USO RACIONAL E PROPAGANDA
DE MEDICAMENTOS
Maria Beatriz Cardoso Ferreira
Docente do Departamento de Farmacologia – ICBS/UFRGS
Pesquisadora CNPq na área de Farmacologia
Coordenação e facilitação de Cursos Sobre Ensino Para o Uso Racional de
Medicamentos (ANVISA, OPAS)
Endereço eletrônico: [email protected]
Ausência De Conflitos De Interesse
O QUE É
USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS?
PRINCÍPIOS DE USO DE MEDICAMENTOS
USO TRADICIONAL
Mas há 30 anos ...
PRINCÍPIOS DE USO DE MEDICAMENTOS
USO RELIGIOSO
X
CIÊNCIA
RELIGIÃO
PRINCÍPIOS DE USO DE MEDICAMENTOS
USO “FASHION”
Isto é ultrapassado!
Eu só uso o que há de mais
moderno nessa área...
USO NÃO-RACIONAL DE MEDICAMENTOS
Uso excessivo faz com que, a cada ano, novos
produtos sejam lançados, sem que isso
necessariamente redunde em proporcional melhora no
estado geral de saúde dos consumidores.
Estudo francês
De 508 novos produtos farmacêuticos lançados entre 1975
e 1984, 70% não ofereciam vantagens terapêuticas.
Avaliação da FDA
De 348 novos medicamentos comercializados entre 1981 e
1988, só 3% representaram uma contribuição importante
em relação aos tratamentos já existentes.
USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS
“Existe uso racional quando os
pacientes recebem os medicamentos
apropriados à sua condição clínica, em
doses adequadas às suas necessidades
individuais, por um período de tempo
adequado e ao menor custo possível para
eles e sua comunidade.”
OMS, Conferência Mundial Sobre Uso Racional de Medicamentos,
Nairobi, 1985.
POR QUE PROMOVER
O USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS?
 15% da população mundial consomem mais de 90% do que é produzido
pelas indústrias farmacêuticas.
 25-70%
do gasto em saúde nos países em desenvolvimento
correspondem a gastos com medicamentos, comparativamente a menos de
15% nos países desenvolvidos.
 50-70% das consultas médicas geram uma prescrição medicamentosa.
 50% de todos os medicamentos são prescritos, dispensados ou usados
inadequadamente.
 Somente 50 % dos pacientes, em média, tomam corretamente seus
medicamentos.
Brundtland, Gro Harlem.
Global partnerships for health. WHO Drug
Information 1999; 13 (2): 61-64.
O QUE É PROPAGANDA?
PROPAGANDA/PUBLICIDADE
“Conjunto de técnicas utilizadas com objetivo de
divulgar conhecimentos e/ou promover adesão a
princípios, idéias ou teorias, visando exercer influência
sobre o público por meio de ações que objetivem
promover determinado medicamento com fins
comerciais”
Resolução – RDC No 102, de 30 de novembro de 2000
PROPAGANDA e PUBLICIDADE
Etimologicamente, propaganda deriva de propagar.
Já publicidade tem origem em público.
PROPAGANDA: visa criar opinião favorável a
determinado produto, serviço, instituição ou idéia, de
modo a orientar o comportamento humano em
determinado sentido.
PUBLICIDADE: relaciona-se à promoção de produtos e
serviços, cultivando a preferência pela marca; é a
propaganda com objetivos comerciais.
PROPAGANDA/PUBLICIDADE
“É a técnica de convencer os indivíduos de que
têm a necessidade absoluta, vital, de algo que
jamais imaginaram precisar”.
SEDUÇÃO
PODER DE PERSUASÃO
E QUAL É A RELAÇÃO ENTRE
USO RACIONAL E
PROPAGANDA/PUBLICIDADE
DE MEDICAMENTOS?
Distinção entre
promoção de produtos com objetivos comerciais
e
disseminação de informações científicas
Distinção entre promoção de produtos
com objetivos comerciais e
disseminação de informações científicas
“... Ethical pharmaceutical companies should communicate
important developments in medical science to the medical
profession. The medical information department at Bayer will be
pleased to supply scientific and technical information relating to
such developments to any member of the profession in Britain
so that individual doctors can assess such information and
formulate their own prescribing policies.”
Graham Leighton, Michael E. Telford. BMJ 1997; 315: 1621 (13 December).
USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS
“Existe uso racional quando os pacientes
recebem os medicamentos apropriados à sua
condição clínica...”
 Diagnóstico: medicalização da vida; massificação da conduta versus
análise das condições específicas do paciente.
