileiro que se destinavam a tratar da regulamentação do regime dominial e de uso da águas no Brasil. Explica-se o fato na medida em que o Código Civil limitava-se a uma regulamentação cujo fundamento básico era o direito de vizinhança e a utilização da águas como bem essencialmente privado e de valor econômico limitado. O Código de Águas com concepção bem diversa, passa a conceber as águas como elemento básico do desenvolvimento, pois a eletricidade é um subproduto essencial para a industrialização do país, ao mesmo tempo a Lei das águas estabelece mecanismos de intervenção governamental com vistas a garantir a qualidade e a salubridade dos recursos hídricos. A diferença fundamental entre a normatividade estabelecida pelo Código Civil e adotada pelo Código de Águas está no fato de que este enfocava a água como recurso dotado de valor econômico para a coletividade e, por isso, merecedora de atenção especial do Estado. Nesse contexto, segundo Viegas (2005) o Código de Águas estabelece que a concessão38 ou autorização deve ser feita sem prejuízo da navegação, salvo nos casos de uso para as primeiras necessidades da vida ou previstos em lei especial; estabelece, também, que a ninguém é lícito 38 Entende-se por concessão de serviço público o ato complexo, através do qual o Estado atribui a alguém o exercício do serviço público e este, aceita prestá-lo em nome do Poder Público sobre condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Estado, mas por sua conta, riscos e perigos, remunerando-se com a própria exploração do serviço, geralmente pela cobrança de tarifas diretamente dos usuários dos serviços e tendo a garantia contratual de um equilíbrio econômico e financeiro (MELLO, l98, P.369). - O concessionário é selecionado em função de um conjunto de requisitos, entre os quais, obviamente, se incluem sua capacitação técnica para desempenho da atividade, sua idoneidade financeira para suportar os encargos patrimoniais, sua competência administrativa para gerir o empreendimento e sua integridade moral, medida nas empresas pela correção com que responde aos compromissos assumidos. De conseguinte, não pode o concessionário, sob nenhum título ou pretexto, transferir, total ou parcialmente, a concessão. Nem mesmo se o concedente autorizar ou concordar seria factível esta transmissão, pois, se isto ocorresse, haveria burla ao princípio da licitação, de vez que, conforme mais além será esclarecido, a Administração não dispõe de liberdade absoluta na escolha do concessionário. Antes é obrigada a obedecer a um procedimento legal na seleção do contratante, através do qual irá justamente examinar, entre outros, os requisitos acima apontados em uma concorrência aberta a todos os interessados. Por isso não fica ao alvedrio da administração e muito menos, então, do concessionário decidir ao seu talante, quem desempenhará o serviço (MUKAI,1995,P.l4). 116 conspurcar ou contaminar as águas que não consome, com prejuízo de terceiros; e, ainda, que os trabalhos para a salubridade das águas serão realizados à custa dos infratores que, além da responsabilidade criminal, se houver, responderão pelas perdas e danos que causarem, e por multas que lhes forem impostas pelos regulamentos administrativos. Também esse dispositivo é visto como precursor do princípio usuário-pagador, no que diz respeito ao uso para assimilação e transporte de poluentes. Entretanto os institutos jurídicos estabelecidos pelo Código de Águas devem ser compreendidos dentro de uma ótica puramente intervencionista. Nesse contexto, estabelecia o Código, em seu art. 57, a divisão das águas em três categorias39: a) pública, b) comuns e c) particulares, dispositivo que acabou sendo revogado com a promulgação da Constituição Federal de 1988, alterando de forma significativa a base jurídica institucional na qual repousava a gestão das águas, mediante a criação da a Política Nacional de Recursos Hídricos, ao mesmo tempo em que extinguia o domínio privado. Dessa forma, segundo Machado (2002, p. 27), com a entrada em vigor da Lei 9.433/97 pode-se entender que essa disposição do decreto de 1934 contraria a nova lei por essa razão, foi revogada e com isso, as nascentes situadas em terrenos privados, mesmo passando a ser públicas, podem ser utilizadas pelos proprietários privados com finalidade do 39 consumo humano e Três categorias que são, segundo Antunes (2004) públicas, comuns e particulares sendo que as águas públicas foram divididas pelo Código em duas categorias: a) de uso comum e b) dominicais. As águas públicas de uso comum são as seguintes: a) 0 mar territorial, nos mesmos incluídos os golfos, baías, enseadas e portos; b) correntes, canais, lagos e lagoas navegáveis ou flutuáveis; c) as correntes de que se façam estas águas; d) as fontes e reservatórios públicos; e) as nascentes, quando forem de tal modo consideráveis que, por si só, constituam o caput fluminis; f) os braços de quaisquer correntes públicas, desde que os mesmos influam na navegabilidade ou flutuabilidade; g) as situadas em zonas periodicamente assoladas pela seca, nos termos e de acordo com a legislação especial sobre a matéria. As águas públicas dominicais são todas aquelas situadas em terrenos que ostentem a condição de domínio publico dominical, quando não forem de domínio público de uso comum, ou não forem comuns. E particulares são as nascentes e todas as águas situadas em terrenos que também o sejam, quando as mesmas não estiverem classificadas entre as águas comuns de todos, as águas públicas ou as águas comuns. E as águas comuns são as correntes não navegáveis ou flutuáveis. 117 dessedentação de animais (artigo 1º, III, da Lei 9.433/97). Também, continua o autor, com a nova lei houve revogação do art. 96 do decreto de 1934, no que diz: o dono de qualquer terreno poderá apropriar-se40 por meio de poços, galerias etc. das águas que existam debaixo da superfície de seu prédio, contanto que não prejudique aproveitamentos existentes nem derive ou desvie de seu curso natural águas públicas dominicais, públicas de uso comum ou particulares . Assim, não é mais possível apropriar-se das águas subterrâneas, passando a ser possível usá-las somente se houver outorga do Poder Público e pagamento desse uso (artigo 21, I, da Lei 9. 433/97. Conforme Meirelles (2002) o domínio público, em sentido amplo, é o poder de dominação ou de regulamentação que o Estado exerce sobre os bens do seu patrimônio (bens públicos), ou sobre os bens do patrimônio privado (bens particulares de interesse público), ou sobre as coisas inapropriaveis individualmente, mas de fruição geral da coletividade (res nullius). O domínio patrimonial do Estado sobre seus bens é direito de propriedade, mas direito de propriedade pública sujeito a um regime administrativo especial. A este regime se subordinam todos os bens das pessoas administrativas, assim considerados bens públicos41 e, como tais, regidos pelo direito público, embora se lhes aplique algumas regras de propriedade privada. Com essa nova concepção, os rios passaram a ser compreendidos a partir do conceito de bacia hidrográfica e não como um elemento geográfico isolado. Tal situação é fundamental, pois 40 Essa apropriação privada dos recursos hídricos acarretou, ao longo do tempo, a geração de riquezas para seus usuários, com a distribuição das repercussões negativas sobre toda a coletividade (ANTUNES, 2004). 41 Para Museti (2001, p. 53) A água não é um bem público (muito menos privado) e, também, não é res nullius; contudo, faz parte do patrimônio público . 118 permite a gestão integrada dos recursos hídricos, de forma que se possa assegurar a sua proteção e gestão racional. Diante dessa nova concepção, é relevante destacar que o princípio da gestão integrada, descentralizada e participativa, no Brasil, é fundamental para a compreensão da lei como instrumento de mudança do paradigma de política pública, uma vez que há uma cultura administrativa de forte tradição centralizadora e tecnocrática ainda bastante arraigada no país. No que refere aos diferentes usos da água, predomina, no Brasil, o princípio de bem coletivo . A Constituição de 1988 estabelece que, praticamente, todas as águas são públicas, sendo que, em função da localização do manancial, elas são consideradas bens de domínio da União ou dos Estados. Deixam de existir, desse modo, as águas comuns, municipais e particulares, cuja existência era prevista no Código de Águas de 1934 (MMA, 2000, p.54). Em conseqüência, dessa nova conceituação da água como bem de uso comum do povo, Machado (2002, p. 25) esclarece que, o uso da água não pode ser apropriado por uma só pessoa, física ou jurídica, com exclusão absoluta dos outros usuários em potencial; o uso da água não pode significar a poluição ou agressão desse bem; o uso da água não pode esgotar o próprio bem utilizado; e a concessão ou autorização (ou qualquer tipo de outorga) do uso da água deve ser motivada ou fundamentada pelo gestor público. Devendo visar a toda uma coletividade e, portanto, não somente grupos de usuários isolados, sem que haja a apropriação de entes privados ou do Estado, que neste caso é mero gestor, conforme afirma Giannini (apud, MACHADO 2002, p.25), o ente público não é proprietário, senão no sentido puramente formal (tem o poder de tutela do bem), na substância é um simples gestor do bem de uso coletivo . Essa responsabilidade está consubstanciada na CF artigo 225, § 1º, quando explicita que, para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao 119 Poder Público : I Preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais42 e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas . Nesse contexto, ensina Sirvinskas (2005, p.45) que prover o manejo ecológico das espécies é realizar uma gestão planejada das espécies da fauna e flora ameaçadas de extinção, transferindo tais espécies de um local para outro com a intenção de evitar a sua extinção em determinado ecossistema . Entretanto, tais iniciativas do governo brasileiro, embora muito relevantes, por si sós não são suficientes para a concretização dos objetivos e metas pretendidos. Entre outros fatores, é necessário assegurar os recursos financeiros, e aplicá-los com probidade, transparência e eficiência, em projetos e programas de saneamento urbano e rural, proteção de mananciais e recuperação de áreas degradadas. Ora, no caso brasileiro, recentemente a população ficou sabendo do contingenciamento do orçamento do Governo Federal, que poderá comprometer a realização de muitos dos projetos e programas relacionados à área ambiental. Diante desses fatos, Farias (2005) salienta que a conclusão obtida pela auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União, para avaliar a atuação do Governo Federal na gestão dos recursos hídricos foi: a) a água não é tratada como um bem estratégico no país, muitos a consideram, indevidamente, um recurso infinito; b) falta integração entre política nacional de recursos hídricos e as demais políticas públicas; c) há graves problemas na área de saneamento básico43. 