UNIJUÍ
UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO
DO RIO GRANDE DO SUL
Departamento de Economia e Contabilidade
Departamento de Estudos Agrários
Departamento de estudos da Administração
Departamento de Estudos Jurídicos
CURSO DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO,
GESTÃO E CIDADANIA
SIMONE REISTACH
POSSÍVEIS IMPACTOS DA COBRANÇA DA ÁGUA E DA MERCANTILIZAÇÃO
PARA O ECODESENVOLVIMENTO
IJUÍ (RS)
2006
2
SIMONE REISTACH
POSSÍVEIS IMPACTOS DA COBRANÇA DA ÁGUA E DA MERCANTILIZAÇÃO
PARA O ECODESENVOLVIMENTO
Ijuí (RS)
2006
3
SIMONE REISTACH
POSSÍVEIS IMPACTOS DA COBRANÇA DA ÁGUA E DA MERCANTILIZAÇÃO
PARA O ECODESENVOLVIMENTO
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu
em Desenvolvimento, Gestão e Cidadania, área de concentração:
Políticas e Projetos de Desenvolvimento, da UNIJUÍ
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do
Sul, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre.
Orientadora: Profª Drª Raquel Fabiana Lopes Sparemberger
Ijuí (RS)
2006
4
UNIJUÍ
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Gestão e Cidadania - Mestrado
A Banca Examinadora, abaixo-assinada, aprova a Dissertação
POSSÍVEIS IMPACTOS DA COBRANÇA DA ÁGUA E DA MERCANTILIZAÇÃO
PARA O ECODESENVOLVIMENTO
elaborada por
SIMONE REISTACH
Como requisito parcial para a obtenção do grau de
Mestre em Desenvolvimento, Gestão e Cidadania.
Banca Examinadora:
Profa. Dra. Raquel Fabiana Lopes Sparemberger (UNIJUÍ): _________________________
Prof. Dr.Gilmar Antonio Bedin (UNIJUÍ): _______________________________________
Prof. Dr. Andersom Cavalcante Lobato:__________________________________________
Ijuí (RS), 01 de abril de 2006.
5
Água que nasce da fonte serena do mundo
E que abre um profundo grotão
Água que faz inocente riacho e deságua na corrente do ribeirão
Águas escuras dos rios que levam a fertilidade ao sertão
Águas que banham aldeias e matam a sede da população
Águas que caem das pedras nos véus das cascatas, ronco de trovão
E depois dormem tranqüilas no leito dos lagos, no leito dos lagos
Águas dos igarapés, onde Iara, a mãe d água é misteriosa canção
Água que o sol evapora, pro céu vai embora, virar nuvem de
algodão.
Gotas de água da chuva, alegre arco-íris sobre a plantação
Gotas de água da chuva, tão tristes, são lágrimas na inundação
Águas que movem moinhos são as mesmas águas que encharcam o
chão
E sempre voltam humildes pro fundo da terra, pro fundo da terra
Terra, planeta água
Terra, planeta água
Terra, planeta água
(Planeta Água: Guilherme Arantes)
6
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela vida.
Aos meus pais, Emilio e Ana. Pelo apoio e carinho. E por
tornarem este sonho possível.
Aos meus tios Noemi e Beno Fiuza, pelo apoio e
colaboração.
A
minha
querida
professora
e
orientadora
Raquel
Sparemberger, exemplo de dedicação e competência, pela amizade,
paciência, dedicação e incentivo. Obrigada por colaborar para a
concretização de uma etapa importante na minha vida.
E a todos os que de um ou outro modo me deram apoio.
7
RESUMO
A Constituição Federal em seu artigo 21, inciso XIX, define como competência da União instituir
o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Coerentemente, com essa
atribuição, foi promulgada, em 1997, a Lei nº 9.433/97, criando a possibilidade de adoção de um
novo modelo de gestão de recursos hídricos no Brasil. Entre as inovações está a consideração de
que a gestão desse recurso deve ser participativa e descentralizada, em que o Poder Púbico e
usuários e comunidade discutem e indicam as soluções para os problemas. A nova legislação
entende que a água é recurso escasso e, portanto, com valor econômico e sugere a cobrança pelo
seu uso como um dos instrumentos de gestão. Há muitos questionamentos, entretanto, sobre a
aplicação da cobrança pelo uso da água no Brasil. Principalmente no que se refere aos impactos
que poderá acarretar aos usuários e como será este repasse à sociedade. Outro problema abordado
é o caso da apropriação para fins comercias da água, pelas grandes corporações. Sendo que estas
mercantilizações ou privatizações são exigências do FMI aos paises subordinados para o
recebimento de empréstimos não trazendo grandes benefícios à sociedade. Em síntese, o trabalho
conclui que, apesar de ser um instrumento bastante poderoso, a cobrança pelo uso da água não
deve ser vista como um instrumento de gestão isolado e capaz de resolver todas as questões
relacionadas com o planejamento e gestão de recursos hídricos. E também que as externalidades
criadas pela comercialização da água são, em suma, negativas e merecedoras de nova postura
institucional no sentido de coibir esse processo de exploração.
Palavras-chave: Recursos Hídricos. Cobrança pelo Uso da Água. Mercantilização. Privatização.
Ecodesenvolvimento. Cidadania.
8
ABSTRACT
The Federal Constitution in its article 21, incise XIX, defines as Union competence, the creation
of the National Water Resources Management System. Coherent with such attribution, It was
promulgated, in 1997, the Law number 9.433/97, creating the possibility of the adoption of a new
model of water resources management in Brazil. Among the new ways there is the consideration
that the management of this resource must be participative and decentralized, in which the Public
Power, users and community discuss and indicate solutions to the problems. The new law
understands that water is a lean resource, thus with an economic value and it suggests a charge
for its use as an instrument of management. There are many questions, however, about the
application of a charge for using the water in Brazil. Mainly in what is related to the impacts that
may be caused to the users and the way it is going to be played back to the society. Another
problem approached is the case of the appropriation of water by the largest corporations with
commercial objectives. Considering that such trades or privatizing are requested by IMF in order
to receive funds without bringing great benefit to the society, though. To summarize, the work
made possible to conclude, although it can be a powerful instrument, the charge for the use of
water must not be seen as an isolated managing instrument which is able to solve all the questions
related to the planning and management of water resources. And also that the external factors
created by commercializing water, are negative and deserve a new institutional posture, in a sense
of stopping such an exploration process.
Key-Words: Water Resources. Charging for the Use of Water. Commercialization. Privatization.
Eco-development. Citizenship.
9
LISTA DE SIGLAS
ANA Agência Nacional de Águas
CAERD
Companhia de Água Esgoto de Rondônia
CAERN Companhia de água e Esgoto do Rio Grande do Norte
CAESB
Companhia de Água e esgoto de Brasília
CAEMA
Companhia de Água e Esgoto do Maranhão
CAGECE
Companhia de Água e Esgoto do Ceará
CAGEPA
Companhia de Água e Esgoto da Paraíba
CASAL
Companhia de Abastecimento e Saneamento de Alagoas
CEDAE
Companhia Estadual de Água e Esgoto
CESAN
Companhia Espírito-santense de Saneamento
COMPESA
Companhia Pernambucana de Saneamento
CONAMA
Conselho Nacional do Meio Ambiente
COPASA
Companhia de Saneamento de Minas Gerais
CORSAN
Companhia Rio Grandense de Saneamento
COSAMA
Companhia de Saneamento do Estado do Amazonas
COSAMPA
Companhia de Saneamento do Pará
10
CNRH
Conselho Nacional de Recursos Hídricos
DESO Departamento de Saneamento de Sergipe
DBO Demanda Bioquímica de Oxigênio
DMAE
Departamento Municipal de água e Esgoto
DNAEE
Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica
EMBASA
Empresa Baiana de Água e Saneamento
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
MMA
Ministério do Meio Ambiente
ONG Organização Não Governamental
PNRH Política Nacional de Recursos Hídricos
PPP Princípio Poluidor
Pagador
PUP Princípio Usuário Pagador
SABESP
Companhia de Saneamento básico de São Paulo
SEMA Secretária de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do RS
SANEAGO
Saneamento de Goiás
SANEATINS
Companhia de Saneamento de Tocantins
SANEMAT
Companhia de Saneamento do Estado do Mato Grosso
SANEPAR
Companhia de Saneamento do Paraná
SANESUL
Empresa de Saneamento do Mato Grosso do Sul
SNGRH
Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos
OCDE Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico
11
LISTA DE TABELAS E FIGURAS
Tabela 01: Quadro de Volume e Renovação das Águas.................................................................27
Tabela 02: Usos Múltiplos da Água...............................................................................................36
Tabela 03: Enquadramentos dos Corpos de Água..........................................................................47
Tabela 04: Síntese dos Principais Problemas e Desafios para a Gestão de Recursos Hídricos no
Brasil...............................................................................................................................................76
Tabela 05: Incertezas e Riscos no Processo da Cobrança..............................................................99
Tabela 06: Tarifas de Água (categoria residencial) Cobradas por Algumas Companhias do Brasil
em Junho de 2000.........................................................................................................................110
Tabela: 07: Acesso aos Serviços de Saneamento por Classe de Renda.......................................111
Tabela 08: Proporção de Municípios, por Condição de Esgotamento Sanitário (%), Segundo as
Grandes Regiões (2000)...............................................................................................................112
Figura 01: Consumo de Água na Agricultura, Indústria e no Uso Urbano...................................38
Figura 02: Hierarquia dos Objetivos da Cobrança Pelo Uso da Água Disponível no Ambiente.101
Figura 03: Brasil, Consumo Anual Per Capita............................................................................137
Figura 04: Água Mineral Consumo Anual - Países Selecionados.............................................138
12
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................................13
1 AS ÁGUAS E O REGIME JURÍDICO DOS RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL.......17
1.1 A questão das Águas.................................................................................................................17
1.2 Poluição versus Principais Usuários.........................................................................................28
1.3 A Política Nacional dos Recursos Hídricos..............................................................................39
1.4 Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.....................................................54
2 A COBRANÇA E OS ASPECTOS SOCIAIS PELO USO DA ÁGUA................................68
2.1 Aspectos Legais para a Cobrança dos RH - Infrações e Penalidades ......................................68
2.2 A Relação entre Ecodesenvolvimento e Desenvolvimento .....................................................86
2.3 Possíveis Impactos da Cobrança pelo Uso da Água e o Ecodesenvolvimento.........................95
2.4 Direito à Água, Exclusão Social e Saneamento Básico..........................................................115
3 OS DIREITOS SOBRE A ÁGUA: TITULARIDADE E OS REFLEXOS DA
DOMINIALIDADE PÚBLICA.................................................................................................114
3.1 A Água como Bem de Domínio Público................................................................................114
3.2 Competência da União dos Estado e Municípios ..................................................................124
3.3 Externalidades da Privatização e Mercantilização dos Recursos Hídricos............................129
3.4 Água e Cidadania....................................................................................................................142
CONCLUSÃO ............................................................................................................................154
REFERÊNCIAS..........................................................................................................................159
13
INTRODUÇÃO
A água é um bem precioso e insubstituível, pois além de ser um elemento vital para
existência da própria vida na terra, é utilizado por inúmeros setores como insumo básico para
suas atividades.
Há, desse modo, necessidade de que sejam criados critérios e normas
consistentes com a legislação especifica, de forma a regular e disciplinar os diferentes usos da
água: na indústria, na agricultura, no setor hidrelétrico e consumo urbano.
A água doce presente em rios, lagos e lençóis subterrâneos correspondem a menos de
0,3% do volume total de água do planeta. E, por ser depositaria de boa parte dos resíduos gerados
pelas atividades humanas, acaba tornando-se cada vez mais oneroso transformar novamente á
água doce com boa qualidade para o consumo. Os conflitos de interesse existentes com relação
ao uso da água, representados pelo setor hidroelétrico, pelos complexos industriais, pelas
necessidades de abastecimento urbano, irrigação e adensamento urbano industrial, evidenciam a
necessidade de articulação institucional e de adoção e uma política de gestão integrada dos
recursos hídricos, onde a bacia hidrográfica é a unidade básica de planejamento e gestão.
14
A Constituição, no seu artigo 21, inciso XIX, define como competência da União instituir
o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Coerentemente com essa atribuição,
foi promulgada, em 1997, a Lei 9.433, que estabeleceu a Política Nacional de Recursos Hídricos,
e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Contudo, mesmo com a
introdução de critérios de sustentabilidade às praticas dos usuários, essa
lei das águas
introduziu, dentre outros instrumentos, a cobrança pelo uso da água no Brasil como um
instrumento de gestão e como um instrumento econômico a ser aplicado tanto nos usos
quantitativos quanto nos usos qualitativos. Enquanto instrumento de gestão, a cobrança deve
produzir e arrecadar recursos para dar suporte financeiro ao sistema de gestão de recursos
hídricos e às ações definidas pelos planos de bacia hidrográfica.
Enquanto instrumento
econômico, a cobrança deve balizar corretamente, para a sociedade, o uso dos recursos hídricos
de forma racional e que atenda aos princípios do desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, a
cobrança deve apresentar equidade social, prudência ecológica e eficiência econômica, além de
trazer impactos ambientais positivos. Para isso acontecer, deve ser criada e cultivada uma política
de educação ambiental.
A degradação ambiental gerada pela falta de investimentos em coleta e tratamento de
esgotos tem levado à crescente poluição dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos por
carga orgânica e nutrientes, e os resultados disso são os problemas de saúde gerados pela má
qualidade da água e pela falta de saneamento. Trata-se de uma situação socialmente injusta e
ambientalmente degradante, pois, enquanto as áreas mais ricas recebem água tratada e têm esgoto
coletado pagando tarifas subsidiadas, as camadas mais baixas da população não recebem água em
quantidade e qualidade suficientes e não têm coleta de esgoto.
15
O desenvolvimento deve ser sustentável, ou seja, o gerenciamento eficiente dos recursos
hídricos implica uma abordagem que torne mais compatíveis os interesses socioeconômicos com
a proteção dos ecossistemas naturais. A inovação está em se considerar, explicitamente, que a
água é recurso escasso e, portanto, com valor econômico e que a gestão dos recursos hídricos
deve ser descentralizada e participativa onde o poder público, usuários e comunidade devem
discutir e indicar as soluções para os problemas, criados a partir da privatização e mercantilização
da água, que é uma exigência do FMI (Fundo Monetário Internacional) aos países pobres e
subordinados para o recebimento de empréstimos.
Importante assinalar que esta visão sustentável da questão ambiental é um grande avanço
para a sociedade e, se concomitante a isso for instituída uma política de educação ambiental, no
sentido de modificar comportamentos que degradam a natureza, estará se incrementando também,
o processo de cidadania e a melhoria da qualidade de vida da população. Em síntese, o que se
espera com o modelo sistêmico de integração participativa é a criação de uma vontade política
regional que, além de arrecadar recursos, tenha sucesso na Administração Pública, promovendo o
uso racional e a proteção das águas.
Sob esta ótica, a presente dissertação expõe, através de uma análise do arcabouço teórico
conceitual, os impactos da cobrança pelo uso da água e da mercantilização dos recursos hídricos
tanto paro os usuários quanto para a sociedade, sugerindo o ecodesenvolvimento como resposta.
Nesse sentido, o capítulo primeiro aborda a multiplicidade dos usos da água, enfocando
especialmente a poluição hídrica, além da caracterização dos poluentes e dos danos potenciais.
Busca também apresentar um panorama, o mais completo possível, da Política Nacional e do
16
Sistema de Gestão dos Recursos Hídricos, sendo que os dados levantados nesse capítulo servirão
de suporte para os demais.
No segundo capítulo, é dedicada especial atenção aos aspectos legais da cobrança pelo
uso da água, bem como infrações e penalidades a quem causar danos aos recursos hídricos.
Prestando a devida atenção ao paradigma ecodesenvolvimento versus desenvolvimento, na busca
de compatibilizar os interesses da economia com a proteção do meio ambiente. Também enfatiza
o possível impacto da cobrança da água para o ecodesenvolvimento, bem como as incertezas e
riscos que surgem com esse instrumento. Outro fator importante abordado neste capítulo é o
direito à água e saneamento básico como forma de inclusão social.
O capítulo terceiro analisa, os direitos sobre a água: titularidade e os reflexos da
dominialidade, bem como o papel da União dos Estados e Municípios frente à nova legislação.
Nesta análise, também se procura mostrar as externalidades provocadas pela privatização e
mercantilização dos recursos hídricos, no Brasil e em vários países que adotaram essa postura.
Afirma-se também que o uso racional e responsável se dará por meio da construção de uma nova
cidadania onde os cidadãos tenham clareza de suas responsabilidades.
17
1 AS ÁGUAS E O REGIME JURÍDICO DOS RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL
Derramarei sobre vós água pura e sereis purificados. Eu vos purificarei de todas
as impurezas e de todos os ídolos. Dar-vos-ei um coração novo e incutirei um
espírito novo dentro de vós . (Ezequiel, 36, 25-26)
1.1 A questão das águas
A água representa uma necessidade fundamental para a vida não somente dos seres
humanos, mas de todos os seres vivos.
As gerações do passado e do presente sempre
dependeram de água potável para sua sobrevivência e desenvolvimento cultural e econômico. A
água doce é, portanto, essencial à manutenção da vida, sustentando também as atividades
econômicas e o desenvolvimento.
Diante deste contexto, percebe-se que o desenvolvimento e o meio ambiente estão
indissoluvelmente vinculados e devem ser tratados mediante a mudança do conteúdo, das
modalidades e das utilizações do crescimento. Três critérios fundamentais devem ser obedecidos
18
simultaneamente para se alcançar a sustentabelidade ecológica: equidade social, prudência
ecológica e eficiência econômica (SIRVINSKAS, 1993, p. 07).
Equidade social, prudência ecológica e, eficiência econômica se darão conciliando
desenvolvimento econômico com proteção ambiental, ou oferecendo-se determinados
incentivos1 através do mercado, para que os usuários e poluidores,
modifiquem seus
comportamentos e aproveitem os recursos naturais de forma mais eficiente. Dessa forma, as
políticas de ecodesenvolvimento são uma tentativa de restabelecer a harmonia perdida entre o
desenvolvimento econômico e o meio ambiente.
Constitucionalmente o meio ambiente é um bem de uso comum do povo2, mas isso não
quer dizer que pode ser usado sem respeitar seus limites, conforme demonstra Leite (1998, p. 61):
Isso significa que o proprietário seja ele público ou particular, não poderá dispor da
qualidade do meio ambiente ecologicamente equilibrado, devido à previsão
constitucional, considerando o uso macrobem de todos. Adita-se, no que se refere à
atividade privada, a qualidade do meio ambiente deve ser considerada, pois o
constituinte diz que a atividade econômica deverá observar, entre outros, o principio da
proteção ambiental, conforme estatui o art. 170, inciso VI3 da Constituição Federal.
1
A implementação crescente da gestão ambiental, inclusive por meio da certificação de acordo com as normas ISO
14001, espelham a preocupação das empresas com seus problemas internos relativos ao meio ambiente. Outras
formas de incentivo são os chamados mercados verdes , que representam oportunidade de negócios onde a
consciência ecológica está presente, também chamados de ecobusiness (LUSTOSA, 2003).
2
A legislação ambiental brasileira tem suas bases na Constituição Federal, art. 225, que estabelece: todos têm
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida .
3 Constituição Federal: art. 170, inciso VI defesa do meio ambiente.
19
A expressão meio ambiente contida na Carta Magna, nos remete à Lei 6.938, de 31 de
agosto de 1981, artigo 3°, inciso I, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente e
define o meio ambiente como sendo o conjunto de condições, leis, influências e interações de
ordem física, química e biológica, que permite, obriga e rege a vida em todas as suas formas .
Ou, conforme esclarece Machado (1994, p.72) a definição federal é ampla, pois vai atingir tudo
aquilo que permite a vida, que a abriga e rege .
Também interessante lição nos é dada por Silva (2004, p.20) sobre o conceito jurídico de
meio ambiente:
O conceito de meio ambiente há de ser, pois, globalizante, abrangente de toda a
natureza, o artificial e original, bem como os bens culturais correlatos,
compreendendo, portanto, o solo, a água, o ar, a flora, as belezas naturais, o
patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e arquitetônico. O meio
ambiente é assim, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e
culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as
formas. A integração busca assumir uma concepção unitária do ambiente, e
compreensiva dos recursos naturais e culturais.
Nessa linha de raciocínio cabe registrar que o meio ambiente pode sim ser considerado
como o conjunto de relações e interações que condiciona a vida em todas as suas formas ,
conforme nos mostra o artigo 3º, I, da lei n.6.938/81. E porque o meio ambiente deve ser visto
como um todo, e não em partes fragmentárias, Callenbach (1993) nos mostra os problemas
ecológicos também não podem ser entendidos isoladamente. São problemas interligados e
interdependentes e, por isso, sua compreensão e solução requere um novo tipo de pensamento
sistêmico ou ecológico. Esse novo pensamento precisa ser acompanhado de uma mudança de
valores da sociedade, passando da expansão para a conservação, da quantidade para a qualidade,
da dominação para a parceria. O novo paradigma pode ser denominado como uma visão holística
20
do mundo, a visão do mundo como um todo integrado, e não como um conjunto de partes
dissociadas.
Devido à complexidade dos problemas globais que envolvem a biosfera e a vida humana,
como um ciclo que ultrapassa fronteiras levando ao colapso várias sociedades, na lição de Capra
(1999, p.23) pode-se dizer que esses problemas não estão isolados uns dos outros:
São problemas sistêmicos, o que significa que estão interligados e são
interdependentes. Por exemplo, somente será possível estabilizar a população
quando a pobreza for reduzida em âmbito mundial. A extinção de espécies
animais e vegetais numa escala massiva continuará enquanto o Hemisfério
Meridional estiver sob o fardo de enormes dívidas. A escassez dos recursos e a
degradação do meio ambiente combinam-se com populações em rápida
expansão, o que leva ao colapso das comunidades locais e à violência étnica e
tribal que se tornou a características mais importante da era pós-guerra fria.
Em última análise, esses problemas precisam ser vistos, exatamente, como
diferentes facetas de uma crise, que é, em grande medida, uma crise de
percepção. Ela deriva do fato de que a maioria de nós, e, em especial nossas
grandes instituições sociais, concordam com os conceitos de uma visão de
mundo obsoleta, uma percepção da realidade inadequada para lidarmos com
nosso mundo superpovoado e globalmente interligado.
Há soluções para os principais problemas de nosso tempo, algumas delas até
mesmo simples. Mas requerem uma mudança em nossas percepções, no nosso
pensamento e nos nossos valores.
Introduzir mudanças em nossas percepções, pensamentos e valores significa adequar-se
novas necessidades e possibilidades, interferindo na cultura organizacional do aparelho
administrativo. Nesse caso, segundo Andrade (2000), um fator que contribui para a mudança da
postura atual do homem frente às questões ambientais é a pressão do mercado internacional
exigindo uma adequação ambiental dos processos e produtos, através da política econômica de
empresas, regiões ou até mesmo países. A mudança de paradigma, da administração ambiental
para a administração ou gerenciamento ecológico, porém, nem sempre é uma prática voluntária.
Isso porque tal mudança pode ir de encontro a interesses e costumes já estabelecidos e, na grande
21
maioria das vezes, ultrapassados pelas novas exigências da sociedade nesse sentido, faz-se
necessária a explicitação do conceito de ecologia em seus aspectos raso e profundo :
A palavra `ecologia vem do grego oikos (casa). Ecologia é o estudo de como a
Casa Terra Funciona. Mais precisamente é o estudo das relações que interligam
todos os moradores da Casa Terra. A ecologia é um campo muito vasto. Pode ser
praticada como disciplina cientifica, como filosofia, como política ou como
estilo de vida. Como filosofia, é conhecida por ecologia profunda , uma escola
de pensamento fundada pelo filósofo norueguês Arne Naess no inicio da década
de 1970. Naess estabeleceu uma distinção importante entre ecologia rasa e
ecologia profunda .
A ecologia rasa é antropocêntrica. Considera que o homem, como fonte de tudo
o valor, está acima ou fora da natureza e atribui a este um valor apenas
instrumental ou utilitário. A ecologia profunda não separa o homem do
ambiente; na verdade, não separa nada do ambiente. Não vê o mundo como uma
coleção de objetos isolados e sim uma rede de fenômenos indissoluvelmente
interligados e interdependentes. A ecologia profunda reconhece o valor
intrínseco de todos os seres vivos e encara o homem como apenas um dos
filamentos da teia da vida. Reconhece que estamos todos inseridos nos processos
cíclicos da natureza e que deles dependemos para viver. (CAPRA, 2003, p. 20)
Concluída a explicitação dessa nova ecologia, a questão básica é redefinir a concepção
atual de meio ambiente, de forma que ela reflita o paradigma da ecologia profunda. Essa nova
concepção é explicitada por Lutzemberger (1980, p.12) para quem a ecologia4 deve ser
compreendida como a ciência da Sinfonia da Vida e a ciência da sobrevivência. Longe de ser
uma especialização a mais, entre outras tantas, a Ecologia é uma generalização, ela é a visão
global das coisas, é a visão sinfônica do Mundo, a visão do Universo como esquema racional
integrado .
4
Ost (1995) a ecologia esta progressivamente a impor uma visão integrada e dinâmica das relações entre as espécies,
desde quando foi criado o termo ecologia em 1986, Ernest Haechel, discípulo de Darwin, definiu-o como a
ciência das relações dos organismos como o mundo exterior, no qual nos podemos reconhecer como fatores da luta
pela existência . Entre estes, Haeckel incluía as características físicas e químicas do habitat, o clima, a qualidade da
água, a natureza do solo, bem como o conjunto das relações favoráveis ou desfavoráveis dos organismos uns com os
outros.
22
A visão do mundo integrado nos alerta para o fato de que a solução dos problemas
ambientais não pode ocorrer de forma isolada. Um exemplo disso são os recursos hídricos, que,
dentro de uma unidade de planejamento como a bacia hidrográfica, interagem com os demais
recursos naturais na área de captação, além de serem influenciados pelas chuvas, disseminando os
poluentes através das chuvas ácidas. Já no tocante aos recursos hídricos, segundo Feldmann
(1994, p.12) a expressão recursos hídricos é usualmente associada à parcela da água5 possível de
ser utilizada pelo homem .
A doutrina é escassa sobre o conceito de recursos hídricos. O próprio legislador
nacional não usava esta terminologia até o advento da Constituição de 1988.
Veja-se a propósito, que o Código de Águas não faz referência à recursos
hídricos. Nos seus diversos artigos utiliza sempre a terminologia águas . O
mesmo se observa nos Códigos Civil (arts. 563/568) e Penal (art. 270) e na
legislação de pesca (Dec.
lei 221/67). O constituinte também não adotou
terminologia uniforme. No art. 21, XIX, CF, faz referência aos recursos hídricos
mas, logo em seguida, atribui competência à União para legislar sobre águas,
energia, informática, telecomunicações e radiodifusão . Trata-se, portanto, de
terminologia nova que está a desafiar o enfrentamento da doutrina, para sua
exata compreensão (SILVA 2002, p.180).
É importante ressaltar, que, a Lei n. 9.433/97 também não distingue o termo água da
expressão recursos hídricos e, por esse motivo, no presente trabalho estes serão utilizados como
sinônimos. Dentre os recursos ambientais, Viegas (2005. p. 17) destaca que a água é um dos
que mais têm sido alvo de preocupação por parte das comunidades internacional e brasileira, por
ser atingida freqüentemente em sua qualidade e quantidade .
5
Água: é um composto químico formado de dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio (H2O). A água constitui
uma unidade de medida de densidade e a escala termométrica centesimal (Celsius) se baseia no ponto de
solidificação 0° e de ebulição 100°C. (GUERRA e GUERRA, 2003)
23
Diante da importância da água, Magossi e Bonacella (apud LEAL, GUIMARÃES, 1997,
p. 63) ensinam que, a água insere-se no grupo dos essenciais à vida, podendo mesmo ser
considerada imprescindível, pois ela está presente em todos os organismos vivos, fazendo parte
de uma infinidade de substancias e órgãos. Além disso, transporta diverso composto nutritivos
dentro do solo, movimenta turbinas na produção de energia elétrica, refrigera máquinas e
motores, ajuda a controlar a temperatura de nossa atmosfera e apresenta ainda uma série de
funções de extremo valor .
A água é juridicamente um recurso ambiental, conforme estabelece o artigo 3º, V, da Lei
federal n° 6.938/81, que assim os enumera: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e
subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e
a flora . Por essa razão é que Leal e Guimarães (1997) ressaltam que a crise ambiental que
envolve as águas, com o aumento da demanda e redução da disponibilidade hídrica, tanto em
quantidade como em qualidade, constitui-se num dos mais graves impactos ambientais deste final
de século, com repercussões em todas as atividades humanas e nos planos de desenvolvimento
sócioeconômico . Também a par de sua imprescindibilidade Viegas (2005, p. 23-24) estima-se
que hoje mais de 1 bilhão de pessoas não disponha de água suficiente para o consumo e que, em
25 anos, cerca de 5,5 bilhões estarão vivendo em locais de moderada ou considerável falta de
água. A ONU, de outro lado, aponta que faltará água potável para 40% da população mundial em
2050, enquanto especialistas com visão mais pessimista antecipam esse prazo para 2025.
24
A água é primordial para a manutenção de todas as espécies e sua gestão deve ter como
objetivos o uso racional e a redução de impactos ambientais6 que afetem diretamente a
capacidade produtiva dos recursos hídricos. Nesse sentido, David Drew (1994, p. 87) resume
muito bem a situação quando ensina que
Pode-se dizer que a água doce é o mais importante recurso da humanidade,
individualmente considerado. À escala mundial, o que inibe a expansão da agricultura e
o povoamento de vastas regiões é a insuficiência de água. À escala local, os recursos
hídricos determinam a localização de certas indústrias, como a geração de energia;
antigamente, o estabelecimento de povoações estava em relação estreita com a
localização de rios e fontes. As povoações do oásis oferecem um exemplo cabal. Do
ponto de vista humano, as limitações impostas pela água são suprimento insuficiente
(desertos, estiagem) ou demasiado (pântanos, inundações).
Dessa forma, o modelo de inesgotabilidade perdeu consistência técnico-científica, quando
a Lei n. 9.433/97 estabeleceu literalmente que a água é um recurso natural limitado (artigo 1°,
III). Diante desse fato, percebe-se que a multiplicidade de funções que a água desempenha, está
associada à sua capacidade de apresentar-se em três estados distintos, como nos ensina Popp
(1988, p.105):
À água está distribuída na terra nos três estados conhecidos: sólido, líquido e
vapor. As temperaturas médias na superfície da terra e em pequenas
profundidades da crosta estão geralmente compreendidas entre 5° e 40°C,
condicionando desta maneira a maior proporção da água no estado líquido (1400
bilhões de toneladas, 97,85%). Nos pólos e nas grandes altitudes, devido às
temperaturas anuais situarem-se predominantemente abaixo de 0°C, a água
encontra-se no estado sólido (24.000.000 de km³)7, ou 30 bilhões de toneladas,
2,15%). Na atmosfera, a água acha-se no estado de vapor ou em fase de
6
Impacto Ambiental: expressão utilizada para caracterizar uma série de modificações causadas ao meio ambiente,
influenciando na estabilidade dos ecossistemas. Os impactos ambientais podem ser negativos ou positivos, mas, nos
dias de hoje, quando a expressão é empregada, já está mais ou menos implícito que os impactos são negativos. Os
impactos podem comprometer a flora, fauna, rios, lagos, solos e a qualidade de vida do ser humano (GUERRA e
GUERRA, p. 2003, p. 350).
7
1 m³: 1000 litros (m³) e 1 Km³: 1 bilhão de metros cúbicos (m³) (TUNDISI, 2003).
25
transição dentro do ciclo, pronta a transformar-se em chuva ou neve (0,001%).
Caso parte da água não estivesse retida nos pólos sob a forma de gelo, o nível
dos mares seria pelo menos 90 metros acima do atual. Uma parcela
relativamente pequena ocupa parte da superfície dos continentes (cem vezes
menos que aquela concentrada nos pólos), constituindo os rios e lagos (0,010%).
Porém, o ciclo hidrológico estabelece uma relação perfeita entre água salgada e água doce
a partir do fenômeno da evaporação, que é quando a água salgada dos oceanos se transforma em
doce e cai sobre os continentes.
Já no tocante às características físico-química e biológica, Sperling (apud SOARES,
2003, p.19) as principais características da água podem ser expressas como:
- físicas, que se referem, em sua maior parte, aos sólidos presentes na água, os
quais podem ser em suspensão, ou dissolvidos, dependendo do tamanho;
- químicas, que se referem à presença de matéria orgânica ou inorgânica;
- biológicas, que dependem dos seres presentes na água, que podem ser vivos ou
mortos. Dentre os vivos tem-se os de origem animal e vegetal, além de parasitas.
Contudo, muitas dessas características são alteradas mesmo que inconscientemente pelo
homem. Daí a importância do Conselho Nacional do Meio Ambiente
CONAMA, que por meio
da Resolução n.º 20, de 18 de junho de 1986, classificou as águas em doces, salobras e salinas.
As águas doces possuem um grau de salinidade inferior a 0,5%; as águas salobras possuem um
grau de salinidade entre 0,5% e 30%; e as águas salinas possuem um grau de salinidade superior
a 30%.
Água doce, segundo o vocabulário de Recursos Hídricos do IBGE (2004) corresponde à
água que possui baixas concentrações de matéria dissolvida (salinidade inferior a 2.000 ppm)
principalmente cloreto de sódio (NaCl) .
26
A água doce é própria para o consumo humano, sendo destinada ao abastecimento
doméstico, à recreação de contato primário, à proteção das comunidades aquáticas, à irrigação, à
aqüicultura, à dessedentação de animais, entre outros. Em termos de águas subterrâneas, a
utilização no Brasil é bastante modesta. Sendo perfurados de 8 mil a 10 mil poços por ano, a
grande maioria para abastecimento de indústria. Somente nas últimas décadas vem-se verificando
a tendência para o abastecimento público com águas subterrâneas, como é o caso dos aqüíferos.
O Aqüífero Guarani8 é o maior depósito subterrâneo de água doce do planeta. Sua área é de,
aproximadamente, 1,2 milhão de Km²,. dois terços dele estão em oito estados brasileiros. O
restante se estende sob territórios da Argentina, Paraguai e Uruguai (NALINI, 2003, p.54)
Já no caso da água salobra e da água salgada, a forma viável de se utilizá-la é através da
dessalinização, mas, para Drew (1998, p.121) gasta-se muita energia nesse processo:
A dessalinização de água salobra9 ou de água do mar, usando destilação por
descarga ou métodos de membrana, está ficando comum nos países ricos. A
capacidade mundial de dessalinização em 1976 era de cerca de 2.400 milhões de
litros de água do mar por dia, aumentando 16% ao ano. Em países como Israel,
Austrália e Kuwait, assim como no oeste dos Estados Unidos, usinas médias de
dessalinização já vêm operando há anos. Há uma limitação, que é a enorme
quantidade gasta de energia.