 Eficácia clínica: uso da melhor evidência disponível (medidas de
impacto clínico)
INFORMAÇÕES SEM APRESENTAÇÃO DAS EVIDÊNCIAS
Propagandas de produtos farmacêuticos em 10 fascículos consecutivos de
BMJ (março a maio de 1997)
 46 diferentes propagandas de 40 produtos farmacêuticos
 ausência de referências: 15 (32,6%)
 apenas referências não publicadas: 7 (15,2%)
 apenas referências publicadas: 15 (32,6%)
 referências publicadas e não publicadas: 9 (19,6%)
 qualquer referência de publicação com corpo de revisores: 40%
 55 referências de publicações com corpo de revisores: 13 abstracts ou
simpósios patrocinados pela indústria, publicados na própria revista (4) ou em
suplementos (9)
Mindell J; Kemp T. BMJ 1997; 315(7122): 1621
INFORMAÇÕES SEM APRESENTAÇÃO DAS EVIDÊNCIAS
Identificação de propagandas de BMJ em 6 meses
(julho a dezembro de 1996)
 63 medicamentos em 81 diferentes propagandas
 citação de apenas 2 metanálises e 41 ensaios clínicos
(vários na mesma propaganda)
 apenas 25% com alto nível de evidência
 50% sem qualquer tipo de evidência para embasamento da prescrição
Smart S; Williams C. BMJ 1997; 315(7122): 1621
EVIDÊNCIAS GERADAS COM A PROMOÇÃO DAS
INDÚSTRIAS FARMACÊUTICAS
Estudos patrocinados pelas indústrias farmacêuticas
 Associação estatisticamente significativa entre esse patrocínio e as
conclusões obtidas nos estudos.
(Lancet 2000; 356(9230): 635-638 / BMJ 2002; 325(7358): 249-253 / BMJ 2003; 326(400): 1167-1170)
 Análise de estudos publicados em 13 revistas de cirurgia e clínica:
 39% foram favoráveis ao novo tratamento ou produto da indústria;
 62% daqueles envolvendo medicamentos foram custeados pela indústria;
 em estudos com fármacos, observou-se RC = 1,6 (IC95%: 1,1 – 2,8) para
resultado positivo naqueles promovidos pela indústria
(CMAJ 2004; 170(4): 477-480)
 Estimativa,
a partir de metanálise de 1.140 artigos, de RC = 3,60
(IC95%: 2,63 - 4,91) (JAMA 2003; 289(4): 454-465)
 Unindo dados dos estudos (JAMA 2003; 289(4): 454-465 / BMC Health Serv Res 2002;
2(1): 18-24 / CMAJ 2004; 170(4): 477-480): RC = 2,3 (IC95%: 1,3 – 4,1)
EVIDÊNCIAS GERADAS COM A PROMOÇÃO DAS
INDÚSTRIAS FARMACÊUTICAS
Razões levantadas para a observação de associação estatisticamente
significativa entre patrocínio pelas indústrias farmacêuticas e conclusões
positivas dos ensaios clínicos
 Qualidade da metodologia empregada: não justifica os resultados.
 Questionamento de interesse próprio da indústria farmacêutica.
 Escolha inapropriada da intervenção para ser comparada ao novo
tratamento proposto, sendo freqüentemente escolhido como controle um
grupo que recebe placebo.
 Ausência de divulgação de resultados negativos (pela indústria ou pelas
publicações).
 Emprego de doses menores ou maiores que as recomendadas para o
tratamento padrão (controle), de modo a reduzir a eficácia ou aumentar os
efeitos adversos, respectivamente.
USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS
“Existe uso racional quando os pacientes
recebem os medicamentos... em doses
adequadas às suas necessidades individuais, por
um período de tempo adequado...”
 Doses analisadas
 Tempo de tratamento avaliado nos estudos
USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS
“Existe uso racional quando os pacientes
recebem os medicamentos... ao menor custo
possível para eles e sua comunidade.”
 Reações adversas a medicamentos
 Custo econômico
USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS
E PROPAGANDA/PUBLICIDADE
REAÇÕES ADVERSAS A MEDICAMENTOS
Ocorrência em 10-20% pacientes hospitalizados
 Responsáveis por 1,7-6,0% das admissões
 1,5-35% durante a internação (26% em hospital universitário brasileiro)
 Quarta causa estimada de morte em serviços de urgência nos EUA
 Aumento significativo de tempo de internação, custos hospitalares e
individuais

Alertas mínimos ou ausentes sobre sua ocorrência em propaganda de
medicamentos
 Falsa idéia de segurança: condiciona o profissional de saúde a buscar
outras causas para as manifestações apresentadas (“cascata da
prescrição”)

PROPAGANDA/PUBLICIDADE
DE MEDICAMENTOS
CUSTOS
 Mensagens implícitas:
 “o que é bom custa mais caro”
 “o preço não importa, frente à possibilidade de
obtenção do que se deseja (cura dos males ou
cessação do sofrimento)”
Estudo mostrou que contato freqüente com
representantes das indústrias farmacêuticas
associa-se de modo forte e independente com
maiores custos de prescrição.