42 Processos ecológicos essenciais são aqueles governados, sustentados ou intensamente afetados pelos ecossistemas, sendo indispensáveis à produção de alimentos, à saúde e a outros aspectos da sobrevivência humana e do desenvolvimento sustentado (SILVA, 2004). 43 Martins Júnior (1995, p.59) Sente a sociedade insuportável descaso do Poder Público com a higidez das águas dos mares e rios que banham as cidades. O despejo indiscriminado de efluentes industriais e esgotos 120 Na realidade, em muitos casos, observamos o fracasso44 do Estado em lidar com o manejo e a conservação dos recursos. As políticas, segundo Begossi (1999), carecem de respaldo científico e cooperação local, pois refletem a inexistência de competência técnica e infra-estrutura nas organizações governamentais que possam manter tais políticas. Também são freqüentes os conflitos entre organizações governamentais federais e estaduais e pesquisadores com relação a projetos de pesquisa e prioridades. Para serem eficazes e atingirem os objetivos, as políticas de governo, segundo Cavalcanti (1999) têm de ser capazes de redirecionar o curso dos eventos econômicos, de tal maneira que as atividades que destroem capital natural ou dissipam recursos renováveis, perturbando os correspondentes ecociclos, sejam freadas. Por outra parte, as atividades que causarem pequenas perturbações ou que preservarem funções vitais de apoio do ecossistema devem ser mantidas ou promovidas. A sustentabilidade não será obtida se o capital natural for aviltado, incapacitando o ecossistema de gerar os serviços que permitam aos humanos realizar a satisfação de suas necessidades. A noção de desenvolvimento sustentável representa uma alternativa ao conceito de crescimento econômico, indicando que, sem a natureza, nada pode ser produzido de forma sólida. Ela mostra o que é possível do ponto de vista puramente material, o que deve ser confrontado com a aspiração de mais e mais riqueza que, na sociedade de hoje, constitui o que é desejável. A natureza deve ser a referência para a escolha da escala ótima das atividades econômicas que se contenham dentro da sustentabilidade. domésticos compromete a pureza das águas cristalinas dos cursos d água, assassina a fauna residente no ecossistema e destrói a flora ribeirinha das áreas de preservação permanente". 44 Martins Junior(1995, p.59) Esta é uma constatação triste, pois a qualidade de vida da população é séria e gravemente comprometida com o descaso do poder público que por sua omissão lesiva torna letra morta a cláusula constitucional constante no artigo 225 da Constituição Federal". 121 Assim, caminham, lado a lado, a livre concorrência e a defesa do meio ambiente, a fim de que a ordem econômica esteja voltada à justiça social. É por essa razão que as regras jurídicas que constituem o direito ambiental são, em sua maioria, de natureza pública, e estão submetidas aos princípios45 de direito público e administrativo, que devem ser obrigatoriamente observados pelos agentes públicos independentemente do texto de lei que os acolha. Dessa forma, segundo Faria (2005) entre os princípios da Constituição Federal de 1988, no referido artigo 22546 destacam-se: a) princípio da obrigatoriedade da intervenção estatal (caput e parágrafo primeiro); b) princípio da prevenção e precaução (caput, §1º, inciso IV, com a exigência do EIA/RIMA); c) princípio da informação e da notificação ambiental (caput e §1º,VI); d) princípio da educação ambiental (caput e §1º,VI); e) princípio da participação (caput); f) princípio do poluidor-pagador (§ 3º); g) princípio da responsabilidade da pessoa física e jurídica (§ 3º); h) princípio da soberania dos estados para estabelecer sua política ambiental e de desenvolvimento com cooperação internacional (§ 1º do artigo 225, combinado com as normas constitucionais sobre distribuição de competência legislativa); e i) princípio do desenvolvimento sustentado: direito intergerações. 45 Mirra (1996, p.156) define sinteticamente a importância da análise dos princípios: primeiro, por permitir compreender a autonomia do Direito Ambiental frente a outros direitos; segundo, por auxiliar no entendimento e na identificação da unidade e coerência existentes entre todas as normas jurídicas que compõem o sistema legislativo ambiental; terceiro, por ser a partir dos princípios que se extraem as diretrizes básicas que levam à compreensão da forma pela qual a proteção do meio ambiente é vista pela sociedade; e, por último, por servir de critério básico para a interpretação das normas que compõem o sistema jurídico ambiental. 46 Constituição Federal, art. 225: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: IV- exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; VI- promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados . 122 O princípio da intervenção estatal obrigatória na defesa do meio ambiente decorre do princípio 17 da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano de 1972, que traz em seu texto a seguinte redação: deve-se confiar às instituições nacionais competentes a tarefa de planejar, administrar ou controlar a utilização dos recursos ambientais dos estados, com o fim de melhorar a qualidade do meio ambiente . Vale porém, ressaltar que essa intervenção mesmo sendo obrigatória, não é exclusiva, ou seja, não existe o monopólio do Estado na manutenção da qualidade ambiental, devendo haver sempre a participação direta da sociedade. Outro princípio importante é o da precaução ou prevenção, também conhecido como princípio da avaliação prévia de impactos ambientais das atividades de qualquer natureza e princípio da cautela. A Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 destaca a precaução ambiental nos seus princípios 15 e 17, que dizem o seguinte: A fim de proteger o meio ambiente, a abordagem preventiva deve ser amplamente aplicada pelos Estados, na medida de suas capacidades. Onde houver ameaças de danos sérios e irreversíveis, a falta de conhecimento científico não serve de razão para retardar medidas adequadas para evitar a degradação ambiental, e os levantamentos de impacto ambiental, como instrumentos nacionais, devem ser exigidos para as atividades que possam causar impacto ambiental adverso e os que estejam sujeitos à comunidade internacional devem se voltar para os Estados em tais situações. Percebe-se, desta forma, que, tanto a precaução quanto a prevenção, caracterizam-se pela ação antecipada diante do risco ou perigo. Nota-se claramente que esses princípio estão vinculados profundamente com a idéia de evitar situações de risco, favorecendo a segurança e propiciando, desta maneira, condições adequadas com o intuito de obter um desenvolvimento econômico coerente com a disponibilidade do recurso. Também a educação ambiental passa a ser uma das formas mais eficazes de proteção ao meio ambiente, pois atua de forma preventiva, 123 demonstrando a necessidade de respeito pela natureza, bem como a proteção indispensável aos recursos naturais, objetivando desse modo que as atividades do próprio homem tornem suportáveis a vida no/do planeta. Assim a Conferência das Nações unidas sobre o Ambiente Humano de 1972 previu a educação ambiental em seu princípio 19: É indispensável um esforço para a educação em questões ambientais, dirigida tanto às gerações jovens como aos adultos e que preste a devida atenção ao setor da população menos privilegiado, para fundamentar as bases de uma opinião pública bem informada, e de uma conduta dos indivíduos, das empresas e da coletividade inspirada no sentido de sua responsabilidade sobre a proteção e melhoramento do meio ambiente em toda a sua dimensão humana. É igualmente essencial que os meios de comunicação de massas evitem contribuir para a deterioração do meio ambiente humano e, ao contrário, difundam informação de caráter educativo sobre a necessidade de protegê-lo e melhorá-lo, a fim de que o homem possa desenvolver-se em todos os aspectos. Este princípio é de extrema importância, pois, através dele, se forma a opinião, conscientização e empenho da coletividade no sentido de sua responsabilidade na proteção do meio ambiente. Alguns princípios mencionados pelo texto Constitucional já foram abordados anteriormente, sendo dessa forma irrelevante uma nova contextualização. Dessa forma, pelo exposto, constata-se que esses princípios exercem a função de organizadores das regras existentes e, com isso, visam à criação de possíveis soluções harmônicas com todo o ordenamento. Percebe-se, emfim, que os princípios não visam bloquear ou barrar o desenvolvimento econômico, e sim, implementar uma gestão racional dos recursos naturais, sobretudo dos recursos hídricos, de forma que sua exploração atenda as necessidades atuais sem esgotá-los. Diante desse contexto, cabe este interessante argumento: A água é um bem público que deve ser protegido por todos os níveis de governo e por comunidades de todos os lugares. Ou seja, a água não deveria ser privatizada, transformada em mercadoria, comercializada ou exportada em 124 grande volume com propósitos comerciais. Para assegurar que esta comercialização excessiva não acontecerá, os governos têm de tomar uma ação imediata no mundo inteiro, declarando que as águas de seus territórios são bem público e criar legislação para protegê-las (BARLOW E CLARK, 2001, p.268). Porém, um relacionamento consciente por completo com as águas passa não só pela boa utilização dos recursos, mas também pela participação nos assuntos referentes à sua gestão. Por isso as crescentes necessidades de água, a limitação dos recursos hídricos, os conflitos entre alguns usos e os prejuízos causados pelo excesso no consumo de água exigem um planejamento bem elaborado pelos órgãos governamentais, federal, estaduais e municipais, visando técnicas de melhor aproveitamento dos recursos hídricos. Além das responsabilidades e dos direitos individuais, cada cidadão tem o dever de preservá-la, utilizando-a de maneira consciente e sem desperdício. 