A dessalinização é um processo dispendioso e os equipamentos tem um custo
relativamente elevado, sendo impraticável para vários paises, inclusive o Brasil. Também o
8 O Aqüífero Guarani está localizado no centro-leste da América do Sul, entre 12° e 35° de latitude Sul e 47° e 65°
de longitude Oeste, subjacente a quatro paises: Argentina. Brasil, Paraguai e Uruguai. Tem extensão aproximada
de1,2 milhões de km², sendo 840 mil km² no Brasil, 225,500 mil Km² na Argentina, 71,700 mil Km² no Paraguai e
58,500 Km² no Uruguai. A porção brasileira integra o território de oito estado: MS (213.200 Km²), RS (157.600
Km²), SP (155.800 Km²), PR (131.300 Km² ), GO (55.000 Km²), MG (51.300Km² ), SC (49.200 Km² ) e MT
(26.400 Km² ). A população atual do domínio de ocorrência do aqüífero estimada em 15 milhões de habitantes
(UNIAGUA, 2004, p.01).
9
Água salobra: diz-se de água com nível de salinidade entre o da água doce e o da água do mar (NALINI, 2003,
p.328).
27
processo de dessalinização pode causar danos ao meio ambiente: se o sal for despejado
diretamente no solo ele fica inviável para a agricultura e os aqüíferos se contaminam.
No entanto, é claro que estratégias para enfrentar a escassez de água devem considerar
tecnologias de dessalinização para a obtenção de mais água, porém mais importante é a
diminuição do desperdício e do consumo excessivo, aliada a técnicas de conservação e proteção
dos mananciais e recuperação dos sistemas degradados (TUNDISI, 2003).
Diante de desafios tão imensos quanto dramáticos, é interessante ver o quadro das águas
em sua distribuição sobre o planeta Terra. Embora com pequenas diferenças todos os índices
apontam para a mesma direção.
Tabela 01: Quadro de volume e renovação das águas
Localização
Vol. (1000 Km³)
Oceanos
1.464.000,0
97,6000
37.000 anos
31.290,0
2,0860
16.000 anos
4.371,0
0,2910
300 anos
255,0
0,0170
1 a 1.000 anos
Solo e subsolo
67,0
0,0040
280 dias
Atmosfera
15,0
0,0010
9 dias
1,5
0,0001
6 a 20 dias
Massas polares
Rochas sedimentares
Lagos
Rios
%
Renovação
Fonte: COSTA (1991, p. 05)
É certo que, não havendo controle, muitos mananciais10 serão progressivamente
contaminados e extintos. Isso porque o ciclo natural das águas consegue repor satisfatoriamente
10
Manancial: Ponto natural visível de descarga de água subterrânea formada na interseção de um aqüífero e da
Superfície do solo (NALINI, 2003, p.312).
28
parte das águas, mas não no mesmo ritmo de sua destruição. Portanto, quando se fala em falta de
água para 40% da humanidade, um terço dos países do mundo terá escassez permanente de água
(CNBB, p 29).
Nenhuma alternativa para combater a escassez de água, no entanto, pode prescindir de
uma mudança de atitude da população como um todo diante do problema. E um dos problemas
graves a ser enfrentado é a poluição, que desequilibra o ecossistema refletindo diretamente sobre
as condições de vida da população.
1.2 Poluição versus Principais Usuários
A crise ambiental nada mais é que o esgotamento dos modelos de desenvolvimento
econômico e industrial, modelos provenientes da Revolução Industrial, que prometeu o bemestar de todos, contudo, não cumpriu tal promessa, apesar dos benefícios tecnológicos que trouxe,
pois consigo veio também a devastação ambiental planetária e indiscriminada.
A poluição é uma das conseqüências do desenvolvimento, ela ocorre quando esse
desenvolvimento é baseado apenas no lucro, deixando de levar em consideração todo o
ecossistema. Partindo dessa premissa, Silva (1993, p. 389) esclarece que:
Poluição, do latim polluere, significa estragar, sujar, corromper. Poluição da
água é (...) a contaminação da água, em virtude do que se torna impura ou
nociva ao uso. E essa poluição se mostra pelo efeito de coisa a ela trazida, pela
qual se alterou em sua pureza. A corrupção da água é o estrago dela, a sua
inutilização por vários meios, inclusive pela contaminação.
29
A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente n.º 6.938/81, artigo 3º, III, assim define
poluição:
a) Como a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades
que direta ou indiretamente:
b) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
c) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
d) afetem desfavoravelmente a biota;
e) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
f) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais
estabelecidos
O que se busca é que a água tenha aspecto limpo, pureza de gosto e que esteja isenta de
microorganismos patogênicos. A poluição da água indica que um ou mais de seus usos foram
prejudicados. A poluição pode classificar-se, segundo nos ensina Pellacani (20005, p.54), como:
Mecânica, química, por pesticidas, orgânica, biológica, física, térmica e por
detergentes sintéticos quanto a etiologia do agente poluidor. Quanto ao modo de
contaminação, é classificada como agrícola, industrial, gerada pelo lixo, por
dejetos humanos e por mercúrio. É classificada como maciça e crônica, de
acordo com a sua intensidade e freqüência.
É mais freqüente a poluição do tipo mista, ou seja, a associação de duas ou mais espécies
de poluição referidas acima. Muitas dessas substâncias, principalmente como é o caso dos metais
pesados, resistem à degradação, e se acumulam nas redes alimentares passando para os alimentos
e, conseqüentemente, para o homem, podendo causar impactos negativos à saúde humana como
mutações, defeitos de crescimento e câncer. Em comunhão com o exposto, Nalini (2003, p.5051) nos diz que
metais pesados, muitas vezes presentes na água, têm grandes impactos sobre a
saúde humana e dos animais. Podem afetar o desenvolvimento do corpo e da
mente e são cancerígenos, conforme testes laboratoriais. A utilização excessiva
de fertilizantes, os resíduos químicos lançados aos rios, a inadequação dos
sistemas de tratamento, tudo isso compromete a qualidade da água oferecida à
população.[...] A poluição industrial é índice de subdesenvolvimento. É atestado
de atraso. Representa sintoma de produção ineficiente. Mesmo assim, continua a
30
existir. Não se espere, todavia, uma meã culpa do próprio empresariado, mas
exija-se um funcionamento industrial politicamente correto, com gradual
eliminação da atividade poluente. A cidadania é que deve cobrar, das industrias
locais, a mesma postura empresarial eticamente irrepreensível, reclamada nos
países de origem.
Ações imediatas devem ser tomadas pelo Poder Público, no sentido de coibir que países
industrializados transfiram os danos e suas conseqüências aos países subdesenvolvidos. Ponting
(1995, p.599) nos mostra que
Aproximadamente, 80% de todo o lixo tóxico11 produzido pelos países
industrializados é colocado em locais não adequados; muitos são somente
revestidos com argila, que é um material permeável. Nessa área, existem ainda
tentativas deliberadas, perigosas e altamente irresponsáveis para a exportação do
problema. Muitos dos lixos mais perigosos são enviados para a Europa Oriental
e para o Terceiro Mundo, para que os que os enviam possam beneficiar-se com
os regulamentos mais permissíveis e de menor oposição pública, onde são
depositados em locais que exigem menos procedimentos de segurança ou
simplesmente são deixados ao ar livre.
Contaminando os cursos d água, ou até mesmo os lençóis freáticos, a ordem nesse caso parece que
é a de se obter o máximo de lucro, mesmo à custa da maior poluição, não se preocupando com os
impactos que esse lixo, muitas vezes radioativo, poderá causar a todo o ecossistema ao longo do tempo.
Com relação à conscientização da sociedade sobre os efeitos causado pela poluição por pesticidas
sintéticos,12 vejamos o que nos ensina Maccornick (1992, p.29):
efeitos adversos da má utilização dos pesticidas e inseticidas químicos
sintéticos, gerou muita controvérsia e aumentou a consciência pública quanto às
implicações da atividade humana sobre o meio ambiente e quanto a seu custo,
por sua vez, para a sociedade humana.
11
Lixo tóxico: lixo perigoso que é capaz de causar lesões graves, como queimaduras, danos no tecido ou câncer, e
até mesmo a morte nos homens e em outros organismos (NALINI, 2003,p312).
12
Sintético: Elaborado ou produzido artificialmente, por síntese química; é uma imitação, ou análogo a algo
naturalmente observável, mas resultante de processo artificial. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo
Aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
31
Um exemplo drástico de contaminação e suas conseqüências nos é dado por Beckestein
(2003): no final de março de 2003, uma enorme mancha negra, vinda do município de
Cataguases, em Minas Gerais, através do Rio Pomba, tomou conta do Rio Paraíba do Sul, até
chegar ao litoral. As águas escuras e repletas de uma espuma venenosa, contaminada por
produtos tóxicos, mataram peixes, crustáceos e toda a vida que encontraram pelo caminho. O
responsável por este lastro de destruição, apontado como o maior desastre ambiental do país, foi
o vazamento de um reservatório da indústria mineira Cataguases de papel. Autuada várias vezes e
alertada de risco iminente do rompimento do reservatório, a empresa nada fez para impedir a
catástrofe. Está sendo estudada a possibilidade de contaminação das águas por organocloratos,
que são substâncias cancerígenas, o que tem preocupado a secretaria da Saúde, sendo possível
que alguns moradores das regiões pobres possam ter consumido peixe do local. Se houve
contaminação por organocloratos, só após seis meses começarão a aparecer, bem como os casos
de câncer. As amostras de água do Paraíba do Sul apresentavam altos índices de fenóis e soda
caustica, além de profundas alterações no PH e oxigênio.
A contaminação passa do plâncton aos peixes herbívoros e logo aos peixes carnívoros
maiores até chegar à sua última presa: o homem. Esta é uma das razões para se cumprir certos
padrões de qualidade, o controle da disposição de resíduos no ambiente natural. A Unesco
(Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) divulgou relatório sobre
Desenvolvimento dos Recursos Hídricos, em 10 de abril de 2003 segundo o qual metade da
população dos países em desenvolvimento está exposta a fontes de águas poluídas e
contaminadas, conforme nos mostra Amarante (2003, p.28):
32
De acordo com o estudo, dois milhões de toneladas de dejetos humanos, além de
resíduos industriais, químicos e agrícolas são jogados em água receptoras todos
os dias. Nesse ritmo, a contaminação das águas poderia chegar, num futuro
breve, a 12 mil km³. Para se ter uma idéia do que isso significa, a água contida
em todas as represas até hoje construídas no mundo não passam de oito mil
km³.
Em relação ao Brasil, o relatório diz que o país tem água em quantidade
suficiente para atender a todos, mas a distribuição é irregular. Num ranking da
Unesco envolvendo 180 países sobre a quantidade anual de água disponível per
capita, o Brasil aparece na 25ª posição, com 48. 314 m³. por todo o País, 92,7%
das residências têm rede de água potável, no entanto, apenas 37,7% das casas
estão ligados à rede de esgoto. Desta forma, mais de 60% dos dejetos são
despejados diretamente nos rios e mares.
Entretanto, antes de se afirmar que uma água está poluída deve-se segundo, a Resolução
20/96 do Conama, saber para que uso ela se destina e, conseqüentemente, quais os critérios de
qualidade que poderão ser aceitos de modo a satisfazer o fim último de sua utilização.
Segundo Rocha e Coimbra (apud, SOARES, 2003, p.15), as águas podem constituir
recursos limitantes ou indutores do processo de desenvolvimento econômico social de
determinada área, e sua gestão pode interferir no uso e ocupação do solo . Por esse motivo, a
sociedade vem acordando para a problemática ambiental, buscando formas alternativas de
desenvolvimento, conciliadas com a preservação do meio ambiente e a melhoria da qualidade de
vida. Nesse sentido, Franza (1995, p.29) nos alerta:
La sobreexplotación del medio ambiente, que puede producir benefícios de corto
plazo a grupos circunscriptos, tiene irremediablemente efectos negativos sobre a
mayoria de la población presente y la generaciones futuras, generándose uma
contradiction entre el interés particular inmediato y el interés social de mediano y
largo plazo.
Isso tudo sem deixar de levar em conta a interdependência de fatores, como clima,
biodiversidade, usos e serviços que farão uso conjunto do sistema aquático e seus potenciais
33
impactos ao ecossistema. Não obstante essa constatação, cabe registrar estas palavras de Leal e
Guimarães (1997):
Esse panorama de crise d água, que na verdade pode-se chamar de crise
ambiental ou crise de modelo de desenvolvimento e de organização social, tem
sua expressão em todos os locais do país, principalmente nas áreas urbanas, as
quais, contínua e persistentemente vêm degradando e matando seus rios. No
geral os problemas são: esgotamento industrial e doméstico sem tratamento;
poluição das águas superficiais e subterrâneas; deposição irregular de lixo;
desmatamentos; acelerado crescimento populacional; favelização da população
em áreas de preservação ambiental e/ou de riscos de inundações e
desmoronamentos; crise no abastecimento devido ao aumento da demanda e
diminuição da quantidade e da qualidade da água; conflito entre diferentes usos
da água (urbano, industrial e agrícola).
Para amenizar ou mesmo solucionar esses conflitos, torna-se essencial a adoção de
políticas públicas consistentes, no sentido de evitar que a escassez se torne um entrave ao
desenvolvimento do país, mesmo o Brasil estando numa posição privilegiada pela quantidade de
água que possui. Conforme estudos apresentados pelo DNAEE (Departamento Nacional de
Águas e Energia), em 1992, ao Ministério do Meio Ambiente: o Brasil encontra-se numa
posição privilegiada, possuindo 11,6% da água superficial do mundo, e 112.000Km³ cúbicos de
água subterrâneas, em geral de boa qualidade para qualquer uso ( MINISTÉRIO DO MEIO
AMBIENTE, 1999).
Entretanto, em relação à densidade populacional brasileira a distribuição hídrica se dá de
forma desigual. Ressaltando esse aspecto, Borsoi e Torres (2003, p.6) no texto A política de
recursos hídricos no Brasil, nos mostram que
a distribuição regional dos recursos hídricos é de 70% para a região Norte, 15%
para a Centro-Oeste, 12% para as regiões Sul e Sudeste, que apresentam o maior
consumo de água, e 3% para a Nordeste. Essa região, além da carência de recursos
hídricos, tem sua situação agravada por um regime pluviométrico irregular e pela
baixa permeabilidade do terreno cristalino.
34
Esta má distribuição da água acarreta sérios conflitos entre os usuários, pois em algumas
áreas as retiradas são bem maiores que a oferta, causando um desequilíbrio nos recursos
disponíveis, acarretando limitações em termos de desenvolvimento para essas regiões.
A água está mal distribuída: 70% das águas doces do Brasil estão na Amazônia,
onde vivem apenas 7% da população. Essa distribuição irregular deixa apenas
3% de água para o Nordeste. Essa é a causa do problema de escassez de água
verificado em alguns pontos do país. Em Pernambuco existem apenas 1.320
litros de água por habitante e no Distrito Federal essa Média é de 1.700 litros,
quando o recomendado são 2.000 litros (AMBIENTEBRASIl, 2004, p.1).
É importante ressaltar, porém, que o Brasil destaca-se no cenário mundial pelas grandes
descargas de água doce dos seus rios: a produção de águas doces no Brasil representa 53% do
continente sul - americano (334.00m³/s) e 12% do total mundial (1.488.000m³/s) (REBOUÇAS,
1999, p.29).
De todo modo, o que se almeja é não só expor as facetas ligadas à disponibilidade dos
recursos hídricos no planeta, mas sugerir a adoção de algumas providências que seriam eficientes
para a modificação do panorama atual da crise da água. Como a Constituição brasileira assegura
que a saúde é direito de todos e dever do Estado (art.196) e será prestada pelo sistema único (SUS
art. 198, caput), que inclui dentre as diretrizes a priorização para atividades preventivas (art.
198, II), competindo-lhe participar da formulação da política e da execução das ações de
saneamento básico (art. 200, IV), as carências nesse setor fazem com que os índices de doença no
Brasil se acentuem. "Apenas para se ter uma idéia, estima-se que, em nosso país, 70% das
internações infantis em hospitais públicos e 40% da mortalidade infantil tenham origem em
deficiências de saneamento básico, estando diretamente correlacionados, portanto, ao despejo de
35
esgoto nos corpos d água, à escassez qualitativa da água que abastece a população e à
disseminação de doenças de veiculação hídrica" (IBGE, 2002).
Para impedir a poluição destrutiva, são necessárias ações locais,tomadas em decorrência
de políticas públicas apropriadas:
Os administradores públicos necessitam ter a consciência de que gastar os
parcos recursos atualmente disponíveis com o tratamento de doenças é um mau
negócio quando estas podem ser prevenidas. Assim, medidas políticoadministrativas tendentes ao fornecimento de água potável e à captação e
tratamento de esgotos geram, a um só tempo, evitação de doenças e tratamento
médico-hospitalares; uma melhor qualidade de vida à população; a economia de
recursos públicos, pois os maiores gastos com o saneamento básico são feitos
uma única vez, enquanto o tratamento da população em razão de sua falta é
permanentemente; uma efetiva melhoria na qualidade ambiental de um modo
geral; dentre outros resultados positivos (VIEGAS, 2005, p. 48).
É importante ressaltar que, para se alcançar objetivos concretos, tornam-se necessárias
políticas com diretrizes, orientações, ações e atividades de curto, médio e longo prazo. Levandose em conta a realidade local, explicitando normas e regras para o usuário que polui com vistas a
manter sob controle o descompasso entre disponibilidade e demanda. Para que isso seja
alcançado, a Lei 6.938/81, em seu artigo 3°, inc IV, define como poluidor a pessoa física ou
jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade
causadora de degradação ambiental .
Dessa forma, o conceito de degradação ambiental, segundo Nalini (2003, p.293), é
expresso, como o esgotamento ou destruição de um recurso potencialmente renovável, como
solo, pastagem, floresta ou vida selvagem por sua utilização num ritmo mais rápido do que o de
seu reabastecimento natural .
36
Na Lei 6.938/81, art. 3º, inc II, está definida a degradação da qualidade ambiental como
a alteração adversa das características do meio ambiente , em perfeita consonância com os
objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) tipificada nesta referida Lei o artigo,
2º diz que: a PNMA tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade
ambiental propícia à vida, visando assegurar, no país, condições ao desenvolvimento
socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida
humana .
Tundisi (2003, p.31-32) ´´afirma que, ao longo de toda a história, o desenvolvimento
econômico e a diversificação da sociedade resultaram em usos múltiplos e variados dos recursos
hídricos superficiais e subterrâneos´´. Não só o aumento populacional e a aceleração da economia
ampliam os usos múltiplos; o desenvolvimento cultural faz com que outras necessidades sejam
incorporadas resultando em uma multiplicidade de impactos, de diversas magnitudes, que
exigem, evidentemente, diferentes tipos de avaliação quali e quantitativa e monitoramento
adequado a longo prazo.
Essa diversificação dos usos múltiplos tornou os impactos mais severos e complexos,
produzindo inúmeras pressões sobre o ciclo hidrológico e sobre as reservas de água superficiais e
subterrâneas. Na tabela 02 são apresentados os principais usos múltiplos da água.
Tabela 02: Usos múltiplos da água
Agricultura
Irrigação e outras atividades relacionadas
Abastecimento público
Usos domésticos
37
Hidroeletricidade
Usos industriais diversificados
Recreação
Turismo
Pesca
Produção pesqueira comercial ou esportiva
Aquacultura
Cultivo de peixes, moluscos, crustáceos de água doce.
Reserva de água doce para futuros empreendimentos e
conseqüente uso múltiplo
Transporte e navegação
Mineração
Usos estéticos
Recreação, turismo, paisagem
Fonte: TUNDISI (2003, p.29)
Os usos múltiplos da água incluem, além da irrigação, a recreação e o turismo,
extremamente importantes em regiões do interior dos continentes, em que o acesso à recreação
em água doce é mais fácil e barato e conseqüentemente, com pressão considerável sobre rios,
lagos e represas. Outro uso intensivo é na mineração, principalmente na lavagem e purificação
de minérios, além de diversificada e múltipla série de processos na indústria, como resfriamento,
limpeza e descarga de materiais. Outro importante uso é na produção de hidroeletricidade, que,
no caso do Brasil, supre cerca de 85% da energia necessária ao país: a produção de 1kw de
eletricidade requer 16.000 litros de água, o que da uma idéia quantitativa dos volumes de água
necessários para produzir energia (TUNDISI, 2003, p.29-32).
De forma geral, da água existente no mundo são utilizados 70% na agricultura, 23% na
indústria e 7% como água potável. No Brasil são 61% na agricultura, 21% uso urbano e industrial
18%, sendo que, a água utilizada na agricultura é grandemente desperdiçada, pois quase 60% de
seu volume total se perde antes de atingir a planta, conforme pode-se constatar na figura abaixo:
38
Figura 01: consumo de água na agricultura, indústria e no uso urbano.
Fonte: ITABORAHY, 2004.
A irrigação poderá trazer impactos ambientais, como a salinização dos solos, a
contaminação dos recursos hídricos e o consumo exagerado da disponibilidade hídrica que,
muitas vezes, inviabiliza a aproveitamento dessa água para outros usos. Nesse contexto, segundo
Borsoi e Torres (2004) a irrigação é uma forma de uso consuptivo da água, isto é, parte usada
para este fim não retorna ao seu curso original e, normalmente, a parte que retorna aos
mananciais tem qualidade inferior à que foi captada. Na indústria também há perdas, devido ao
dimensionamento de processos que priorizam insumos de custos mais elevados, em detrimento de
conservação de recursos como a água e o ar. Também os usos urbanos apresentam impactos
negativos, devido ao desperdício dos recursos hídricos, tanto durante a captação quanto durante a
distribuição, devido à má conservação das redes de abastecimento.
Portanto, o desafio maior está em encontrar estratégias viáveis para a administração,
operação e manutenção dos sistemas de abastecimento de água que possam torná-los auto-
39
sustentáveis e permanentes, através da Política Nacional dos Recursos Hídricos (PNRH), que foi
estabelecida pela Lei Federal nº 9.433, de 08 de janeiro de 1997, vindo a substituir o Código das
Águas,estabelecido pelo Dec. 24. 643, de 10 de julho de 1934.
1.3 A Política Nacional dos Recursos Hídricos
O Código de Águas13 definiu os direitos de propriedade e uso dos recursos hídricos para
abastecimento, irrigação, navegação e usos industriais e, ainda, as normas para a proteção da
quantidade e qualidade das águas no território nacional. Foi posteriormente, atualizado e
regulamentado em 1965 e 1966 (Lei n.º 4.904 e Decreto nº 9.433, de janeiro de 1997).
A história da política de água no Brasil, segundo Barbosa (2003), iniciou-se, sob o aspecto
legal e institucional, em 1933, com a criação, no Ministério da Agricultura, da Diretoria de
Águas, a qual logo foi transformada em Serviço de Águas. Este Serviço de Águas foi transferido,
em 1934, para a estrutura do Departamento Nacional da Produção Mineral
DNPM. Neste
mesmo ano, a edição do Código de Águas representou grande avanço na política de águas no
Brasil. A vinculação, nessa época, das atribuições e competências sobre os recursos hídricos ao
Ministério da Agricultura (MA), de certa forma refletia a prioridade do uso dos recursos hídricos
do país considerados na época como de vocação eminentemente agrícola. Em 1940, o Serviço de
Águas tornou-se Divisão de Águas, em função da promulgação do decreto-lei número 6.402.
13
O Código de Águas dispõe sobre sua classificação e utilização, dando ênfase ao aproveitamento do potencial
hidráulico que, na década de 30, representava uma condicionante do progresso industrial que o Brasil buscava
(GRANZIERA, 1993, p.48).
40
No entender de Borsoi e Torres (2004, p. 09), esse modelo era ineficiente, pois:
A inadequação desse modelo de gestão tinha como conseqüência o agravamento
dos conflitos de uso e de proteção das águas e a realimentação do processo de
elaboração de novos instrumentos legais para reforçar o esquema legal. Ao final,
tinha-se um vasto conjunto de leis e normas, muitas vezes conflitantes e de
difícil interpretação.
Para Antunes (2004, p.808) essa vasta e conflitante legislação explica-se o fato na
medida em que o Código Civil limitava-se a uma regulamentação cujo fundamento básico era o
direito de vizinhança e a utilização das águas como bem essencialmente privado e de valor
econômico limitado . Ademais, segundo Barbosa (2003, p.08), pode-se ver claramente que:
a partir da década de 50 do século XX, a estratégia governamental era implantar
a infra-estrutura necessária para a expansão do parque industrial brasileiro,
iniciada na região Sudeste do país. Com isso, em 1961, o Departamento
Nacional da Produção Mineral foi transferido para o Ministério das Minas e
Energia e, com ele, a Divisão de Águas. O arranjo institucional de então acabou
transformando a Divisão de Águas no Departamento Nacional de Águas e
Energia Elétrica DNAEE, através da Lei 4.904 de 1965. O DNAEE teve sua
denominação modificada em 1968, de acordo com decreto lei nº 63.951, em
Departamento Nacional de Águas e Energia DNAE.
O DNAEE era considerado o órgão de administração direta sobre a água e o setor elétrico
e as atribuições governamentais estavam subordinadas, mais diretamente, a esse departamento.
Durante essa época de (1968-1980),
O setor elétrico centralizava a gerência financeira de compensação de
equalização das tarifas de energia elétrica, cujos fundos, em nível nacional, eram
significativos. Esta hegemonia administrativa e financeira sobre os recursos
hídricos gerou expressivos movimentos em outros setores, principalmente no da
irrigação, o que culminou, em 1985, com a criação do Ministério Extraordinário
da Irrigação, setor anteriormente localizado no âmbito do Ministério do Interior,
e com os Programas PRONI- Programa Nacional de Irrigação e o PROINE Programa de Irrigação do Nordeste. Este Ministério, através de uma
41
determinação presidencial, reservava para sua administração as concessões de
água destinada à irrigação. Isto de um certo modo dificultou a administração dos
recursos hídricos, bem como a promoção do uso compartilhado da água, no caso
dos rios considerados de domínio da União (BARBOSA, 2003, p.09).
Foi a partir dos anos 80 que começaram as discussões em torno dos pontos críticos da
gestão dos recursos hídricos na Brasil. Verifica-se que o setor de energia era o único que criava
demanda por regulação e, em conseqüência, assumia o papel de gestor dos recursos hídricos, pois
detinha todas as informações disponíveis sobre a água. Segundo Borsoi e Torres (2004), em 1984
o DNAEE finalizou o diagnóstico sobre as bacias hidrográficas e foi criado o Conselho Nacional
do Meio Ambiente (Conama). Também no início dos anos 80 alguns comitês de bacia, a exemplo
do Paranapanema, Paraíba do Sul e Doce, começaram a evoluir. Mas foi a promulgação da
Constituição de 1988 que introduziu diversos novos aspectos relativos à gestão das águas e que
vêm ao encontro de uma visão mais moderna sobre a administração dos recursos hídricos. Já com
relação ao Código de Águas, a nova Constituição modificou muito pouco, sendo que a alteração
mais importante foi a extinção do domínio privado da água, previsto, em alguns casos, no
referido Código.
É importante ressaltar, porém, que a preocupação política com as águas, no Brasil, é
recente, e a legislação pertinente ao tema foi desenvolvida praticamente a partir da Constituição
Federal de 1988. Porém, a Lei Federal 9.433/97, que se encontra ainda em estágio de
implementação e que dispõe sobre os recursos hídricos, criou estrutura e instrumentos de gestão,
delegando à sociedade local o poder de decisão sobre a melhor forma de usar e preservar esse
valioso recurso.
42
No sentido de tornar as ações ambientais efetivas, será necessário buscar um melhor
entendimento das relações complexas existentes em relação à natureza e na relação do homem
com a natureza, para se elaborar e pôr em prática uma política ambiental realmente eficaz para o
país. Nesse sentido, de buscar essa harmonia, Toledo Machado (1999, p.105), antropóloga do
Ministério do Meio Ambiente, preceitua que
em nível mundial, a percepção dos problemas ambientais vem se modificando
consideravelmente, embora permaneça, ainda, apesar dos indiscutíveis avanços,
o contraste entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento. Nas economias
altamente industrializadas, os problemas de meio ambiente podem ser
associados à poluição, e as políticas ambientais orientam-se no sentido de
evitar o agravamento da degradação e a restaurar os padrões de qualidade da
água, do ar e do solo. Já nos países em desenvolvimento, a crise ambiental está
claramente associada ao esgotamento e degradação dos recursos naturais. O
Brasil tem as duas faces, entretanto o lado mais desenvolvido mantém, ainda,
uma profunda diferença social, econômica e tecnológica.
As questões ambientais vividas hoje expressam esta crise citada pela autora acima, e nos
obrigam a refletir sobre a necessidade de transformações que conjuguem a melhoria da qualidade
da vida ao respeito à diversidade em seu entendimento amplo, exigindo a participação de todos os
segmentos da sociedade para a implantação da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH),
instituída na Lei 9.433/97, cujos fundamentos que a embasam estão estabelecidos no artigo 1º e
seus incisos, segundo os seguintes princípios:
I- a água é um bem de domínio público;
II- a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico;
III- em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o
consumo humano e a dessedentação de animais;
IV- a bacia hidrográfica é a unidade territorial para a implementação da Política
Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos;
V- a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a
participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades.
43
Essa nova visão proporcionará uma gestão descentralizada e democrática das águas,
envolvendo múltiplos usos e diferentes formas de compartilhamento, uma verdadeira
transformação não apenas na gestão das águas, como na própria gestão ambiental.
Os objetivos estabelecidos pela Lei nº 9. 433, artigo 2º, são estes:
I assegurar à atual e às futuras gerações necessária disponibilidade de água, em
padrões de qualidade adequados aos respectivos usos;
II a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte
aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável;
III a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem
natural ou decorrente do uso inadequado dos recursos naturais.
De fato, nos incisos I e II estão explicitados os princípios do desenvolvimento sustentável
dos recursos hídricos. Também a Constituição Federal Brasileira, em se artigo 225, caput, já
inseria a obrigação de se instaurar o desenvolvimento sustentável. E a lei 9.433/97 demarca
concretamente a sustentabilidade dos recursos hídricos em três aspectos: disponibilidade de água,
utilização racional e utilização integrada (MACHADO, 2002, p.38-39).
O principal aspecto que pode ser compreendido destes princípios é que a nova
concepção legal busca encerrar com a verdadeira apropriação privada e graciosa
dos recursos hídricos. Com efeito, sabemos que a indústria e a agricultura são os
grandes usuários dos recursos hídricos. Normalmente, a água é captada, utilizada
e devolvida para o seu lugar de origem, sem que aqueles que auferem vantagens
e dividendos com a sua utilização paguem qualquer quantia pela atividade. E
mais, a recuperação e manutenção das boas condições sanitárias e ambientais
dos recursos hídricos, conspurcados pelas diversas atividades econômicas que
deles dependem, é um encargo de toda a sociedade que, com seus impostos,
subsidiam de forma inaceitável diversa atividades privadas (ANTUNES, 2004,
p.823).
Torna-se imperioso, dessa forma, reverter essa situação, enquanto a sustentabilidade dos
sistemas pode ser recuperada, mantendo o mais integro possível o ciclo das águas na natureza.
44
Para isso, faz-se necessário o uso dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos
PNRH, elencados no artigo 5º e seus incisos:
I - os planos de recursos hídricos;
II- o enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos
preponderantes da água;
III - a outorga de direitos de uso de recursos hídricos;
IV - a cobrança pelo uso dos recursos hídricos;
V - o sistema de informações sobre os recursos hídricos.
Os instrumentos constituem meios para atingir determinadas metas prefixadas; no caso,
certos padrões ambientais, sendo utilizados paralelamente ou em complemento com outros
instrumentos, como, por exemplo; regulamentações legais e acordos com indústrias. A seguir,
poder-se-á observar melhor como funcionaram esses instrumentos.
a) Os Planos de Recursos Hídricos
Os Planos de Recursos Hídricos são os programas adotados para melhor gestão da águas,
no espaço geográfico da bacia, também procurando definir a distribuição das vazões entre os
usuários da água.
Considerando esses aspectos, Antunes (2004, p.825) nos relata que os planos de recursos
são planos diretores cujo objetivo é fundamentar e orientar a implantação da política Nacional de
Recursos Hídricos
PNRH, bem como o gerenciamento dos recursos hídricos.
Os Planos de Recursos Hídricos serão elaborados por bacia hidrográfica, por estado e para o país.
Eles poderão ser criados em âmbito local, regional e nacional e neles devem estar claramente
45
expressas as metas de racionalização, melhoria da qualidade e de aumento de disponibilidade
além das medidas a serem tomadas para o fortalecimento das instituições gestoras:
o objetivo de elaborar um plano é ter um documento que apresente orientações,
diretrizes, ações e atividades de curto, médio e longo prazo, com horizontes de
5, 10 e 20 anos. Deve apresentar medidas para o fortalecimento das instituições
gestoras, explicitar normas e regras para os usuários com vistas a manter sob
controle o descompasso entre disponibilidade e demanda (SANTOS, 1999,
p.164).
A partir do exposto, Domingues e Santos (2003) concluem que a elaboração de planos
demanda levantamento e estudos de sistemas físicos e ambientais na base territorial,
compreendendo hidrologia, geomorfologia, climatologia, pedologia, ecossistemas relacionados
aos recursos hídricos; a infra-estrutura hídrica; os aspectos socio-econômicos (usos e usuários da
água e outros relevantes), e os aspectos legais, políticos e institucionais direta ou indiretamente
ligados aos recursos hídricos.
Um dos elementos-chaves do planejamento de recursos hídrico é a análise prospectiva da
evolução da necessidade de água dos diferentes setores de atividade, no quadro do
desenvolvimento sócio-econômico nacional e regional, em horizontes temporais relativamente
alargados (da ordem de vinte anos), há que se entender quanto a este propósito que o futuro é o
resultado de uma complexidade de interações entre algumas variáveis controláveis e muitas não
controláveis. Segundo Magalhães (1999), o planejamento de recursos hídricos visa sobretudo
obter respostas concretas paras as situações futuras incertas, considerando horizontes temporais
relativamente alargados, e não respostas otimizadas para situações futuras pré determinadas.
Pretende-se assegurar a disponibilidade de água na quantidade, qualidade e viabilidade requerida
pelos diferentes setores de atividades, salvaguardando a conservação da natureza e dos recursos
46
naturais e a proteção dos valores ambientais e patrimoniais, pressupostos da sustentabilidade do
desenvolvimento sócio-econômico.