ANALGÉSICO
MAS SERÁ QUE A PROPAGANDA INFLUENCIA
REALMENTE A PRESCRIÇÃO?
 Visitas de representantes de
laboratórios a consultórios, hospitais
e ambientes acadêmicos
 Patrocínio de eventos científicos
diversos
INFLUÊNCIA DA PROPAGANDA SOBRE A
PRESCRIÇÃO
• Em estudo sobre uso de novos medicamentos nos EUA, os médicos
entrevistados (especialistas e de atenção primária) relataram que vêem os
representantes das indústrias farmacêuticas como uma fonte importante de
informação. Para alguns, são sua única fonte de informação (Jones MI et al. BMJ
2001; 323: 1-7 [4 Aug]).
• Em estudo envolvendo 430 médicos, informação sobre os últimos fármacos
novos prescritos foi derivada de informações de representantes das indústrias
farmacêuticas em 42% dos casos (McGettigan P et al. Br J Clin Pharmacol 2001; 51: 184-9).
• Em estudo sobre o uso de 2 fármacos descritos na literatura como ineficazes,
mas pesadamente promovidos como tendo eficácia, 68% dos médicos
entrevistados consideraram a propaganda minimamente importante como fonte
de influência. No entanto, 49-71% relatavam informações similares às das
indústrias sobre os 2 fármacos em estudo (Arvon J et al. Am J Med 1982; 73(1): 4-8).
INFLUÊNCIA DA PROPAGANDA SOBRE A PRESCRIÇÃO
• Número de presentes que o médico recebe correlaciona-se com a crença de
que os representantes não exercem impacto no comportamento de
prescrição (Warzana A. JAMA 2000; 283: 373-380).
• Em apresentações de representantes farmacêuticos promovendo seus
produtos foi detectada uma taxa de 11% de afirmativas falsas. No entanto,
apenas 26% dos médicos que assistiram essas apresentações detectaram
pelo menos uma dessas incorreções (Ziegler MG et al. JAMA 1995; 273(16): 1296-1298).
• Observou-se associação entre encontros dos médicos com representantes
das indústrias farmacêuticas e maior requisição de inclusão em formulários
hospitalares dos medicamentos promovidos. Houve, ainda, associação com
alterações na prática de prescrição, incluindo aumento de seu custo e
prescrição menos racional (Warzana A. JAMA 2000; 283: 373-380).
INFLUÊNCIA DA PROPAGANDA SOBRE A
PRESCRIÇÃO
Propaganda de medicamentos para consumidores – isto pode
pressionar o médico a prescrever determinado medicamento?
• 57% de médicos entrevistados nos EUA relataram que os pacientes
freqüentemente chegam com propaganda de medicamentos em suas mãos
ou referindo-se a material promocional (Josefson D. BMJ 1997; 315: 445-448 [23 Aug]).
• A expectativa do paciente de receber medicamento parece ser superior à
percepção do médico e ao nível de prescrição. Em estudo realizado na
Inglaterra (Britten N, Ukoumunne O. BMJ 1997; 315: 1506-1510 [6 Dec]):
 67% dos pacientes esperavam por uma prescrição;
 25% destes não a receberam;
 em 66% das prescrições, elas estavam indicadas e eram esperadas;
 a percepção do médico sobre as expectativas do paciente foi o principal
determinante para a decisão de prescrever.
ESTRATÉGIAS PARA O USO RACIONAL
DE MEDICAMENTOS
 Reguladoras: legislação, diretrizes nacionais de tratamento,
lista de medicamentos essenciais, formulário terapêutico
nacional
 Gerenciais: Comitês de Farmácia e Terapêutica
 Educativas: ensino de farmacoterapia baseado em solução
de problemas e em evidências; ensino permanente de
profissionais de saúde
 De pesquisa: financiamento de fontes não comerciais, sobre
questionamentos clinicamente relevantes e abordando também
condições clínicas típicas de países em desenvolvimento
(menor poder aquisitivo).
USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS
Criação de nossos slogans publicitários
Medicamento é como gente.
Tem qualidades e defeitos.
Não se deixe enganar!
Seja mais inteligente!
Medicamentos.
Prescreva com moderação!
USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS
Criação de nossos slogans publicitários
=
Medicamento é como gente. Tem qualidades e defeitos. As
qualidades – a gente admira. Os defeitos – a gente agüenta ou
não. Por isso, podemos ficar, namorar ou até se juntar com algum
medicamento. Mas ele deve atender ao nosso jeito de ser (eficácia
para a condição clínica), deve ter uma convivência regrada (dose e
tempo de tratamento) e não deve proporcionar mais problemas do
que aqueles que já temos (custo econômico e reações adversas).
USO RACIONAL E PROPAGANDA DE
MEDICAMENTOS
Obrigado!
Gracias!
Thank you!
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Maria Beatriz C. Ferreira