3.2 Competência da União, dos Estados e Municípios Como observado anteriormente, a água pode sofrer alterações em suas características devido a vários fatores, dentre os quais poluição ou contaminação em sua quantidade pelo uso indevido e mercantilização desenfreada. Por isso, reconhecendo sua vulnerabilidade e finitude, é fundamental que se disponha de instrumentos legais para, por meio do gerenciamento, assegurar sua conservação e preservação. Afinal, em termos jurídicos, um bem é público quando pertence a toda a coletividade, que pode ou não autorizar a sua apropriação por agentes privados para possíveis mercantilizações (VIEGAS, 2005). E a Constituição de 1988 tornou públicas todas as águas brasileiras quando as repartiu entre a União os Estados e os Municípios e em ser artigo 22, que trata da Competência privativa da União, as águas passaram a integrar tal competência, juntamente com a energia, a informática, as telecomunicações e a radiodifusão. 125 Legislar sobre as águas, segundo Machado (2002), significa instituir normas sobre a qualidade e a quantidade de águas e estabelecer regras de como as mesmas serão tratadas, partilhadas e utilizadas. Não se compreenderia que a Constituição fizesse referência às águas somente como elemento da Natureza que devesse ficar nos rios47 e nos lagos48. Há uma ampla abrangência do poder normativo da União, que deve ser utilizado para que as legislações estaduais não criem normas discriminatórias ou estimulem políticas diferentes e até antagônicas sobre o uso das águas. Também é importante ressaltar que o domínio público da água não transforma o Poder Público Federal e Estadual em proprietário da água, mas o torna gestor desse bem, no interesse de todos. O ente público não é prioritário, senão no sentido formal (tem poder de autotutela do bem), na substância é um simples gestor do bem de uso coletivo. Assim, na Constituição Federal de 1988, o artigo 20, inciso III, disciplina os bens da União, in verbis: III os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendem a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais; (..) VI- o mar territorial; (...) VIII os potenciais de energia elétrica; (...). 47 Rio: Canal natural de drenagem de superfície que tem uma descarga anual relativamente grande. Um rio geralmente termina no oceano (DICIONÁRIO AMBIENTAL, 2005). 48 Lagos: Depressões do solo produzidas por causas diversas e cheias de águas confinadas, mais ou menos tranqüilas, pois dependem da área ocupada pelas mesmas. As formas, as profundidades e as extensões dos lagos são muito variáveis. Geralmente, são alimentados por um ou mais 'rios afluentes'. Possuem também 'rios emissários', o que evita seu transbordamento. Diferentemente de lagoa que segundo o Dicionário Ambiental (2005), são depressões de formas variadas, principalmente tendente a circulares, de profundidades pequenas e cheias de água salgada ou doce. As lagoas podem ser definidas como lagos de pequena extensão e profundidade (...) Muito comum é reservarmos a denominação 'lagoa' para as lagunas situadas nas bordas litorâneas que possuem ligação com o oceano. 126 Entretanto, cabe registrar também que o inciso III, do artigo 20, trata das águas interiores e define-as não de forma geral como as águas estaduais, mas de forma mais especifica, referindose a lagos, rios e correntes de água em situações determinadas: limítrofes com estados ou com outro país, ou situadas em mais de um estado ou pais. Em suma, são da União as águas interiores superficiais que não se contenham no território de um estado. As águas subterrâneas são sempre estaduais, independentemente da extensão do aqüífero. O inciso VI inclui, entre os bens da União, o mar territorial. As águas marítimas são sempre da União. O inciso VIII reservou à União o domínio dos potenciais de energia hidráulica, onde quer que se situem em águas da própria União ou em águas dos estados e municípios (MILARÉ, 2004). Em matéria de águas a competência privativa (artigo 22 da CF) e a competência concorrente (artigo 24 da CF) cruzam-se e permanecem entrelaçadas. Os Estados podem estabelecer, de forma suplementar à competência da União, as normas de emissão de efluentes lançados nos cursos de água, visando a controlar a poluição e a defender o recurso natural (artigo 24, VI, da CF), mas dependem do que dispuser a lei federal, à qual cabe definir os padrões de qualidade das águas e os critérios de classificação das águas de rios, lagos e lagoas (MACHADO, 2002, p. 20). Incluem-se entre os bens dos estados, igualmente, I as águas superficiais e subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obra da União (Artigo 26 da CF). O inciso I abrange todo o ciclo hidrológico terrestre, inclusive as águas subterrâneas e as águas nascentes (emergentes), assim como as fluentes (rios e córregos) e dormentes (em depósito: lagos, lagoas e represas). Exclui apenas as represas decorrentes de obras da União. O texto, como se vê, não faz qualquer limitação territorial, donde se conclui que, ordinariamente, as águas são de domínio do Estados (MILARÉ, 2004, p582) 127 É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, artigo 23, inciso XI, registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios . A quantidade e a qualidade das águas dos rios, ribeirões, riachos, lagos e represas, segundo Machado (2002), vão depender da implementação da política ambiental e da legislação existentes, com referência especialmente ao ordenamento do território do município. Os efluentes domésticos e industriais são matéria de inegável interesse local; assim, o Município pode suplementar, de forma mais restritiva, as normas de emissão federais e estaduais, como, também, poderá ter norma autônoma, desde que comprove o interesse local (artigo 30. I, da CF) e estejam a União e o Estado inertes no campo normativo. Especificamente sobre a competência municipal para agir (administrativa comum) em questões ambientais é ampla, uma vez que a proteção do meio ambiente e o combate à poluição estão incluídos no rol do artigo 23 da Constituição Federal (inc. VI). Além disso, o artigo 225 da Lei Maior atribui a tarefa de proteger e preservar o meio ambiente ao Poder Público, no qual, é cediço, está inserido o Município. No que concerne à competência legislativa municipal, o artigo 30 da Constituição a confere tanto em caráter exclusivo (assunto local) quanto suplementar (no que couber), mas, especialmente sobre o tema água, verifica-se não ter o município capacidade supletiva. Uma vez que a matéria foi conferida de forma privativa à União; por conseguinte, a legislação sobre volume de recursos hídricos e classificação das águas constituiu monopólio dela. È preciso cuidar, no entanto, que sugestões como preservação de matas ciliares e emissão de efluentes domésticos e industriais são assuntos de insofismável interesse local, já que é dever do 128 Município manter a água potabilizável em condições de ser destinada ao abastecimento doméstico, após tratamento convencional. Desse modo, aspecto de proteção no âmbito local, também é defendido por Faria (2005), para quem, com o advento da Constituição, os municípios passam a ter autonomia e competência legislativa mínima, rigidamente estabelecida. Entretanto, parte desta competência não está explicitada, estando apenas explicita na necessária identificação do conceito de interesse local. Nesse aspecto, cabe destacar que a indiscutível atuação municipal ambiental terá reflexo na gestão dos recursos hídricos, em especial aquela vinculada ao solo (artigo 30, inciso VIII da CF). Nesse contexto, Machado (1999) salienta que o papel do município é hoje inquestionável. Para o autor, os municípios terão um papel importante na redefinição das políticas nacionais de meio ambiente, para a implementação da idéia de um sistema articulado e mais harmonioso entre os três níveis da estrutura do estado brasileiro, com vistas a possibilitar mais eficiência e agilidade, evitar o desperdício de energia, a superposição, a concorrência ou a hipercentralização, que hoje dificultam a participação municipal. Além disso, os municípios são os que estão mais próximos dos recursos naturais e, portanto, com maior capacidade de reagir de uma forma ágil, imediata e capaz de montar um sistema de monitoramento que consiga responder aos processos de agressão. A municipalização, com a institucionalização da implantação de órgãos ambientais e Conselhos Municipais de Meio Ambiente, se enquadra na proposta de implementação de programas e projetos de abrangência nacional, regional e local, com vistas ao desenvolvimento sustentável e à geração de informações técnicas para subsidiar as políticas ambientais. A idéia de se trabalhar o fortalecimento institucional municipal, com relação às questões ambientais, deve-se ao fato de que a maioria dos municípios brasileiros não elaborou um Plano Diretor, tem 129 dificuldades de trabalhar a sua Lei Orgânica e não possui uma unidade administrativa de meio ambiente. Importante assinalar que, nessa esta nova visão, a questão ambiental é um grande avanço para a sociedade e se, concomitantemente a isso, for incorporada a questão da educação ambiental, no sentido de modificar comportamentos que degradam a natureza, estará se alcançando, também, um processo de cidadanização. Em síntese, o que se espera com o modelo sistêmico de integração participativa é a criação de uma política regional que, além de arrecadar recursos, tenha sucesso na administração pública, promovendo o uso e a proteção das águas. 