É importante ressaltar, porém, que o planejamento de recursos hídricos deve articular as
políticas de desenvolvimento sócioeconômico com a política do meio ambiente, consolidando
assim o conceito de recurso natural e fator econômico ; atingidos esses objetivos, o Plano de
Recursos Hídricos terá se transformado num imprescindível instrumento de gestão democrática,
descentralizada e sustentável desses recursos.
b) Estabelecimento das Classes de Água
O estabelecimento de um sistema de classificação das águas é essencial para se organizar
o sistema administrativo destinado a exercer a fiscalização do controle de qualidade das águas
interiores. Atualmente, a matéria está regida por resoluções do Conselho Nacional do Meio
Ambiente
CONAMA. A atividade administrativa do CONAMA dirige-se tanto para a proteção
das águas marinhas, quanto para a proteção das águas doces (ANTUNES, 2004).
O principal instrumento regulamentar é a resolução do CONAMA nº 20, de 18 de junho
de 1986, que estabelece uma classificação para todo tipo de águas existentes no território
brasileiro. Esta resolução estabeleceu nove classes de uso preponderantes para as águas: doces, 5
classes: (Especial, I a IV); salinas, 2 classes: (VI e VII); e salobras, 2 classes: (VIII e IX),
vejamos a tabela abaixo:
47
Tabela 03: Enquadramentos dos Corpos de Água
I - Classe Especial - destinadas: (a) abastecimento doméstico sem prévia ou com simples desinfecção; (b) à
preservação do equilíbrio natural das comunidades aquáticas.
II - Classe I - águas destinadas: (a) ao abastecimento doméstico após tratamento simplificado; (b) à proteção das
comunidades aquáticas; (c) à recreação de contato primário (natação, esqui-aquático, mergulho); (d) à irrigação de
hortaliças que são consumidas cruas e de frutas que se desenvolvam rentes ao solo e que sejam ingeridas cruas sem
remoção de películas; (e) à criação natural e/ou intensiva (aqüicultura) de espécies destinadas à alimentação
humana.
III - Classe 2 destinadas: (a) ao abastecimento doméstico, após o tratamento convencional; (b) à proteção das
comunidades aquáticas; (c) à recreação de contato primário (esqui-aquático, natação e mergulho); (d) à irrigação
de hortaliças e plantas frutíferas; (e) à criação natural e/ou intensiva (aqüicultura) de espécies destinadas à
alimentação humana.
IV- Classe 3 - destinadas: (a) abastecimento doméstico, após tratamento convencional; (b) à irrigação de culturas
arbóreas, cerealíferas e forrageiras; (c) à dessedentação de animais.
V- Classe 4 - águas destinadas: (a) à navegação; (b) à harmonia paisagística; (c) aos usos menos exigentes.
Águas Salinas
VI Classe 5 - águas destinadas: (a) recreação de contato primário; (b) à proteção das comunidades aquáticas; (c)
à criação natural e/ou intensiva (aqüicultura) de espécies destinadas à alimentação humana.
VII - Classe 6 - águas destinadas: (a) à navegação comercial; (b) à harmonia paisagística; (c) à recreação de
contato secundário.
Águas Salobras14
VIII Classe 7 - águas destinadas: (a) recreação de contato primário; (b) à proteção de comunidades aquáticas;
(c) à criação natural e/ou intensiva (aqüicultura) das espécies destinadas à alimentação humana.
IX Classe 8 - águas destinadas: (a) à navegação comercial; (b) à harmonia paisagística; (c) à recreação de
contato secundário.
Fonte: Resolução 20/86 CONAMA
A referida resolução conceitua o enquadramento como o estabelecimento do nível de
qualidade (classe) a ser alcançado e/ou mantido em um segmento de corpo de água ao longo do
tempo (art. 2º, b ).
o órgão público ambiental irá verificar a situação da água em cada setor. Para
cada classe de água há a previsão de parâmetros de matérias flutuantes, óleos e
graxas, substâncias que formem depósito objetáveis, coliformes, DBO5
(demanda bioquímica de oxigênio), OD (oxigênio dissolvido), turbidez, PH
(análise da acidez ou alcalinidade), substâncias potencialmente prejudiciais
(MACHADO, 2002, p.55).
Dessa forma, o enquadramento dos corpos em classes, segundo os usos preponderantes da
água, visa assegurar às águas qualidade compatível com os usos mais exigentes a que forem
14
Águas salobras ingeridas desde tenra idade podem ser causa de maior incidência de cálculos renais, pressão arterial
mais elevada e problemas renais precoces (TUNDISI, 2003, p. 95) .
48
destinadas, bem como diminuir os custos de combate à poluição das águas mediante ações
preventivas permanentes (artigo 9º, Lei 9.433/97) . Considerando-se estes aspectos, Mota e
Aquino (2001, p.115) trazem interessante lição:
Os objetivos deste instrumento são: assegurar às águas qualidade compatível
com os usos mais exigentes a que forem destinadas e diminuir os custos de
combate à poluição das águas, mediante ações preventivas permanentes. Este
mecanismo permite fazer a ligação entre a gestão da qualidade e a gestão da
quantidade da água. Em outras palavras, fortalece a relação entre a gestão dos
recursos hídricos e a gestão do meio ambiente.
O estabelecimento dos padrões de qualidade ambiental visa fundamentalmente o controle
de substâncias potencialmente prejudiciais à saúde humana, como microorganismos patogênicos,
substâncias tóxicas e radioativas.
Compete à Agência de Água propor aos respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica o
enquadramento dos corpos de água nas classes de uso, para encaminhamento ao respectivo
Conselho Nacional ou Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, de acordo com o domínio
destes (Lei 9.433/97, art.44, a ).
Esse enquadramento tem, por escopo fixar os critérios do uso dos corpos d água em
conformidade com os padrões estabelecidos pelas resoluções.
c) A Outorga
O regime de outorga de direito de uso de recurso hídrico é um dos instrumentos da
Política Nacional de Recurso Hídricos, e tem como objetivos o controle quantitativo e qualitativo
49
dos usos da água e o efetivo exercício dos direito de acesso à mesma. Outorga de direito de uso
dos recursos hídricos é o mecanismo pelo qual é concedida autorização (ou concessão) ao
usuário, para que faça uso da água (BALARINE, 2000, p.165).
Compete à união, segundo Sirvinskas (2005, p. 154), definir os critérios de outorga dos
direitos de uso dos recursos hídricos (artigo 21, XIX, da CF). A outorga é o consentimento; a
concessão, a aprovação. Assim, para a outorga dos direitos de uso dos recursos hídricos, faz-se
necessário o consentimento do Poder Executivo Federal (artigo 29, II, da Lei 9.433/97) e dos
Poderes Executivos Estaduais e do Distrito Federal (artigo 30,I, da Lei n. 9.433/97).
Segundo a Lei supra citada, artigo 12, estão sujeitos à outorga os seguintes usos de
recursos hídricos:
I derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo de água
para consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo
produtivo;
II extração de água de aqüífero subterrâneo para consumo final ou insumo de
processo produtivo;
III lançamento em corpo de água de esgotos e demais resíduos líquidos ou
gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição
final;
IV aproveitamento dos potenciais hidrelétricos;
V outros usos que alterem o regime, a quantidade ou qualidade da água
existente em um corpo de água.
Na vigência da legislação anterior, a outorga era obrigatória para captação e derivação de
recursos hídricos de um corpo d água; isso posto, pode-se constatar
com o advento da nova lei, a outorga passou a ser também obrigatória para o
lançamento de efluentes (esgoto, águas servidas e resíduos líquidos industriais),
50
à medida que o rio ou corpo receptor é utilizado para diluição de efluentes que
podem afetar negativamente a qualidade das águas. Com esta medida, o
mecanismo de outorga, que era utilizado para atender somente os aspectos
quantitativos da gestão da águas, passa a ser utilizado, também. Para promover a
gestão de qualidade (CARVALHO, 2003, p. 267-268).
A outorga deverá ser solicitada à entidade de direito público que tenha a titularidade,
embora não seja concedida de forma definitiva. Toda outorga estará condicionada às prioridades
de uso estabelecidas nos Planos de Recurso Hídricos e respeitar a classe em que o corpo hídrico
estiver enquadrado e preservar o uso múltiplo dos recursos hídricos.
A outorga de direito de uso de recursos hídricos poderá ser suspensa parcial ou
totalmente, em definitivo ou por prazo determinado, nas seguintes circunstâncias, segundo o
artigo 15 da lei 9.433/97:
I não cumprimento pelo outorgado dos termos da outorga;
II ausência de uso por três anos consecutivos;
III necessidade premente de água para atender a situações de calamidade,
inclusive as decorrentes de condições climáticas adversas;
IV necessidades de prevenir ou reverter grave degradação ambiental;
V necessidade de se atender a usos prioritários, de interesse coletivo, para os
quais não se disponha de fontes alternativas;
VI necessidade de serem mantidas as características de navegabilidade do
corpo de água.
É importante ressaltar, porém, que a atribuição de outorgar o direito de uso de recursos
hídricos, em corpos de água de domínio da União a partir da aprovação da Lei nº 9.984/2000,
passou a ser de competência da Agência Nacional de Águas
ANA. Cabe as Agências de Água
conforme o artigo 44 Lei 9.433/97: a) manter o balanço atualizado da disponibilidade de
recursos hídricos em sua área de atuação; b) manter o cadastro de usuários de recursos hídricos;
c) efetuar, mediante delegação do outorgante, a cobrança pelo uso de recursos hídricos .
51
Nas outorgas de direito de uso de recursos hídricos de domínio da União, contados da data
de publicação dos respectivos atos administrativos de autorização, estão definidos na Lei nº 9.
984, de 2000, artigo 5º os seguintes períodos e condições: I
implantação do empreendimento objeto de outorga; II
implantação do empreendimento projetado; III
até dois anos, para início da
até seis anos, para conclusão da
até trinta e cinco anos, para vigência da outorga
de direito de uso .
Não se pode esquecer que a outorga15 de direito de uso deverá respeitar sempre as
prioridades nos planos de bacia, o enquadramento e os usos múltiplos dos recursos hídricos.
Evidentemente, tem alguns usos que independem de outorga pelo Poder Público,
conforme definido em regulamento: I
o uso de recursos hídricos para a satisfação das
necessidades de pequenos núcleos populacionais, distribuídos no meio rural; II
captações e lançamentos considerados insignificantes; III
as derivações,
as acumulações de volumes de água
consideradas insignificantes16 (§1º artigo 12).
Nesse sentido o que se percebe aqui, portanto, é que a atitude de gerenciar os recursos
hídricos não se constitui apenas numa obrigação imposta pela lei, mas, numa necessidade de
controle para a promoção do bem-estar social. Dessa forma, a outorga de direito de uso, enquanto
15
Significa autorizar, de forma controlada, o uso dos recursos hídricos, no tempo e no espaço, para determinada
finalidade, de forma racional, dentro das limitações ambientais e sistêmicas inerentes à bacia hidrográfica,
objetivando assegurar o acesso e o uso múltiplo desses recursos. A necessidade de assumir essa postura deve-se ao
fato da água ser um bem público e qualquer pessoa (física ou jurídica) pode ter acesso à mesma. E por ser um bem de
domínio da União ou dos Estados, todo e qualquer uso (público ou privado) deve ser aprovado e monitorado pelo
Poder Público competente (CARDOSO DA SILVA 1999, p.67).
16
os pequenos usos considerados insignificantes para atender às comunidades em termos de abastecimento e
dessedentação de animais. Seriam usos insignificantes não passíveis de outorga e, por sua vez, não seriam
futuramente passíveis de cobrança, que seria o instrumento conseqüente a essa outorga Monteiro (1999, p.155).
52
instrumento de gestão, garante ao usuário a sua cota sobre os recursos hídricos e, mais, associada
aos instrumentos de fiscalização e de cobrança, estimula o desenvolvimento de uma postura de
responsabilidade individual e coletiva dos mesmos.
d) O Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos
A Lei 9.433/97 conceitua o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos em seu
artigo 25, como "um sistema de coleta, tratamento, armazenamento e recuperação de informações
sobre os recursos hídricos e fatores intervenientes em sua gestão". Machado (2001, p.461) diz
que sem informação não se implementará uma Política de Recursos Hídricos respeitadora do
interesse coletivo".
Desse modo, para Balarine (200, p.165) o Sistema Nacional de Informações sobre
Recursos Hídricos está destinado a levantar bases de dados relativos aos recursos hídricos,
alimentando a sociedade civil, gestores e usuários com informações imprescindíveis à tomada de
decisões.
É em comunhão com esse contexto que Cirilo, Asfora e Costa (2003, p.26) nos dizem que
a base de dados e informações (BDI) é o elemento central de um Sistema de
Informações. Uma BDI bem estruturada concorre para uma considerável
simplificação dos processos de manutenção, atualização e disponibilização dos
seus dados e informações. Um bom planejamento da mesma deve levar em
conta as implementações atuais e futuras.
São princípios básicos para o funcionamento do Sistema de Informações sobre Recursos
Hídricos, conforme o artigo 26: (i) descentralização da obtenção e produção de dados e
53
informações; ii) coordenação unificada do Sistema; iii) acesso aos dados e informações garantido
a toda a sociedade .
O Sistema de Informações, segundo o artigo 27, da Lei 9.433/97, objetiva:
I - reunir, dar consistência e divulgar informações sobre a qualidade e a
quantidade dos recursos hídricos; II - atualizar permanentemente as informações
sobre demanda e disponibilidade de águas em todo território nacional; III fornecer subsídios para a elaboração dos Planos de Recursos Hídricos.
Cabe à ANA, segundo a Lei 9.984/200 art. 4°, XIV, organizar, implantar e gerir o
Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos . Por sua vez, as informações
referentes aos recursos hídricos são oriundas de diversas fontes e processos como nos ensina:
I) compilação no plano de bacia hidrográfica; II) monitoramento de demandas,
medida de utilização e estimativa das necessidades concernentes ao uso
industrial, agrícola, turístico e urbano e/ outros; III) informações do sistema de
outorga e da cobrança pelo uso da água; VI) informações referentes ao
licenciamento, para implantação de novas obras hídricas (poços, barragens,
adutoras);V) dados resultantes da operação dos hidrossistemas; VI) dados
oriundos da participação popular e pública na gestão dos recursos hídricos; VII)
monitoramento hidroambiental (medida de parâmetros fluviométricos, estoques
de água, pluviométricos, de aqüíferos, dados sobre qualidade da água superficial
e subterrânea e parâmetros climáticos) (SOUSA FILHO E GOUVEIA, 2001,
p.84).
Esse sistema de informações compartilhado dará, segundo Sousa Filho e Gouveia (2001,
p.91),
a capacidade de diferentes usuários manipularem as mesmas partes dos dados
simultaneamente (acesso concorrente), todos os usuários podem ter acesso às mesmas parcelas de
dados (propósitos diferentes) .
54
A cobrança pelo uso de recursos hídricos faz parte dos instrumentos da Política Nacional
de Recursos Hídricos, mas será analisada no capítulo dois, que trata especificamente da cobrança
e dos aspectos sociais pelo uso da água.
No tocante ao gerenciamento dos recursos hídricos, é notório o avanço conquistado,
principalmente nesta última década, não só no Brasil mas em nível mundial. Nesse período, a
água passou a ser uma das principais questões de debates que culminaram em ações políticas
capazes de promover o desenvolvimento sustentável desse recurso, considerando-se os principais
problemas relacionados às águas e os meios de ação que permitiram alterar a sua condição de
fragilidade e possibilitar a todos o acesso a esse bem único, fonte de vida para todos os seres,
conforme veremos nos próximos itens.
1.4 Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 previu a criação de uma legislação especial
sobre as águas, quando dispôs, em seu artigo 21 que: Compete à União: XIX
instituir sistema
nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direito de uso . A
lei 9.433, de 08 de janeiro de 1997, regulamentando esse dispositivo constitucional, instituiu a
Política Nacional de Recursos Hídricos, criando o Sistema Nacional de Gerenciamento de
Recursos Hídricos, (artigo 32), que possui atribuições de planejamento e também de controle
administrativo, com os seguintes objetivos:
I - coordenar a gestão integrada das águas;
II - arbitrar administrativamente os conflitos relacionados com os recursos
hídricos;
55
III - implementar a política nacional de recursos hídricos;
IV planejar, regular e controlar o uso, a preservação e a recuperação dos
recursos hídricos; promover a cobrança pelo uso dos recursos hídricos.
Sendo o Brasil considerado a maior bacia hidrográfica do mundo, e diante da situação de
escassez que este recurso enfrenta em nível mundial, a lei supracitada procura regular essa
importante riqueza, para que possamos usá-la de forma racional, além de garantir assim a sua
preservação. Esta lei, também conhecida como Lei das Águas representa um novo marco
institucional no país, abrangendo princípios, normas e padrões de gestão universalmente aceitos e
praticados em diversos países.
Integram o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, art. 33, Lei
9.433/97:
I o Conselho Nacional de Recursos Hídricos;
II os Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal;
III os Comitês de Bacia Hidrográfica;
IV os Órgãos dos Poderes Públicos Federal, Estaduais e Municipais, cujas
competências se relacionem com a gestão de recursos hídricos;
V as Agências de Água.
O princípio norteador dessa lei foi a gestão democrática, participativa e descentralizada
dos recursos hídricos, determinando a divisão de responsabilidades entre o Estado e os setores da
sociedade. A instância deliberativa máxima desse sistema é o Conselho Nacional de Recursos
Hídricos
CNRH, estando todo o Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos subordinado
ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), e a sua presidência, exercida pelo Ministro do Meio
Ambiente, tendo como Secretaria Executiva a Secretaria de Recursos Hídricos, órgão da estrutura
do MMA.
56
A gestão tem de enfrentar dificuldades crescentes para satisfazer o incrementos das
necessidades deste recurso, requeridas pelas diferentes situações de uso e não
pode,
simplesmente, limitar-se a um conjunto de processos de decisão casuísticos. Nesse sentido,
temos a lição do engenheiro civil e secretário adjunto da Ministra do Ambiente de Portugal
Magalhães (1999, p. 121), para quem a gestão da água é determinante da qualidade ambiental e
do nível da qualidade de vida das populações, em particular do desenvolvimento sócioeconômico harmonioso e sustentável, e deverá contribuir para reduzir as assimetrias regionais
favorecendo a organização e destruição do território. Desse modo, a gestão da água não pode se
limitar a um processo de decisão casuístico para responder de forma avulsa a cada problema, seja
de excesso de água, seja de poluição e degradação da qualidade da água, seja de proteção
ambiental; pelo contrário, a gestão do recurso água, para ser eficaz, terá de ser baseada em
soluções integradas, coerentes e eficazes em face dos diferentes objetivos que se pretende atingir.
Em atenção à escassez da água, a gestão deve levar em consideração a conservação da
natureza, a proteção dos ecossistemas e a valorização dos recursos hídricos, que exigem também
a mobilização de elevados recursos financeiros para a recuperação e proteção da rede
hidrográfica, das albufeiras17, dos estuários18 e lagunas costeiras e dos sistemas aqüíferos, além
de impor restrições à utilização crescente dos recursos hídricos, à artificialização do regime
hidrológico dos cursos de água e à degradação da qualidade da água dos meios hídricos.
17
Albufeiras: termo regional de Portugal usado para as depressões na zona costeira cheia de água salgada. Acham-se
separadas do mar, por uma língua de terra mais ou menos larga, embora estejam em comunicação com o mesmo, no
Brasil, usa- se a denominação laguna, para tais acidentes na zona costeira (GUERRA e GUERRA, 2003, p.29).
18
Estuário - Foz de um rio ou baía, onde se misturam a água doce do rio e a água salgada do mar. Os estuários são
importantes por se constituírem num dos mais diversificados ecossistemas (GUERRA e GUERRA, 2003, p.59).
57
Nesta óptica, o planejamento é essencial, e fator condicionante do desenvolvimento. No
entanto, segundo Machado (2002, p.94), no Sistema Nacional de Recursos Hídricos a gestão é
descentralizada, mas não pode ser antagônica e desordenada, ou seja, as Agências de Água, os
Comitês de Bacia Hidrográfica, os Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos e o Conselho
Nacional de Recursos Hídricos são ligados por laços de hierarquia e cooperação. Os conflitos de
águas não serão apenas arbitrados pelo Poder Judiciário, mas passarão a ter instâncias
administrativas anteriores
as do próprio Sistema Nacional de Gerenciamento.
a) Conselho Nacional de Recursos Hídricos
O Conselho Nacional de Recursos Hídricos tem o poder de impulsionar a legislação
conseqüente à Lei Federal n° 9.433/97, por meio da discussão e edição de resoluções sobre os
mais diversos tópicos dessa lei, que carecem de regulamentação. Também é foro indicado para
dirimir contendas entre conselhos estaduais, comitês e mesmo usuários dos recursos hídricos de
qualquer parte do território nacional. Desse modo segundo, Milare (2004, p.598) é o órgão
maior do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos
SINGREH, ao qual
conferiu o legislador importante papel normativo e de articulador do planejamento de recursos
hídricos com os planejamentos nacional, regionais, estaduais e dos usuários . O Conselho
Nacional de Recursos Hídricos é, portanto o órgão administrativo mais elevado, na hierarquia do
Sistema Nacional de Recursos Hídricos, cabendo-lhe decidir sobre as grandes questões do setor
(BALARINE, 2000, p.166).
O Conselho Nacional de Recursos Hídricos é composto segundo, a lei 9.433/97, artigo 34,
por:
58
I representantes dos Ministérios e Secretarias da Presidência da República
com atuação no gerenciamento ou no uso de recursos hídricos;
II representantes indicados pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos;
III representantes dos usuários dos recursos hídricos;
IV representantes das organizações civis de recursos hídricos.
Quanto ao número de representantes do Poder Executivo federal, este não poderá exceder
à metade mais um do total dos membros do CNRH.
Também o Conselho foi objeto de
regulamentação pelo Decreto 2.612, de 3.6. 1998, reunir-se-á em caráter ordinário a cada seis
meses no Distrito Federal (artigo 5º, caput).
Das competências atribuídas ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos, estão, segundo
o artigo 35:
I
promover a articulação do planejamento de recursos hídricos com o
planejamento nacional, regional, estaduais e dos setores usuários;
II arbitrar, em última instância administrativa, os conflitos existentes entre
Conselhos Estaduais e dos setores dos usuários;
III deliberar sobre os projetos de aproveitamento de recursos hídricos cujas
repercussões extrapolem o âmbito dos Estados em que serão implantados;
IV deliberar sobre as questões que lhe tenham sido encaminhadas pelos
Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos ou pelos Comitês de Bacias
Hidrográficas;
V - analisar propostas de alteração da legislação pertinente a recursos Hídricos e
à Política Nacional de Recursos Hídricos;
VI
estabelecer diretrizes complementares para a implantação da Política
Nacional de Recursos Hídricos, aplicação de seus instrumentos e atuação do
Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos;
VII aprovar propostas de instituição dos Comitês de Bacias Hidrográficas e
estabelecer critérios gerais para a elaboração de seus regimentos;
VIII Vetado
IX acompanhar a execução e aprovar o Plano Nacional de Recursos Hídricos e
determinar as providências necessárias ao cumprimento de sus metas;
X
estabelecer critérios gerais para outorga de direitos de uso de recurso
hídricos e para a cobrança por seu uso (LEI 9.433/97).
Por esses dados, já pode-se visualizar que cabe ao Conselho decidir sobre grandes
questões do setor, além de dirimir as contendas de maior vulto; portanto, conforme Lanna
59
(1996, p.01), a gestão dos recursos hídricos deve ser uma atividade analítica e voltada à
formulação de princípios e diretrizes, ao preparo de documentos orientados e normativos, à
estruturação de sistemas gerenciais e à tomada de decisões, que tem por objetivo final promover
o inventário, uso, controle e proteção dos recursos hídricos .
Entretanto, cabe registrar também que os Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos
integram o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (artigo 33, II, da Lei
9.433/97).
Podem, assim, os Conselhos Estaduais, segundo Milaré, (2005, p. 600)
i) suscitar e encaminhar questões para deliberação do Conselho Nacional de
Recursos Hídricos (art.35, IV, da Lei 9.433/97);
ii) deliberar sobre acumulações, derivações, captações e lançamentos de pouca
expressão, para efeito de isenção da obrigatoriedade de outorga de direitos de
uso de recursos hídricos , quando esses recursos forem do seu domínio (art.
38,V);
iii) atuar como órgão recursal das decisões dos Comitês de Bacia estaduais (art.
38, Parágrafo único);
iv) autorizar a criação de Agências de Água, em bacias de rios de domínio
estadual (art. 42, parágrafo único);
v) apreciar propostas das Agências de Águas via Comitês de Bacia, para
encaminhamento e deliberação final dos órgãos estaduais de controle ambiental
quanto ao enquadramento dos corpos de água nas classes de usos (art. 44, XI,
a ).
Segundo Machado (2002, p.104), seria importante que os Estados organizassem seus
Conselhos Estaduais e da mesma forma os Comitês de Bacias Hidrográficas; assim buscariam a
paridade de votos com organizações civis de recursos hídricos e com os usuários.
O Conselho Nacional de Recursos Hídricos é o principal fórum de discussão nacional
sobre gestão de recursos hídricos, exercendo o papel de agente integrador e articulador das
60
respectivas políticas públicas, particularmente quanto à harmonização do gerenciamento de águas
de diferentes domínios.
b) A Agência Nacional de Águas (ANA)
A Agência Nacional de Águas - ANA - é uma autarquia sob regime especial, com
autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com a
finalidade de implementar, em sua esfera de atribuições, a Política Nacional e o Gerenciamento
de Recursos Hídricos, obedecendo aos fundamentos, objetivos, diretrizes e instrumentos da
Política Nacional de Recursos Hídricos e será
desenvolvida em articulação com órgãos e
entidades públicas e privadas integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos (Lei 9.984/2000). A ANA tem, ainda, uma especial atribuição, de fiscalizar os usos de
recursos hídricos nos corpos de água de domínio da União (artigo 4°, V, da Lei 9.984/2000).
Tendo sempre em vista a preservação e conservação dos recursos hídricos, Nalini (2003,
p. 54) assevera que
desde a Conferência de Dublin19 em 1993, a água passou a ser considerada
recurso finito e vulnerável. A criação da Agência Nacional da Água ANA, em
1999, evidencia certa preocupação brasileira com o tema, ainda desprezado por
19
Conferência de Dublin: ocorreu em janeiro de 1992, sobre recursos hídricos e desenvolvimento sustentável, reuniu
mais de quinhentos participantes, incluindo especialistas de mais de cem países e representantes de cerca de oitenta
entidades internacionais e organizações não-governamentais (FARIAS, 2005).
Princípios de Dublin:
Águas doces são um recurso finito e vulnerável, essencial para manter a vida, o desenvolvimento e o meio
ambiente.
Desenvolvimento de recursos hídricos e gerenciamento devem ser baseados em uma abordagem
participativa envolvendo planejadores, usuários e administradores em todos os níveis.
As mulheres têm papel central no gerenciamento, provisão e conservação das águas.
A água tem valor econômico em todos os seus usos competitivos e deveria ser reconhecida como um bem
essencial (Tundisi, 2003, p.155).
61
muitas comunidades. De nada adiantará o funcionamento dessa agência
reguladora de recursos hídricos, se não houver um trabalho de conscientização
populacional intensa. Lembra Luciel Henrique de Oliveira que a cultura de
consumo apresenta-se como um dos principais fatores de perturbação ambiental
e acrescenta ser necessário mostrar a água potável como uma commodity para o
século XXI, discutir a melhor estratégia para o gerenciamento dos recursos
hídricos, analisar programas e leis, e discutir a gestão é uma questão de
legislação ou educação da população.
De acordo com Garrido (2003, p.04),
à ANA cabe uma série de relevantes atribuições, com destaque para a emissão
das outorgas de direito de uso dos recursos hídricos, a realização da cobrança
pelo uso da água, a operação do Sistema Nacional de Informações sobre
Recursos Hídricos, os estudos para o aumento da disponibilidade de água e o
combate a todas as formas de degradação da qualidade dos mananciais.
A atuação da ANA obedecerá aos fundamentos, objetivos, diretrizes e instrumentos da
Política Nacional de Recursos Hídricos e será desenvolvida em articulação com órgãos
e
entidades públicas e privadas integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos (artigo 4º, Lei 9. 984/2000).
Há que se ressaltar também, segundo Machado (2002, p103), que
há um grande desafio à nova Agência: o de não se permitir à mesma o desvio
de sua finalidade
e, portanto, o dinheiro arrecadado deve ser usado
prioritariamente na bacia em que foi gerado (art. 22 da Lei 9.433/97). Ao
Conselho Nacional de Recursos Hídricos e aos Comitês de Bacia Hidrográfica
caberá articular-se para que não se crie mais uma CPMF (o tributo do cheque).
Os diretores da ANA e os funcionários de todos os escalões do Ministério da
Fazenda cometerão improbidade administrativa se retiverem as receitas
hídricas. Trata-se de um dever legal e não de uma faculdade o repasse
desses recursos; e, assim, o Poder Judiciário está obrigado a decidir pela sua
correta aplicação.
Nesse sentido, o Projeto de Lei 6.079/2002 é bem taxativo ao afirmar que o montante
arrecadado pela cobrança estará vinculado às bacias em que for realizado (artigo 17) e, no caso
62
dos recursos hídricos de domínio da União, a Agência Nacional de Águas investirá um mínimo
de 92,5% na bacia geradora (artigo 17, § 2°), o projeto de lei também prevê (artigo 25, I e
Parágrafo Único) que 2,5%, sobre a arrecadação da cobrança pelo uso dos recursos hídricos de
domínio da União, serão transferidos como recursos do FNRH (Fundo Nacional de Recursos
Hídricos) . Do ponto de vista legal, existe a possibilidade de a arrecadação ocorrer de forma
descentralizada, já que a própria Lei 9.984/00 faculta à ANA delegar ou atribuir essa execução de
atividades de sua competência para as Agências de água (artigo 4º, § 4°).
c) Comitês de Bacias Hidrográficas
Os Comitês de Bacias Hidrográficas são um tipo novo de organização no Brasil, embora
em países desenvolvidos, como a França, já existam há décadas. Os Comitês contam com a
participação de usuários, das prefeituras, de organizações civis e de representantes estaduais e
federais e seus membros exercem o papel de um parlamento das águas da bacia, pois é o local de
decisões sobre as questões relativas à mesma.
Os Comitês de Bacias Hidrográficas, segundo Kettelhut (1999) são as células-mater do
sistema de gerenciamento de recursos hídricos. Será nessa entidade que todos os preceitos de
descentralização e de democratização previstos na Lei 9.433/97 deverão ser praticados. Devido à
importância do Comitê no Sistema de Gerenciamento Setorial, o seu funcionamento tem que
estar de acordo com os fundamentos da Política Nacional de Recursos Hídricos,de modo especial
àqueles que preconizam: a água como bem público; o uso múltiplo dos recursos hídricos; a bacia
hidrográfica como unidade de planejamento e, principalmente, a descentralização e a
democratização da gestão de recursos hídricos. Os Comitês de Bacia Hidrográfica são, portanto,
63
órgãos colegiados com atribuições normativas, deliberativas e consultivas a serem exercidas na
bacia hidrográfica de sua jurisdição (artigo 1°, §1º, da Resolução de 10/4/2000).
Os Comitês de Bacia Hidrográfica terão como área de atuação (artigo 37: a) a totalidade
de uma bacia hidrográfica, b) sub-bacia hidrográfica de tributário do curso de água principal da
bacia, ou de tributário desse tributário; c) grupo de bacias ou sub-bacias hidrográficas contíguas .
Compete aos Comitês, no âmbito de sua área de atuação, conforme previsto no artigo 38
da referida Lei de recursos hídricos:
I - promover o debate das questões relacionadas a recursos hídricos e articular a
atuação das entidades intervenientes;
II - arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos relacionados aos
recursos hídricos;
III - aprovar o Plano de Recursos Hídricos da Bacia;
IV - acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da Bacia e sugerir
as providências necessárias ao cumprimento de suas metas;
V - propor ao Conselho Nacional e aos Conselhos Estaduais de Recursos
Hídricos as acumulações, derivações, captações e lançamentos de pouca
expressão. Para efeito de isenção da obrigatoriedade de outorga de direitos de
uso de recursos hídricos, de acordo com os domínios destes;
VI - estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e
sugerir os valores a serem cobrados;
VII Vetado;
VIII Vetado;
IX - estabelecer critérios e promover o rateio de custo das obras de uso
múltiplos, de interesse comum ou coletivo.
Há aqui uma atitude absolutamente inovadora, à medida que as competências e decisões
que seriam tradicionalmente atribuídas ao Poder Executivo migram para o Comitê, transformado
em lócus de decisão sobre as iniciativas de gestão das águas de uma determinada bacia
(CARVALHO, 2003, p.266).
64
Os Comitês de Bacias Hidrográficas são compostos por representantes, conforme artigo
39 da Lei 9.433/97:
I da União;
II dos Estados e do Distrito Federal cujos territórios se situem, ainda que
parcialmente, em suas respectivas áreas de atuação;
III dos Municípios situados, no todo ou em parte, em sua área de atuação;
IV dos usuários das águas de sua área de atuação;
V das entidades civis de recursos hídricos com atuação comprovada na bacia.
§1º. O número de representantes de cada setor mencionado neste artigo, bem
como os critérios para sua indicação, serão estabelecidas nos regimentos dos
Comitês, limitadas as representações dos Poderes Executivas da União, Estados,
Distrito Federal e Municípios à metade do total de membros.
A proporcionalidade entre esses segmentos foi definida na Resolução nº 05, de 10 de abril
de 2000. A Resolução prevê que os representantes dos usuários sejam de até 40% do número de
representantes do Comitê. A somatória dos governos municipais, estadual e federal não poderá
ultrapassar a 40% e os da sociedade civil organizada será de 20%.
Outro ponto importante ressaltado pela lei é que, nos Comitês de Bacias Hidrográficas,
cujos territórios abranjam áreas indígenas devem ser incluídos representantes da Fundação
Nacional do Índio
bacia.
FUNAI - e das comunidades indígenas ali residentes ou com interesse na
65
Entretanto, registrando que, o espaço de atuação dos Comitês é diversificado20, e
reconhecendo a importância da educação ambiental para a sustentabelidade dos recursos hídricos
no país, Albuquerque Filho (2003, p. 42-43) salienta que a Resolução nº 5, do Conselho Nacional
de Recursos Hídricos sobre as atribuições dos comitês, a educação ambiental lá está, integrando
as duas importantes políticas públicas: Artigo 7º, Cabe aos Comitês de Bacias Hidrográficas:
(...) VI - desenvolver e apoiar iniciativas em educação ambiental, em consonância com a Lei nº
9.795, de 27 de abril de 1999, que institui a Política Nacional de Educação Ambiental . Nesse
sentido, Machado (2002, p.105), reforça que
uma gestão dos recursos hídricos descentralizada que está como fundamento
da Política Nacional de Recursos Hídricos
levará os Comitês de Bacia
Hidrográfica a terem personalidade jurídica, o que lhes dará não somente maior
autonomia, mas uma maior facilidade para caracterizar sua responsabilidade
jurídica frente à eficiência ou ineficiência de sua atuação.
No que tange à essa busca de gestão descentralizada, cada Estado deverá fazer a
respectiva regulamentação referente aos Comitês de sua abrangência, sendo que alguns estados já
estão com essa regulamentação em estágio bem avançado, como é o caso do Rio Grande do Sul,
São Paulo e Espírito Santo, entre outros.
20
Os comitês têm descoberto ou sido chamados a outros papéis ou atribuições que são desempenhadas, sempre que
não confrontam com a Lei. Em muitas oportunidades, questões ou acontecimentos relacionados com os recursos
hídricos ou, de forma mais ampla, com o meio ambiente, tem sido trazidos aos comitês. Exercem, assim, o papel de
fórum para a discussão desses assuntos, oportunizando que os mesmos venham à tona e sejam esclarecidos ou, às
vezes ensejem tomadas de posição ou de decisões. É o caso de licenciamento de empreendimentos que possam ter
efeitos relevantes sobre a bacia hidrográfica, quando os comitês podem contribuir para a divulgação do processo,
para a ampliação da manifestação de opiniões e para as decisões dos órgãos licenciadores. É também o caso de
acontecimentos imprevistos, como acidentes provocados pelo homem ou ocorrências meteorológicas, quando o
comitê contribui para o esclarecimento e a tomada de medidas apropriadas. As políticas públicas, nos seus aspectos
relacionados à questão ambiental também encontram nos comitês espaço para sua discussão. É o que acontece com
relação a vários setores do saneamento, (esgotamento sanitário, drenagem urbana, resíduos sólidos etc), a temas da
produção agropecuária (questão dos agrotóxicos, dos organismos geneticamente modificados etc), da produção
industrial (tecnologias limpas, por exemplo), da produção de energia, dos transportes, do urbanismo etc. Além
desses, um papel que os comitês têm desempenhado diz respeito ao incentivo educação ambiental, entendida como
66
d) As Agências de Água
As Agências de Água fazem parte do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos (SNGRH) e, no entender de Antunes (2004, p.832)
as Agências têm por função o desempenho das atividades técnicas necessárias
para que os Comitês de Bacia Hidrográficas possam ver aplicadas as sua
deliberações. As Agências de água podem prestar serviços para mais de um
Comitê. As Agências de água deverão ter a sua constituição autorizada pelos
Comitês e pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos.
As condições legais necessárias à constituição de Agências de Água (artigo.43), são as
seguintes: a) prévia existência do respectivo ou respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica; b)
viabilidade financeira assegurada pela cobrança do uso dos recursos hídricos em sua área de
atuação . Nesse sentido, incumbe à Agência de Bacia, no âmbito de sua atuação, artigo 44, da Lei
9.433/97:
I manter o cadastro atualizado da disponibilidade de recurso hídrico em sua
área de atuação;
II manter o cadastro de usuários de recursos hídricos;
III efetuar, mediante delegação do outorgante, a cobrança pelo uso de recursos
hídricos;
IV analisar e emitir pareceres sobre projetos e obras a serem financiados com
recursos gerados pela cobrança pelo uso dos recursos hídricos e encaminhá-los à
instituição financeira responsável pela administração desses recursos;
V acompanhar a administração financeira dos recursos arrecadados com a
cobrança pelo uso de recursos hídricos em sua área de atuação;
VI gerir o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos em sua área de
atuação;
VII acelerar convênios e contratar financiamentos e serviços para a execução
de suas competências;
VIII
elaborar a sua proposta orçamentária e submetê-la à apreciação do
respectivos ou respectivos Comitês de Bacias Hidrográficas;
IX promover os estudos necessários para a gestão dos recursos hídricos em
sua área de atuação;
X elaborar o Plano de Recursos Hídricos para apreciação do respectivo Comitê
de Bacia Hidrográfica.
essencial para gerar mudanças de comportamento solidamente fundamentadas e permanentes. (GRASSI e CÁNEPA
2000, p.133-134)
67
Compete, ainda, às Agências de Água propor ao respectivo ou respectivos Comitês de
Bacia Hidrográfica:
a) o enquadramento dos corpos de água nas classes de usos, para
encaminhamento ao respectivo Conselho Nacional ou Conselhos Estaduais de
Recursos Hídricos, de acordo com o domínio destes;
b) os valores a serem cobrados pelo uso de recursos hídricos;
c) o plano de aplicação dos recursos arrecadados com a cobrança pelo uso de
recursos hídricos;
d) o rateio de custos das obras de uso múltiplo, de interesse comum ou coletivo.
O controle da atividade financeira das Agências de Água, também estará previsto na
legislação:
O anteprojeto das Agências de Água preconiza uma estrita fiscalização, levandose em conta a natureza jurídica apontada para as Agências de Água, que serão
fundações de direito privado , dizendo: as Agências de Água, cuja área de
atuação abranja correntes de água da União, serão fiscalizadas, quanto aos
procedimentos efetuados e os resultados obtidos, pelo Tribunal de Contas da
União e pelo Ministério Público Federal .
Certamente, as legislações estaduais de recursos hídricos irão também buscar
meios de controle da seriedade financeira e de controle dos resultados das
Agências de água de rios de domínio dos Estados ( MACHADO, 2002, p.118).
Nesse contexto, as Agências de água podem ser consideradas órgãos executivos de
suporte aos respectivos Comitês de bacia, surgindo daí a necessidade de um planejamento
integrado dos recursos hídricos, que, integrando as visões setoriais, procura assegurar a
sustentabilidade dos múltiplos usos, com eqüidade e isenção, de forma a resultar no máximo de
retorno social e econômico.
A Política Nacional dos Recursos Hídricos é o resultado de um processo participativo que
teve como origem à vontade da sociedade brasileira de resolver os problemas que vinham
ocorrendo em função dos conflitos de usos dos recursos hídricos. Seguindo esse contexto, neste
68
capítulo procurou-se demonstrar de forma clara e sucinta a importância da gestão das águas, o
levantamento de questões importantes pertinentes aos usos e o registro de avanços na legislação,
tratando especificamente da Política e da gestão nacional dos recursos hídricos, e de seus
instrumentos de gestão. Tudo isso, exceto a cobrança pelo uso da água, que, devido à sua
complexidade, será abordada no capítulo específico referente ao assunto.
2 A COBRANÇA E OS ASPECTOS SOCIAIS PELO USO DA ÁGUA
O dia, a água, o sol, a lua, a noite são coisas que eu não tenho que
comprar com dinheiro. (Titus Muccius, dramaturgo romano)
2.1 Aspectos legais da cobrança pelo uso dos recursos hídricos - infrações e penalidades
A cobrança pelo uso dos recursos hídricos é um dos instrumentos da política pública para
o setor, estando prevista na legislação federal e nas leis estaduais. Esse instrumento vem juntar-se
aos demais com o objetivo de induzir o usuário da água a uma postura de racionalidade quando
da tomada de suas decisões de consumo em relação a esse recurso natural. Segundo disposto na
Lei n. 9.433/97, a cobrança pelo uso de recursos hídricos no Brasil deve atender tanto ao objetivo
69
econômico quanto ao financeiro, sempre buscando garantir o ecodesenvolvimento com o uso
equilibrado dos recursos naturais de forma que esses possam ser legados às futuras gerações, ou
seja, usando os recursos naturais com responsabilidade social e visão de futuro.
Quanto aos objetivos da cobrança, o artigo 19, da Lei n.º 9.433/97 estabelece que:
I
reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma
indicação do seu real valor;
II incentivar a racionalização do uso da água;
III obter recursos financeiros para financiamento dos programa e
intervenções dos planos de recursos hídricos.
Nesse sentido, a Lei 9.433 apresenta texto bastante próximo ao modelo francês de gestão
de bacias hidrográficas. Esse modelo, desenvolvido pela França,21 é estruturado por Comitês de
Bacias e as Agências de Água, que são o órgão gerenciador e arrecadador das cobranças pelos
serviços executados. O programa de cobrança está diretamente relacionado com a aplicação
desses recursos nos planos de atividades das agências de bacias.
A utilização da cobrança pelo uso dos recursos hídricos é uma das formas de se
aplicar o Princípio 16 da Declaração do Rio de Janeiro da Conferência das
Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992: As
autoridades nacionais devem esforçar-se para promover a internalização dos
custos de proteção do meio ambiente e o uso dos instrumentos econômicos,
21
A gestão de recursos hídricos na França foi iniciada em 1898, teve diversas contribuições em termos de
regulamentações de caráter mais setorial e culminou com a lei de dezembro de 1964, que permitiu a criação de um
sistema de gestão de águas bastante racional. Segundo essa legislação, a bacia hidrográfica foi definida como a
unidade básica de gerenciamento dos recursos hídricos e foi constituído um fundo de investimento. Na estrutura
francesa, o Comitê de Bacia é composto por representantes dos usuários (industriais, agricultores, distribuidores de
água, associações de pescadores e de turismo etc.), das coletividades locais (eleitos indiretamente) e do Estado
(nomeados pelo governo). O Comitê de Bacia elege metade dos membros do conselho de administração da Agência
de Bacia. A Agência de Bacia é um órgão público com autonomia financeira que atende a uma ou mais bacias. Suas
atividades centram-se na atribuição de empréstimos e subsídios para a realização de obras de interesse comum e na
contribuição para a execução de estudos e pesquisas. A agência tem competência para cobrar tarifas dos usuários de
água, seja pela quantidade consumida, seja pela poluição provocada (BORSOI e TORRES, 2004).
70
levando-se em conta o conceito de que o poluidor deve, em princípio, assumir o
custo da poluição, tendo em vista o interesse do público, sem desvirtuar o
comercio e os investimentos intencionais (MACHADO, 2002, p.79).
Já o artigo 21 da Lei de águas determina o que deve ser observado na fixação dos valores
a serem cobrados:
I nas derivações, captações e extrações de água, o volume retirado e seu
regime de variação;
II nos lançamentos de esgotos e demais líquidos ou gasosos, o volume lançado
e seu regime de variação e as características físico-químicas, biológicas e de
toxidade do efluente.
É importante observar, segundo Nalini (2003, pp.47/48) que a escassez do produto o torna
mais valioso. Submeter a água a tratamento, armazená-la, distribuí-la por encanamento, não é
barato. Assim, as tarifas tendem a aumentar. Existe um projeto de lei, em curso pela Assembléia
Legislativa de São Paulo, cujo objetivo é permitir a cobrança pelo uso da água, não somente da
água tratada e fornecida a domicílio. O intuito da cobrança pela utilização dos recursos hídricos é
reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor. Além
disso, o propósito é incentivar o uso racional e sustentável da água e obter recursos financeiros
para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos
hídricos. Estarão sujeitos à cobrança todos aqueles que utilizam os recursos hídricos. A fixação
dos valores a serem cobrados pela utilização dos recursos hídricos considerará três fases: a
captação, extração e derivação, a diluição, transporte e assimilação de efluentes e outros usos que
alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente em um corpo d água.
Percebe-se, mediante as observações até aqui elencadas, que a cobrança é concebida como
instrumento de gestão da escassez de recursos hídricos,
71
A Lei nº 9.433/97 utiliza um princípio segundo o qual o uso da água deve ser
pago quando este implica na retirada de determinado volume de água ou no
lançamento de poluentes. Significando, em ambos os casos, que os valores
cobrados pelo recurso hídrico deverão considerar o impacto ambiental
produzido, já que este é de conseqüência das características dos usos
supracitados (relação causa-efeito).
Como grandes impactos negativos sobre a água podem levar à impossibilidade
de seu uso, novamente aparece a necessidade de o valor cobrado junto ao
usuário de água ser em função da escassez do recurso hídrico. Mais do que isso,
o valor total arrecadado pelo sistema de cobrança deve ser fundamentado na
gestão dessa escassez, mesmo que o montante arrecadado sirva para o
funcionamento de ações mitigadoras da oferta de recursos hídricos (FONTES E
SOUZA, 2004. p.99).
Cabe registrar aqui que está prevista a cobrança pela derivação da água ou pela introdução
de efluentes nos corpos d água, tendo em vista sua diluição, transporte e assimilação.
Dependendo da classe de enquadramento do corpo d água em questão, também deve ser
observado que, como numa bacia podem conviver diversas autoridades outorgantes, habilitadas a
cobrar pelo uso dos recursos hídricos, é fundamental que a cobrança seja implantada por bacia, e
não por rios. Entretanto essa cobrança pelo uso de recursos hídricos não é um novo tributo,
destinado a reforçar o orçamento geral da União e Estados; ao contrário visa a reconhecer a água
como um bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor (Lei 9.433/97, artigo
19).
Essa cobrança ou contraprestação pela utilização das águas públicas conforme Pompeu
(apud PEREIRA, 2002, p.121); I - não configura imposto (já que este destina-se a cobrir
despesas feitas no interesse comum, sem ter em conta as vantagens particulares obtidas pelos
contribuintes); II
taxa de polícia
22
não é taxa22 ( já que, não se está diante do exercício de poder de polícia
ou da utilização efetiva ou potencial de serviço público
taxa de serviço); III
Quando um serviço for prestado diretamente pela Administração, a finalidade única da prestação é atender a uma
necessidade pública, e a sua remuneração se dará necessariamente por taxa (SPAGNOL, 1994,p.83).
72
não é contribuição de melhoria (já que inexiste obra pública cujo custo deva ser atribuído à
valorização de imóveis beneficiados) . E assim, segundo o autor, se está diante de preço
público23.
Isso posto pode-se constar que a cobrança pelo uso de recursos hídricos,
Não é um novo tributo, destinado a reforçar o orçamento geral da União ou dos
Estados. Ao contrário, a cobrança visa a reconhecer a água como bem
econômico e dar ao usuário uma indicação do seu real valor (art. 19 da Lei
9.433/97). Visa ainda a implementar o sistema de gestão, que irá garantir a
sustentabelidade na utilização do recursos hídricos, tema de interesse de todos os
usuários, atuais e das futuras gerações (KELMAN 2004, p.05).
Desse modo, no entender de Fontes e Souza (2004, p.99) a cobrança de recursos hídricos
constitui-se em tarifa, não se configurando em imposto ou taxa, posto que estes se tratam de
tributos que derivam do patrimônio do particular, o que não se aplica a água. Assim, em função
dos fundamentos apresentados até agora, conclui-se que a cobrança pelo uso do bem público água
trata-se de tarifa ou preço público.
De acordo com esse caso, em que a propriedade das águas é pública, o sistema de gestão
das águas caracteriza-se por três fatores, segundo Lanna (2000):
I) a necessidade de
descentralização da gestão, através da qual o Estado, sem abrir mão do domínio sobre a água,
permite que sua gestão seja realizada de forma compartilhada com a sociedade, mediante a
participação de entidades especialmente implementadas;
II) a adoção do planejamento
estratégico na unidade de intervenção, bacia hidrográfica, mediante a qual os governos, usuários
23
Quando um serviço público, atendidas as prescrições legais, for prestado por particulares, terá dupla finalidade
(satisfação de uma necessidade pública e lucro), e sua remuneração se dará pela figura do preço público
(SPAGNOL, 1994,p.83).
73
das águas e sociedade negociam e estabelecem metas de desenvolvimento sustentável atrelada a
instrumentos normativos para alcança-las; III) a utilização de instrumentos normativos e
econômicos que visem a atingir as metas de desenvolvimento sustentável estabelecidas no
planejamento estratégico .
Dessa forma, a cobrança pelo uso da água está inserida na Política Nacional dos Recursos
Hídricos, configurando instrumento destinado à realização dessa política. E, tão importante
quanto se fazer uma cobrança justa e igualitária, será a aplicação dos valores na busca do
ecodesenvolvimento. O artigo 22 da Lei n.º 9.433/97 trata da destinação dos valores arrecadados
com a cobrança pelo uso dos recursos hídricos, pois, esse dispositivo traz, em seu caput e incisos
I e II, in verbis:
Artigo 22. Os valores arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos
hídricos serão aplicados prioritariamente na bacia hidrográfica em que foram
gerados e serão utilizados I no financiamento de estudos, programas, projetos
e obras incluídos nos Planos de Recursos Hídricos; II
no pagamento de
despesas de implantação e custeio administrativo dos órgãos e entidades
integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
A aplicação dos recursos poderá ser feito a fundo perdido, ou seja, o dinheiro retorna à
sua origem com vistas ao financiamento de projetos e obras que alterem, de modo considerado
benéfico à coletividade, a qualidade, a quantidade e o regime de vazão dos corpos de água
(ANTUNES, 2004, p.828).
Os valores relativos à cobrança serão decididos em função de um planejamento dos usos
dos recursos hídricos e das intervenções necessárias para atingir determinados objetivos de
qualidade e garantir a disponibilidade, com a respectiva previsão de custos. Esse fato deixa claro
74
que o montante de recursos arrecadados deverá ser aplicado prioritariamente na própria bacia.
Mas com certeza não será algo fácil de implantar, principalmente porque os usuários ainda não
estão conscientes dos resultados que poderão ser obtidos através de tal cobrança.
Nesse caso, embora a tarifa da água bruta para a irrigação já esteja estabelecida por lei ( o
mesmo do setor industrial), devem ser esperadas grandes resistências políticas e sociais à
implementação da cobrança neste setor.
Reafirmado esse posicionamento Novais (2000, p.15), chama a atenção para os conflitos
que podem se originar da relutância da indústria e agricultura em pagar pelo uso, embora estudos
demonstrem que o custo ficará entre 0,3% e 0,4% do faturamento, a cobrança pelo uso da água é,
portanto, o primeiro passo importante para regular e disciplinar o consumo .
Sabendo se disso, deve-se considerar como altamente eficiente na gestão integrada e
descentralizada dos recursos hídricos a participação da comunidade e usuários, os mecanismos de
negociação e resolução de conflitos, os sistemas de cobrança pelo uso da água, a educação
ambiental da população e a introdução de planejamento estratégico e de longo prazo na gestão
das bacias hidrográficas, com sustentabilidade. O problema é que muitos usuários não têm
consciência do que é efetivamente essa cobrança e como poderá ser usada. Nesse sentido nos
mostra Campos e Studart (2001, p.108), que
75
os irrigantes localizados ao longo do rio não têm tradição de serem cobrados
pela água captada diretamente do leito do rio perenizado; os irrigantes dos
perímetros públicos, por sua vez, tem a percepção que já pagam pela água,
através do K2; esta taxa, da ordem de R$ 6 a 10 reais por mil metros cúbicos,
cobre, na verdade, unicamente os custos de operação e manutenção do sistema.
Todavia, também é importante lembrar que a cobrança é condição necessária, mas não
suficiente para atingir a eficiência, a eqüidade e a sustentabilidade. A ela deve-se agregar um
modelo de racionalização, onde os usuários e a sociedade em geral devem ficar cientes das
limitações do instrumento da cobrança e devem saber que o processo de recuperação ambiental e
racionalização dos usos é um processo de longo prazo, que se está apenas iniciando:
[...] a venda da água é uma tendência irreversível. Havendo escassez, haverá
sobrevalorização e inevitabilidade da cobrança. Além disso, quem paga não
desperdiça. O que é desprovido de valor, segundo uma postura cultural bem
arraigada na população. Água sempre foi considerada um bem gratuito. As
tarifas são até módicas, se pensar na raridade do produto e no seu valor
agregado, exatamente porque escasseia em escala geométrica. A cobrança tem
por objetivo arrecadar fundos a serem obrigatoriamente revertidos na melhoria
da qualidade da água na bacia hidrográfica onde foram obtidos. A captação de
água bruta dos rios ou do subsolo hoje não é paga. O pagamento ocorre somente
em relação aos serviços de tratamento, distribuição e coleta de águas servidas
(NALINI, 2003, p.48-49).
Nesse ponto, Garrido (1996) chama a atenção para que se convencione que a cobrança
funcione tanto mais como elemento indutor do desenvolvimento e tenha cunho altamente
educativo, pois também se presta a sinalizar para o usuário na direção do uso racional dos
recursos hídricos, ficando, portanto, clara sua ligação com a motivação econômica. E, sob o
ponto de vista social, a cobrança cumpre duplo papel: enquanto de agente de distribuição de
renda, de acordo com a sistemática de onerar mais alguns segmentos da sociedade do que outros;
e como instrumento pelo qual o usuário de um recurso ambiental de uso comum contribui
76
financeiramente em função do uso econômico desse recurso, gerando fundos de investimento a
serem idealmente empregados em projetos de interesse social.
O problema é ultrapassar as soluções imediatistas (por exemplo, eleitoralismos
interesseiros e ineficazes) e alcançar a busca política genuína e constitucional de remédios
estruturais e duradouros (SANTOS, 2003).
Muitas dessas políticas não levam em conta quais os impactos que os usos múltiplos dos
recursos hídricos causam ao meio ambiente e, por esses motivos não traçam diretrizes para
resolver os principais problemas e desafios.
Tabela: 04 Síntese dos principais problemas e desafios para a gestão de recursos hídricos no
Brasil.
Região
Norte
nordeste
CentroOeste
Sudeste
Usos
Navegação
Pesca
Abastecimento
Público
Energia
Pesca
Navegação
Turismo
Recreação
Pesca
Navegação
Abastecimento
Turismo
Recreação
Abastecimento
público
Hidroeletricidade
Turismo e recreação
Pesca e aquacultura
Navegação
Uso industrial
Turismo e recreação
Características principais e
impactos
Abundância de água per capita
Desmatamento
Queimadas
Mineração
Escassez de água no semi-árido
Salinização
Doença de veiculação hídrica
Áreas alagadas frágeis e de alta
biodiversidade
Introdução de espécie exótica
Pesca excessiva
Desmatamento e Hidrovias
Escassez
relativa
(alta
concentração de população)
Intensa urbanização
Grande numero de espécies
exóticas introduzidas
Eutrofização e toxidade
Aqüíferos contaminados
Uso excessivo dos aqüíferos
Principais desafios e problemas
Conservação e sustentabilidade dos recursos
hídricos
Saneamento básico
Manutenção da biodiversidade
Controle da pesca
Sustentabelidade do semi-árido
Saneamento básico
Disponibilidade de água na região urbana e
rural, e Incremento da pesca e aquacultura
nos grandes reservatórios
Conservação
Manutenção da sustentabilidade
Manutenção da biodiversidade
Proteção de ecossistemas representativos
Controle da pesca
Recuperação de rios, lagos e represas
Proteção dos mananciais e da biodiversidade
Redução dos custos de tratamento
Solução da eutrofização e toxidade
Estímulo ao reuso
Controle do turismo em grandes represas
Recuperação e proteção dos aqüíferos
77
Sul
Abastecimento
público
Irrigação
Hidroeletricidade
Navegação
Pesca
Uso industrial
Turismo e recreação
Abundância de água com
tendência à escassez relativa
por concentração de população
Intensa urbanização
Contaminação e poluição por
atividades agrícolas
Aumento da toxidade e
eutrofização
Contaminação dos aqüíferos
Recuperação de rios, lagos e represas
Redução dos custos de tratamento
Tratamento da eutrofização e toxidade
Proteção dos mananciais
Proteção da biodiversidade em alagados
Recuperação dos aqüíferos
Todas
Uso municipal
Esgotos não tratados
Degradação dos mananciais
Contaminação dos aqüíferos
Disposição de resíduos sólidos
na bacias hidrográficas
Proteção dos mananciais
Diminuição do desperdício
Proteção e conservação das bacias
hidrográficas, Tratamento de esgotos, e
treinamento de gerentes e Disposição
adequada de resíduos sólidos urbanos
Fonte: CTHidro (2002) modificado (apud TUNDISI, 2003, p.101)
A partir desses dados mostrados na tabela 04, pode-se constatar que os usos múltiplos e os
potenciais impactos nos recursos hídricos nacional são de variada magnitude e distribuição pelo
país. Eles se devem em parte à urbanização e aos usos agrícolas. Conforme Tundisi (2003, p.03),
um dos principais empecilhos ao gerenciamento dos recursos hídricos é controlar efetivamente a
disposição de resíduos não tratados, impedindo o uso excessivo dos recursos hídricos através de
mecanismos de gestão integrada e descentralizada.
Nesse sentido, a cobrança pelo uso da água pode estabelecer de forma indireta a mesma
compatibilização entre disponibilidades e demandas, na medida em que o preço cobrado pelo uso
da água seja suficientemente indutor, a ponto de que o usuário seja estimulado a tomar medidas
para utilizar de forma mais eficiente os recursos hídricos. Além disto, gerar recursos financeiros
que poderão ser utilizados para os investimentos na bacia, de acordo com o que é planejado.
A Lei 9.433/97 adota o princípio da subsidiariedade ao determinar que a
aplicação dos recursos arrecadados seja decidida em primeira instância pelo
correspondente comitê de bacia hidrográfica, caso exista, que tem a
responsabilidade de aprovar o Plano de Recursos Hídricos da bacia (artigo
78
37). Idealmente, sob a ótica exclusiva da gestão de recursos hídricos, a cobrança
deveria ser executada diretamente pela Agência de Água, caso exista, para
sinalizar claramente ao usuário que se o pagamento se destina à aplicação na
própria bacia. Entretanto, prevalece o pensamento jurídico de que, para que a
Agência pudesse efetivamente cobrar, teria que ser instituída pela União ou pelo
Estado, mediante autorização legislativa. Esta é a solução adotada na recente Lei
de Recursos Hídricos do Estado de Minas Gerais (artigo 37, da Lei 13199/99)
(KELMAN,2004.p.5).
Entretanto, apesar de ser um componente importante no processo de gestão dos recursos
hídricos, o papel efetivo da ANA dependerá muito da forma pela qual desenvolverá suas ações e
de como se dará a sua implementação institucional.
O poder da Agência Nacional de Águas ANA para arrecadar as receitas vindas
da cobrança pelo uso das águas (artigo 4°, IX, da Lei 9.984/2000) é uma
inovação que deixa dúvidas no cumprimento da política de descentralização da
gestão de recursos hídricos. Para evitar obstáculos à necessária distribuição de
receitas hídricas, consta da lei que a aplicação das receitas será feita por meio
das Agências de Água, e só na ausência destas é que esses recursos poderão ir
para outras entidades (artigo 4°. § 6°, da Lei 9.984/2000) (MACHADO, 2002,
p.37).
Mas, segundo o disposto no art. 21, § 1°, da Lei 9.984/2000, a ANA manterá registros
que permitam correlacionar as receitas com as bacias hidrográficas em que foram geradas . Caso
contrário, a Ana poderá privilegiar alguns usuários e prejudicar a outros, ao diminuir a
disponibilidade de recursos, o que estaria em desacordo com o 2º e 5º princípios24 da Política
Nacional do Meio Ambiente.
24
Segundo a Lei nº. 9.433/97 da PNRH, os princípios básicos que norteiam a gestão de recursos hídricos no Brasil
são os seguintes:
1º Princípio Adoção da bacia hidrográfica como unidade de planejamento;
2º Princípio Promoção do uso múltiplo das águas;
3º Princípio Reconhecimento da água como um bem finito e vulnerável;
4º Princípio - Reconhecimento do valor econômico da água;
5º Princípio Gestão descentralizada e participativa.
79
Consoante a este entendimento, Tydeman (1999) realça algumas idéias no sentido de que
não há dúvida de que o uso da água deverá ser ajustado de acordo com o que o sistema pode
conceder, isso significa que deve ser feito um esforço em desenvolver providências institucionais
e financeiras que favoreçam os serviços de água mais adequados à demanda que estimula a
conservação e aumenta a recuperação dos custos de todos os setores; desenvolver um plano geral
integrado do uso da água, permitindo os recursos de água serem valorizados num nível micro e
macroeconômico, notadamente por promover gradualmente os subsídios escondidos e a
regulação que distorce o preço do mercado. Caminhos devem ser encontrados para avaliar as
externalidades de mercado, sendo capazes de determinar o valor de mercado dos recursos
consumidos no futuro, bem como assegurando o funcionamento dos ecossistemas.
Paralelamente à aplicação dos recursos hídricos, há que se ter em mente uma real e efetiva
aplicação da educação ambiental, pois como nos ensina Isaias e Isaias (2003), a educação
ambiental na gestão dos recursos hídricos não deve ficar restrita à divulgação de informações
sobre os Comitês e suas deliberações, à organização de reuniões e à confecção e distribuição de
folhetos e cartilhas. Esta educação ambiental deverá estar voltada, também, a identificar
diferentes atores sociais e motivá-los à participação colaborativa, despertando-lhes a
responsabilidade pelo gerenciamento, proteção e ordenação dos recursos hídricos sob sua
influência. Dessa maneira, educadores e gestores ambientais, usuários de recursos hídricos com
finalidade econômica ou não, estarão em pé de igualdade, tentando compatibilizar interesses em
busca de objetivos comuns: assegurar a disponibilidade de água para todos, dentro de padrões de
qualidade adequados aos respectivos usos e garantir a sua sustentabilidade em termos
quantitativos e qualitativos.
80
Pelo exposto, percebe-se que os investimentos em bacias hidrográficas são geralmente
elevados e compreendem reservatórios, sistemas de abastecimento e de esgotos, sistemas de
irrigação, criação e fiscalização de reservas etc. Portanto, as formas de financiar os investimentos
em bacias hidrográficas são a cobrança pelo uso da água e o rateio dos custos dos investimentos
entre os usuários ou beneficiários.
É de suma importância a implementação de uma política ambiental que busque evitar a
ocorrência de danos ambientais e, ao mesmo tempo, atue como reeducadora dos empreendedores
que poluem, como também incentivando toda atividade potencialmente agressora a rever seus
procedimentos. A aplicação efetiva das infrações e penalidades aos usuários de recursos hídricos
estão estabelecidas na Lei nº. 9.433/97. As infrações referem-se à utilização do recurso hídrico
sem a competente outorga de direito de uso, ou em desacordo com esta, à execução de obras em
desacordo com os termos da outorga, à declaração incorreta de volumes utilizados ou à fraude
nas medições desses volumes, à desobediência às normas estabelecidas no regulamento dessa lei
e a regulamentos administrativos fixados por órgãos competentes e ao obstáculo à ação
fiscalizadora. São infrações às normas de utilização dos recursos hídricos, segundo artigo 49, da
Lei 9.433/97:
I
derivar ou utilizar recursos hídricos para qualquer finalidade, sem a
respectiva outorga de direito de uso;
II
iniciar a implantação ou implantar empreendimento relacionado com a
derivação ou a utilização de recursos hídricos, superficiais ou subterrâneos, que
impliquem alterações no regime, quantidade ou qualidade dos mesmos, sem
autorização dos órgãos ou entidades competentes;
III (Vetado)
IV utilizar-se dos recursos hídricos ou executar obras ou serviços relacionados
com os mesmos em desacordo com as condições estabelecidas na outorga;
V perfurar poços para a extração de água subterrânea ou operá-los sem a
devida autorização;
81
VI fraudar as medições dos volumes de água utilizados ou declarar valores
diferentes dos medidos;
VII infringir normas estabelecidas em regulamento, compreendendo as normas
administrativas emanadas do órgãos competentes;
VIII obstar ou dificultar as ações da fiscalização competente.
A responsabilidade25 objetiva, ou o dever de reparar o dano independente de culpa se
funda na idéia de que a pessoa que cria o risco deve reparar o dano advindo da sua ação, como se
pode perceber ao observar a Lei 6.938/81, em seu artigo 14, § 1º: Sem obstar a aplicação das
penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de
culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua
atividade . O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de
responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente.
No campo da responsabilidade civil por poluição de águas doces superficiais, o
diploma básico em nosso país é a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente
(Lei 6.938/81), cujas principais virtudes estão no fato de ter consagrado a
responsabilidade objetiva do causador do dano e a proteção não só aos interesses
individuais como também aos supra individual (interesses difusos, em razão de
agressão ao meio ambiente em prejuízo de toda comunidade), conferindo
legitimidade ao Ministério Público para propor ação de responsabilidade civil e
criminal por danos causados ao meio ambiente (PELLACANI, 2005, p.93).
Esta reparação significa o ressarcimento ou a compensação do dano sofrido, recompondo
a situação jurídica anterior à ocorrência do dano. Segundo Lima (1999, p.116), o que se deve ter
em vista nessa reparação é a vitima, assegurando-lhe a reparação do dano e não a idéia de infligir
uma pena ao autor do prejuízo causado.
Seguindo o entendimento do autor supracitado:
25
Responsabilidade: Capacidade de entendimento ético-jurídico e determinação volitiva adequada, que constitui
pressuposto penal necessário da punibilidade. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: o
dicionário da língua portuguesa. 3.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999,p.1754.
82
O conceito clássico de culpa, sob fundamento psicológico, exigindo do agente a
imputabilidade moral, cedeu terreno às várias noções e aplicações da culpa
objetiva, no sentido de eliminar da responsabilidade extracontratual o elemento
subjetivo. Entretanto, cada vez mais crescente de interesses [...], a necessidade
imperiosa de se proteger a vítima, assegurando-lhe a reparação do dano sofrido,
em face da luta díspar entre as empresas poderosas e as vítimas desprovidas de
recursos; as dificuldades, dia a dia maiores, de se provar a causa dos acidentes
produtores de danos e dela se deduzir a culpa, a vista dos fenômenos ainda não
bem conhecidos na sua essência, como a eletricidade, a radioatividade e outros,
não podiam deixar de influenciar no espírito e na consciência do jurista. Era
imprescindível, pois, rebuscar um novo fundamento à responsabilidade
extracontratual, que melhor resolvesse o grave problema da reparação dos danos,
de molde a se evitarem injustiças.
Convém ressaltar que o retorno ao estado anterior não exclui a condenação em dinheiro,
conforme nos ensina Pellacani (2005, p.109) embora a indenização, nas vias judiciais, seja o
meio mais comumente utilizado para alcançar a reparação do dano causado, é de grande valia
ressaltar que nem todo dano se indeniza. É impossível determinar o montante a ser pago no caso
da extinção de uma forma de vida, da contaminação de um lençol freático ou da devastação de
uma floresta. Nesses casos, a composição monetária é absolutamente insatisfatória. São inúmeros
os casos em que é impossível o retorno do bem ambiental à condição anterior. Uma espécie
extinta jamais deixará de ser uma espécie extinta; um rio contaminado por metais pesados
dificilmente apresentará as mesmas características naturais anteriores.
As penalidades são as seguintes, segundo o artigo 50, da Lei de águas:
I advertência por escrito, na qual será fixado o prazo para a correção da
irregularidade;
II multa simples ou diária, proporcional à gravidade da infração;
III embargo provisório, por prazo determinado, para a execução de serviços e
obras necessários para o cumprimento das normas legais e obras necessários
para o cumprimento das normas legais referentes aos recursos hídricos;
IV embargo definitivo, com revogação da outorga;
83
Como se constata, as penalidades variam desde a advertência à aplicação de multa, ao
embargo provisório e até ao embargo definitivo, dependendo da gravidade da infração. Pode,
também, a outorga ser suspensa, caso o usuário não efetue o pagamento dos valores fixados para
a cobrança nos prazos e critérios estabelecidos pelo Comitê de Bacia.