3.3 Externalidades da privatização e da mercantilização dos recursos hídricos Nota-se sobremaneira que a satisfação das diversas necessidades humanas, associada ao consumo excessivo de recursos e ao rápido crescimento demográfico, vem exercendo forte pressão sobre o meio ambiente. O homem explora e utiliza os recursos naturais para viver melhor, mas, desde o século XIX, a busca pelas vantagens imediatas, sem considerar nem prever as conseqüências a longo prazo, é geradora da situação crítica que se apresenta atualmente, com danos ao meio ambiente que podem vir a atingir quase todo o planeta. Segundo a CNBB (2004) essa situação não é recente, mas já faz parte do discurso contemporâneo afirmar que existirão guerras pela água. Efetivamente, esses conflitos atravessam toda a humanidade, desde o Israel bíblico até a disputa pelo controle das águas entre israelenses e palestinos nos dias de hoje. Os conflitos vão desde o nível local, regional, até ao nível internacional. A possibilidade real de guerra é mais que uma possibilidade em muitos lugares, já 130 é fato. Mas, quando se fala em guerra pela água , não se pode deixar de dizer que há aí uma preparação dos espíritos para cimentar interesses de empresas e países poderosos sobre as águas de outros países A escassez, além de ser elemento gerador de conflito, no sentido de que representa a impossibilidade de todos se servirem ilimitadamente, também agrega valor econômico à água e, com isso cria as chamadas externalidades, que são justamente as conseqüências emanadas da manipulação privada. As externalidades ocorrem quando o uso do recurso natural, um bem público, como insumo no processo produtivo, por exemplo, onera ou impede o uso deste mesmo recurso pelos demais usuários. Isto ocorre porque os consumidores de bens ou serviços produzidos a partir do recurso natural se beneficiam de um preço mais baixo por este não incorporar as deseconomias geradas para os demais usuários deste mesmo recurso. No entanto, deve se levar em consideração também que as externalidades podem ser positivas ou negativas. Desse modo, Nusdeo (1997) aponta que as externalidades49 positivas são benéficas como no exemplo de uma indústria que irá proporcionar 400 postos de empregos diretos em uma comunidade, onde as externalidades positivas serão os empregos indiretos e a maior circulação de valores na comunidade. As externalidades negativas traduzem-se nas interferências prejudiciais, em que, no mesmo exemplo, podemos indicar a poluição da indústria (resíduos jogados no ar e no córrego que abastece a cidade), ocasionando maior ocupação hospitalar por problemas respiratórios e custos com tratamento de água. Ou seja, no conjunto, as 49 Externalidades: Economias externas (ou externalidades) ou benefícios ganhos pelas unidades produtivas, que se formam em decorrência da expansão de uma indústria ou de um setor industrial, por exemplo, a implantação de curtume numa regias estimula, em suas proximidades, a construção de fábricas de calcados, roupas, de couro (SANDRONI, 199, p. 110). 131 externalidades são efeitos negativos ou positivos não contabilizados monetariamente pelos agentes econômicos. Ao passo que a crise da água se intensifica, governos de todo o mundo, sob a pressão de corporações multinacionais, estão advogando uma solução radical: a mercantilização e subseqüente privatização da água. De toda forma, a ameaça da privatização através das empresas transnacionais e instituições financeiras é uma realidade. Suas estratégias para privatizar a água no mundo e transformá-la em mercadoria avança em vários países, principalmente nos de economia periférica. No caso do Brasil, segundo o site Uniagua (2004) constitucionalmente, os recursos minerais são bens da União e somente podem ser pesquisados e lavrados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresas constituídas sob leis brasileiras, tendo o concessionário a garantia da propriedade do produto da lavra e a obrigação de recuperar o meio ambiente degradado. A pesquisa e o aproveitamento de águas minerais são regulados pelo Código de Mineração (Decreto lei 227/67 e alterações subseqüentes), enquadrando-se nos regimes de Autorização e de Concessão, e pelas disposições do Código de águas Minerais (Decreto lei 7.841, de 08/agosto/1945) e correspondentes legislações correlatas, abrangendo não só as águas destinadas ao consumo humano, como também aquelas destinadas a fins balneários. Os governos descapitalizados estão com isso voltando-se rapidamente para a privatização da água como uma solução para os seus próprios problemas financeiros. Para Barlow e Clarke (2003), porém, esses esquemas de privatização são financiados por meio de governos e instituições públicas e de acordo com um relatório do Banco Mundial este tipo de suporte financeiro inclui contribuições em dinheiro durante o período de construção; subsídios durante o 132 período operacional, por exemplo, na forma de verbas não-restituíveis; e o regime de impostos favoráveis incluindo isenção de impostos e reembolso fiscal sobre custos de construção e operação . O que se espera, na concepção dos autores supra citados, é que as autoridades públicas forneçam garantias financeiras, e muitos contratos de concessão de água incluem cláusulas que exigem dos governos garantias de que as operadoras privadas terão lucro durante o período de contrato. Garantias de lucro foram incluídas nos contratos de concessão de água para Cochabamba, na Bolívia, Plzen na República Tcheca e Szeged, na Hungria. Essas garantias financeiras governamentais saem dos bolsos dos contribuintes. Sendo que a maioria dos sistemas de água privatizados envolve contratos de concessão a longo prazo, com duração entre 20 e 30 anos, os quais são extremamente difíceis de serem cancelados, mesmo se for demonstrado um desempenho insatisfatório. Em casos onde as autoridades públicas tentaram cancela-los (em lugares como Valência, na Espanha; Tucumãn, na Argentina, Szeged, na Hungria; e Cochabamba, na Bolívia), as corporações globais de comercialização de água ou, ameaçaram processar ou realmente processaram os governos por danos, tornando assim o cancelamento absurdamente caro. Ainda no entender dos autores, frente à crise da água doce, ressaltam que os governos e instituições internacionais estão defendendo uma solução do Consenso de Washington : a privatização e o mercantilismo da água. Cobrem um preço pela água, coloquem-na à venda e deixem o mercado determinar o seu futuro. A água de acordo com o Banco Mundial e as Nações Unidas, é uma necessidade humana, não apenas um direito humano. A diferença de interpretação é crucial, pois uma necessidade humana pode ser provida de muitas formas, especialmente para aqueles com dinheiro, mas ninguém pode vender um direito humano. Assim, algumas corporações transnacionais, apoiadas pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional 133 (FMI), estão ofensivamente assumindo a administração dos serviços públicos de água, enquanto aumentam drasticamente o preço dela para os residentes locai; desta forma, lucram, especialmente com a busca desesperada do Terceiro Mundo por soluções de combate à crise deste bem de consumo indispensável. O declínio no fornecimento e na qualidade da água doce tambem criou uma oportunidade de negócio maravilhosa para as corporações que exploram essa oportunidade. A ordem do dia é clara: a água deve ser tratada como qualquer outro bem negociável, seu uso e distribuição devem ser determinados pelos princípios dos capitalistas. Há uma relação de causa efeito entre a exploração da água e o lucro, conforme nos mostra Gomes (2003, p.17): Desde Marrakesh (onde aconteceu o primeiro Fórum Mundial da Água, em 1997), as conferências da ONU defendem que a água seja transformada em um bem econômico. Em Quioto se afirmou que apenas a iniciativa privada tem a tecnologia e o capital necessários para gerenciar adequadamente os recursos hídricos, possibilitando a todos o acesso à água, denunciou o economista italiano Ricardo Petrella, professor da Universidade Católica de Lovaina (Bélgica) e um dos maiores especialistas em recursos hídricos da atualidade. È claro que a iniciativa busca obter os devidos benefícios econômicos desta gestão . A privatização e mercantilização das águas é uma das exigências do FMI aos países pobres e subordinados para a concessão de empréstimos. À medida que a crise da água se intensifica, os governos, pressionados por corporações multinacionais, submetem-se à mercantilização e subseqüente privatização com vistas à resolução do problema. Desse modo, no entender de Dourojeranni (2001, p.61), No está demostrado que la privatización de los recursos naturales contribuya a la conservación de los mismos, especialmente en paises donde el sector público es crecientemente débil. Muy al contrario, hay numerosas evidencias de que puedem acelerar la degradación de los recursos desde que el interés central del sector privado es el lucro y no la provisión de servicios ambientales para los cuales no existen aún formas consensuadas de compensación económica, como en el caso de la fijación de carbono, la conseración de la biodiversidad, los ciclos biogeoquímicos, el reciclaje del agua o, simplesmente, la paermanencia de los 134 paisajes. [...] otro aspecto negativo de las nuevas tendencias económicas es lo que se ouede calificar de mercantilismo ambiental . Se ha pasado del proteccionismo que colocaba en el centro de las preocupaciones ambientales la importancia ética de conservar la naturaleza, al paradigma de que no merece invertirse dinero en nada que no sea económicamente rentable al corto o por lo menos al medio plazo. Em países que adotaram o modelo de privatização ao sistema de abastecimento público de água e saneamento, as conseqüências foram aumentos de tarifas, demissão de funcionários, direitos dos trabalhadores colocados em risco, e disparidades de poder entre corporações e governos locais, que normalmente lidam com elas. Em vez de propiciar facilidades maiores e garantir a distribuição eqüitativa, o modelo de privatização é projetado para aumentar os lucros corporativos50. Importante assinalar, segundo Barlow e Clark (2003), que a constante expansão da privatização da água será uma receita para um futuro injusto e não-sustentável. Em Manila, a Suez e a United Utilities prontamente demitiram funcionários dos serviços de água quando assumiram a concessão. Em Buenos Aires, a mão de-obra da água foi cortada de 7.600 para 4 mil depois que a Suez assumiu. No Reino Unido, a Agência Ambiental do Reino Unido citou muitas grandes empresas de água como as piores degradadoras ambientais do país. Entre 1989 e 1997, as empresas Anglian, Northumbrian, Severn Trent, Wessex e Yorkshire Water foram processadas 128 vezes por violações que variam de vazamentos de água até despejamentos de esgotos clandestinos. Entre 1990 e 1997, a Bechtel foi responsável por 730 derramamentos de 50 Quem defenderá a água são as comunidades locais e seus cidadãos, apenas os cidadãos locais, sabem o efeito de perder empregos ou perder as fazendas vizinhas quando fontes de água são assumidas por grandes empreses ou desviadas para usos em locais muito distantes. Os cidadãos e as comunidades locais são os guardiões da linha de frente dos rios, lagos e sistemas de água subterrâneos sobre os quais estão suas vidas e formas de sustento. É preciso dar a eles o poder político para exercitar essa intendência efetivamente. Projetos de recuperação que funcionam freqüentemente são inspirados por meio de organizações ambientais e envolvem todos os níveis de governo e, as vezes, doações particulares. Mas para serem sustentáveis e eqüitativas, as soluções para os problemas da água e escassez da água devem ser inspiradas localmente e baseadas na comunidade (BARLOW E CLARK, 2003, p.270). 135 materiais perigosos, enquanto a Enron foi listada como responsável por 76 derramamentos. Outro exemplo do Reino Unido é o da subsidiaria da Suez, Northumbrian Water, que entre 1989 e 1995,aumentou as tarifas de água em 110%, e os lucros da empresa em 800%. Outro fato importante que assola as privatizações é a corrupção, que é uma característica sistemática de processos de privatização da água como de ouras áreas, em queuma empresa pode pagar para ser incluída na lista de licitantes qualificados ou restringir o números desses licitantes, podendo obter uma baixa avaliação da propriedade pública a ser arrendada ou vendida, ou ser favorecida no processo de seleção. Além do exposto, pode-se fazer uma comparação análoga com os resultados perversos provocados pela privatização dos setores elétricos e de telecomunicações dentro e fora do Brasil, que trouxe, entre outras coisas, queda da qualidade dos serviços e grande aumento das tarifas, prejudicando principalmente, a população de baixa renda. Sendo assim, pode-se visualizar que há um verdadeiro retrocesso quanto à noção de bem público e de solidariedade, do qual é emblemáticos o encolhimento das funções sociais e políticas do Estado com a ampliação da pobreza e os crescentes agravos à soberania, enquanto se amplia o papel político das empresas na regulação da vida social (SANTOS, 2003). Simultaneamente ao agravamento da crise da água, o mercado mundial de água envasada51 vem apresentando constante expansão, verificando-se, nos últimos anos, crescimento da ordem de 20% ao ano. Na produção e consumo mundial, em 2001, foram estimados em 107,5 51 Envasada: 1. meter em vaso; envasilhar. 136 bilhões de litros de água mineral, com destaque para a liderança da Europa com 42,3 bilhões de litros, seguida pela América Latina com 22,9 bilhões de litros, América do Norte com 20,4 bilhões de litros, Ásia e Austrália com 18,6 bilhões de litros e Norte da África e Oriente com 6,2 bilhões. A produção brasileira atingiu 5,8 bilhões de litros em 2002, situando o Brasil como o sexto maior produtor. Os principais produtores são o México, com 15,4 bilhões de litros, os Estados Unidos com 11,5 bilhões, Itália com 8,7 bilhões, Alemanha com 8,0 bilhões a França com 6,5 bilhões de litros. Já o volume consumido pelos Estados Unidos, em 2001, foi de 19,8 bilhões de litros, quando se considerava todo o tipo de água envasada, caracterizando-os como um mercado fortemente importador do produto (UNIAGUA, 2004). Nesse diapasão, cabe registrar interessante lição de Barlow e Clarke (2003, p.170) sobre a água engarrafada: O método de exportação de água que está decolando é a água engarrafada. Esse método está entre as indústrias que mais crescem e que são menos regulamentadas no mundo. Nos anos setenta, o volume anual de água engarrafada e comercializada no planeta foi de 300 milhões de galões (aproximadamente 1 bilhão de litros). Antes da década de 1980, esse número havia subido para 650 milhões de galões (aproximadamente 2,5 bilhões de litros), e o final da década, 2 bilhões de galões (7,5 bilhões de litros) de água engarrafadas foram consumidos em países do mundo todo. Mas nos últimos cinco anos, o volume de vendas de água engarrafada subiu rapidamente e, em 2000, 22,3 bilhões de galões (84 bilhões de litros) de água foram engarrafados e vendidos. Além disso, ¼ de toda a água engarrafada foi comercializada fora do seu país de origem. A Nestlé é a líder do mercado mundial de água engarrafada, com não menos que 68 marcas, inclusive Perrier, Vittel e San Pellegrino. Como o ex-presidente da Perrier disse: isso me chocou...tudo o que você tem a fazer é retirar a água do chão e então vendê-la mais caro que o preço do vinho, leite ou até mesmo o petróleo . Além da Nestlé, outras gigantes alimentícias e indústrias de bebidas globais também se tornaram fornecedoras de água engarrafada, inclusive a Coca Cola, PepsiCo, Procter & Gamble e a Danone. Envasilhar: 1. meter em vasilha. 2. meter em pipas, tonéis ou garrafas. (FERREIRA, 1999, p. 680) 137 O mercado brasileiro de águas minerais tem evoluído, segundo taxas anuais crescentes, com o consumo anual per capita chegando a 25 litros no ano de 2001 e faturamento, conforme estimativa da ABINSAM (Associação Brasileira da Indústria de Águas Minerais), em torno de US$ 400 milhões . Conforme, poder-se- à observar na figura asseguir: Figura 03 - Brasil, consumo anual per capita 24,9 25 18,9 20 17,4 15,1 15 13,2 11,5 10 5 1996 1997 1998 1999 2000 2001 Fonte: Uniagua, 2004, p.02 O consumo anual per capita brasileiro vem aumentando, mas ainda é muito baixo comparado com os índices de outros países, onde varia de 120 a 150 litros, como na Itália, México e França. Numa faixa intermediária, encontram-se Alemanha, Suíça e Espanha e na faixa 138 de 70 a 80 litros per capita/ano, Estados Unidos, Portugal e Áustria, conforme mostrará a figura abaixo: Figura 04 - Água Mineral 154 160 consumo anual - Países selecionados 152 137 128 140 106 120 100 104 103 85 71 80 70 60 25 40 20 0 Itália México França Bélgica Suíça Alemanha Espanha Áustria Portugal EUA Brasil Fonte: Uniagua, 2004, p.02. Em países com elevados índices de consumo, o segmento de água mineral52 representa um mercado anual da ordem de alguns bilhões de dólares, a exemplo da França, onde o mercado 52 Águas Minerais: São aquelas provenientes de fontes naturais ou de fontes artificialmente captadas que possuam composição química ou propriedades físicas ou físico-químicas distintas das águas comuns, com características que lhes confiram uma ação medicamentosa (UNIAGUA, 2004). 139 anual em 2001 se situou em torno de US$ 2,3 bilhões, e dos Estados Unidos que atingiu US$ 5,6 bilhões para água envasada. No mundo, o mercado de água mineral está concentrado em poucas empresas de grande porte, como na França, onde 23% do setor é comandado pela Nestlé S. A., seguida pelos Grupos Perrier Vittel, Danone e Neptune. Essas mesmas empresas lideram outros mercados internacionais, tal como ocorre nos Estados Unidos, onde cinco empresas são responsáveis por 51 % do mercado americano, lideradas pela Danone e Nestlé, cada uma com 17%, ou ainda na Grã-Bretanha onde a Danone lidera o mercado com 19%, seguida pela Nestlé. Dentre os países com alto índice de consumo de água envasada, o mercado da Alemanha apresenta características peculiares, sendo altamente regionalizado e fragmentado, representado por mais de 200 empresas. Outra característica do mercado alemão é que as águas minerais gasosas lideram seu mercado consumidor, ao contrário dos demais países onde o consumo preferencial é por água mineral natural (UNIAGUA, 2004, p.02). O mercado brasileiro de água mineral também tem-se tornado altamente segmentado e muito regionalizado, sendo que o Estado de São Paulo concentra a maior produção de água mineral da região Sudeste, representando 38,5% da produção nacional. Entretanto, segundo Cassaro (2003), [....] o cidadão especialmente o do Terceiro Mundo, que acredita estar consumindo um produto mais confiável que o fornecido pelo sistema público, pode se ver em sérios apuros. Um estudo de março de 1999 realizado pelo Conselho de Defesa de Recursos Naturais do Estados Unidos descobriu que um terço das 103 marcas de água analisadas continham níveis intoleráveis de contaminação, inclusive por arsênico. No entanto, há aquelas que realmente vêm de fontes consideradas medicinais. É o caso de várias marcas da Nestlé, oriundas de São Lourenço, Minas Gerais. De acordo com o Dossiê Nestlé , produzido pelo Movimento Cidadania pelas Águas, a companhia retirava do solo 500 mil litros de água por dia, utilizando bombas de sucção de grande potência. As suspeitas de que havia algo errado no 140 Parque das Águas, onde está instalada a Nestlé, começaram há alguns anos, quando os turistas passaram a se queixar do sabor da água. O Cidadania pela Águas afirma que, para acobertar a situação gerada pela exploração que excedia a capacidade das fontes, o que resultou na extinção da água magnesiana, a empresa fazia manobras subterrâneas e injeção artificial de gás . Outra preocupação existente em São Lourenço do Sul, segundo a autora supra citada é quanto à possibilidade de que a ação da Nestlé53 contamine os lençóis freáticos da região, que tem nove fontes de águas minerais, todas de características diversas. Também já ocorreram casos de afundamento de terreno, ocasionado pela excessiva e predatória extração das águas. Outro fato que chama a atenção é de que a Nestlé está desperdiçando uma água rara e nobre para a fabricação de uma água de mesa desmineralizada e artificialmente enriquecida de sais . O documento afirma que o objetivo da empresa é o controle internacional desse mercado, uma vez que seu objetivo é internacionalizar o conceito Pure Life, pelo qual a água deve ter sempre a mesma fórmula e padrão onde quer que seja produzida. Mesmo assim, segundo Cassol (2005) diversos municípios do Rio Grande do Sul brigam entre si para ver quem vai ficar a fábrica da Nestlé: cerca de 50 prefeitos gaúchos que fizeram visitas ao presidente nacional da Nestlé, Ivan Zurita, aguardam com ansiedade a transnacional divulgar em qual município do Rio Grande do Sul vai instalar sua fábrica para produção de leite 53 Em janeiro de (2005), foi escolhida como a transnacional mais irresponsável do planeta, de acordo com o Fórum Alternativo de Davos, na Suíça. Ficou na frente das empresas Dow Chemical, Shell, KPMG e Wal-Mart, todas consideradas as mais irresponsáveis do planeta nas questões sociais e ecológicas. A companhia foi eleita a "mais irresponsável" por seus conflitos trabalhistas na Colômbia e suas agressivas campanhas de marketing para promover substitutos do leite materno, que prejudicam a amamentação, especialmente em países em desenvolvimento, expondo milhões de bebês a riscos de um desmame precoce, com as conseqüências epidemiológicas, sociais e econômicas. (SITE NOTICIA, 2005) 141 em pó. Enquanto governo e prefeituras comemoram os R$ 120 milhões que devem ser investidos e os 400 empregos que serão criados, o histórico da empresa e as suas atuais ambições preocupam os movimentos sociais. Os dois municípios mais cotados para receber a fábrica de leite em pó são Santa Rosa e Carazinho, que ficam nas regiões Norte e Noroeste do Estado, de fácil acesso ao Aqüífero Guarani,54 maior manancial de água doce subterrânea do mundo, com dois terços de sua área total no Brasil. Nesse caso, pode-se, de antemão, prever os possíveis interesses que levam a transnacional a se instalar próximo ao aqüífero. Dentre as externalidades negativas referentes a essa exploração, estão a falta de limite de uso e a falta de normas de proteção eficazes o que coloca em risco nossos principais aqüíferos. Desse modo o site Ambientebrasil (2004) nos mostra fatores de riscos para a utilização das águas subterrâneas, como um grande número de poços mal locados, construídos e operados sem manutenção, falta de controle governamental, a possibilidade de qualquer indivíduo, condomínio, indústria, agricultor, empresa privada ou estatal construir a um poço, freqüentemente, pelos menores preços e sem a tecnologia adequada. Também há falta de um estudo hidrogeológico básico, rede de monitoramento e bancos de dados acessíveis ao público. Diante desse contexto, um ponto positivo, no sentido evitar a exploração, é organizar os dados e informações existentes, de forma que seja possível integrar a utilização dos bancos de dados dos diversos países e estados abrangidos por aqüíferos, identificando áreas frágeis que 54 Aqüífero Guarani: A denominação Aqüífero Guarani é uma homenagem à nação Guarani, uma tribo indígena que habitava toda essa região nos primórdios do período colonial, e foi dada aos um segundo acordo comercial entre os países, em que se localiza. Inicialmente havia recebido a denominação de Aqüífero Gigante do Mercosul. Na Argentina e no Uruguai, o aqüífero era conhecido como Formación Taquarembó e, no Paraguai, como Formación Misiones (SCHIO 2002). 