A esse respeito, Milaré (2004) esclarece que o embargo provisório paralisa a captação, a
derivação ou extração da água, sendo imposto tanto no caso de descumprimento das condições da
outorga quanto no de desobediência a normas referentes ao uso e proteção dos recursos hídricos.
Já o embargo definitivo é imposto nos casos do não cumprimento das obrigações, no prazo
estabelecido no embargo provisório, ou no caso de recursos hídricos sem outorga. No caso de
infração, a conseqüência é a cassação da outorga.
Entretanto, para que esse mecanismo de penalização se torne efetivo, o Estado deve
recuperar o prestígio e a credibilidade do Poder Judiciário, desgastado pela inoperância frente ao
absurdo número de processos a serem solucionados e que surgem diariamente, passando a
alcançar maior agilidade em apresentar soluções aos conflitos surgidos. Para que as penalizações
sejam efetivas, é imperioso que o sistema de informações seja ágil e atualizado, aliado ao
princípio do poluidor -pagador e usuário-pagador.
Segundo Ketelhut, Rodrigues, Garrido et al (2004), em 26/05 de 1972, o Conselho da
OCDE (Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico) aprovou uma
recomendação sobre os princípios diretores relativos aos aspectos econômicos das políticas
ambientais, sobre o plano internacional ,
no qual instituiu o princípio poluidor-pagador
(Polluter - pays principle). A OCDE defendia a necessidade de o Poder Público tomar medidas
84
para reduzir a poluição e buscar melhorar a alocação dos recursos naturais, relacionando o preço
dos bens e dos serviços produzidos com a qualidade ou a quantidade dos recursos naturais
utilizados nos processos.
Assim vimos que instituído o princípio do poluidor pagador estabelece que ao poluidor
devem ser imputados os custos necessários à prevenção e ao ambiente em estado aceitável. Isso
significa que o custo de tais medidas deve, necessariamente, repercutir no custo dos bens e
serviços que dão origem à poluição. Trata-se, segundo Ketelhut, Rodrigues, Garrido et al (2004),
em realidade, de um princípio mais fundado em motivações éticas (justiça, eqüidade) que em
motivações de eficiência econômica. O juízo de valor subjacente é o direito de todos a um meio
ambiente limpo . Entretanto, nos termos do que a OCDE conceitua, por força do princípio
poluidor-pagador, os poluidores devem suportar os custos das medidas antipoluição, o que os
obrigaria, em princípio, a internalizar uma parte dos custos externos que foram impostos à
coletividade. Essa conceituação se coaduna, inclusive com o princípio nº 16 da Declaração do
Rio de Janeiro (ECO 92), que estabelece que: As autoridades nacionais devem esforçar-se para
promover a internalização dos custos de proteção do meio ambiente e o uso dos instrumentos
econômicos, levando-se em conta o conceito de que o poluidor deve, em princípio, assumir o
custo da poluição, tendo em vista o interesse público, sem desvirtuar o comércio e os
investimentos internacionais .
Já o principio do usuário pagador estabelece que os usuários de recursos naturais devem
estar sujeitos à aplicação de instrumentos econômicos para que o uso e o aproveitamento desses
recursos se processem em beneficio de toda a coletividade. Esse princípio fundamenta-se na
idéia de que os recursos ambientais garantem bens e serviços para a coletividade como um todo,
85
em conseqüência a, apropriação desse bem ou serviço por parte de um ou de vários entes
privados dá à coletividade o direito a uma compensação financeira. É importante salientar que
esse princípio estabelece a possibilidade de cobrança por todas as formas de uso e
aproveitamento, sem questionar se essa cobrança é necessária ou desejável. O princípio também
não estabelece diretrizes envolvendo modalidades de estrutura e de cálculo para a cobrança. Esse
principio, conforme pode-se constatar na lição de Brinckmann. (1999, p.56), reconhece o caráter
da água como um bem escasso, isto é, econômico, responsabilizando seu usuário pelo pagamento
de uma tarifa que funciona como mecanismo de racionalização e controle, possibilitando geração
de recursos financeiros que são investidos na conservação deste bem, a água.
O princípio do usuário-pagador não é outro senão uma espécie de compensação pela
poluição causada pelo usuário. Derani (1997, p.162) entende que:
O princípio do poluidor-pagador (Verursacherprinzip) visa à internalização dos
custos relativos externos de deterioração ambiental. Tal traria como
conseqüência um maior cuidado em relação ao potencial poluidor da produção,
na busca de uma satisfatória qualidade do meio ambiente. Pela aplicação deste
princípio, impõe-se ao
sujeito econômico
(produtor, consumidor,
transportador), que nesta relação pode causar um problema ambiental, arcar com
os custos da diminuição ou afastamento do dano.
Durante o processo produtivo, além do produto a ser comercializado, são
produzidas externalidades negativas . São chamadas externalidades porque,
embora resultem da produção, são recebidas pela coletividade, ao contrário do
lucro, que é percebido pelo produtor privado. Daí a expressão privatização de
lucros e socialização de perdas , quando identificadas as externalidades
negativas. Com a aplicação do princípio do puluidor-pagador, procura-se
corrigir este custo adicionado à sociedade, impondo-se sua internalização. Por
isso, este principio também é conhecido como o princípio da responsabilidade
(Verantwortungsprinzip).
Pelo princípio do poluidor-pagador, arca o causador da poluição com os custos
necessários à diminuição, eliminação ou neutralização deste dano. Ele pode,
desde que isso seja compatível com as condições da concorrência no mercado,
transferir estes custos para o preço do seu produto final.
86
O interesse econômico não pode ser favorecido em detrimento do equilíbrio do meio
ambiente.
Desse modo, segundo Vinha (2003, p.174), felizmente cada vez mais empresas
compreendem que o custo financeiro de reduzir o passivo ambiental e administrar conflitos
sociais pode ser mais alto do que o custo de fazer a coisa certa , isto é, de respeitar os direitos
humanos e o meio ambiente de todos os povos, pois influenciam a percepção da opinião pública
sobre a corporação, dificultando a implementação de novos projetos e a renovação de contratos.
Vale ressaltar que este princípio não visa inviabilizar a atividade econômica, mas punir o
poluidor que não possui consciência de que o bem ambiental é de uso comum do povo e finito.
Desse modo, espera-se que, num futuro próximo, através da adoção dessas medidas preventivas,
reparadoras e protetivas, as agressões aos recursos hídricos sejam amenizadas e a cultura
predatória seja substituída pela preservacionista.
2.2 A relação entre Desenvolvimento e Ecodesenvolvimento
Sendo a água um recurso natural escasso e vital, é incontestável a necessidade de planejar
o seu uso, sob a ótica do desenvolvimento sustentável, a fim de evitar as limitações ao
desenvolvimento econômico e social em razão da escassez, quantitativa e qualitativa, dos
recursos hídricos. Compatibilizar a oferta e a demanda de água, em face de sua disponibilidade
efetiva é, certamente, o caminho que conduz à desejada sustentabilidade dos recursos hídricos.
O conceito de sustentabilidade ligado à preservação do meio ambiente é uma idéia
recente, visto que, nos países desenvolvidos, o ambientalismo criou maiores proporções a partir
87
da década de 50. Isto se deve ao fato de que, a partir dessa época, ficaram evidentes os danos que
o crescimento econômico e a industrialização causavam ao meio ambiente, fazendo prever as
dificuldades de se manter o desenvolvimento de uma nação com o esgotamento de seus recursos
naturais.
Desse modo, as questões ambientais foram discutidas pela primeira vez em nível global
durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, realizada em Estocolmo em
197226; conforme, Machado (1999), até então o modelo de desenvolvimento vigente
caracterizava-se pela utilização não planejada dos recursos naturais. Durante essa Conferência foi
introduzido o conceito de desenvolvimento ecologicamente sustentável e socialmente justo,
ficando evidente a vulnerabilidade dos ecossistemas, assim como a necessidade de considerar
questões ambientais no planejamento das atividades econômicas, o que levou a uma mudança do
modelo de desenvolvimento.
O termo ecodesenvolvimento foi introduzido por Maurice Strong, secretário
geral da Conferencia de Estocolmo 72, e largamente difundido, a partir de
1974. Ele significa o desenvolvimento de um pais ou região, baseado em suas
próprias potencialidades, portento endógeno27, sem criar dependência externa,
tendo Por finalidade responder à problemática da harmonização dos objetivos
sociais econômicos do desenvolvimento com uma gestão ecologicamente
prudente dos recursos e do meio (SACHS, 1986, p.45).
26
Declaração de Estocolmo 1972: reza o principio do direito humano: Os seres humanos constituem o centro das
preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva em
harmonia com o meio ambiente (BARBIERI, 2003).
27
Endógeno: Em resumo, o desenvolvimento endógeno é uma interpretação que permite explicar os processos de
acumulação de capital e identificar os mecanismos que contribuem para o aumento da produtividade e
competitividade de cidades e regiões. É uma interpretação voltada para a ação, associada ao momento em que a
sociedade civil se mostra capaz de dar, mediante a política de desenvolvimento local, uma resposta aos desafios
produzidos pelo aumento da concorrência nos mercados. O desenvolvimento de formas alternativas de gestão
econômica, através das organizações intermediárias, e a criação de associações e de redes públicas e privadas
possibilitam que as cidades e regiões otimizem suas vantagens competitivas e sejam incentivadoras do
desenvolvimento econômico (BARQUEIRO, 2001,p.3).
88
Essa Conferência foi um ponto de partida para a consideração da limitação ecológica
imposta pela natureza ao processo econômico. Consoante a esse entendimento, o
ecodesenvolvimento pressupõe
uma solidariedade sincrônica com os povos atuais, na medida em que coloca o
enfoque da lógica da produção para a ótica das necessidades fundamentais da
população; e uma solidariedade diacrônica28, expressa na economia de recursos
naturais e na perspectiva ecológica para garantir possibilidade de qualidade de
vida às próximas gerações. (MONTIBELLER-FILHO, 2001, p.45).
Optar pelo ecodesenvolvimento quer dizer adotar uma orientação de conservar o capital
natural para as futuras gerações. Por outro lado, de acordo com Maurice Strong, secretário geral
da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, (apud SACHS,
1993, p. 7)
Perdemos a inocência. Hoje sabemos que nossa civilização e até mesmo a vida
em nosso planeta estarão condenadas, a menos que nos voltemos para o único
caminho viável, tanto para os ricos quanto para os pobres. Para isso, é preciso
que o Norte diminua seu consumo de recursos e o Sul escape da pobreza. O
desenvolvimento e o meio ambiente estão indissoluvelmente vinculados e
devem ser tratados mediante a mudança do conteúdo, das modalidades e das
utilizações do crescimento. Três critérios fundamentais devem ser obedecidos
simultaneamente: equidade social, prudência ecológica e eficiência econômica.
Mas, o que realmente importa, segundo o entendimento de Sachs (1993), é superar a visão
de desenvolvimento somente como sinônimo de crescimento econômico. Nesse sentido, destacase a importância de alguns eventos, embora reconhecendo a complexidade e a gravidade dos
desafios sociais e ambientais enfrentados pela comunidade, o Relatório de Founex, a Declaração
28
Diacrônica: 1. Relativo à diacronia, ou que dela resulta. 2. Que lida com a evolução temporal de determinado
fato. (FERREIRA, 1999, p. 675). 1. Relativo à diacronia. 2. relativo ao estudo ou à compreensão de um fato ou de
um conjunto de fatos em sua evolução no tempo. 3. LING relativo à abordagem do estudos lingüísticos que
focalizam a evolução histórica dos fatos de uma língua. (HOUAISS; VILLAR, 2004, p. 1029).
89
de Estocolmo e a Declaração de Cocoyot (resultante do Simpósio do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
PNUMA
e da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento, realizada
no México em 1974) continham uma mensagem de esperança com respeito ao planejamento e à
implementação de estratégias ambientalmente viáveis para promover um desenvolvimento sócioeconômico eqüitativo, ou para o ecodesenvolvimento , para usar um termo sintético, que
posteriormente os pesquisadores anglo-saxões denominariam desenvolvimento sustentável
29
.
Hoje vários países possuem legislação específica e quase todos possuem ministérios ou
agências para o planejamento e implantação de políticas ambientais. No entender de Derani
(1997, p.132)
O conteúdo da definição de desenvolvimento sustentável passa por uma relação
intertemporal, ao vincular a atividade presente aos resultados que dela podem
retirar as futuras gerações. As atividades que visam a uma vida melhor no
presente não podem ser custeadas pela escassez a ser vivida no futuro. Para
tanto, apresentam-se, como elementos a serem trabalhados, os seguintes fatores
de produção: natureza, capital, tecnologia; os quais deverão ter sua dinâmica
vinculada às aspirações presentes sem danificar possíveis interesses futuros.
Além disso, dando-lhes o devido suporte, são necessárias alterações
institucionais e nas respectivas políticas, visando uma espécie de planejamento,
dentro de uma visão redistributiva das riquezas e dos ônus da atividade humana.
Quando se usa a expressão desenvolvimento sustentável, tem-se em mente a
expansão de atividade econômica vinculada a uma sustentabelidade tanto
econômica quanto ecológica. Os criadores da expressão desenvolvimento
sustentável partem da constatação de que o recursos naturais são esgotáveis. Por
outro lado apóiam-se no postulado de que crescimento constante da economia é
necessário para expandir-se o bem estar pelo mundo.
29
O principio do desenvolvimento sustentável procura conciliar a proteção do meio ambiente com o
desenvolvimento socio-econômicos para a melhoria da qualidade de vida do homem. É a utilização racional do
recursos naturais não renováveis. Também conhecido como meio ambiente ecologicamente equilibrado ou
ecodesenvolvimento (SIRVINSKAS, 2005).
90
Na amplitude da temática sobre o desenvolvimento sustentável, destaca-se a necessidade
de haver uma aliança entre o crescimento da economia e a preservação ambiental, a partir de uma
mudança na sociedade em que os valores ecológicos sejam tão importante quanto os valores de
mercado.
Nesse sentido, Iglesias (2004, p. viii), presidente do Banco Interamericano de
Desenvolvimento
BID, diz que o desenvolvimento sustentável
adota uma perspectiva de longo prazo do processo de desenvolvimento
econômico e social que compreende a salvaguarda e o incremento do capital
ambiental e social e a redução da iniqüidade. Esse conceito ganhou relevância no
Relatório da Comissão Brundtland de 1987 e consolidou seu lugar como âncora
para as políticas de desenvolvimento durante a Cúpula da Terra de 1992 no Rio de
Janeiro.
Além disso, o mesmo relatório destaca a importância da participação política,
recomendando um equilíbrio entre os recursos e o crescimento demográfico. Porém, a história
mostra que essas políticas de desenvolvimento vigente estão marcadas por severas contradições,
diversas disparidades
Ao mesmo tempo, por exemplo, em que o conhecimento tecnológico disponível
multiplicou as capacidades de dominar a natureza, o ser humano está criando
desequilíbrios ecológicos de grande magnitude, colocando em perigo aspectos
básicos do ecossistema e sua própria sobrevivência. Enquanto as capacidades
produtivas levaram a produção mundial a mais de 25 quatrilhões de dólares, as
polarizações sociais cresceram acentuadamente e, segundo informes da
Organização das Nações Unidas (1998), 358 pessoas são possuidoras de uma
riqueza acumulada superior à de 45% da população mundial. As disparidades
alcançam os aspectos mais elementares da vida cotidiana. Os acelerados
progressos em medicina permitiram uma extensão considerável na expectativa
de vida, porém, enquanto nas 26 nações mais ricas esta alcançava, em 1997, os
78 anos de idade, nos 46 países mais pobres era, ao mesmo ano, de 53 anos.
(KLIKSBERG, 2001,p.106).
Verifica-se, portanto, que os reflexos do desenrolar das atividades econômicas são os
determinantes da forma de exploração dos recursos naturais. Entretanto, ao relacionar-se
91
ecodesenvolvimento30 com desenvolvimento, percebe-se que este, também, pode ser visto como
um processo de expansão de liberdades, conforme nos mostra Sen (2000, p.17):
O enfoque nas liberdades humanas contrasta com visões restritas de
desenvolvimento, como as que identificam desenvolvimento com crescimento
do Produto Nacional Bruto (PNB), aumento de rendas pessoais, industrialização,
avanço tecnológico ou modernização social. O crescimento do PNB ou das
rendas individuais obviamente pode ser muito importante como um meio de
expandir as liberdades desfrutadas pelos membros da sociedade. Mas as
liberdades dependem também de outros determinantes, como as disposições
sociais e econômicas (por exemplo, os serviços de educação e saúde) e os
direitos civis (por exemplo, a liberdade de participar de decisões e averiguações
públicas). De forma análoga, a industrialização, o progresso tecnológico ou a
modernização social podem contribuir substancialmente para expandir a
liberdade humana, mas ela depende também de outras influências.
A partir destas percepções do enfoque meramente técnico, e a necessidade de delimitar
fins e meios, debatem-se visões ampliadoras dos objetivos que deveriam ser perseguidos pelo
desenvolvimento. Junto ao crescimento econômico, surge a necessidade de alcançar-se a
democracia e preservar o equilíbrio do meio ambiente. O Consenso de Presidentes da América,
em Santiago (1998), refletiu esta ordem de preocupações, incluindo, em seu plano de ação,
pontos que excedem as abordagens convencionais, como, entre outros, a ênfase na promoção da
educação, a preservação e aprofundamento da democracia, a justiça e os direitos humanos, a luta
contra a pobreza e a discriminação, o fortalecimento dos mercados financeiros e a cooperação
regional em assuntos ambientais.
Segundo Capra (2002, p.157)
Com efeito, nesta virada de século, já está mais do que evidente que nossas
atividades econômicas estão prejudicando a biosfera e a vida humana de tal
modo que, em pouco tempo, os danos poderão tornar-se irreversíveis. Nessa
30
[...] Ecodesenvolvimento o qual distingue-se do desenvolvimento sustentável principalmente pelo seu caráter
de auto- sustentável (MONTIBELLER-FILHO, 2001, p. 48).
92
precária situação, é essencial que a humanidade reduza sistematicamente o
impacto das suas atividades sobre o meio ambiente natural.
Esta ação deverá estar baseada na transparência e participação das ações desenvolvidas
pelas instituições sociais; nesse sentido, Frantz (2003, p. 28) elucida que
É importante ressaltar que um dos desafios maiores, na atualidade, no processo
de desenvolvimento é o de submeter a economia à política, a política à ecologia,
a tecnologia à ética e às necessidades do homem e não apenas à racionalidade do
capital, do lucro. É preciso superar a ideologia da técnica no processo do
desenvolvimento, produzindo clareza sobre o uso da tecnologia adaptada,
sustentável ambientalmente, socialmente justa. Os objetivos sociais devem
predominar sobre os objetivos econômicos.
Em sentido mais amplo, a estratégia de desenvolvimento sustentável visa a promover a
harmonia entre os seres humanos e entre a humanidade e a natureza:
Desenvolvimento sustentável implica, então, no ideal de um desenvolvimento
harmônico da economia e ecologia que devem ser ajustados numa correlação de
valores onde o máximo econômico reflita igualmente um máximo ecológico. Na
tentativa de conciliar a limitação dos recursos naturais com o ilimitado
crescimento econômico, são condicionadas à consecução do desenvolvimento
sustentável mudanças no estado da técnica e na organização social (DERANI,
1997, p.132).
Atualmente, convergentemente à discussão sobre desenvolvimento sustentável, cresce a
preocupação com o equilíbrio das condições de vida no planeta Terra, segundo Rivero (2002,
p.186) estima-se que:
Até o ano de 2020, a população dos países pobres terá quase dobrado, atingindo
6,6 bilhões, e será majoritariamente urbana. A menos que haja uma queda
drástica e sem precedentes da taxa de natalidade, e um aumento também sem
precedentes na disponibilidade de alimentos, energia, água, empregos, grande
parte da população do mundo desenvolvido viverá em megalópoles caóticas com
93
milhões de pobres desempregados, subnutridos, cercados de poluição e
violência.
Outra necessidade critica, segundo Lovejoy (2002), é considerar o desenvolvimento
dentro de todo um sistema ambiental vasto, dado que os problemas ambientais freqüentemente se
instalam sem chamar a atenção, crescendo aos poucos, cada aumento parecendo coisa razoável a
seu tempo e em seu contexto. No entanto, o agregado é desastroso. Cinqüenta anos de decisões
sobre o uso da água provocaram caos no ecossistema do Sul da Flórida, exigindo um esforço
multibilionário para restaurar o esgotamento natural. A situação grave em que está o mundo
natural é problema dos mais difíceis e resistentes. É assunto para todas as nações e exige tanto
iniciativas nacionais quanto a colaboração internacional. O desafio também esta totalmente
ligado à condição em que as pessoas vivem, envolvendo a pobreza e a desigualdade.
A busca e a conquista de um ponto de equilíbrio entre o desenvolvimento social, o
crescimento econômico e a utilização dos recursos naturais exigem um adequado planejamento
territorial que tenha em conta os limites da sustentabilidade. Entretanto, para que esse ponto e
equilíbrio seja efetivo, tem-se a necessidade de conciliar o binômio economia e ecologia,
consoante a este entendimento Sirvinskas (2005, p.44) esclarece que:
Posto isso como se deve interpretar a expressão meio ambiente ecologicamente
equilibrado, desenvolvimento sustentável ou ecodesenvolvimento? Essas
expressões devem ser interpretadas conciliando o binômio econômico (art. 170,
VI, da CF) versus meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, caput, da
CF)
94
Por mais complexa que seja essa conciliação31, ela será possível com a aplicação de
políticas inteligentes
políticas associadas à manutenção dos ecossistemas, com interação ativa
entre o Estado governo e população e, nesse caso, o instrumento da cobrança pelo uso da água
pode ser indutor de mudança redirecionando os sistemas produtivos e sociais ao consumo
sustentável. Buscando-se a disseminação de uma cultura mais racional, já esta se tornando
comum o surgimento de expressões como ecoturismo32, ecopedagogia33, ecoeficiência34, entre
outras. Essa nova dialética não apenas se opõe ao modo de exploração vigente, mas busca uma
aproximação do cidadão para com os problemas ambientais.
Essas concepções criam uma relação das práticas sociais com o meio ambiente, que se dá
principalmente por meio da paisagem, transformada em produto a ser consumido. Nesse sentido
nos mostra Ferrer (2002,p.78)
no existe aparato coactivo que defienda los elementos ambientales comunes, ni
autoridad que lo imponga, ni, añado , lo que es peor, existe todavía la asentada y
31
Assim conciliar meio ambiente e desenvolvimento significa considerar os problemas ambientais dentro de um
processo contínuo de planejamento, atendendo-se adequadamente às exigências de ambos e observando-se as suas
inter-relações particulares a cada contexto sócio-cultural, político, econômico e ecológico, dentro de uma dimensão
tempo/espaço. Em outras palavras, isso implica dizer que a política ambiental não se deve erigir em obstáculo ao
desenvolvimento , mas sim em um de seus instrumentos, ao propiciar a gestão racional dos recursos naturais, os
quais constituem a base material. (MILARÉ, 2004, p.36)
32
Ecoturismo ou turismo ecológico: ... é a modalidade de turismo cujas bases estão fincadas nas propostas de
desenvolvimento sustentável: comprometimento com as gerações futuras, justiça social e eficiência econômica;
considerando o ambiente nas suas múltiplas conexões-naturais, econômicos, sociais e culturais (FARIA e
CARNEIRO, 2001, p. 70).
32
Ecopedagogia: é a valorização da diversidade cultural, a garantia para a manifestação das minorias étnicas,
religiosas, políticas e sexuais, a democratização da informação e a redução do tempo de trabalho para que todas as
pessoas possam participar dos bens culturais da humanidade. A ecopedagogia, portanto, é uma pedagogia da
educação multicultural.(REVISTA EDUCAÇÃO, 1999,p.42).
34
Ecoeficiência: o propósito é incentivar mecanismos de certificação e procedimentos voluntários de
monitoramento. As empresas precisam ser conscientizadas de sua responsabilidade quando lançam no mercado
produtos que podem comprometer o ambiente. A tecnologia disponível é suficiente para a adoção de alternativa mais
saudável, em termos de preservação, mais econômica, o que interessa ao capital e eticamente irrepreensíveis, o que
interessa ao marketing ( NALINI, 2003, p. 152).
95
generalizada conciencia de que atacarlos constituya un crimen contra la
Humanidad. Corregir la demanda, que es el único factor que puede modificar el
modelo de desarrollo. Todos sabemos lo que es el desarrollo sostenible, pero
nadie sabe, o mejor, quiere saber, cual es el camino para alcanzarlo. Luce muy
bien en el discurso político y se aplican algunos parches de insignificantes
transcendencia, pero nadie plantea seriamente los sacrificios y renuncias que
exigiría a nuestra oputas sociedades y a sus orgulhosos consumidores/eletores.
En tto en cuanto el progreso tecnológico nos permita mantener, e incluso
incrementar, nuestros niveles de consumo al reducir los impactos ambientales
por unidad producida, cabalmente se precisa es reducir, o simplesmente
acomodar o reorientar, nuestro consumo, el sistema falla estrepitosamente y el
desarrollo sostenible se retira discretamente por el foro .
Atento a esses fatos, o legislador constituinte de 1988 verificou que o crescimento das
atividades econômicas merecia um novo tratamento. Não mais se poderia permitir que elas se
desenvolvessem alheias aos fatos contemporâneos. A preservação do meio ambiente, então ,
passou a ser a palavra de ordem, porquanto a sua contínua degradação implicaria na diminuição
da capacidade econômica do país e não seria possível à nossa geração e, principalmente, às
futuras desfrutar de uma vida com qualidade.
Diante do exposto, percebe-se que a liberdade de agir e dispor tratado no texto
constitucional passou a ser compreendida de forma mais restrita, o que significa dizer que não
existe de fato uma livre iniciativa voltada à disposição de um meio ambiente ecologicamente
equilibrado. E este deve ser o objetivo, à que se busca na verdade, a coexistência de ambos sem
que a ordem econômica inviabilize um meio ambiente ecologicamente equilibrado e sem que este
obste o desenvolvimento econômico.
2.3 Possíveis impactos da cobrança pelo uso da água e o ecodesenvolvimento
96
O uso excessivo e indiscriminado da água pode acarretar a diminuição do volume, ou
esgotamento, dos aqüíferos subterrâneos, e mesmo dos estoques de água existentes na superfície,
em lagos ou rios.
Conforme Souza Filho e Gouveia (2001), o gerenciamento de recursos
hídricos, para múltiplos propósitos, usos e objetivos, freqüentemente envolve diversos interesses
que acarretam disputas.
O gerenciamento dos conflitos está associada às incertezas no
suprimento (demanda) nas modificações decorrentes de restrições institucionais e legais, e, ainda,
a uma série de outros fatores inerentes ao ambiente gerencial, sendo indispensável uma
negociação racional. Nesse caso, a cobrança pelo uso da água será um instrumento poderoso de
ligação entre os instrumentos econômicos e os padrões ambientais. O problema é que, com a
cobrança pelo uso da água estabelecida de forma não criteriosa, muitos setores usuários,
especialmente a irrigação e a industria serão impactados35 negativamente, conforme Damásio,
Fernandez, e outros (2004, p. 497):
Na indústria, a cobrança plana pelo uso da água poderá aguçar os problemas já
enfrentados por alguns segmentos, reduzir a geração de empregos na indústria e
pressionar a inflação do país. Na irrigação, essa cobrança pode causar efeitos
ainda mais graves, até mesmo inviabilizando o plantio na melhor técnica. Por
exemplo, ao tratar usuários diferentes de forma igual, a cobrança plana poderá
criar distorções graves na economia, com sérias repercussões na cadeia
produtiva do País.[...] O impacto estimado sobre os usuários domésticos foi bem
mais significativo, representando um acréscimo médio de 18% na conta de água
de uma família que consumisse 20m³ de água por mês, enquanto que a cobrança
pelo esgoto significaria um acréscimo médio em torno de 9% para municípios
com estação de tratamento elevatória (ETE) e 40% para aqueles sem ETE.
Dependendo dos critérios de cobrança estabelecidos, as indústria poderão ser
pesadamente oneradas e afetadas em sua competitividade, principalmente aquelas de uso
intensivo de água, como é o caso da siderurgia brasileira. No entender de Yuan (2003), essas
35
Impactos: Mudanças introduzidas pelo homem no ambiente natural (NALINI, 2003,p. 308).
97
empresas consomem de 50 a 300m³ de água por tonelada de aço produzido, dependendo da rota
tecnológica, do porte e da gama de produtos fabricados. O volume de água que circula em uma
usina de grande porte eqüivale ao consumo de água de uma cidade de cerca de 4 milhões de
habitantes. Em função do significativo volume de água em circulação nas unidades de produção,
as empresas siderúrgicas vêm, desde a década de 80, empreendendo esforços para fechar circuitos
de água
de processo, com taxa média de circulação em torno de 90%, o que diminui
consideravelmente a captação de água e o lançamento de efluentes industriais nos corpos d água.
Por outro lado, a instituição da cobrança pelo uso dos recursos hídricos, sem dúvida,
induzirá à maior otimização dos ciclos internos de produção, fazendo com que as empresas
busquem ainda mais maximizar a reciclagem das águas usadas no processo.
Entretanto, segundo Faria (2005), no futuro, os usuários da água para fins domésticos e
industriais vão competir cada vez mais com a agricultura irrigada, porque para produzir uma
tonelada de grãos são necessárias mil toneladas de água, e a para uma tonelada de arroz, duas mil
toneladas de água. Além disso, sistemas de irrigação mal planejados ou mal operados podem
provocar a salinização e degradação dos solos, somente com a melhoria da eficiência dos
sistemas de irrigação é, portanto um requisito prioritário para atingir o desenvolvimento
sustentável.
Não obstante, cabe registrar interessante estudo de sobre o impacto da cobrança pelos
usos da água para os usuários de água potável, feita por Damásio, Fernandez, e et al, (2004) na
bacia hidrográfica do Pirapama no Estado de Pernambuco, sendo que foi avaliado separando-se
os consumidores em dois grupos: os de baixa renda e os de renda média-alta. Estimou-se que a
98
cobrança pelo uso da água bruta aumentará a conta de água do usuário de baixa renda em R$
0,19, o que significa um acréscimo da ordem de 4,1% no seu gasto mensal com água. Por outro
lado, o consumidor de classe de renda média-alta terá um aumento médio de R$ 0,59, o que
representa um acréscimo de 1,9% no valor da conta mensal de água. O valor pago pelo uso da
água para diluição de esgotamento sanitário, que foi de R$ 0,25, contribuirá para aumentar o
gasto do consumidor em 5,4%, no grupo de renda baixa, e 2,5% no grupo de renda mais alta. No
caso dos consumidores de baixa renda, a implementação da cobrança com base nos preços
significaria um aumento de 9,6% nos seus gastos; já para os de renda média-alta, a
implementação desses preços representaria um acréscimo de 4,3% no dispêndio com água e
esgoto dos mesmos. Isso significa que o impacto dessa cobrança sobre os consumidor mais
pobre é mais de duas vezes superior ao impacto sobre o orçamento daquele da classe de renda
média-alta.
Também segundo os autores supra citados, outro setor que será significativamente
impactado, será o agrícola, face à implementação da cobrança pelo uso da água na irrigação; com
base na política de preços ótimos, significará cobrar a quantia de R$ 9,54 por 1.000m³ de água
captada. Isso representará uma redução na margem de lucro dos irrigantes (em relação à
agricultura de sequeiro) da ordem de 70%. Essa redução é bastante significativa e só poderá ser
absorvida com a extinção das culturas menos rentáveis e a introdução de outras mais rentáveis.
No caso da cobrança pelo uso da água para geração de energia elétrica, resultou num acréscimo
no custo de produção de R$ 9,68 por MWh de energia elétrica produzida, representando um
acréscimo de 28% no custo de produção das usinas hidrelétricas. E, para o abastecimento
industrial, implicou um aumento de quase 24% do custo de captação; já na diluição de carga
99
orgânica produzida pelas usinas sucro-alcooleiras através da prática da fertirrigação, acarretou
um acréscimo de 0,7% do custo de produção de álcool.
Diante do exposto, pode-se constatar que esses setores repassarão para a sociedade esse
ônus, agregando mais valor aos serviços e produtos, decorrente de alterações nos custos de
utilização e produção. Mas, por outro lado, o impacto da cobrança tem motivado as empresas
para a pesquisa e o desenvolvimento de técnicas de redução do uso da água. Entretanto, como
esse sistema de cobrança ainda é incipiente, surgem incertezas quanto aos riscos e medidas que
deverão ser tomadas, conforme poder-se-á observar na tabela abaixo:
Tabela 05: Incertezas e riscos no processo da cobrança
Fases
Incertezas
Riscos
Medidas
Enquadramento dos corpos de
água
Avaliação da disponibilidade
local
Identificação do grau de
regulariz. De obras hidráulicas
Determinação
da
vazão
captada
Det. do regime de variação
Adequação do
enquadramento
Quant. e qualidade
disponíveis
Vazão regularizada
Enquadramento incorreto
Valor da vazão captada
Vazão subestimada/ Déficit
de receita
Erro no valor do coeficiente
Melhoria do processo de
enquadramento
Aperf. do método de
avaliação/ quant. do erro
Quantificação do risco de
falha no suprimento
Quantificação do déficit
provável
Quantificação do déficit
provável
Quantificação do déficit
provável
Quantif. do risco de
poluição e de perda
financeira
Quantificação do déficit
provável
Quantif. do risco de
poluição e de perda
financeira
Melhora dos métodos de
análise/ quantificação dos
erros e de perdas
financeiras
Quanti. dos riscos ou subst.
de métodos
Qualificação dos riscos
Melhoria do sistema
Quantificar o risco
financeiro
Quantificar o risco
financeiro
Coeficiente de variação
Erros na avaliação
quantitativa e qualitativa
Falta de água
Estimativa do consumo efetivo Água consumida
Consumo subestimado
Identificação da finalidade
Uso inadequado
Uso da água
Determinação da carga
Quantif. e qualificação
poluente lançada
das cargas poluidoras
Identificação da natureza da Fontes poluidoras e forma
atividade poluidora
de poluição
Quantificação subestimada e
qualificação inadequada
Subestimação da capacidade
poluidora
Escolha da metodologia de Adequação à realidade
cálculo
local
Impraticabilidade da
metodologia
Cálculo do valor a cobrar
Estimativa de receita
Perdas financeiras
Negociação do valor a cobrar
Registro do débito
Execução da cobrança
Êxito da negociação
Inaceitabilidade ou impasses
Contabilidade
Falha contábil
Capacidade de pagamento Falta de pagamento
Recebimento do valor cobrado Eficácia do sistema
Falta de controle
100
Fonte: VIEIRA (2001,p.137)
As incertezas geram ou implicam em riscos, entendendo-se por riscos a probabilidade ou
possibilidade da ocorrência de valores, eventos ou fenômenos indesejáveis ou adversos. O
gerenciamento do risco pode tornar mais eficiente o uso dos recursos hídricos disponíveis,
incorporando-se aos processos decisórios mecanismos de otimização de comportamento perante
os riscos. Os riscos podem ser classificados, segundo Vieira (2001, p.133), em físicos ou
estruturais, econômicos, sociais, ambientais e administrativos, que, por sua vez, podem se
desdobrar em componentes e sub-componentes, em sucessivos níveis de detalhamento .
Desse modo, avaliados os riscos pode-se construir um modelo indicador de medidas ou
ações a serem tomadas em função dos tipos de riscos considerados, para cada tipo de atividade
que se deseje gerenciar.
Por outro lado, Buarque (2002, p.105), afirma que ao discutir e
introduzir reformulações nas medidas se poderá minimizar os efeitos negativos e otimizar os
positivos, de modo a alcançar o melhor desempenho geral das ações combinadas e, portanto, a
promoção do desenvolvimento sustentável. Ou seja, na medida em que se evidenciem impactos
negativos de alguma ação, deve-se procurar alternativas que permitam alterar o conteúdo e a
orientação básica de tal ação, para reduzir seus efeitos negativos.
Os conflitos de interesse com relação ao uso da água, representados pelo setor
hidrelétrico, pelos complexos industriais, pelas necessidades de abastecimento urbano, irrigação e
adensamento urbano industrial, por seu turno, evidenciam a necessidade de articulação
interinstitucional para a adoção de uma política de gestão integrada de recursos hídricos. Porque,
101
de fato, a verdadeira escolha não é entre desenvolvimento e meio ambiente, mas entre formas de
desenvolvimentos sensíveis ou insensíveis à questão ambiental (SACHS, 1993,p.17).
Nesse sentido, a cobrança pelo uso da água vem sendo adotada como um ponto positivo,
pois conforme Carvalho (2003, p.267):
Trata-se de medida importante para valorar economicamente um recurso natural
estratégico, servindo também, como instrumento à disposição do Poder
Executivo para promover justiça fiscal, à medida que legitima obtenção de
lucros da exploração de determinados recursos da natureza, constitucionalmente
considerados como bens coletivos de uso comum do povo, não podendo
significar a socialização dos prejuízos ambientais decorrentes do sobre uso dos
bens naturais e da poluição provocada pela exploração e transformação desses
recursos.
Do ponto de vista social, a cobrança desempenha, também, papel de agente de
distribuição de renda, quando o recurso ambiental adquirido gera fundo de investimento a ser
empregado em projetos de interesse social, conforme se pode observar na figura abaixo, que trata
da hierarquia dos objetivos estipulada pela Política Nacional de Recursos Hídricos.
Figura 02: Hierarquia dos objetivos da cobrança pelo uso da água disponível no ambiente.
102
Fonte: JARDIM (2003, p.101) com base na Lei Federal 9.433/97
Conforme observa-se na figura acima, o objetivo mais importante deste instrumento é
garantir a seus usuários um uso eficiente dos recursos hídricos, evitando possíveis distorções na
economia, entre custos sociais e privados, maximizando a eficiência econômica e distributiva
entre
os setores, tentando combater distorções que, segundo Santos (1999, p.161), a sua
alocação, ineficiente sem dúvida, vai se tornar cada vez mais um entrave a desenvolvimento
econômico .
Exemplo dessa alocação ineficiente, segundo Tundisi (2003, p.159)
O problema dos custos de tratamento para produção de águas de abastecimento
está relacionado com a qualidade da água, e não somente com a sua quantidade.
Se os mananciais estiverem em excelente estado de conservação e a qualidade da
água for muito boa, apenas poucas intervenções serão necessárias para produzir
o suprimento de água adequado. Neste caso, os custos do tratamento são muito
mais baixos. Em muitos municípios brasileiros, com mananciais bem
conservados e florestas ripárias mantidas com pouco ou nenhum grau de
contaminação agrícola, o custo do tratamento da água é de R$ 0,50 a R$
0,80/1.000m³ em águas com mananciais deteriorados, contaminação química ou
degradação pela composição de biomassa, aumento da toxidade por
florescimentos de cianofíceas e liberação de toxinas, os custos do tratamento
podem atingir de R$ 35,00 a R$ 40,00/1000m³.
103
Portanto, os custos do tratamento estão diretamente relacionados à qualidade da água dos
mananciais e das fontes de abastecimento. Para se tentar resolver este problema, Cánepa (2000)
diz que a adoção crescente de instrumentos econômicos, no sentido de induzir os agentes
econômicos ao abatimento da descarga de efluentes e ao uso mais moderado dos recursos
naturais, resulta diretamente num marco analítico custo-efetividade, que se integra perfeitamente
ao uso dos padrões de qualidade dos corpos receptores. De fato, estabelecidos os padrões de
qualidade para um trecho de rio, por exemplo, é possível induzir os agentes (consumidores,
indústria, agricultores, etc.) a moderar o uso dos recursos
tanto no lado da retirada de água
como no lado do despejo de efluentes, e assim respeitar o padrão de qualidade ou encaminhar-se
para sua consecução, mediante o uso de um dos dois principais instrumentos econômicos à
disposição: a cobrança de um preço (uma renda de escassez) pelo uso do recurso, ou o
estabelecimento de permissões negociáveis de utilização. Tanto um como outro instrumento
permitem atingir um total de utilizações que não ultrapasse a capacidade de suporte ou
assimilação do trecho de rio em questão.
O meio ambiente não pode aparecer neste processo como apêndice, mas como estratégia
de negócios, na qual os principais instrumentos da política econômica devem estimular a
sustentabilidade, premiar o uso sustentável dos recursos naturais e promover o bem-estar das
pessoas. Segundo Carvalho (2003) do mesmo modo, devem desestimular as práticas poluidoras e
punir o uso predatório da natureza e a espoliação do trabalho. A utilização dos instrumentos
econômicos, ao lado dos mecanismos de comando e controle do Estado, precisa ser
contextualizada para que tenham a força de uma política de dimensão nacional, essencial para
redefinir o papel do Estado e influenciar a atuação do Poder Executivo. Este novo ciclo de gestão
do meio ambiente exige uma abordagem integrada da política ambiental, pois há, na natureza,
104
uma relação de total interdependência entre os recursos naturais. Florestas, águas, fauna e
biodiversidade não existem separadamente, mas num processo de completa coexistência. Basta
esta realidade para entender que a gestão ambiental, aplicada aos recursos naturais renováveis,
precisa aproveitar a arquitetura da própria natureza para orientar os projetos de engenharia
institucional direcionados à formulação e implantação das políticas de conservação e uso
sustentável desses recursos. Por isso, é fundamental estar atento aos mecanismos de integração e
articulação dessas políticas, para assegurar a necessária unidade nacional e a visão de conjunto
das políticas de gestão do patrimônio natural do país.
De acordo com Zaoual (2003), o problema do desenvolvimento não pode ser definido fora
do paradigma que estrutura em profundidade a civilização do capitalismo. É um sistema que
combina o mercado, a ciência, a tecnologia e procede, de um lado, por meio de concorrência e de
acumulação de riquezas e, de outro, por intermédio de empobrecimento antropológico e material.
O sistema em questão é programado para estender ao infinito sua hegemonia e sua exploração da
diversidade humana e dos recursos naturais, codificando tudo o que possa aumentar seus lucros e
destrói tudo o que não responde à sua nomenclatura de domínio e acumulação. Nessa seleção, a
diversidade do mundo humano e ecológico corre riscos mais irreversíveis. O lucro é o projeto e o
motor e os homens, as sociedades, os vegetais, os animais, todo o mundo está submetido a essa
seleção. O sistema desenvolve todo o tipo de saber para desvendar os segredos da natureza,
norteado por um único valor: o de agregar um valor mercantil, incorporando um lucro máximo. A
cultura do capitalismo percebe e concebe a natureza como simples reservatório de energia,
explorável à vontade. Disso resulta a depredação do planeta. Toda a sutileza da própria idéia de
uma ciência econômica consiste em criar crenças científicas e sociais que a legitime e a realize
nos fatos.
105
Assim, os impactos positivos e negativos devem ser verificados quanto à sua real
ocorrência e dimensão, na tentativa de se estabelecerem efeitos comparativos entre realidades
diferentes, de modo a propiciar a avaliação correta das possíveis alternativas, na busca do
ecodesenvolvimento:
El Derecho Ambiental unicamente adquirirá su madurez plena y podremos
hablar de él con absoluta consistenci cuando sea el fruto de un nuevo contrato
social, en el que esta vez se materealice un acuerdo voluntario de los Estados
que defina, tanto su relación mutua, como el establecimiento de una autoridad
común. La cabal protección del medio ambiente obliga la búsqueda de
mecanismos institucionales que assegurem le eficaz materializacíón del
solidariedad, en el que se inspira los nuevos derechos sociales, aunque con
distinto alcance (FERRER,2002, p.88).
A cobrança se caracteriza, nesse instrumento ou mecanismo institucional, que materializa
a solidariedade, quando se transforma em um elemento capaz de propiciar a racionalidade no uso,
ou quando dissuade os usuários de poluir estimulando a adoção de técnicas limpas. Nesse
contexto, elucida Almeida (2003), não há possibilidade de desenvolvimento sustentável sem
mudanças dos padrões de consumo e de produção. O consumo sustentável não tem a ver
necessariamente com consumir menos, e, sim, consumir de forma eficiente
Dessa forma, qualquer nível de cobrança tende a induzir melhorais na qualidade da água,
seja por mudanças de comportamento por parte dos usuários na busca de redução de custos, seja
porque gera ativos financeiros que podem ser aplicados no controle, proteção e tratamento do
recurso.
Portanto, no contexto da gestão de bacias hidrográficas, entende-se que o bem maior
não é a água, mas a garantia do seu abastecimento; e o objetivo principal da cobrança não é
106
apenas o de auferir lucros, mas o de aumentar a disponibilidade de recursos hídricos através da
preservação ambiental.
2.4 Direito à água, exclusão social e saneamento básico
A cobrança pelo uso da água está vinculada diretamente à outorga de direitos de uso de
recursos hídricos, sendo descartada a possibilidade de cobrança quando esses recursos hídricos
forem para a satisfação das necessidades de pequenos núcleos populacionais, distribuídos no
meio rural; quando as derivações, captações e lançamentos forem considerados insignificantes;
assim como quando forem as acumulações de volumes de água.
Nesse tópico, tomar-se-á por base a lição de Machado (2002), ao nos mostrar que a lei
brasileira entrelaçou a cobrança das águas à outorga (artigo 20, caput, da Lei nº 9.433/1007). O
uso da água em pequena quantidade é gratuito e estando em consonância com a Agenda 21, que
afirma: Ao desenvolver e usar os recursos hídricos deve-se dar prioridade à satisfação das
necessidades básicas e à proteção dos ecossistemas. No entanto, uma vez satisfeitas estas
necessidades, os usuários da água devem pagar tarifas adequadas (18.8). O uso gratuito é para
a água de beber e para o uso na alimentação e na higiene pessoais. Antes de cogitar-se sobre se o
usuário é carente ou de baixa renda, deve-se ver nesse fornecimento de água uma atividade
social obrigatória, através do Poder Público. Quando se fala em água, aparece o conceito de bem
comum. E a água
integrando o meio ambiente
é "bem de uso comum do povo (artigo 225,
caput, da CF). Inconstitucional e ilegal é portanto, o corte de água feito por qualquer órgão
público ou por concessionárias do serviço público de abastecimento de água com relação àqueles
que não puderem pagar o quantum mínimo desse recurso necessário para a sobrevivência. Além
107
da Ação Civil Pública, o Mandado de Segurança e a Ação Popular são instrumentos eficazes para
corrigir esse acintoso desvio de poder. Porém, como até o momento não houve definição
regulamentar sobre uso insignificante , temos de nos valer de conceitos internacionais. Para
tantos, as necessidades básicas de cada ser humano residente na zona urbana são estimadas em 40
litros por dia segundo a Agenda 21 (18.58-a).
Esse uso insignificante pode variar de país para país. Para mostrar essa disparidade
média de consumo entre os países do Primeiro Mundo e os países pobres, Antunes (2004, p.796)
diz que em média, a quantidade de água consumida por um cidadão europeu é setenta vezes
maior do que a de um habitante de Gana. Um norte-americano consome 300 vezes mais água que
um ganense . Já o brasileiro, segundo dados do IBGE (2002), "recebe em média 260 litros de
água por dia., e em 2002 foram distribuídos diariamente, no conjunto do país, 0,26m³ (ou 260
litros) de água per capita, média que variou bastante entre as regiões. Na região Sudeste, o
volume distribuído alcançou 0,36m³ per capita, enquanto no Nordeste ele não chegou à metade,
apresentando uma média de apenas 0,17m³".
O acesso à água para todos promove novas formas de integração social e de cidadania,
especialmente levando-se em conta a saúde humana, a qualidade e a expectativa de vida. É fato
reconhecido e demonstrado, por exemplo, a enorme redução de mortalidade infantil
proporcionada pelo acesso à água tratada e de qualidade. Tundisi (2003) nos diz que, em grandes
centros urbanos, especialmente de países em desenvolvimento ou emergentes, a população da
área central recebe a água que o setor público distribui às residências, escolas, indústrias, clubes
ou associações e comércio. Já a população situada em áreas periurbanas não tem acesso à água
encanada e, portanto, depende da água distribuída por companhias privadas, em carros-pipas,
108
tendo de pagar mais caro por uma água de pior qualidade. A população da zona central das
cidades, em muitos países, gasta 1% do salário com a água, enquanto o restante da população
gasta cerca de 15%. Igualmente exclusiva é a distribuição de águas à população rural, que, além
de não ter acesso à água adequada, depende do uso de cacimbas ou poços sem águas tratadas e de
baixa qualidade ou, em muitos casos, contaminados por resíduos de fossas, pocilgas ou estábulos
com grande concentração de coliformes fecais. Portanto, todos os projetos e iniciativas que
promovem a chegada de água de qualidade às zonas periurbanas e rurais, especialmente para
populações de baixa renda, representam políticas públicas de inclusão social e de equidade entre
os cidadãos.
Investimentos em saneamento, igualmente, também representam formas de inclusão
social, principalmente no que tange ao tratamento de esgotos, dado que diminuem a incidência de
doenças e as internações hospitalares, ao mesmo tempo em que evitam o comprometimento dos
recursos hídricos. Além disso, vale ressaltar que o acesso a um suprimento adequado de água
limpa é um direito básico do ser humano:
Todas as pessoas têm direito à água limpa e sistemas públicos de fornecimento
de saneamento básico independentemente de onde vivam. Este direito é melhor
protegido mantendo-se os serviços de água e esgoto no setor público, regulando
a proteção dos suprimentos de água e promovendo o uso eficiente da água. Este
é o único modo de preservar suprimentos de água limpa para as pessoas que
vivem em regiões com escassez de água. Também é vital lembrarmos que os
povos indígenas têm direitos especiais de herança aos seus territórios
tradicionais, inclusive à água. Esses direitos se originam no uso e posse da terra
e na água de seus territórios e em seus sistemas legais e sociais antigos. O direito
inalienável da autodeterminação dos povos indígenas deve ser reconhecido e
deve ser classificado por todos os governos, e a soberania da água é fundamental
à proteção desses direitos (BARLOW E CLARK, 2001,p.269).
109
O grande problema é o descaso e ausência de investimentos no setor de saneamento em
nosso país, em geral em áreas urbanas com alta concentração populacional, são os esgotos
sanitários, os principais responsáveis pelo comprometimento da qualidade ambiental dos corpos
d água. Essas áreas requerem a implantação de soluções sistêmicas que permitam a coleta,
transporte e tratamento e destinação de forma adequada e viável técnica e economicamente, pois,
conforme preceitua Gomes (2003, p.16), hoje, a situação é dramática: pelo menos 1,7 bilhão de
seres humanos estão alijados dos serviços de abastecimento de água. A ausência de saneamento
básico e a falta de água matam mais de 30 mil pessoas por dia no mundo .
Ressalta-se que, apesar do conceito de saneamento compreender os sistemas de
abastecimento de água e esgotamento sanitário, a coleta e disposição de resíduos sólidos, a
drenagem urbana e o controle de vetores, considerou-se, neste trabalho, apenas os sistemas de
água e esgoto. No entanto, essa opção metodológica não descarta a importância das demais ações
de saneamento.
Apesar de os valores sociais serem parte dos direitos fundamentais, são os valores
econômicos, com base nos preços de mercado, que ditam as prioridades nas atividades humanas;
desse modo, segundo o Ministério do Meio Ambiente (2000, p.57),
merece registro o fato de que, a despeito de a população urbana ter aumentado
137% em 26 anos, passando de 52 milhões de pessoas em 1970 para 123
milhões em 1996, foi possível elevar, nesse período, o nível de abastecimento de
água dos domicílios ligados à rede geral, de 60% para 91%. No entanto, persiste
um quadro social desfavorável, já que mais de 11 milhões de pessoas que
residem em cidades ainda não têm acesso à água por meio de rede canalizada.
Atualmente, o principal déficit do setor de saneamento encontra-se no
esgotamento sanitário, mais especificamente no que tange ao tratamento de
esgotos sanitários. Segundo dados do PNAD/96, 48,9% do esgoto produzido no
110
Brasil é coletado em rede pública, sendo que apenas 32% desse esgoto é tratado.
Isso representa menos de 16% do esgoto produzido.
Combinado com políticas de saúde e habitação, o saneamento ambiental diminui a
incidência de doenças e internações hospitalares. Por evitar comprometer os recursos hídricos, o
saneamento ambiental garante o abastecimento de água com qualidade. Quanto aos valores das
tarifas de água, variam conforme os estados, devido aos custos com a própria estrutura, ou a
impostos36 embutidos nos preços das tarifas.
Tabela 06: Tarifas de água (categoria residencial) cobradas por algumas companhias do Brasil em
junho de 2000
COMPANHIA
ÁGUA
( 10m³)
CORSAN
Rio Grande do Sul
21,34
CASAN
Santa Catarina
9,90
SANEPAR
Paraná
9,26
CESAN
Espírito Santo
9,10
SANESUL
Mato Grosso do Sul
9,00
CASAL
Alagoas
8,00
SANEAGO
Goiás
8,00
COSAMPA
Pará
8,00
DMAE
Rio Grande do Sul
7,61
COMPESA
Pernambuco
7,50
CAGEPA
Paraíba
7,32
COPASA
Minas Gerais
7,20
CAERD
Rondônia
7,20
SABESP
São Paulo
6,62
DESO
Sergipe
6,33
COSAMA
Amazonas
6,24
SANEMAT
Mato Grosso
6,00
SANEATINS
Tocantins
6,00
CAERN
Rio Grande do Norte
5,94
CEDAE
Rio de Janeiro
5,26
EMBASA
Bahia
5,00
CAESB
Brasília
5,00
CAEMA
Maranhão
4,30
CAGECE
Ceará
3,70
________________________________________________________________________________
36
ESTADO
Por exemplo, em operações externas de crédito para investimentos em saneamento, estima-se que os custos de
impostos incidentes sobre execução de obras alcancem valores médios de 15%. Nesta hipótese, no mesmo ano de
2000, poderiam ter sido gerados impostos da ordem de R$ 364 milhões (ABICALIL, 2002)
111
Fonte: DMAE apud NETO (2000, p.68)
Nota-se que a tarifa do consumo de água de 10m³ mais alta é a da Corsan
cobra R$ 21,34, seguida da Casan
(SC), (R$ 9,90) e da Sanepar
(RS), que
(PR) (R$ 9,20). Por outro
lado, a tarifa de consumo de água mais baixa cobrada no Brasil é a da CAGECE
(CE) ( R$
3,70), provavelmente com subsídio do governo. A tarifa do DMAE de Porto Alegre se situa na
média das de outros estados, com R$ 7,01 (NETO, 2000, p.69).
No entanto, não é só o preço que varia. Entre 1989 e 2000, a proporção de água
distribuída com tratamento variou, também, de acordo com o tamanho da população dos
municípios. Ou seja, naqueles com mais de 100.000 habitantes, a água distribuída foi quase
totalmente tratada. Já nos municípios com menos de 20.000 habitantes, 32,1% do volume médio
distribuído não recebeu qualquer tipo de tratamento
(IBGE, 2002).
A abrangência do
abastecimento de água também varia de acordo com o tamanho populacional do município:
quanto mais populosos forem, maiores as proporções de domicílios abastecidos. Fato este que se
repete no sistema de rede de esgoto: quanto maior a população do município, maior a proporção
de domicílios com serviços de esgoto. Nos municípios com mais de 300.000 habitantes tem
quase três vezes mais domicílios ligados à rede geral de esgoto37 do que os domicílios com
população até 20 000 habitantes (IBGE, 2002). Diante dessas considerações, deve-se levar em
conta também a grande disparidade de abastecimento de água e coleta de esgoto, na proporção de
domicílios por classe de renda, conforme pode-se constatar na tabela abaixo:
37
Há um descaso do Estado referentemente ao esgotamento básico: o problema não é causado pela falta d dinheiro,
mas por não ser considerado prioridade ( RICHARD JOLLY, apud NEIVA, 2001).
112
Tabela 07: Acesso aos serviços de saneamento por classe de renda.
Classe de renda em salários Domicílios sem água canalizada Domicílios sem ligação à rede de
mínimos
(%)
esgoto ou fossa séptica (%)
0a1
33
59
1a2
38
56
2a3
12
40
3a5
5
28
5 a 10
3
20
10 a 20
1
12
Mais de 20
1
9
Fonte: MPO/SEPURB/DESAN (1999); IBGE ( apud TUNDISI, 2003, p.99)
No acesso aos serviços de saneamento por classe de renda, verifica-se que, quanto maior a
classe de renda, maior é a porcentagem dos domicílios que recebem água canalizada. Por outro
lado, a classe mais baixa tem menos acesso à água canalizada e também o maior percentual de
domicílios sem ligação à rede de esgotos, o que agrava a situação sanitária e de saneamento em
geral.
A distribuição do atendimento guarda claros sinais de iniqüidade social, com déficits de
atendimento concentrando-se nos segmentos populacionais de baixa renda, como se pode
observar na tabela 7. Embora o acesso aos mais pobres tenha melhorado durante a década de
1990, com exceção da Região Norte, os dados da Tabela 8 não deixam dúvida quanto à
iniqüidade presente nos serviços de saneamento.
Tabela 08: Proporção de municípios, por condição de esgotamento sanitário (%), segundo as
Grandes Regiões (2000)
Grandes Regiões
Sem coleta
Só coletam
Coletam e tratam
Brasil
47,8
32,0
20,2
113
Norte
Nordeste
Sudeste
Sul
Centro-Oeste
92,9
57,1
7,1
61,1
82,1
3,5
29,6
59,8
17,2
5,6
3,6
13,3
33,1
21,7
12,3
Fonte: IBGE (2002, p.05)
No Brasil, em relação ao esgotamento sanitário, 47,8% dos municípios brasileiros não têm
coleta de esgoto, ocorrendo na região Norte a maior proporção de municípios sem coleta (92,9%),
seguida da Centro-Oeste (82,1%); nesses casos os principais receptores do esgoto in natura não
coletados são os rios e mares. E dos 52,2% dos municípios que têm esgotamento sanitário, 32%
têm serviço de coleta e 20,2% coletam e tratam o esgoto. Em volume, no país, diariamente, 14,5
milhões m³ de esgoto são coletados, sendo que apenas 5,1 milhões m³ são tratados. A região
sudeste é a que tem a maior proporção de municípios com esgoto coletado e tratado (33,1%),
seguida pelas regiões Sul (21,7%), Nordeste (13,3%), Centro-Oeste (12,3%) e Norte (3,6%)
(IBGE, 2002).
O que os dados sobre os sistemas de abastecimento de água potável e saneamento
ambiental revelam a existência de uma situação perversa, agravada pela deterioração crescente da
qualidade ambiental e poluição de rios ou pelas condições naturais de escassez de águas. Para
atingir o objetivo da universalização dos serviços, superando os desafios impostos pela
caracterização da demanda não atendida, é fundamental que se priorizem os investimentos com
subsídios fiscais no atendimento às populações de mais baixa renda, que se estimulem
investimentos em esgotamento sanitário e que o setor se modernize aumentando sua eficiência.
Essas medidas permitirão a conservação dos recursos hídricos disponíveis, postergando a
construção ou ampliação de sistemas de abastecimento de água, a expansão dos níveis de
114
cobertura e, eventualmente, a redução dos valores tarifários praticados; desse, modo também se
estará se praticando a inclusão social.
3 OS DIREITOS SOBRE A ÁGUA: TITULARIDADE E OS REFLEXOS DA
DOMINIALIDADE PÚBLICA
A água é patrimônio de todos os seres vivos, não apenas da humanidade.
Nenhum outro uso de água, nenhum interesse de ordem política, de mercado ou
de poder; pode se sobrepor às leis básicas da vida (CNBB, 2004).
3.1 A Água como bem de domínio Público
No contexto brasileiro, a tutela jurídica do meio ambiente ganhou ênfase a partir da
década de 80, após ter passado por um período em que predominou sua desproteção total,
principalmente em função do direito privatista de propriedade. Aos poucos, os legisladores foram
atentando para a questão ambiental, mais com o objetivo de proteger o direito privado na
composição de conflitos de vizinhança ou questões de saúde pública do que com a proteção
ambiental propriamente dita. Mas, de qualquer forma, foi o Código de Águas instituído pelo
115
Decreto nº. 24.643, de 10 de julho de 1934, que, segundo Antunes (2004), trouxe profunda
alteração nos dispositivos do Código Civil brasileiro que se destinavam a tratar da
regulamentação do regime dominial e de uso da águas no Brasil. Explica-se o fato na medida em
que o Código Civil limitava-se a uma regulamentação cujo fundamento básico era o direito de
vizinhança e a utilização da águas como bem essencialmente privado e de valor econômico
limitado. O Código de Águas com concepção bem diversa, passa a conceber as águas como
elemento básico do desenvolvimento, pois a eletricidade é um subproduto essencial para a
industrialização do país, ao mesmo tempo a Lei das águas estabelece mecanismos de intervenção
governamental com vistas a garantir a qualidade e a salubridade dos recursos hídricos. A
diferença fundamental entre a normatividade estabelecida pelo Código Civil e adotada pelo
Código de Águas está no fato de que este enfocava a água como recurso dotado de valor
econômico para a coletividade e, por isso, merecedora de atenção especial do Estado.
Nesse contexto, segundo Viegas (2005) o Código de Águas estabelece que a concessão38
ou autorização deve ser feita sem prejuízo da navegação, salvo nos casos de uso para as primeiras
necessidades da vida ou previstos em lei especial; estabelece, também, que a ninguém é lícito
38
Entende-se por concessão de serviço público o ato complexo, através do qual o Estado atribui a alguém o
exercício do serviço público e este, aceita prestá-lo em nome do Poder Público sobre condições fixadas e alteráveis
unilateralmente pelo Estado, mas por sua conta, riscos e perigos, remunerando-se com a própria exploração do
serviço, geralmente pela cobrança de tarifas diretamente dos usuários dos serviços e tendo a garantia contratual de
um equilíbrio econômico e financeiro (MELLO, l98, P.369).
- O concessionário é selecionado em função de um conjunto de requisitos, entre os quais, obviamente, se incluem
sua capacitação técnica para desempenho da atividade, sua idoneidade financeira para suportar os encargos
patrimoniais, sua competência administrativa para gerir o empreendimento e sua integridade moral, medida nas
empresas pela correção com que responde aos compromissos assumidos. De conseguinte, não pode o concessionário,
sob nenhum título ou pretexto, transferir, total ou parcialmente, a concessão. Nem mesmo se o concedente autorizar
ou concordar seria factível esta transmissão, pois, se isto ocorresse, haveria burla ao princípio da licitação, de vez
que, conforme mais além será esclarecido, a Administração não dispõe de liberdade absoluta na escolha do
concessionário. Antes é obrigada a obedecer a um procedimento legal na seleção do contratante, através do qual irá
justamente examinar, entre outros, os requisitos acima apontados em uma concorrência aberta a todos os
interessados. Por isso não fica ao alvedrio da administração e muito menos, então, do concessionário decidir ao
seu talante, quem desempenhará o serviço (MUKAI,1995,P.l4).
116
conspurcar ou contaminar as águas que não consome, com prejuízo de terceiros; e, ainda, que os
trabalhos para a salubridade das águas serão realizados à custa dos infratores que, além da
responsabilidade criminal, se houver, responderão pelas perdas e danos que causarem, e por
multas que lhes forem impostas pelos regulamentos administrativos. Também esse dispositivo é
visto como precursor do princípio usuário-pagador, no que diz respeito ao uso para assimilação e
transporte de poluentes. Entretanto os institutos jurídicos estabelecidos pelo Código de Águas
devem ser compreendidos dentro de uma ótica puramente intervencionista. Nesse contexto,
estabelecia o Código, em seu art. 57, a divisão das águas em três categorias39: a) pública, b)
comuns e c) particulares, dispositivo que acabou sendo revogado com a promulgação da
Constituição Federal de 1988, alterando de forma significativa a base jurídica institucional na
qual repousava a gestão das águas, mediante a criação da a Política Nacional de Recursos
Hídricos, ao mesmo tempo em que extinguia o domínio privado.
Dessa forma, segundo Machado (2002, p. 27), com a entrada em vigor da Lei 9.433/97
pode-se entender que essa disposição do decreto de 1934 contraria a nova lei por essa razão, foi
revogada e com isso, as nascentes situadas em terrenos privados, mesmo passando a ser públicas,
podem ser utilizadas pelos proprietários privados com finalidade do
39
consumo humano e
Três categorias que são, segundo Antunes (2004) públicas, comuns e particulares sendo que as águas públicas
foram divididas pelo Código em duas categorias: a) de uso comum e b) dominicais. As águas públicas de uso
comum são as seguintes: a) 0 mar territorial, nos mesmos incluídos os golfos, baías, enseadas e portos; b) correntes,
canais, lagos e lagoas navegáveis ou flutuáveis; c) as correntes de que se façam estas águas; d) as fontes e
reservatórios públicos; e) as nascentes, quando forem de tal modo consideráveis que, por si só, constituam o caput
fluminis; f) os braços de quaisquer correntes públicas, desde que os mesmos influam na navegabilidade ou
flutuabilidade; g) as situadas em zonas periodicamente assoladas pela seca, nos termos e de acordo com a legislação
especial sobre a matéria.
As águas públicas dominicais são todas aquelas situadas em terrenos que ostentem a condição de domínio publico
dominical, quando não forem de domínio público de uso comum, ou não forem comuns. E particulares são as
nascentes e todas as águas situadas em terrenos que também o sejam, quando as mesmas não estiverem classificadas
entre as águas comuns de todos, as águas públicas ou as águas comuns. E as águas comuns são as correntes não
navegáveis ou flutuáveis.
117
dessedentação de animais (artigo 1º, III, da Lei 9.433/97). Também, continua o autor, com a
nova lei houve revogação do art. 96 do decreto de 1934, no que diz: o dono de qualquer terreno
poderá apropriar-se40 por meio de poços, galerias etc. das águas que existam debaixo da
superfície de seu prédio, contanto que não prejudique aproveitamentos existentes nem derive ou
desvie de seu curso natural águas públicas dominicais, públicas de uso comum ou particulares .
Assim, não é mais possível apropriar-se das águas subterrâneas, passando a ser possível usá-las
somente se houver outorga do Poder Público e pagamento desse uso (artigo 21, I, da Lei 9.
433/97.
Conforme Meirelles (2002) o domínio público, em sentido amplo, é o poder de
dominação ou de regulamentação que o Estado exerce sobre os bens do seu patrimônio (bens
públicos), ou sobre os bens do patrimônio privado (bens particulares de interesse público), ou
sobre as coisas inapropriaveis individualmente, mas de fruição geral da coletividade (res nullius).
O domínio patrimonial do Estado sobre seus bens é direito de propriedade, mas direito de
propriedade pública sujeito a um regime administrativo especial. A este regime se subordinam
todos os bens das pessoas administrativas, assim considerados bens públicos41 e, como tais,
regidos pelo direito público, embora se lhes aplique algumas regras de propriedade privada.
Com essa nova concepção, os rios passaram a ser compreendidos a partir do conceito de
bacia hidrográfica e não como um elemento geográfico isolado. Tal situação é fundamental, pois
40
Essa apropriação privada dos recursos hídricos acarretou, ao longo do tempo, a geração de riquezas para seus
usuários, com a distribuição das repercussões negativas sobre toda a coletividade (ANTUNES, 2004).
41
Para Museti (2001, p. 53) A água não é um bem público (muito menos privado) e, também, não é res nullius;
contudo, faz parte do patrimônio público .
118
permite a gestão integrada dos recursos hídricos, de forma que se possa assegurar a sua proteção
e gestão racional. Diante dessa nova concepção, é relevante destacar que o princípio da gestão
integrada, descentralizada e participativa, no Brasil, é fundamental para a compreensão da lei
como instrumento de mudança do paradigma de política pública, uma vez que há uma cultura
administrativa de forte tradição centralizadora e tecnocrática ainda bastante arraigada no país.
No que refere aos diferentes usos da água, predomina, no Brasil, o princípio de
bem coletivo . A Constituição de 1988 estabelece que, praticamente, todas as
águas são públicas, sendo que, em função da localização do manancial, elas são
consideradas bens de domínio da União ou dos Estados. Deixam de existir, desse
modo, as águas comuns, municipais e particulares, cuja existência era prevista
no Código de Águas de 1934 (MMA, 2000, p.54).
Em conseqüência, dessa nova conceituação da água como bem de uso comum do povo,
Machado (2002, p. 25) esclarece que, o uso da água não pode ser apropriado por uma só pessoa,
física ou jurídica, com exclusão absoluta dos outros usuários em potencial; o uso da água não
pode significar a poluição ou agressão desse bem; o uso da água não pode esgotar o próprio bem
utilizado; e a concessão ou autorização (ou qualquer tipo de outorga) do uso da água deve ser
motivada ou fundamentada pelo gestor público.
Devendo visar a toda uma coletividade e, portanto, não somente grupos de usuários
isolados, sem que haja a apropriação de entes privados ou do Estado, que neste caso é mero
gestor, conforme afirma Giannini (apud, MACHADO 2002, p.25),
o ente público não é
proprietário, senão no sentido puramente formal (tem o poder de tutela do bem), na substância é
um simples gestor do bem de uso coletivo . Essa responsabilidade está consubstanciada na CF
artigo 225, § 1º, quando explicita que, para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao
119
Poder Público : I
Preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais42 e prover o manejo
ecológico das espécies e ecossistemas . Nesse contexto, ensina Sirvinskas (2005, p.45) que
prover o manejo ecológico das espécies é realizar uma gestão planejada das espécies da fauna e
flora ameaçadas de extinção, transferindo tais espécies de um local para outro com a intenção de
evitar a sua extinção em determinado ecossistema .