142 deverão ser protegidas. A disponibilização e divulgação das informações relacionadas à qualidade de água auxiliam na identificação e análise dos impactos das atividades humanas sobre o meio ambiente e são indispensáveis para a atuação dos órgãos de controle, bem como a sensibilização da sociedade. A divulgação dessas informações é ferramenta fundamental para a implantação e consolidação de um sistema de gestão em nível nacional e internacional. Entretanto, também cabe ao usuário de águas subterrâneas uma boa parcela de responsabilidade na proteção dos aqüíferos quanto à poluição, pois não é incomum a identificação de poços abandonados sem tamponamento ou servindo de depósito para lixos ou outros resíduos. 3.4 Cidadania e Recursos Hídricos O uso racional e responsável da água é fundamental para o futuro da humanidade, já que o crescimento demográfico, a mudança na intensidade de consumo e o desenvolvimento das atividades humanas implicam maior pressão sobre os mananciais existentes55. Segundo Feldmann (2003), estamos vivendo uma situação única, que exige a construção de uma nova cidadania, na qual os direitos e deveres 55 estejam bem articulados entre si; esta cidadania O consumo estimado para os próximos 25 anos indica que haverá um crescimento de captação de água correspondente a 3.940 Km³ (ano 2000), 4.360 Km³ (ano 2010) e 5.187 Km³ (ano 2025), e as perdas constituirão cerca de 45% do volume derivado dos mananciais. Portanto, a água que evaporará ou será consumida corresponderá a 55% daquela que será captada dos mananciais. A percentagem de água restante (45%) retornará aos sistemas naturais de drenagem, porém, em geral, em classes de qualidade inferior (CHRISTOFIDIS 2002, p. 122). 143 planetária, porém, em fase de implantação, exige que os cidadãos tenham clareza de suas responsabilidades. Nesse sentido, sem água de boa qualidade não existirá futuro para os núcleos sociais, sejam eles rurais ou urbanos e, como a água é um elemento fundamental para a vida, não é possível argumentar sobre qualidade de vida quando os recursos hídricos estão comprometidos. Desse modo, pessoas comuns no mundo inteiro estão se engajando em uma nova forma de política baseada no cidadão (BARLOW e CLARK, 2003, p.xxvii). Nesse contexto, a Constituição brasileira, no seu artigo primeiro, diz que um dos fundamentos do país é a dignidade da pessoa humana e, nesse caso, não pode haver vida digna, sem água. Nesse exercício da cidadania está presente o princípio da dignidade humana, que segundo Oliveira; Guimarães (2004, p.134) [...] estabelece uma espécie de solidariedade do cidadão, tornando-o responsável pelo seu bem estar, como também pelo bem-estar de toda a sociedade, podendose, por isso, afirmar que o direito a um ambiente saudável é um direito de terceira dimensão ou de solidariedade, posto que não diz respeito apenas a um cidadão, mas a todo o gênero humano, impondo-lhe o exercício da cidadania em material ambiental, a fim de garanti-lo hígido não apenas para as presentes, mas também para as futuras gerações. Dessa maneira, pode-se afirmar que a cidadania constitui-se em uma conquista, a qual acontece à medida que exclusão social não seja uma regra e que todos tenham direito à vida. Desse modo, se torna imperioso uma breve análise do que é cidadania através dos conceitos de alguns autores, com o propósito de facilitar a compreensão da relação existente entre a utilização racional e integrada dos recursos hídricos e a cidadania. 144 [...] A cidadania é o direito de ter direitos, pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos não é um dado. É um construído de convivência coletiva, que requer o acesso ao espaço público. É este acesso ao espaço público que permite a construção de um mundo através do processo de asserção dos direitos humanos. Nesse sentido, a reflexão arendtiana em The Origens of totalitarianism mostra a inadequação da tradição, pois os direitos humanos pressupõem a cidadania não apenas como um meio (o que já seria paradoxal, pois seria o artifício contingente da cidadania a condição necessária para assegurar um princípio universal), mas como um princípio substantivo, vale dizer: o ser humano, privado de seu estatuto político, na medida em que é apenas um ser humano, perde as suas qualidades substanciais, ou seja, a possibilidade de ser tratado pelos outros como um semelhante, num mundo compartilhado. (...) De fato, o processo de asserção dos direitos humanos, enquanto invenção para a convivência coletiva exige um espaço público, a que só se tem acesso por meio da cidadania (ARENDT apud LAFER, 1988, p.22) Sendo assim, dentre outras concepções os direitos de cidadania emergem, estando intimamente relacionados com o surgimento do Estado-Nação. Já no entender de Marshall (1967, p.76), a cidadania é ...um status concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade. Todos aqueles que possuem o status são iguais com respeito aos direitos e obrigações pertinentes ao status, o que gerou um processo de discriminação e exclusão àqueles que não o possuíam. Para Corrêa (1999, p. 217), a cidadania, pois, significa a realização democrática de uma sociedade, compartilhada por todos os indivíduos ao ponto de garantir a todos o acesso ao espaço público e condições de sobrevivência digna, tendo como valor-fonte a plenitude da vida . Diante desse conceito, percebe-se a ampliação do status de sujeitos individuais de direitos para sujeitos coletivos de direitos, devendo o Estado intervir para implementar os direitos sociais e possibilitar o exercício da cidadania. Nesta perspectiva, preceitua Berwig (1997, p.39) que o vínculo jurídico que possibilita ao sujeito o acesso ao espaço público, que é o espaço de reivindicação da efetividade dos direitos humanos, bem como a construção desse espaço, o qual depende da participação e possibilita o 145 exercício e a construção de novos direitos . Percebe-se, desse modo, o deslocamento do sujeito universal e abstrato para o homem-cidadão, dando lugar a sujeitos envolvidos concretamente na sociedade, como a criança e o velho, entre outros, e estendeu-se a titularidade de direitos a grupos como de proteção ao meio-ambiente. A consciência da existência de relação entre, cidadania e recursos hídricos se dá, segundo Farias (2005,p.254), concomitantemente com o aparecimento do risco de esgotamento dos recursos naturais e com o agravamento dos danos sofridos pelos ecossistemas . Verifica-se, a partir dos conceitos apresentados, que à medida que novas possibilidades e necessidades se incorporam ao cotidiano das sociedades, modernas ou contemporâneas, estas foram modificando seu conceito de cidadania de forma a se adaptar à realidade. Nesse contexto, Dal Ri Júnior e Oliveira (2002) assinalam o século XVIII como o marco dos direitos civis; o século XIX, dos direitos políticos; e o século XX, dos direitos sociais.Desse ponto de vista, a cidadania é constituída por um conjunto de direitos formais, promulgados por lei, garantidos e implementados pelo Estado, estabelecendo-se no que concerne a direitos e obrigações. A cidadania pode ser analisada através de um conjunto de práticas políticas, econômicas, sociais e culturais, que consideram o indivíduo como um cidadão e membro de uma comunidade, apresentando como característica essenciais à vontade de pertencer a essa coletividade, compartilhando de seus atores, crenças e tradições, costumes, língua, mitos, códigos de valores, efeitos de paisagem, enfim, dessa solidariedade e de sua identidade comum. A cidadania deve transcender aos limites do Estado-Nação e ao princípio da nacionalidade, transnacionalizando-se, de modo a revestir-se de características não-territoriais e não-nacionais e 146 fortalecer-se com perspectivas democráticas, associando-se aos chamados novos movimentos sociais, ligados a aspectos étnicos, sociais, ecológicos e civilizatórios. Esses novos valores emergiram para permanecer como condição para o desenvolvimento de uma sociedade sustentável, que afirma ser a dignidade inerente a qualquer pessoa, e reforça a concepção de que os direitos humanos compõem uma unidade invisível, inter-relacionada e interdependente, sem a qual essa dignidade da pessoa humana não se realizaria. Nessa direção, Priscolli (apud, MACHADO 2002, p.379-380) sinaliza que a noção de que a água é um bem da humanidade e de que deve ser disponibilizada para todos vincula-se, diretamente, ao princípio da dignidade humana . Dessa forma, também a idéia de cidadania redefine-se, inspirada na primazia da pessoa, assim, segundo Farias (2005, p. 157) Entendem-se por direitos humanos os direitos da pessoa humana, enquanto indivíduo e cidadão, que são inalienáveis, imprescritíveis, irrenunciáveis, com eficácia erga omnes, e que têm origem nos denominados direitos naturais, podendo identificarem-se como direitos transindividuais, e coletivos ou difusos. São inerentes à pessoa e devem ser respeitados e implementados pelo Estado Todavia, verifica-se que muito ainda há que se fazer para tornar cidadã uma grande