Entretanto, tais iniciativas do governo brasileiro, embora muito relevantes, por si sós não
são suficientes para a concretização dos objetivos e metas pretendidos. Entre outros fatores, é
necessário assegurar os recursos financeiros, e aplicá-los com probidade, transparência e
eficiência, em projetos e programas de saneamento urbano e rural, proteção de mananciais e
recuperação de áreas degradadas. Ora, no caso brasileiro, recentemente a população ficou
sabendo do contingenciamento do orçamento do Governo Federal, que poderá comprometer a
realização de muitos dos projetos e programas relacionados à área ambiental.
Diante desses fatos, Farias (2005) salienta que a conclusão obtida pela auditoria realizada
pelo Tribunal de Contas da União, para avaliar a atuação do Governo Federal na gestão dos
recursos hídricos foi: a) a água não é tratada como um bem estratégico no país, muitos a
consideram, indevidamente, um recurso infinito; b) falta integração entre política nacional de
recursos hídricos e as demais políticas públicas; c) há graves problemas na área de saneamento
básico43.
42
Processos ecológicos essenciais são aqueles governados, sustentados ou intensamente afetados pelos
ecossistemas, sendo indispensáveis à produção de alimentos, à saúde e a outros aspectos da sobrevivência humana e
do desenvolvimento sustentado (SILVA, 2004).
43
Martins Júnior (1995, p.59) Sente a sociedade insuportável descaso do Poder Público com a higidez das
águas dos mares e rios que banham as cidades. O despejo indiscriminado de efluentes industriais e esgotos
120
Na realidade, em muitos casos, observamos o fracasso44 do Estado em lidar com o
manejo e a conservação dos recursos. As políticas, segundo Begossi (1999), carecem de respaldo
científico e cooperação local, pois refletem a inexistência de competência técnica e infra-estrutura
nas organizações governamentais que possam manter tais políticas. Também são freqüentes os
conflitos entre organizações governamentais federais e estaduais e pesquisadores com relação a
projetos de pesquisa e prioridades.
Para serem eficazes e atingirem os objetivos, as políticas de governo, segundo Cavalcanti
(1999) têm de ser capazes de redirecionar o curso dos eventos econômicos, de tal maneira que as
atividades que destroem capital natural ou dissipam recursos renováveis, perturbando os
correspondentes ecociclos, sejam freadas. Por outra parte, as atividades que causarem pequenas
perturbações ou que preservarem funções vitais de apoio do ecossistema devem ser mantidas ou
promovidas. A sustentabilidade não será obtida se o capital natural for aviltado, incapacitando o
ecossistema de gerar os serviços que permitam aos humanos realizar a satisfação de suas
necessidades. A noção de desenvolvimento sustentável representa uma alternativa ao conceito de
crescimento econômico, indicando que, sem a natureza, nada pode ser produzido de forma sólida.
Ela mostra o que é possível do ponto de vista puramente material, o que deve ser confrontado
com a aspiração de mais e mais riqueza que, na sociedade de hoje, constitui o que é desejável. A
natureza deve ser a referência para a escolha da escala ótima das atividades econômicas que se
contenham dentro da sustentabilidade.
domésticos compromete a pureza das águas cristalinas dos cursos d água, assassina a fauna residente no
ecossistema e destrói a flora ribeirinha das áreas de preservação permanente".
44
Martins Junior(1995, p.59) Esta é uma constatação triste, pois a qualidade de vida da população é séria e
gravemente comprometida com o descaso do poder público que por sua omissão lesiva torna letra morta a
cláusula constitucional constante no artigo 225 da Constituição Federal".
121
Assim, caminham, lado a lado, a livre concorrência e a defesa do meio ambiente, a fim de
que a ordem econômica esteja voltada à justiça social. É por essa razão que as regras jurídicas
que constituem o direito ambiental são, em sua maioria, de natureza pública, e estão submetidas
aos princípios45 de direito público e administrativo, que devem ser obrigatoriamente observados
pelos agentes públicos independentemente do texto de lei que os acolha. Dessa forma, segundo
Faria (2005) entre os princípios da Constituição Federal de 1988, no referido artigo 22546
destacam-se: a) princípio da obrigatoriedade da intervenção estatal (caput e parágrafo primeiro);
b) princípio da prevenção e precaução (caput, §1º, inciso IV, com a exigência do EIA/RIMA); c)
princípio da informação e da notificação ambiental (caput e §1º,VI); d) princípio da educação
ambiental (caput e §1º,VI); e) princípio da participação (caput); f) princípio do poluidor-pagador
(§ 3º); g) princípio da responsabilidade da pessoa física e jurídica (§ 3º); h) princípio da soberania
dos estados para estabelecer sua política ambiental e de desenvolvimento com cooperação
internacional (§ 1º do artigo 225, combinado com as normas constitucionais sobre distribuição de
competência legislativa); e i) princípio do desenvolvimento sustentado: direito intergerações.
45
Mirra (1996, p.156) define sinteticamente a importância da análise dos princípios: primeiro, por permitir
compreender a autonomia do Direito Ambiental frente a outros direitos; segundo, por auxiliar no entendimento e na
identificação da unidade e coerência existentes entre todas as normas jurídicas que compõem o sistema legislativo
ambiental; terceiro, por ser a partir dos princípios que se extraem as diretrizes básicas que levam à compreensão da
forma pela qual a proteção do meio ambiente é vista pela sociedade; e, por último, por servir de critério básico para a
interpretação das normas que compõem o sistema jurídico ambiental.
46 Constituição Federal, art. 225: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
IV- exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa
degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
VI- promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do
meio ambiente;
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou
jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados .
122
O princípio da intervenção estatal obrigatória na defesa do meio ambiente decorre do
princípio 17 da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano de 1972, que traz em
seu texto a seguinte redação: deve-se confiar às instituições nacionais competentes a tarefa de
planejar, administrar ou controlar a utilização dos recursos ambientais dos estados, com o fim de
melhorar a qualidade do meio ambiente . Vale porém, ressaltar que essa intervenção mesmo
sendo obrigatória, não é exclusiva, ou seja, não existe o monopólio do Estado na manutenção da
qualidade ambiental, devendo haver sempre a participação direta da sociedade. Outro princípio
importante é o da precaução ou prevenção, também conhecido como princípio da avaliação
prévia de impactos ambientais das atividades de qualquer natureza e princípio da cautela. A
Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 destaca a precaução
ambiental nos seus princípios 15 e 17, que dizem o seguinte:
A fim de proteger o meio ambiente, a abordagem preventiva deve ser
amplamente aplicada pelos Estados, na medida de suas capacidades. Onde
houver ameaças de danos sérios e irreversíveis, a falta de conhecimento
científico não serve de razão para retardar medidas adequadas para evitar a
degradação ambiental, e os levantamentos de impacto ambiental, como
instrumentos nacionais, devem ser exigidos para as atividades que possam
causar impacto ambiental adverso e os que estejam sujeitos à comunidade
internacional devem se voltar para os Estados em tais situações.
Percebe-se, desta forma, que, tanto a precaução quanto a prevenção, caracterizam-se pela
ação antecipada diante do risco ou perigo. Nota-se claramente que esses princípio estão
vinculados profundamente com a idéia de evitar situações de risco, favorecendo a segurança e
propiciando, desta maneira, condições adequadas com o intuito de obter um desenvolvimento
econômico coerente com a disponibilidade do recurso. Também a educação ambiental passa a ser
uma das formas mais eficazes de proteção ao meio ambiente, pois atua de forma preventiva,
123
demonstrando a necessidade de respeito pela natureza, bem como a proteção indispensável aos
recursos naturais, objetivando desse modo que as atividades do próprio homem tornem
suportáveis a vida no/do planeta. Assim a Conferência das Nações unidas sobre o Ambiente
Humano de 1972 previu a educação ambiental em seu princípio 19:
É indispensável um esforço para a educação em questões ambientais, dirigida
tanto às gerações jovens como aos adultos e que preste a devida atenção ao setor
da população menos privilegiado, para fundamentar as bases de uma opinião
pública bem informada, e de uma conduta dos indivíduos, das empresas e da
coletividade inspirada no sentido de sua responsabilidade sobre a proteção e
melhoramento do meio ambiente em toda a sua dimensão humana. É igualmente
essencial que os meios de comunicação de massas evitem contribuir para a
deterioração do meio ambiente humano e, ao contrário, difundam informação de
caráter educativo sobre a necessidade de protegê-lo e melhorá-lo, a fim de que o
homem possa desenvolver-se em todos os aspectos.
Este princípio é de extrema importância, pois, através dele, se forma a opinião,
conscientização e empenho da coletividade no sentido de sua responsabilidade na proteção do
meio ambiente. Alguns princípios mencionados pelo texto Constitucional já foram abordados
anteriormente, sendo dessa forma irrelevante uma nova contextualização. Dessa forma, pelo
exposto, constata-se que esses princípios exercem a função de organizadores das regras existentes
e, com isso, visam à criação de possíveis soluções harmônicas com todo o ordenamento.
Percebe-se, emfim, que os princípios não visam bloquear ou barrar o desenvolvimento
econômico, e sim, implementar uma gestão racional dos recursos naturais, sobretudo dos recursos
hídricos, de forma que sua exploração atenda as necessidades atuais sem esgotá-los. Diante desse
contexto, cabe este interessante argumento:
A água é um bem público que deve ser protegido por todos os níveis de governo
e por comunidades de todos os lugares. Ou seja, a água não deveria ser
privatizada, transformada em mercadoria, comercializada ou exportada em
124
grande volume com propósitos comerciais. Para assegurar que esta
comercialização excessiva não acontecerá, os governos têm de tomar uma ação
imediata no mundo inteiro, declarando que as águas de seus territórios são bem
público e criar legislação para protegê-las (BARLOW E CLARK, 2001, p.268).
Porém, um relacionamento consciente por completo com as águas passa não só pela boa
utilização dos recursos, mas também pela participação nos assuntos referentes à sua gestão. Por
isso as crescentes necessidades de água, a limitação dos recursos hídricos, os conflitos entre
alguns usos e os prejuízos causados pelo excesso no consumo de água exigem um planejamento
bem elaborado pelos órgãos governamentais, federal, estaduais e municipais, visando técnicas de
melhor aproveitamento dos recursos hídricos. Além das responsabilidades e dos direitos
individuais, cada cidadão tem o dever de preservá-la, utilizando-a de maneira consciente e sem
desperdício.
3.2 Competência da União, dos Estados e Municípios
Como observado anteriormente, a água pode sofrer alterações em suas características
devido a vários fatores, dentre os quais poluição ou contaminação em sua quantidade pelo uso
indevido e mercantilização desenfreada. Por isso, reconhecendo sua vulnerabilidade e finitude, é
fundamental que se disponha de instrumentos legais para, por meio do gerenciamento, assegurar
sua conservação e preservação. Afinal, em termos jurídicos, um bem é público quando pertence
a toda a coletividade, que pode ou não autorizar a sua apropriação por agentes privados para
possíveis mercantilizações (VIEGAS, 2005). E a Constituição de 1988 tornou públicas todas as
águas brasileiras quando as repartiu entre a União os Estados e os Municípios e em ser artigo 22,
que trata da Competência privativa da União, as águas passaram a integrar tal competência,
juntamente com a energia, a informática, as telecomunicações e a radiodifusão.
125
Legislar sobre as águas, segundo Machado (2002), significa instituir normas sobre a
qualidade e a quantidade de águas e estabelecer regras de como as mesmas serão tratadas,
partilhadas e utilizadas. Não se compreenderia que a Constituição fizesse referência às águas
somente como elemento da Natureza que devesse ficar nos rios47 e nos lagos48. Há uma ampla
abrangência do poder normativo da União, que deve ser utilizado para que as legislações
estaduais não criem normas discriminatórias ou estimulem políticas diferentes e até antagônicas
sobre o uso das águas. Também é importante ressaltar que o domínio público da água não
transforma o Poder Público Federal e Estadual em proprietário da água, mas o torna gestor desse
bem, no interesse de todos. O ente público não é prioritário, senão no sentido formal (tem poder
de autotutela do bem), na substância é um simples gestor do bem de uso coletivo.
Assim, na Constituição Federal de 1988, o artigo 20, inciso III, disciplina os bens da
União, in verbis:
III os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou
que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se
estendem a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos
marginais e as praias fluviais; (..) VI- o mar territorial; (...) VIII os potenciais
de energia elétrica; (...).
47
Rio: Canal natural de drenagem de superfície que tem uma descarga anual relativamente grande. Um rio
geralmente termina no oceano (DICIONÁRIO AMBIENTAL, 2005).
48
Lagos: Depressões do solo produzidas por causas diversas e cheias de águas confinadas, mais ou menos tranqüilas,
pois dependem da área ocupada pelas mesmas. As formas, as profundidades e as extensões dos lagos são muito
variáveis. Geralmente, são alimentados por um ou mais 'rios afluentes'. Possuem também 'rios emissários', o que
evita seu transbordamento. Diferentemente de lagoa que segundo o Dicionário Ambiental (2005), são depressões de
formas variadas, principalmente tendente a circulares, de profundidades pequenas e cheias de água salgada ou doce. As lagoas podem ser definidas como lagos de pequena extensão e profundidade (...) Muito comum é reservarmos a
denominação 'lagoa' para as lagunas situadas nas bordas litorâneas que possuem ligação com o oceano.
126
Entretanto, cabe registrar também que o inciso III, do artigo 20, trata das águas interiores
e define-as não de forma geral como as águas estaduais, mas de forma mais especifica, referindose a lagos, rios e correntes de água em situações determinadas: limítrofes com estados ou com
outro país, ou situadas em mais de um estado ou pais. Em suma, são da União as águas interiores
superficiais que não se contenham no território de um estado. As águas subterrâneas são sempre
estaduais, independentemente da extensão do aqüífero. O inciso VI inclui, entre os bens da
União, o mar territorial. As águas marítimas são sempre da União. O inciso VIII reservou à União
o domínio dos potenciais de energia hidráulica, onde quer que se situem em águas da própria
União ou em águas dos estados e municípios (MILARÉ, 2004).
Em matéria de águas a competência privativa (artigo 22 da CF) e a competência
concorrente (artigo 24 da CF) cruzam-se e permanecem entrelaçadas. Os
Estados podem estabelecer, de forma suplementar à competência da União, as
normas de emissão de efluentes lançados nos cursos de água, visando a controlar
a poluição e a defender o recurso natural (artigo 24, VI, da CF), mas dependem
do que dispuser a lei federal, à qual cabe definir os padrões de qualidade das
águas e os critérios de classificação das águas de rios, lagos e lagoas
(MACHADO, 2002, p. 20).
Incluem-se entre os bens dos estados, igualmente,
I
as águas superficiais e
subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as
decorrentes de obra da União (Artigo 26 da CF).
O inciso I abrange todo o ciclo hidrológico terrestre, inclusive as águas
subterrâneas e as águas nascentes (emergentes), assim como as fluentes (rios e
córregos) e dormentes (em depósito: lagos, lagoas e represas). Exclui apenas as
represas decorrentes de obras da União. O texto, como se vê, não faz qualquer
limitação territorial, donde se conclui que, ordinariamente, as águas são de
domínio do Estados (MILARÉ, 2004, p582)
127
É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
artigo 23, inciso XI, registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e
exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios .
A quantidade e a qualidade das águas dos rios, ribeirões, riachos, lagos e represas,
segundo Machado (2002), vão depender da implementação da política ambiental e da legislação
existentes, com referência especialmente ao ordenamento do território do município. Os efluentes
domésticos e industriais são matéria de inegável interesse local; assim, o Município pode
suplementar, de forma mais restritiva, as normas de emissão federais e estaduais, como, também,
poderá ter norma autônoma, desde que comprove o interesse local (artigo 30. I, da CF) e estejam
a União e o Estado inertes no campo normativo.
Especificamente sobre a competência municipal para agir (administrativa comum) em
questões ambientais é ampla, uma vez que a proteção do meio ambiente e o combate à poluição
estão incluídos no rol do artigo 23 da Constituição Federal (inc. VI). Além disso, o artigo 225 da
Lei Maior atribui a tarefa de proteger e preservar o meio ambiente ao Poder Público, no qual, é
cediço, está inserido o Município. No que concerne à competência legislativa municipal, o artigo
30 da Constituição a confere tanto em caráter exclusivo (assunto local) quanto suplementar (no
que couber), mas, especialmente sobre o tema água, verifica-se não ter o município capacidade
supletiva. Uma vez que a matéria foi conferida de forma privativa à União; por conseguinte, a
legislação sobre volume de recursos hídricos e classificação das águas constituiu monopólio dela.
È preciso cuidar, no entanto, que sugestões como preservação de matas ciliares e emissão de
efluentes domésticos e industriais são assuntos de insofismável interesse local, já que é dever do
128
Município manter a água potabilizável
em condições de ser destinada ao abastecimento
doméstico, após tratamento convencional.
Desse modo, aspecto de proteção no âmbito local, também é defendido por Faria (2005),
para quem, com o advento da Constituição, os municípios passam a ter autonomia e competência
legislativa mínima, rigidamente estabelecida. Entretanto, parte desta competência não está
explicitada, estando apenas explicita na necessária identificação do conceito de interesse local.
Nesse aspecto, cabe destacar que a indiscutível atuação municipal ambiental terá reflexo na
gestão dos recursos hídricos, em especial aquela vinculada ao solo (artigo 30, inciso VIII da CF).
Nesse contexto, Machado (1999) salienta que o papel do município é hoje inquestionável.
Para o autor, os municípios terão um papel importante na redefinição das políticas nacionais de
meio ambiente, para a implementação da idéia de um sistema articulado e mais harmonioso entre
os três níveis da estrutura do estado brasileiro, com vistas a possibilitar mais eficiência e
agilidade, evitar o desperdício de energia, a superposição, a concorrência ou a hipercentralização,
que hoje dificultam a participação municipal. Além disso, os municípios são os que estão mais
próximos dos recursos naturais e, portanto, com maior capacidade de reagir de uma forma ágil,
imediata e capaz de montar um sistema de monitoramento que consiga responder aos processos
de agressão. A municipalização, com a institucionalização da implantação de órgãos ambientais
e Conselhos Municipais de Meio Ambiente, se enquadra na proposta de implementação de
programas e projetos de abrangência nacional, regional e local, com vistas ao desenvolvimento
sustentável e à geração de informações técnicas para subsidiar as políticas ambientais. A idéia de
se trabalhar o fortalecimento institucional municipal, com relação às questões ambientais, deve-se
ao fato de que a maioria dos municípios brasileiros não elaborou um Plano Diretor, tem
129
dificuldades de trabalhar a sua Lei Orgânica e não possui uma unidade administrativa de meio
ambiente.
Importante assinalar que, nessa esta nova visão, a questão ambiental é um grande avanço
para a sociedade e se, concomitantemente a isso, for incorporada a questão da educação
ambiental, no sentido de modificar comportamentos que degradam a natureza, estará se
alcançando, também, um processo de cidadanização. Em síntese, o que se espera com o modelo
sistêmico de integração participativa é a criação de uma política regional que, além de arrecadar
recursos, tenha sucesso na administração pública, promovendo o uso e a proteção das águas.
3.3 Externalidades da privatização e da mercantilização dos recursos hídricos
Nota-se sobremaneira que a satisfação das diversas necessidades humanas, associada ao
consumo excessivo de recursos e ao rápido crescimento demográfico, vem exercendo forte
pressão sobre o meio ambiente. O homem explora e utiliza os recursos naturais para viver
melhor, mas, desde o século XIX, a busca pelas vantagens imediatas, sem considerar nem prever
as conseqüências a longo prazo, é geradora da situação crítica que se apresenta atualmente, com
danos ao meio ambiente que podem vir a atingir quase todo o planeta.
Segundo a CNBB (2004) essa situação não é recente, mas já faz parte do discurso
contemporâneo afirmar que existirão guerras pela água. Efetivamente, esses conflitos atravessam
toda a humanidade, desde o Israel bíblico até a disputa pelo controle das águas entre israelenses e
palestinos nos dias de hoje. Os conflitos vão desde o nível local, regional, até ao nível
internacional. A possibilidade real de guerra é mais que uma possibilidade em muitos lugares, já
130
é fato. Mas, quando se fala em guerra pela água , não se pode deixar de dizer que há aí uma
preparação dos espíritos para cimentar interesses de empresas e países poderosos sobre as águas
de outros países
A escassez, além de ser elemento gerador de conflito, no sentido de que representa a
impossibilidade de todos se servirem ilimitadamente, também agrega valor econômico à água e,
com isso cria as chamadas externalidades, que são justamente as conseqüências emanadas da
manipulação privada. As externalidades ocorrem quando o uso do recurso natural, um bem
público, como insumo no processo produtivo, por exemplo, onera ou impede o uso deste mesmo
recurso pelos demais usuários. Isto ocorre porque os consumidores de bens ou serviços
produzidos a partir do recurso natural se beneficiam de um preço mais baixo por este não
incorporar as deseconomias geradas para os demais usuários deste mesmo recurso.
No entanto, deve se levar em consideração também que as externalidades podem ser
positivas ou negativas. Desse modo, Nusdeo (1997) aponta que as externalidades49 positivas são
benéficas como no exemplo de uma indústria que irá proporcionar 400 postos de empregos
diretos em uma comunidade, onde as externalidades positivas serão os empregos indiretos e a
maior circulação de valores na comunidade. As externalidades negativas traduzem-se nas
interferências prejudiciais, em que, no mesmo exemplo, podemos indicar a poluição da indústria
(resíduos jogados no ar e no córrego que abastece a cidade), ocasionando maior ocupação
hospitalar por problemas respiratórios e custos com tratamento de água. Ou seja, no conjunto, as
49
Externalidades: Economias externas (ou externalidades) ou benefícios ganhos pelas unidades produtivas, que se
formam em decorrência da expansão de uma indústria ou de um setor industrial, por exemplo, a implantação de
curtume numa regias estimula, em suas proximidades, a construção de fábricas de calcados, roupas, de couro
(SANDRONI, 199, p. 110).
131
externalidades são efeitos negativos ou positivos não contabilizados monetariamente pelos
agentes econômicos.
Ao passo que a crise da água se intensifica, governos de todo o mundo, sob a pressão de
corporações multinacionais, estão advogando uma solução radical: a mercantilização e
subseqüente privatização da água. De toda forma, a ameaça da privatização através das empresas
transnacionais e instituições financeiras é uma realidade. Suas estratégias para privatizar a água
no mundo e transformá-la em mercadoria avança em vários países, principalmente nos de
economia periférica. No caso do Brasil, segundo o site Uniagua (2004) constitucionalmente, os
recursos minerais são bens da União e somente podem ser pesquisados e lavrados mediante
autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresas
constituídas sob leis brasileiras, tendo o concessionário a garantia da propriedade do produto da
lavra e a obrigação de recuperar o meio ambiente degradado. A pesquisa e o aproveitamento de
águas minerais são regulados pelo Código de Mineração (Decreto lei 227/67 e alterações
subseqüentes), enquadrando-se nos regimes de Autorização e de Concessão, e pelas disposições
do Código de águas Minerais (Decreto lei 7.841, de 08/agosto/1945) e correspondentes
legislações correlatas, abrangendo não só as águas destinadas ao consumo humano, como
também aquelas destinadas a fins balneários.
Os governos descapitalizados estão com isso voltando-se rapidamente para a privatização
da água como uma solução para os seus próprios problemas financeiros. Para Barlow e Clarke
(2003), porém, esses esquemas de privatização são financiados por meio de governos e
instituições públicas e de acordo com um relatório do Banco Mundial este tipo de suporte
financeiro inclui contribuições em dinheiro durante o período de construção; subsídios durante o
132
período operacional, por exemplo, na forma de verbas não-restituíveis; e o regime de impostos
favoráveis incluindo isenção de impostos e reembolso fiscal sobre custos de construção e
operação . O que se espera, na concepção dos autores supra citados, é que as autoridades
públicas forneçam garantias financeiras, e muitos contratos de concessão de água incluem
cláusulas que exigem dos governos garantias de que as operadoras privadas terão lucro durante o
período de contrato. Garantias de lucro foram incluídas nos contratos de concessão de água para
Cochabamba, na Bolívia, Plzen na República Tcheca e Szeged, na Hungria. Essas garantias
financeiras governamentais saem dos bolsos dos contribuintes. Sendo que a maioria dos sistemas
de água privatizados envolve contratos de concessão a longo prazo, com duração entre 20 e 30
anos, os quais são extremamente difíceis de serem cancelados, mesmo se for demonstrado um
desempenho insatisfatório. Em casos onde as autoridades públicas tentaram cancela-los (em
lugares como Valência, na Espanha; Tucumãn, na Argentina, Szeged, na Hungria; e
Cochabamba, na Bolívia), as corporações globais de comercialização de água ou, ameaçaram
processar ou realmente processaram os governos por danos, tornando assim o cancelamento
absurdamente caro.
Ainda no entender dos autores, frente à crise da água doce, ressaltam que os governos e
instituições internacionais estão defendendo uma solução do Consenso de Washington : a
privatização e o mercantilismo da água. Cobrem um preço pela água, coloquem-na à venda e
deixem o mercado determinar o seu futuro. A água de acordo com o Banco Mundial e as Nações
Unidas, é uma necessidade humana, não apenas um direito humano. A diferença de interpretação
é crucial, pois uma necessidade humana pode ser provida de muitas formas, especialmente para
aqueles com dinheiro, mas ninguém pode vender um direito humano.
Assim, algumas
corporações transnacionais, apoiadas pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional
133
(FMI), estão ofensivamente assumindo a administração dos serviços públicos de água, enquanto
aumentam drasticamente o preço dela para os residentes locai; desta forma, lucram,
especialmente com a busca desesperada do Terceiro Mundo por soluções de combate à crise
deste bem de consumo indispensável. O declínio no fornecimento e na qualidade da água doce
tambem criou uma oportunidade de negócio maravilhosa para as corporações que exploram essa
oportunidade. A ordem do dia é clara: a água deve ser tratada como qualquer outro bem
negociável, seu uso e distribuição devem ser determinados pelos princípios dos capitalistas.
Há uma relação de causa efeito entre a exploração da água e o lucro, conforme nos mostra
Gomes (2003, p.17):
Desde Marrakesh (onde aconteceu o primeiro Fórum Mundial da Água, em
1997), as conferências da ONU defendem que a água seja transformada em um
bem econômico. Em Quioto se afirmou que apenas a iniciativa privada tem a
tecnologia e o capital necessários para gerenciar adequadamente os recursos
hídricos, possibilitando a todos o acesso à água, denunciou o economista italiano
Ricardo Petrella, professor da Universidade Católica de Lovaina (Bélgica) e um
dos maiores especialistas em recursos hídricos da atualidade. È claro que a
iniciativa busca obter os devidos benefícios econômicos desta gestão .
A privatização e mercantilização das águas é uma das exigências do FMI aos países
pobres e subordinados para a concessão de empréstimos. À medida que a crise da água se
intensifica, os governos, pressionados por corporações multinacionais, submetem-se à
mercantilização e subseqüente privatização com vistas à resolução do problema. Desse modo, no
entender de Dourojeranni (2001, p.61),
No está demostrado que la privatización de los recursos naturales contribuya a la
conservación de los mismos, especialmente en paises donde el sector público es
crecientemente débil. Muy al contrario, hay numerosas evidencias de que
puedem acelerar la degradación de los recursos desde que el interés central del
sector privado es el lucro y no la provisión de servicios ambientales para los
cuales no existen aún formas consensuadas de compensación económica, como
en el caso de la fijación de carbono, la conseración de la biodiversidad, los ciclos
biogeoquímicos, el reciclaje del agua o, simplesmente, la paermanencia de los
134
paisajes. [...] otro aspecto negativo de las nuevas tendencias económicas es lo
que se ouede calificar de mercantilismo ambiental . Se ha pasado del
proteccionismo que colocaba en el centro de las preocupaciones ambientales la
importancia ética de conservar la naturaleza, al paradigma de que no merece
invertirse dinero en nada que no sea económicamente rentable al corto o por lo
menos al medio plazo.
Em países que adotaram o modelo de privatização ao sistema de abastecimento público de
água e saneamento, as conseqüências foram aumentos de tarifas, demissão de funcionários,
direitos dos trabalhadores colocados em risco, e disparidades de poder entre corporações e
governos locais, que normalmente lidam com elas. Em vez de propiciar facilidades maiores e
garantir a distribuição eqüitativa, o modelo de privatização é projetado para aumentar os lucros
corporativos50.
Importante assinalar, segundo Barlow e Clark (2003), que a constante expansão da
privatização da água será uma receita para um futuro injusto e não-sustentável. Em Manila, a
Suez e a United Utilities prontamente demitiram funcionários dos serviços de água quando
assumiram a concessão. Em Buenos Aires, a mão de-obra da água foi cortada de 7.600 para 4
mil depois que a Suez assumiu. No Reino Unido, a Agência Ambiental do Reino Unido citou
muitas grandes empresas de água como as piores degradadoras ambientais do país. Entre 1989 e
1997, as empresas Anglian, Northumbrian, Severn Trent, Wessex e Yorkshire Water foram
processadas 128 vezes por violações que variam de vazamentos de água até despejamentos de
esgotos clandestinos. Entre 1990 e 1997, a Bechtel foi responsável por 730 derramamentos de
50
Quem defenderá a água são as comunidades locais e seus cidadãos, apenas os cidadãos locais, sabem o efeito de
perder empregos ou perder as fazendas vizinhas quando fontes de água são assumidas por grandes empreses ou
desviadas para usos em locais muito distantes. Os cidadãos e as comunidades locais são os guardiões da linha de
frente dos rios, lagos e sistemas de água subterrâneos sobre os quais estão suas vidas e formas de sustento. É preciso
dar a eles o poder político para exercitar essa intendência efetivamente. Projetos de recuperação que funcionam
freqüentemente são inspirados por meio de organizações ambientais e envolvem todos os níveis de governo e, as
vezes, doações particulares. Mas para serem sustentáveis e eqüitativas, as soluções para os problemas da água e
escassez da água devem ser inspiradas localmente e baseadas na comunidade (BARLOW E CLARK, 2003, p.270).
135
materiais perigosos, enquanto a Enron foi listada como responsável por 76 derramamentos. Outro
exemplo do Reino Unido é o da subsidiaria da Suez, Northumbrian Water, que entre 1989 e
1995,aumentou as tarifas de água em 110%, e os lucros da empresa em 800%. Outro fato
importante que assola as privatizações é a corrupção, que é uma característica sistemática de
processos de privatização da água como de ouras áreas, em queuma empresa pode pagar para ser
incluída na lista de licitantes qualificados ou restringir o números desses licitantes, podendo obter
uma baixa avaliação da propriedade pública a ser arrendada ou vendida, ou ser favorecida no
processo de seleção.
Além do exposto, pode-se fazer uma comparação análoga com os resultados perversos
provocados pela privatização dos setores elétricos e de telecomunicações dentro e fora do Brasil,
que trouxe, entre outras coisas, queda da qualidade dos serviços e grande aumento das tarifas,
prejudicando principalmente, a população de baixa renda.
Sendo assim, pode-se visualizar que há um verdadeiro retrocesso quanto à noção de bem
público e de solidariedade, do qual é emblemáticos o encolhimento das funções sociais e políticas
do Estado com a ampliação da pobreza e os crescentes agravos à soberania, enquanto se amplia o
papel político das empresas na regulação da vida social (SANTOS, 2003).
Simultaneamente ao agravamento da crise da água, o mercado mundial de água
envasada51 vem apresentando constante expansão, verificando-se, nos últimos anos, crescimento
da ordem de 20% ao ano. Na produção e consumo mundial, em 2001, foram estimados em 107,5
51
Envasada: 1. meter em vaso; envasilhar.
136
bilhões de litros de água mineral, com destaque para a liderança da Europa com 42,3 bilhões de
litros, seguida pela América Latina com 22,9 bilhões de litros, América do Norte com 20,4
bilhões de litros, Ásia e Austrália com 18,6 bilhões de litros e Norte da África e Oriente com 6,2
bilhões. A produção brasileira atingiu 5,8 bilhões de litros em 2002, situando o Brasil como o
sexto maior produtor. Os principais produtores são o México, com 15,4 bilhões de litros, os
Estados Unidos com 11,5 bilhões, Itália com 8,7 bilhões, Alemanha com 8,0 bilhões a França
com 6,5 bilhões de litros. Já o volume consumido pelos Estados Unidos, em 2001, foi de 19,8
bilhões de litros, quando se considerava todo o tipo de água envasada, caracterizando-os como
um mercado fortemente importador do produto (UNIAGUA, 2004).
Nesse diapasão, cabe registrar interessante lição de Barlow e Clarke (2003, p.170) sobre a
água engarrafada:
O método de exportação de água que está decolando é a água engarrafada. Esse
método está entre as indústrias que mais crescem e que são menos
regulamentadas no mundo. Nos anos setenta, o volume anual de água
engarrafada e comercializada no planeta foi de 300 milhões de galões
(aproximadamente 1 bilhão de litros). Antes da década de 1980, esse número
havia subido para 650 milhões de galões (aproximadamente 2,5 bilhões de
litros), e o final da década, 2 bilhões de galões (7,5 bilhões de litros) de água
engarrafadas foram consumidos em países do mundo todo. Mas nos últimos
cinco anos, o volume de vendas de água engarrafada subiu rapidamente e, em
2000, 22,3 bilhões de galões (84 bilhões de litros) de água foram engarrafados e
vendidos. Além disso, ¼ de toda a água engarrafada foi comercializada fora do
seu país de origem.
A Nestlé é a líder do mercado mundial de água engarrafada, com não menos que
68 marcas, inclusive Perrier, Vittel e San Pellegrino. Como o ex-presidente da
Perrier disse: isso me chocou...tudo o que você tem a fazer é retirar a água do
chão e então vendê-la mais caro que o preço do vinho, leite ou até mesmo o
petróleo . Além da Nestlé, outras gigantes alimentícias e indústrias de bebidas
globais também se tornaram fornecedoras de água engarrafada, inclusive a Coca
Cola, PepsiCo, Procter & Gamble e a Danone.
Envasilhar: 1. meter em vasilha. 2. meter em pipas, tonéis ou garrafas. (FERREIRA, 1999, p. 680)
137
O mercado brasileiro de águas minerais tem evoluído, segundo taxas anuais crescentes,
com o consumo anual per capita chegando a 25 litros no ano de 2001 e faturamento, conforme
estimativa da ABINSAM (Associação Brasileira da Indústria de Águas Minerais), em torno de
US$ 400 milhões . Conforme, poder-se- à observar na figura asseguir:
Figura 03 - Brasil, consumo anual per capita
24,9
25
18,9
20
17,4
15,1
15
13,2
11,5
10
5
1996
1997
1998
1999
2000
2001
Fonte: Uniagua, 2004, p.02
O consumo anual per capita brasileiro vem aumentando, mas ainda é muito baixo
comparado com os índices de outros países, onde varia de 120 a 150 litros, como na Itália,
México e França. Numa faixa intermediária, encontram-se Alemanha, Suíça e Espanha e na faixa
138
de 70 a 80 litros per capita/ano, Estados Unidos, Portugal e Áustria, conforme mostrará a figura
abaixo:
Figura 04 - Água Mineral
154
160
consumo anual - Países selecionados
152
137
128
140
106
120
100
104
103
85
71
80
70
60
25
40
20
0
Itália
México
França
Bélgica Suíça Alemanha Espanha Áustria Portugal EUA
Brasil
Fonte: Uniagua, 2004, p.02.