parcela da população brasileira que vive marginalizada, excluída de qualquer forma de interação social. Consoantemente, Gleick (apud, MACHADO 2002, p.380-381) entende que tal posicionamento protetivo deve ser mais direito e especifico, com uma especificação do direito fundamental de acesso à água, e questiona Qual o propósito ou o valor de explicitar-se um direito humano à água, quando a Comunidade Internacional tem explicitadamente reconhecido um direito humano à comida e à vida? [...] Uma razão é para encorajar a Comunidade Internacional e os Estados a renovar seus esforços no atendimento das necessidades de água das suas populações. Esses esforços estão a caminho por meio da Visão 21, um processo de criação de um Conselho Internacional de 147 Fornecimento e Tratamento da Água (Water Supply and Sanitation Collaborative Council WSSCC). A discussão internacional deste tema é importante, porque levanta um tema que é global e que muitas vezes, passa despercebido no âmbito nacional e local. A segunda razão da divulgação da existência de tal direito relaciona-se à pressão de que o mesmo seja incorporado nas normas obrigacionais internacionais, nacionais e locais [...] A terceira razão é dar destaque à situação deplorável da gestão hídrica em muitas partes do mundo. [...] Uma quarta razão refere-se a ajudar à resolução dos conflitos internacionais por recursos hídricos compartilhados por mais de um país, identificando a necessidade de atendimento mínimo do recursos a todos eles [...] Finalmente, explicitando o conhecimento deste direito humano pode-se contribuir para a criação de políticas públicas hídricas que assegurem a utilização humana da água para o consumo como preferencial em relação aos outros usos que possui. Portanto, consoante a essa perspectiva, em 1988 foi promulgada a Constituição Cidadã, que revelou-se avançada nas questões de interesses individuais e coletivos, significando grande avanço para a cidadania ao acolher os interesses transindividuais em seu texto legal. Esses direitos transindividuais aparecem quando o homem deixa de ser considerado isoladamente e tem seus interesses pluralizados, que abrigam um grupo de interessados que podem variar em número e qualidade. Essa denominação transindividuais envolve um conjunto de pessoas, as quais suas pretensões ultrapassam o indivíduo, Morais (1996, p. 126) define a abrangência destes interesses O prefixo trans permite, assim, que possamos apreender a idéia de que os interesses ora debatidos, apesar de comuns(nitários), tocam imediata e indivisivelmente embora este termo individual não tenha o mesmo conteúdo excludente de quando está empregado com direito individual, - cada componente desta coletividade, ao passo que a consagração do prefixo meta importa uma perspectiva de algo que esteja alheio e acima do indivíduo, sem tocá-lo de forma alguma. Parece-nos que esta passagem do singular para o coletivo não se faz aniquilando o indivíduo, mas inserindo-o numa dimensão comunitária. Entretanto, embora significativo o progresso no que diz respeito à positivação ampla de direitos que possibilitam a cidadania, necessita-se ainda a transformação qualitativa do cidadão passivo para um cidadão socialmente ativo, no sentido de lutar pela proteção de seus direitos fundamentais. Nessa perspectiva, Leal (1997, p.166) preceitua 148 Em busca de novos paradigmas e pautas de ação política, talvez os direitos humanos de todas as gerações possíveis e imagináveis, entre eles o direito de um meio ambiente e de uma cidade sadia e justa, sirvam como um novo paradigma à constituição de um novo pacto associativo que preserve e revele valores como a democracia, o pluralismo jurídico, a igualdade e a justiça social. Assim, poder-se-á estabelecer uma convivência sustentável que deve se realizar através do respeito aos Direitos Humanos e da construção de um paradigma ecológico reconstrutor da realidade, viabilizando direitos básicos do cidadão e criando mecanismos para sua garantia. Esses 56 direitos verificam-se positivados na Carta Magna brasileira, principalmente no artigo 5º , o qual preceitua que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade . Dessa forma, Machado (2002) nos diz que cada ser humano tem direito a consumir ou usar a água para as suas necessidades individuais fundamentais, e que a existência do ser humano por si só garante-lhe o direito a consumir água e ar. Portanto negar água ao ser humano é negar-lhe o direito à vida, e o direito à vida57 é anterior aos outros direitos. Assim, quando se fala em água percebe-se que esta se constitui num direito fundamental e num bem comum da humanidade. Daí justifica-se a cláusula normativa da Constituição Federal 56 Artigo 5º, LXXIII Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento das custas judiciais e do ônus da sucumbência. 57 O direito à vida é hoje universalmente reconhecido como um direito humano básico ou fundamental. É básico ou fundamental porque o gozo do direito à vida é uma condição necessária do gozo de todos os demais direitos humanos (TRINDADE, 1993, p. 71). 149 de 1988 que seu art. 225 caput, assegura a todos o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.Do mesmo modo, no inciso VI promove educação ambiental em todos os seus níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente, como forma de educar e alertar para a utilização racional e assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água. Atualmente, há um forte consenso de que alguma coisa deverá ser feita com certa urgência para interferir nos diversos processos de degradação ambiental que ocorrem no nosso país e no mundo. Este quadro de complexidade poderia ser desfeito, segundo Sirvinskas (2005) pelo exercício efetivo da cidadania, que poderia resolver parte dos grandes problemas ambientais do planeta através da ética transmitida pela educação ambiental. Isso porque, entendendo as causas da degradação ambiental, as pessoas iriam compreender os problemas sócio-econômicos e político-culturais e, a partir desses conhecimentos, alterariam suas atitudes comportamentais. Para Arroyo (1987, p. 79) Nos aproximamos de uma possível redefinição da relação entre cidadania e educação. Há uma relação entre ambos? Há e muita, no sentido de que a luta pela cidadania, pelo legitimo, pelos direitos, é o espaço de formação e construção do cidadão. A educação não é uma precondição da democracia e da partição, mas é parte, fruto e expressão do processo de sua constituição. De acordo com esse raciocínio, percebe-se que educação ambiental e cidadania entrelaçam-se. E essa relação se corporifica nas constituições, nas leis educacionais, nas propostas das políticas públicas, transformando-se em princípios norteadores e atitudes nos 150 projetos político-pedagógicos das escolas, capazes de presentificar a finalidade e a preocupação da cidadania com o meio ambiente sustentável. Assim, percebe-se que a conscientização é a base para o exercício da cidadania, e que é através dela que o indivíduo entende que suas ações podem afetar os demais integrantes da sociedade. Ao seguir-se esta linha de interpretação, constata-se que consciência crítica e cidadania, por sua vez, estão intimamente ligadas à educação em todos os níveis. Nesse contexto, Sacristán (2002) destaca que a cidadania surge como uma categoria que promete e garante direitos para o exercício das liberdades e para alcançar as condições matérias de vida favoráveis ao desenvolvimento com dignidade. Existindo, portanto uma estreita relação entre educação e cidadania, sendo que a 1ª razão tem a ver com o paralelismo existente entre a capacidade criadora da educação e a da cidadania democrática, as quais apóiam-se reciprocamente como narrativas de progresso. A educação pode colaborar com a construção do cidadão, estimulando o desenvolvimento das condições necessárias para o exercício ativo e responsável de seu papel como sujeito do processo histórico, contribuindo para a construção da cidadania e possibilitando a vivência da vida cidadã. Na 2ª razão o autor supra citado, funda-se no conceito de que a cidadania passa a ser um discurso emancipatório objetivando a construção de sujeitos, de referenciais de educação, de escola e de sociedade, expressos atualmente em projetos pedagógicos. A escola torna-se um ambiente onde é possível construir políticas cidadãs que priorizem o aluno como um ser social em construção e transformação da sociedade. 151 A 3ª razão é de ordem epistemológica, em que o universo discursivo sobre a cidadania é substantivo na hora de determinar os conteúdos, os projetos, os conceitos-chaves na construção do discurso sobre a educação para criar um novo sentido comum. Já a 4ª razão concebe a cidadania como narrativa para a educação ganha neste século todo o vigor da necessidade de fortalecimento dos espaços públicos, onde os indivíduos sintam-se agentes comprometidos com as transformações sociais necessárias neste mundo globalizado no qual prevalece a destruição das relações humanas enquanto ocorre a aparição descontrolada da violência e da marginalidade e o esvaziamento da política e da democracia, entre outras dimensões negativas que afetam os seres humanos. Nesse caso, a educação será um contraponto de resistência, possibilitando aos seus agentes a reflexão desses aspectos destrutivos para despertar a assumir posturas humanizadoras diante da realidade. A 5ª razão apontada por Sacristán (2002), considera que a educação inclui o cidadão nas sociedades modernas e, conseqüentemente, carecer dela significa ficar excluído da participação social. Em síntese, o autor nos mostra que, nas sociedades do conhecimento, a pessoa não-culta ou com carências e deficiências notáveis na educação fica excluída, ao ser impedida sua participação plena na sociedade, em condições de igualdade com os demais. A educação proporcionada pela escolarização passa assim a se constituir em um requisito que capacita para o exercício igualitário da cidadania. O direito social à cultura é um direito de caráter fundamental e um dever, não só porque dele dependa a dignificação humana, ao poder enriquecer as possibilidades de seu desenvolvimento, mas porque se entrelaça com outros direitos civis, políticos e econômicos das pessoas, possibilitando-os e potencializando-os. 152 Educar para o desenvolvimento sustentável implica ainda a idéia básica de que uma sociedade orientada para a sustentabelidade redefinirá suas relações com o meio ambiente. Nesse sentido, Freire (1998) defende a educação como uma forma de intervenção no mundo, de presença neste mundo, intervindo, atuando, fazendo parte do processo como um todo. A partir disso, a intervenção consciente significa superar conflitos. A educação ambiental decorre do princípio da participação na tutela do meio ambiente. Com ela buscou-se trazer consciência ecológica ao povo, titular do direito ao meio ambiente, permitindo a efetivação do princípio da participação na salvaguarda desse direito, conforme nos mostra Fiorillo (2000, p.39): Educar ambientalmente significa: a) reduzir os custos ambientais, à medida que a população atuará como guardiã do meio ambiente; b) efetivar o principio da prevenção; c) fixar a idéia de consciência ecológica, que buscará sempre a utilização de tecnologias limpas; d) incentivar a realização do princípio da solidariedade, no exato sentido que perceberá que o meio ambiente é único, indivisível e de titulares indetermináveis, devendo ser justa e distributivamente acessível a todos; e) efetivar o princípio da participação, entre outras finalidades. De acordo com esses pressupostos, a educação ambiental pode ser considerada como uma atividade-meio, para se atingir um objetivo-fim, que se destina a despertar e formar a consciência ecológica para o exercício da cidadania, sendo um instrumento valioso na geração de atitudes, hábitos e comportamentos, que concorrem para garantir a qualidade do ambiente como patrimônio da coletividade. Na compreensão de Leite (2003), não há como negar que, para se discutir, impor condutas, buscar soluções e consenso que levem à proteção ambiental, é necessária a participação 153 dos diversos atores: grupos de cidadãos, organizações não-governamentais (ONGs), cientistas, corporações industriais e muitos outros. Também, a participação redunda na transparência do processo e na legitimidade da decisão ambiental, contribuindo de maneira profunda para a conscientização da problemática ambiental. E mais, esta transparência implicará uma decisão ambiental com maior consenso, com vistas à aceitação da coletividade e para a produção de seus efeitos de forma mais prática. Um aspecto importante do sistema legal de proteção ao meio ambiente, na lição de Antunes (2002), é o estabelecimento de contornos jurídicos dentro dos quais os direitos e garantias individuais podem ser exercidos, contorno este que resulta, em grande parte, da atividade de polícia exercida pelo Estado, segundo critérios legais previamente definidos. Em outras palavras, é necessária a atuação dos Poderes do Estado na elaboração e aplicação de normas contemporâneas, bem como o livre acesso do cidadão para as possíveis discussões de controvérsias, medida esta voltada para concretizar, na esfera ambiental, de forma eficiente, a vontade social. Vimos, portanto, que se faz imperiosa uma concepção de educação ambiental fundamentada nos princípios de sustentabilidade, racionalização e responsabilidade, dentro da qual todos sejamos compreendidos como parte integrante do meio ambiente e responsáveis pela proteção e elevação da qualidade de vida no planeta. Nesse caminho, estão se abrindo novas perspectivas de a cidadania efetivar-se através de novos protagonistas que possuam vínculo social e tenham consciência da importância de seu papel na sociedade. Este reconhecendo de que a gestão da água deve ser descentralizada, participativa e compartilhada é que irá assegurar sua importância como elemento básico de suporte à biodiversidade. 154 E será através dessa mudança de concepção, ou de estilo de vida, que o ecodesenvolvimento estará se consolidando, voltado mais para os valores ambientais como forma de sustentação da vida. CONCLUSÃO O presente trabalho analisou a gestão dos recursos hídricos, com vistas aos usos racional e múltiplo da água diante do fato de que esta é um recurso cada vez mais finito e escasso. O homem por isso deve ter em mente que é o único agente capaz de modificar a forma de preservar o seu habitat, devendo concentrar esforços em ações que desencadeiem um verdadeiro processo de recuperação do meio ambiente. Para tanto, deve iniciar sua atuação identificando os processos que levam à degradação ambiental. Assim, com a aprovação dos novos modelos de gerenciamento de recursos hídricos, e a introdução dos conceitos de usuário-pagador e de poluidor-pagador, bem como o sistema de gerenciamento por bacias hidrográficas. Essa gestão deverá contar com a participação de diversos atores sociais, para que ocorra uma melhoria significativa dos recursos hídricos, principalmente 155 no controle da poluição. Essa condição proporcionará melhoria de qualidade de mananciais de água potável, facilitando as condições de tratamento e abastecimento de água. Da mesma forma, a gestão dos recursos hídricos, tendo a bacia hidrográfica como unidade de atuação e com vistas aos usos racional e múltiplo da água, considerando os diferentes atores envolvidos, constituem um desafio do Brasil para os próximos anos.. Para tanto, a Lei 9.433/97 introduziu vários instrumentos de gestão, dentre os quais a cobrança pelo uso da água como um instrumento econômico, a ser aplicada tanto para os usos quantitativos quanto qualitativos. Essa lei também demarcou a área e os usuários (bacia hidrográfica) que irão pagar; apontou o detentor do poder de decisão sobre os valores e sobre a forma de aplicação (Comitê de Bacia) e o responsável pela aplicação dos recursos arrecadados que são Agências de Águas. Nesse sentido, a proposta da cobrança de tarifa pelo uso da água veio juntar-se aos demais instrumentos, com o objetivo de sinalizar corretamente para a sociedade sobre o uso dos recursos hídricos de forma racional e atender aos princípios do desenvolvimento sustentável. Nesta proposta, a cobrança deve apresentar, eqüidade social, eficiência econômica e prudência ecológica, gerando receitas para que se alcancem os objetivos do sistema. Para isso, é necessário que tais receitas superem os custos de transação decorrentes dos encargos gerados, tanto para o Poder Público, quanto para os setores usuários e, ainda, tenham capacidade de incorporar os custos sociais (externalidades) derivados do uso. E, também por meio da educação ambiental, que decorrerá a capacidade do instrumento de influenciar o comportamento dos usuários do recurso de forma a melhorar a qualidade ambiental. 156 Observou-se com a respectiva pesquisa que a cobrança pelo uso da água poderá trazer impactos positivos e negativos aos usuários. Negativos porque pode-se constatar que esses setores repassarão para a sociedade esse ônus, agregando mais valor aos serviços e produtos, decorrente de alterações nos custos de utilização e produção. Mas, por outro lado, a arrecadação será aplicada na áreas de abrangência das bacias, de modo a proporcionar a conservação, a recuperação e o manejo sustentável dos recursos hídricos, e, também, estimular investimentos em despoluição, reuso, proteção de acordo com o enquadramento do corpos de águas em classes de usos preponderantes. Também o impacto da cobrança tem motivado as empresas para a pesquisa e o desenvolvimento de técnicas de redução do uso da água. Nesse contexto, a cobrança pelo uso da água envolve tanto interesses da União como dos estados, que, na qualidade de detentores do domínio sobre os recursos hídricos, são os maiores interessados na sua fiscalização, proteção e manutenção. O outro grupo de interesses consiste no dos usuários da água, ou seja, o setor elétrico, indústria e de saneamento, agrícola de navegação, etc. existe, ainda, um terceiro grupo de interesses, que se reflete no meio ambiente e no direito de toda a sociedade, no presente e no futuro, poder usufruir desse recurso natural. Para isso, a água deve ser utilizada com a cautela necessária à sua preservação, de modo a não comprometer sua qualidade e quantidade, como se verifica na ocorrência de poluição, escassez e assoreamento de cursos de água em várias partes do País. Nesse sentido, a reestruturação do setor de saneamento, visando à maior eficiência na prestação de serviços, deve ser acompanhada pela abertura de novas fontes de financiamento de baixo custo e de subsídios para o setor, de forma a permitir a ampliação dos serviços sem aumentos insuportáveis de tarifas. Afinal, a água é um bem de disponibilidade finita, portanto, de 157 oferta limitada, que deve atender à demanda essencial de toda a população, independentemente da capacidade de pagamento de cada usuário. Nessas condições, as leis de mercado não se aplicam. Privatizar a água ou comercializá-la é fator que traz mais externalidades negativas que positivas, além de ser uma forma ardilosa de cerceamento de um direito natural de cada indivíduo e o mercado não pode estar no controle sobre esse direito. Pelo exposto, a proposta de ecodesenvolvimento é uma alternativa segura, mas, para se atingir os objetivos estabelecidos em lei, são necessárias algumas mudanças nas posturas atuais e na exploração ambiental, a partir do reconhecimento de que o ser humano é parte do ambiente e, portanto, deve explorá-lo de maneira que não cause impacto sobre sua renovação. Para que essa cobrança seja realmente eficaz, e para que não haja conflitos entre os usuários, a educação ambiental é uma das soluções que podem trazer bons resultados se aplicada não só em escolas, mas também em empresas e diversos setores da sociedade. A conscientização é a base para o exercício da cidadania, sendo através dela que o indivíduo entende que suas ações podem afetar os demais integrantes da sociedade. Conscientizar os cidadãos através da educação ambiental é, deste ponto de vista, um trabalho que deve ser feito de maneira contínua. É importante que cada um haja como mediador desse conhecimento, levando-o ao maior número de pessoas possível, despertando sua consciência crítica, social e solidária. 158 REFERÊNCIAS ABICALIL, Marcos Thadeu. Atual situação dos serviços de água e esgoto no Brasil. In: FREITAS, Marcos Aurélio Vasconcelos de (Org.). O Estado das Águas no Brasil 2001-2002. Brasília: Agência Nacional de Águas, 2003. ALMEIDA, Fernando. O mundo dos negócios e o meio ambiente no século 21. In: TRIGUEIRO, André (Coord.). Meio Ambiente no século 21: 21 especialistas falam da questão ambiental nas suas áreas de conhecimento. Rio de Janeiro: Sextante, 2003. ALBUQUERQUE FILHO, José Leitão de. Educação ambiental para a sustentabelidade dos recursos hídricos. Dissertação (Mestrado em Engenharia Ambiental). Curso de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental, UFSC,2003. 159 AMBIENTEBRASIL. Dia mundial da água. Acessado em 28/10/2004. 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