Em países com elevados índices de consumo, o segmento de água mineral52 representa um
mercado anual da ordem de alguns bilhões de dólares, a exemplo da França, onde o mercado
52
Águas Minerais: São aquelas provenientes de fontes naturais ou de fontes artificialmente captadas que possuam
composição química ou propriedades físicas ou físico-químicas distintas das águas comuns, com características que
lhes confiram uma ação medicamentosa (UNIAGUA, 2004).
139
anual em 2001 se situou em torno de US$ 2,3 bilhões, e dos Estados Unidos que atingiu US$ 5,6
bilhões para água envasada.
No mundo, o mercado de água mineral está concentrado em poucas empresas de
grande porte, como na França, onde 23% do setor é comandado pela Nestlé S.
A., seguida pelos Grupos Perrier Vittel, Danone e Neptune. Essas mesmas
empresas lideram outros mercados internacionais, tal como ocorre nos Estados
Unidos, onde cinco empresas são responsáveis por 51 % do mercado americano,
lideradas pela Danone e Nestlé, cada uma com 17%, ou ainda na Grã-Bretanha
onde a Danone lidera o mercado com 19%, seguida pela Nestlé. Dentre os países
com alto índice de consumo de água envasada, o mercado da Alemanha
apresenta características peculiares, sendo altamente regionalizado e
fragmentado, representado por mais de 200 empresas. Outra característica do
mercado alemão é que as águas minerais gasosas lideram seu mercado
consumidor, ao contrário dos demais países onde o consumo preferencial é por
água mineral natural (UNIAGUA, 2004, p.02).
O mercado brasileiro de água mineral também tem-se tornado altamente segmentado e
muito regionalizado, sendo que o Estado de São Paulo concentra a maior produção de água
mineral da região Sudeste, representando 38,5% da produção nacional.
Entretanto, segundo Cassaro (2003), [....] o cidadão especialmente o do Terceiro Mundo,
que acredita estar consumindo um produto mais confiável que o fornecido pelo sistema público,
pode se ver em sérios apuros. Um estudo de março de 1999 realizado pelo Conselho de Defesa
de Recursos Naturais do Estados Unidos descobriu que um terço das 103 marcas de água
analisadas continham níveis intoleráveis de contaminação, inclusive por arsênico. No entanto, há
aquelas que realmente vêm de fontes consideradas medicinais. É o caso de várias marcas da
Nestlé, oriundas de São Lourenço, Minas Gerais. De acordo com o Dossiê Nestlé , produzido
pelo Movimento Cidadania pelas Águas, a companhia retirava do solo 500 mil litros de água por
dia, utilizando bombas de sucção de grande potência. As suspeitas de que havia algo errado no
140
Parque das Águas, onde está instalada a Nestlé, começaram há alguns anos, quando os turistas
passaram a se queixar do sabor da água. O Cidadania pela Águas afirma que, para acobertar a
situação gerada pela exploração que excedia a capacidade das fontes, o que resultou na extinção
da água magnesiana, a empresa fazia manobras subterrâneas e injeção artificial de gás .
Outra preocupação existente em São Lourenço do Sul, segundo a autora supra citada é
quanto à possibilidade de que a ação da Nestlé53 contamine os lençóis freáticos da região, que
tem nove fontes de águas minerais, todas de características diversas. Também já ocorreram casos
de afundamento de terreno, ocasionado pela excessiva e predatória extração das águas. Outro
fato que chama a atenção é de que a Nestlé está desperdiçando uma água rara e nobre para a
fabricação de uma água de mesa desmineralizada e artificialmente enriquecida de sais . O
documento afirma que o objetivo da empresa é o controle internacional desse mercado, uma vez
que seu objetivo é internacionalizar o conceito Pure Life, pelo qual a água deve ter sempre a
mesma fórmula e padrão onde quer que seja produzida.
Mesmo assim, segundo Cassol (2005) diversos municípios do Rio Grande do Sul brigam
entre si para ver quem vai ficar a fábrica da Nestlé: cerca de 50 prefeitos gaúchos que fizeram
visitas ao presidente nacional da Nestlé, Ivan Zurita, aguardam com ansiedade a transnacional
divulgar em qual município do Rio Grande do Sul vai instalar sua fábrica para produção de leite
53
Em janeiro de (2005), foi escolhida como a transnacional mais irresponsável do planeta, de acordo com o Fórum
Alternativo de Davos, na Suíça. Ficou na frente das empresas Dow Chemical, Shell, KPMG e Wal-Mart, todas
consideradas as mais irresponsáveis do planeta nas questões sociais e ecológicas. A companhia foi eleita a "mais
irresponsável" por seus conflitos trabalhistas na Colômbia e suas agressivas campanhas de marketing para promover
substitutos do leite materno, que prejudicam a amamentação, especialmente em países em desenvolvimento, expondo
milhões de bebês a riscos de um desmame precoce, com as conseqüências epidemiológicas, sociais e econômicas.
(SITE NOTICIA, 2005)
141
em pó. Enquanto governo e prefeituras comemoram os R$ 120 milhões que devem ser investidos
e os 400 empregos que serão criados, o histórico da empresa e as suas atuais ambições
preocupam os movimentos sociais. Os dois municípios mais cotados para receber a fábrica de
leite em pó são Santa Rosa e Carazinho, que ficam nas regiões Norte e Noroeste do Estado, de
fácil acesso ao Aqüífero Guarani,54 maior manancial de água doce subterrânea do mundo, com
dois terços de sua área total no Brasil. Nesse caso, pode-se, de antemão, prever os possíveis
interesses que levam a transnacional a se instalar próximo ao aqüífero.
Dentre as externalidades negativas referentes a essa exploração, estão a falta de limite de
uso e a falta de normas de proteção eficazes o que coloca em risco nossos principais aqüíferos.
Desse modo o site Ambientebrasil (2004) nos mostra fatores de riscos para a utilização das águas
subterrâneas, como um grande número de poços mal locados, construídos e operados sem
manutenção, falta de controle governamental, a possibilidade de qualquer indivíduo, condomínio,
indústria, agricultor, empresa privada ou estatal construir a um poço, freqüentemente, pelos
menores preços e sem a tecnologia adequada. Também há falta de um estudo hidrogeológico
básico, rede de monitoramento e bancos de dados acessíveis ao público.
Diante desse contexto, um ponto positivo, no sentido evitar a exploração, é organizar os
dados e informações existentes, de forma que seja possível integrar a utilização dos bancos de
dados dos diversos países e estados abrangidos por aqüíferos, identificando áreas frágeis que
54
Aqüífero Guarani: A denominação Aqüífero Guarani é uma homenagem à nação Guarani, uma tribo indígena que
habitava toda essa região nos primórdios do período colonial, e foi dada aos um segundo acordo comercial entre os
países, em que se localiza. Inicialmente havia recebido a denominação de Aqüífero Gigante do Mercosul. Na
Argentina e no Uruguai, o aqüífero era conhecido como Formación Taquarembó e, no Paraguai, como Formación
Misiones (SCHIO 2002).
142
deverão ser protegidas. A disponibilização e divulgação das informações relacionadas à
qualidade de água auxiliam na identificação e análise dos impactos das atividades humanas sobre
o meio ambiente e são indispensáveis para a atuação dos órgãos de controle, bem como a
sensibilização da sociedade. A divulgação dessas informações é ferramenta fundamental para a
implantação e consolidação de um sistema de gestão em nível nacional e internacional.
Entretanto, também cabe ao usuário de águas subterrâneas uma boa parcela de
responsabilidade na proteção dos aqüíferos quanto à poluição, pois não é incomum a
identificação de poços abandonados sem tamponamento ou servindo de depósito para lixos ou
outros resíduos.
3.4 Cidadania e Recursos Hídricos
O uso racional e responsável da água é fundamental para o futuro da humanidade, já que o
crescimento demográfico, a mudança na intensidade de consumo e o desenvolvimento das
atividades humanas implicam maior pressão sobre os mananciais existentes55.
Segundo
Feldmann (2003), estamos vivendo uma situação única, que exige a construção de uma nova
cidadania, na qual os direitos e deveres
55
estejam bem articulados entre si; esta cidadania
O consumo estimado para os próximos 25 anos indica que haverá um crescimento de captação de água
correspondente a 3.940 Km³ (ano 2000), 4.360 Km³ (ano 2010) e 5.187 Km³ (ano 2025), e as perdas constituirão
cerca de 45% do volume derivado dos mananciais. Portanto, a água que evaporará ou será consumida corresponderá
a 55% daquela que será captada dos mananciais. A percentagem de água restante (45%) retornará aos sistemas
naturais de drenagem, porém, em geral, em classes de qualidade inferior (CHRISTOFIDIS 2002, p. 122).
143
planetária, porém, em fase de implantação, exige que os cidadãos tenham clareza de suas
responsabilidades.
Nesse sentido, sem água de boa qualidade não existirá futuro para os núcleos sociais,
sejam eles rurais ou urbanos e, como a água é um elemento fundamental para a vida, não é
possível argumentar sobre qualidade de vida quando os recursos hídricos estão comprometidos.
Desse modo, pessoas comuns no mundo inteiro estão se engajando em uma nova forma de
política baseada no cidadão (BARLOW e CLARK, 2003, p.xxvii).
Nesse contexto, a Constituição brasileira, no seu artigo primeiro, diz que um dos
fundamentos do país é a dignidade da pessoa humana e, nesse caso, não pode haver vida digna,
sem água. Nesse exercício da cidadania está presente o princípio da dignidade humana, que
segundo Oliveira; Guimarães (2004, p.134)
[...] estabelece uma espécie de solidariedade do cidadão, tornando-o responsável
pelo seu bem estar, como também pelo bem-estar de toda a sociedade, podendose, por isso, afirmar que o direito a um ambiente saudável é um direito de
terceira dimensão ou de solidariedade, posto que não diz respeito apenas a um
cidadão, mas a todo o gênero humano, impondo-lhe o exercício da cidadania em
material ambiental, a fim de garanti-lo hígido não apenas para as presentes, mas
também para as futuras gerações.
Dessa maneira, pode-se afirmar que a cidadania constitui-se em uma conquista, a qual
acontece à medida que exclusão social não seja uma regra e que todos tenham direito à vida.
Desse modo, se torna imperioso uma breve análise do que é cidadania através dos conceitos de
alguns autores, com o propósito de facilitar a compreensão da relação existente entre a utilização
racional e integrada dos recursos hídricos e a cidadania.
144
[...] A cidadania é o direito de ter direitos, pois a igualdade em dignidade e direitos dos
seres humanos não é um dado. É um construído de convivência coletiva, que requer o
acesso ao espaço público. É este acesso ao espaço público que permite a construção de
um mundo através do processo de asserção dos direitos humanos. Nesse sentido, a
reflexão arendtiana em The Origens of totalitarianism mostra a inadequação da tradição,
pois os direitos humanos pressupõem a cidadania não apenas como um meio (o que já
seria paradoxal, pois seria o artifício contingente da cidadania a condição necessária para
assegurar um princípio universal), mas como um princípio substantivo, vale dizer: o ser
humano, privado de seu estatuto político, na medida em que é apenas um ser humano,
perde as suas qualidades substanciais, ou seja, a possibilidade de ser tratado pelos outros
como um semelhante, num mundo compartilhado. (...) De fato, o processo de asserção
dos direitos humanos, enquanto invenção para a convivência coletiva exige um espaço
público, a que só se tem acesso por meio da cidadania (ARENDT apud LAFER,
1988, p.22)
Sendo assim, dentre outras concepções os direitos de cidadania emergem, estando
intimamente relacionados com o surgimento do Estado-Nação. Já no entender de Marshall
(1967, p.76), a cidadania é ...um status concedido àqueles que são membros integrais de uma
comunidade. Todos aqueles que possuem o status são iguais com respeito aos direitos e
obrigações pertinentes ao status, o que gerou um processo de discriminação e exclusão àqueles
que não o possuíam.
Para Corrêa (1999, p. 217), a cidadania, pois, significa a realização democrática de uma
sociedade, compartilhada por todos os indivíduos ao ponto de garantir a todos o acesso ao espaço
público e condições de sobrevivência digna, tendo como valor-fonte a plenitude da vida . Diante
desse conceito, percebe-se a ampliação do status de sujeitos individuais de direitos para sujeitos
coletivos de direitos, devendo o Estado intervir para implementar os direitos sociais e possibilitar
o exercício da cidadania.
Nesta perspectiva, preceitua Berwig (1997, p.39) que o vínculo jurídico que possibilita
ao sujeito o acesso ao espaço público, que é o espaço de reivindicação da efetividade dos direitos
humanos, bem como a construção desse espaço, o qual depende da participação e possibilita o
145
exercício e a construção de novos direitos . Percebe-se, desse modo, o deslocamento do sujeito
universal e abstrato para o homem-cidadão, dando lugar a sujeitos envolvidos concretamente na
sociedade, como a criança e o velho, entre outros, e estendeu-se a titularidade de direitos a grupos
como de proteção ao meio-ambiente. A consciência da existência de relação entre, cidadania e
recursos hídricos se dá, segundo Farias (2005,p.254), concomitantemente com o aparecimento
do risco de esgotamento dos recursos naturais e com o agravamento dos danos sofridos pelos
ecossistemas .
Verifica-se, a partir dos conceitos apresentados, que à medida que novas possibilidades e
necessidades se incorporam ao cotidiano das sociedades, modernas ou contemporâneas, estas
foram modificando seu conceito de cidadania de forma a se adaptar à realidade.
Nesse contexto, Dal Ri Júnior e Oliveira (2002) assinalam o século XVIII como o marco
dos direitos civis; o século XIX, dos direitos políticos; e o século XX, dos direitos sociais.Desse
ponto de vista, a cidadania é constituída por um conjunto de direitos formais, promulgados por
lei, garantidos e implementados pelo Estado, estabelecendo-se no que concerne a direitos e
obrigações. A cidadania pode ser analisada através de um conjunto de práticas políticas,
econômicas, sociais e culturais, que consideram o indivíduo como um cidadão e membro de uma
comunidade, apresentando como característica essenciais à vontade de pertencer a essa
coletividade, compartilhando de seus atores, crenças e tradições, costumes, língua, mitos, códigos
de valores, efeitos de paisagem, enfim, dessa solidariedade e de sua identidade comum. A
cidadania deve transcender aos limites do Estado-Nação e ao princípio da nacionalidade,
transnacionalizando-se, de modo a revestir-se de características não-territoriais e não-nacionais e
146
fortalecer-se com perspectivas democráticas, associando-se aos chamados novos movimentos
sociais, ligados a aspectos étnicos, sociais, ecológicos e civilizatórios.
Esses novos valores emergiram para permanecer como condição para o desenvolvimento
de uma sociedade sustentável, que afirma ser a dignidade inerente a qualquer pessoa, e reforça a
concepção de que os direitos humanos compõem uma unidade invisível, inter-relacionada e
interdependente, sem a qual essa dignidade da pessoa humana não se realizaria. Nessa direção,
Priscolli (apud, MACHADO 2002, p.379-380) sinaliza que a noção de que a água é um bem da
humanidade e de que deve ser disponibilizada para todos vincula-se, diretamente, ao princípio da
dignidade humana .
Dessa forma, também a idéia de cidadania redefine-se, inspirada na
primazia da pessoa, assim, segundo Farias (2005, p. 157)
Entendem-se por direitos humanos os direitos da pessoa humana, enquanto
indivíduo e cidadão, que são inalienáveis, imprescritíveis, irrenunciáveis, com
eficácia erga omnes, e que têm origem nos denominados direitos naturais,
podendo identificarem-se como direitos transindividuais, e coletivos ou difusos.
São inerentes à pessoa e devem ser respeitados e implementados pelo Estado
Todavia, verifica-se que muito ainda há que se fazer para tornar cidadã uma grande
parcela da população brasileira que vive marginalizada, excluída de qualquer forma de interação
social. Consoantemente, Gleick (apud, MACHADO 2002, p.380-381) entende que tal
posicionamento protetivo deve ser mais direito e especifico, com uma especificação do direito
fundamental de acesso à água, e questiona
Qual o propósito ou o valor de explicitar-se um direito humano à água, quando a
Comunidade Internacional tem explicitadamente reconhecido um direito
humano à comida e à vida? [...] Uma razão é para encorajar a Comunidade
Internacional e os Estados a renovar seus esforços no atendimento das
necessidades de água das suas populações. Esses esforços estão a caminho por
meio da Visão 21, um processo de criação de um Conselho Internacional de
147
Fornecimento e Tratamento da Água (Water Supply and Sanitation
Collaborative Council
WSSCC). A discussão internacional deste tema é
importante, porque levanta um tema que é global e que muitas vezes, passa
despercebido no âmbito nacional e local. A segunda razão da divulgação da
existência de tal direito relaciona-se à pressão de que o mesmo seja incorporado
nas normas obrigacionais internacionais, nacionais e locais [...] A terceira razão
é dar destaque à situação deplorável da gestão hídrica em muitas partes do
mundo. [...] Uma quarta razão refere-se a ajudar à resolução dos conflitos
internacionais por recursos hídricos compartilhados por mais de um país,
identificando a necessidade de atendimento mínimo do recursos a todos eles [...]
Finalmente, explicitando o conhecimento deste direito humano pode-se
contribuir para a criação de políticas públicas hídricas que assegurem a
utilização humana da água para o consumo como preferencial em relação aos
outros usos que possui.
Portanto, consoante a essa perspectiva, em 1988 foi promulgada a Constituição Cidadã,
que revelou-se avançada nas questões de interesses individuais e coletivos, significando grande
avanço para a cidadania ao acolher os interesses transindividuais em seu texto legal. Esses
direitos transindividuais aparecem quando o homem deixa de ser considerado isoladamente e tem
seus interesses pluralizados, que abrigam um grupo de interessados que podem variar em número
e qualidade. Essa denominação transindividuais envolve um conjunto de pessoas, as quais suas
pretensões ultrapassam o indivíduo, Morais (1996, p. 126) define a abrangência destes interesses
O prefixo trans permite, assim, que possamos apreender a idéia de que os
interesses ora debatidos, apesar de comuns(nitários), tocam imediata e
indivisivelmente embora este termo individual não tenha o mesmo conteúdo
excludente de quando está empregado com direito individual, - cada componente
desta coletividade, ao passo que a consagração do prefixo meta importa uma
perspectiva de algo que esteja alheio e acima do indivíduo, sem tocá-lo de forma
alguma. Parece-nos que esta passagem do singular para o coletivo não se faz
aniquilando o indivíduo, mas inserindo-o numa dimensão comunitária.
Entretanto, embora significativo o progresso no que diz respeito à positivação ampla de
direitos que possibilitam a cidadania, necessita-se ainda a transformação qualitativa do cidadão
passivo para um cidadão socialmente ativo, no sentido de lutar pela proteção de seus direitos
fundamentais. Nessa perspectiva, Leal (1997, p.166) preceitua
148
Em busca de novos paradigmas e pautas de ação política, talvez os direitos
humanos de todas as gerações possíveis e imagináveis, entre eles o direito de um
meio ambiente e de uma cidade sadia e justa, sirvam como um novo paradigma à
constituição de um novo pacto associativo que preserve e revele valores como a
democracia, o pluralismo jurídico, a igualdade e a justiça social.
Assim, poder-se-á estabelecer uma convivência sustentável que deve se realizar através do
respeito aos Direitos Humanos e da construção de um paradigma ecológico reconstrutor da
realidade, viabilizando direitos básicos do cidadão e criando mecanismos para sua garantia. Esses
56
direitos verificam-se positivados na Carta Magna brasileira, principalmente no artigo 5º , o qual
preceitua que
todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade . Dessa forma, Machado (2002) nos diz que cada ser
humano tem direito a consumir ou usar a água para as suas necessidades individuais
fundamentais, e que a existência do ser humano
por si só
garante-lhe o direito a consumir
água e ar. Portanto negar água ao ser humano é negar-lhe o direito à vida, e o direito à vida57 é
anterior aos outros direitos.
Assim, quando se fala em água percebe-se que esta se constitui num direito fundamental
e num bem comum da humanidade. Daí justifica-se a cláusula normativa da Constituição Federal
56
Artigo 5º, LXXIII
Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação que vise a anular ato lesivo ao
patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao
patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento das custas judiciais e do ônus da
sucumbência.
57
O direito à vida é hoje universalmente reconhecido como um direito humano básico ou fundamental. É básico ou
fundamental porque o gozo do direito à vida é uma condição necessária do gozo de todos os demais direitos
humanos (TRINDADE, 1993, p. 71).
149
de 1988 que seu art. 225 caput, assegura a todos o direito a um meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.Do mesmo modo, no inciso VI promove educação ambiental em todos os seus níveis de
ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente, como forma de educar e
alertar para a utilização racional e assegurar à atual e às futuras gerações a necessária
disponibilidade de água.
Atualmente, há um forte consenso de que alguma coisa deverá ser feita com certa
urgência para interferir nos diversos processos de degradação ambiental que ocorrem no nosso
país e no mundo. Este quadro de complexidade poderia ser desfeito, segundo Sirvinskas (2005)
pelo exercício efetivo da cidadania, que poderia resolver parte dos grandes problemas ambientais
do planeta através da ética transmitida pela educação ambiental. Isso porque, entendendo as
causas da degradação ambiental, as pessoas iriam compreender os problemas sócio-econômicos e
político-culturais e, a partir desses conhecimentos, alterariam suas atitudes comportamentais.
Para Arroyo (1987, p. 79)
Nos aproximamos de uma possível redefinição da relação entre cidadania e
educação. Há uma relação entre ambos? Há e muita, no sentido de que a luta
pela cidadania, pelo legitimo, pelos direitos, é o espaço de formação e
construção do cidadão. A educação não é uma precondição da democracia e da
partição, mas é parte, fruto e expressão do processo de sua constituição.
De acordo com esse raciocínio, percebe-se que educação ambiental e cidadania
entrelaçam-se. E essa relação se corporifica nas constituições, nas leis educacionais, nas
propostas das políticas públicas, transformando-se em princípios norteadores e atitudes nos
150
projetos político-pedagógicos das escolas, capazes de presentificar a finalidade e a preocupação
da cidadania com o meio ambiente sustentável.
Assim, percebe-se que a conscientização é a base para o exercício da cidadania, e que é
através dela que o indivíduo entende que suas ações podem afetar os demais integrantes da
sociedade. Ao seguir-se esta linha de interpretação, constata-se que consciência crítica e
cidadania, por sua vez, estão intimamente ligadas à educação em todos os níveis. Nesse contexto,
Sacristán (2002) destaca que a cidadania surge como uma categoria que promete e garante
direitos para o exercício das liberdades e para alcançar as condições matérias de vida favoráveis
ao desenvolvimento com dignidade. Existindo, portanto uma estreita relação entre educação e
cidadania, sendo que a 1ª razão tem a ver com o paralelismo existente entre a capacidade criadora
da educação e a da cidadania democrática, as quais apóiam-se reciprocamente como narrativas de
progresso. A educação pode colaborar com a construção do cidadão, estimulando o
desenvolvimento das condições necessárias para o exercício ativo e responsável de seu papel
como sujeito do processo histórico, contribuindo para a construção da cidadania e possibilitando
a vivência da vida cidadã.
Na 2ª razão o autor supra citado, funda-se no conceito de que a cidadania passa a ser um
discurso emancipatório objetivando a construção de sujeitos, de referenciais de educação, de
escola e de sociedade, expressos atualmente em projetos pedagógicos. A escola torna-se um
ambiente onde é possível construir políticas cidadãs que priorizem o aluno como um ser social
em construção e transformação da sociedade.
151
A 3ª razão é de ordem epistemológica, em que o universo discursivo sobre a cidadania é
substantivo na hora de determinar os conteúdos, os projetos, os conceitos-chaves na construção
do discurso sobre a educação para criar um novo sentido comum. Já a 4ª razão concebe a
cidadania como narrativa para a educação ganha neste século todo o vigor da necessidade de
fortalecimento dos espaços públicos, onde os indivíduos sintam-se agentes comprometidos com
as transformações sociais necessárias neste mundo globalizado no qual prevalece a destruição das
relações humanas enquanto ocorre a aparição descontrolada da violência e da marginalidade e o
esvaziamento da política e da democracia, entre outras dimensões negativas que afetam os seres
humanos. Nesse caso, a educação será um contraponto de resistência, possibilitando aos seus
agentes a reflexão desses aspectos destrutivos para despertar a assumir posturas humanizadoras
diante da realidade.
A 5ª razão apontada por Sacristán (2002), considera que a educação inclui o cidadão nas
sociedades modernas e, conseqüentemente, carecer dela significa ficar excluído da participação
social. Em síntese, o autor nos mostra que, nas sociedades do conhecimento, a pessoa não-culta
ou com carências e deficiências notáveis na educação fica excluída, ao ser impedida sua
participação plena na sociedade, em condições de igualdade com os demais. A educação
proporcionada pela escolarização passa assim a se constituir em um requisito que capacita para o
exercício igualitário da cidadania. O direito social à cultura é um direito de caráter fundamental e
um dever, não só porque dele dependa a dignificação humana, ao poder enriquecer as
possibilidades de seu desenvolvimento, mas porque se entrelaça com outros direitos civis,
políticos e econômicos das pessoas, possibilitando-os e potencializando-os.
152
Educar para o desenvolvimento sustentável implica ainda a idéia básica de que uma
sociedade orientada para a sustentabelidade redefinirá suas relações com o meio ambiente. Nesse
sentido, Freire (1998) defende a educação como uma forma de intervenção no mundo, de
presença neste mundo, intervindo, atuando, fazendo parte do processo como um todo. A partir
disso, a intervenção consciente significa superar conflitos.
A educação ambiental decorre do princípio da participação na tutela do meio ambiente.
Com ela buscou-se trazer consciência ecológica ao povo, titular do direito ao meio ambiente,
permitindo a efetivação do princípio da participação na salvaguarda desse direito, conforme nos
mostra Fiorillo (2000, p.39):
Educar ambientalmente significa: a) reduzir os custos ambientais, à medida
que a população atuará como guardiã do meio ambiente; b) efetivar o principio
da prevenção; c) fixar a idéia de consciência ecológica, que buscará sempre a
utilização de tecnologias limpas; d) incentivar a realização do princípio da
solidariedade, no exato sentido que perceberá que o meio ambiente é único,
indivisível e de titulares indetermináveis, devendo ser justa e distributivamente
acessível a todos; e) efetivar o princípio da participação, entre outras
finalidades.
De acordo com esses pressupostos, a educação ambiental pode ser considerada como uma
atividade-meio, para se atingir um objetivo-fim, que se destina a despertar e formar a consciência
ecológica para o exercício da cidadania, sendo um instrumento valioso na geração de atitudes,
hábitos e comportamentos, que concorrem para garantir a qualidade do ambiente como
patrimônio da coletividade.
Na compreensão de Leite (2003), não há como negar que, para se discutir, impor
condutas, buscar soluções e consenso que levem à proteção ambiental, é necessária a participação
153
dos diversos atores: grupos de cidadãos, organizações não-governamentais (ONGs), cientistas,
corporações industriais e muitos outros. Também, a participação redunda na transparência do
processo e na legitimidade da decisão ambiental, contribuindo de maneira profunda para a
conscientização da problemática ambiental. E mais, esta transparência implicará uma decisão
ambiental com maior consenso, com vistas à aceitação da coletividade e para a produção de seus
efeitos de forma mais prática.
Um aspecto importante do sistema legal de proteção ao meio ambiente, na lição de
Antunes (2002), é o estabelecimento de contornos jurídicos dentro dos quais os direitos e
garantias individuais podem ser exercidos, contorno este que resulta, em grande parte, da
atividade de polícia exercida pelo Estado, segundo critérios legais previamente definidos. Em
outras palavras, é necessária a atuação dos Poderes do Estado na elaboração e aplicação de
normas contemporâneas, bem como o livre acesso do cidadão para as possíveis discussões de
controvérsias, medida esta voltada para concretizar, na esfera ambiental, de forma eficiente, a
vontade social.
Vimos, portanto, que se faz imperiosa uma concepção de educação ambiental
fundamentada nos princípios de sustentabilidade, racionalização e responsabilidade, dentro da
qual todos sejamos compreendidos como parte integrante do meio ambiente e responsáveis pela
proteção e elevação da qualidade de vida no planeta. Nesse caminho, estão se abrindo novas
perspectivas de a cidadania efetivar-se através de novos protagonistas que possuam vínculo social
e tenham consciência da importância de seu papel na sociedade. Este reconhecendo de que a
gestão da água deve ser descentralizada, participativa e compartilhada é que irá assegurar sua
importância como elemento básico de suporte à biodiversidade.
154
E será através dessa mudança de concepção, ou de estilo de vida, que o
ecodesenvolvimento estará se consolidando, voltado mais para os valores ambientais como forma
de sustentação da vida.
CONCLUSÃO
O presente trabalho analisou a gestão dos recursos hídricos, com vistas aos usos racional e
múltiplo da água diante do fato de que esta é um recurso cada vez mais finito e escasso. O
homem por isso deve ter em mente que é o único agente capaz de modificar a forma de preservar
o seu habitat, devendo concentrar esforços em ações que desencadeiem um verdadeiro processo
de recuperação do meio ambiente. Para tanto, deve iniciar sua atuação identificando os processos
que levam à degradação ambiental.
Assim, com a aprovação dos novos modelos de gerenciamento de recursos hídricos, e a
introdução dos conceitos de usuário-pagador e de poluidor-pagador, bem como o sistema de
gerenciamento por bacias hidrográficas. Essa gestão deverá contar com a participação de diversos
atores sociais, para que ocorra uma melhoria significativa dos recursos hídricos, principalmente
155
no controle da poluição. Essa condição proporcionará melhoria de qualidade de mananciais de
água potável, facilitando as condições de tratamento e abastecimento de água.
Da mesma forma, a gestão dos recursos hídricos, tendo a bacia hidrográfica como unidade
de atuação e com vistas aos usos racional e múltiplo da água, considerando os diferentes atores
envolvidos, constituem um desafio do Brasil para os próximos anos.. Para tanto, a Lei 9.433/97
introduziu vários instrumentos de gestão, dentre os quais a cobrança pelo uso da água como um
instrumento econômico, a ser aplicada tanto para os usos quantitativos quanto qualitativos. Essa
lei também demarcou a área e os usuários (bacia hidrográfica) que irão pagar; apontou o detentor
do poder de decisão sobre os valores e sobre a forma de aplicação (Comitê de Bacia) e o
responsável pela aplicação dos recursos arrecadados que são Agências de Águas.
Nesse sentido, a proposta da cobrança de tarifa pelo uso da água veio juntar-se aos demais
instrumentos, com o objetivo de sinalizar corretamente para a sociedade sobre o uso dos recursos
hídricos de forma racional e atender aos princípios do desenvolvimento sustentável. Nesta
proposta, a cobrança deve apresentar, eqüidade social, eficiência econômica e prudência
ecológica, gerando receitas para que se alcancem os objetivos do sistema. Para isso, é necessário
que tais receitas superem os custos de transação decorrentes dos encargos gerados, tanto para o
Poder Público, quanto para os setores usuários e, ainda, tenham capacidade de incorporar os
custos sociais (externalidades) derivados do uso. E, também por meio da educação ambiental, que
decorrerá a capacidade do instrumento de influenciar o comportamento dos usuários do recurso
de forma a melhorar a qualidade ambiental.
156
Observou-se com a respectiva pesquisa que a cobrança pelo uso da água poderá trazer
impactos positivos e negativos aos usuários. Negativos porque pode-se constatar que esses
setores repassarão para a sociedade esse ônus, agregando mais valor aos serviços e produtos,
decorrente de alterações nos custos de utilização e produção. Mas, por outro lado, a arrecadação
será aplicada na áreas de abrangência das bacias, de modo a proporcionar a conservação, a
recuperação e o manejo sustentável dos recursos hídricos, e, também, estimular investimentos
em despoluição, reuso, proteção de acordo com o enquadramento do corpos de águas em classes
de usos preponderantes. Também o impacto da cobrança tem motivado as empresas para a
pesquisa e o desenvolvimento de técnicas de redução do uso da água.
Nesse contexto, a cobrança pelo uso da água envolve tanto interesses da União como dos
estados, que, na qualidade de detentores do domínio sobre os recursos hídricos, são os maiores
interessados na sua fiscalização, proteção e manutenção. O outro grupo de interesses consiste no
dos usuários da água, ou seja, o setor elétrico, indústria e de saneamento, agrícola de navegação,
etc. existe, ainda, um terceiro grupo de interesses, que se reflete no meio ambiente e no direito de
toda a sociedade, no presente e no futuro, poder usufruir desse recurso natural. Para isso, a água
deve ser utilizada com a cautela necessária à sua preservação, de modo a não comprometer sua
qualidade e quantidade, como se verifica na ocorrência de poluição, escassez e assoreamento de
cursos de água em várias partes do País.
Nesse sentido, a reestruturação do setor de saneamento, visando à maior eficiência na
prestação de serviços, deve ser acompanhada pela abertura de novas fontes de financiamento de
baixo custo e de subsídios para o setor, de forma a permitir a ampliação dos serviços sem
aumentos insuportáveis de tarifas. Afinal, a água é um bem de disponibilidade finita, portanto, de
157
oferta limitada, que deve atender à demanda essencial de toda a população, independentemente
da capacidade de pagamento de cada usuário. Nessas condições, as leis de mercado não se
aplicam. Privatizar a água ou comercializá-la é fator que traz mais externalidades negativas que
positivas, além de ser uma forma ardilosa de cerceamento de um direito natural de cada indivíduo
e o mercado não pode estar no controle sobre esse direito.
Pelo exposto, a proposta de ecodesenvolvimento é uma alternativa segura, mas, para se
atingir os objetivos estabelecidos em lei, são necessárias algumas mudanças nas posturas atuais e
na exploração ambiental, a partir do reconhecimento de que o ser humano é parte do ambiente e,
portanto, deve explorá-lo de maneira que não cause impacto sobre sua renovação. Para que essa
cobrança seja realmente eficaz, e para que não haja conflitos entre os usuários, a educação
ambiental é uma das soluções que podem trazer bons resultados se aplicada não só em escolas,
mas também em empresas e diversos setores da sociedade. A conscientização é a base para o
exercício da cidadania, sendo através dela que o indivíduo entende que suas ações podem afetar
os demais integrantes da sociedade. Conscientizar os cidadãos através da educação ambiental é,
deste ponto de vista, um trabalho que deve ser feito de maneira contínua. É importante que cada
um haja como mediador desse conhecimento, levando-o ao maior número de pessoas possível,
despertando sua consciência crítica, social e solidária.
158
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