Revista da
FAE
Terceiro setor, qualidade ética
e riqueza das organizações
Piero Muraro*
José Edmilson de Souza Lima**
Resumo
O presente artigo torna visíveis as potencialidades do Terceiro Setor no que
diz respeito à solução objetiva dos problemas sociais e à geração de riqueza
para as nações como um todo. Além do que, revisa preliminarmente o
conceito de Terceiro Setor, descreve sua expansão, acentuando sua
importância no combate aos desequilíbrios sociais e, finalmente, explicita a
necessidade de que a qualidade ética dos gestores é fundamental para
garantir o sucesso das organizações. Conclui que a riqueza de uma
organização está associada à qualidade ética de seus gestores.
Palavras-chave: terceiro setor; qualidade ética; auto-interesse.
Abstract
The current article shows potentialities of the Third Sector in relation to
an objective solution of social problems and generating wealth to nations
as a whole. Besides revising first the concept of the Third Sector, it describes
its expansion and emphasises its importance on the fight against social
imbalances. Finally, it shows the explicit need of ethical quality in managers
to be essential to ensure success of organizations. It is conclusive that the
wealth of an organization, generally speaking and particularly in the Third
Sector, is related to the ethical quality of managers.
Key-words: third sector; ethical quality; self-interest.
Rev. FAE, Curitiba, v.6, n.1, p.79-88, jan./abr. 2003
* Acadêmico do Curso de
Administração da FAE Business
School. Bolsista do Programa de
Apoio à Iniciação Científica
(PAIC) da FAE Business School.
E-mail: <[email protected]>
** Doutorando em Meio Ambiente
e Desenvolvimento pela
Universidade Federal do Paraná
(UFPR), Mestre em Sociologia
Política pela Universidade Federal
de Santa Catarina ( UFSC).
Professor da FAE Business School.
E-mail: <[email protected]>
|79
Introdução
Pode-se afirmar que a década de 1990 é o
período da expansão e consolidação do terceiro
setor em diversos países do mundo. Para alguns
estudiosos destas áreas do conhecimento, o
suporte da “economia solidária” é o terceiro
setor. Sem ele, o problema do “desemprego
estrutural”, que apavora todos os países, desde
os mais ricos aos menos ricos, tende a se agravar
de maneira cada vez mais dramática.
Nesse sentido, a expansão do terceiro setor
estimula a produção de estudos e pesquisas que
ajudem a compreender este novo fenômeno
sociocultural, que emerge como possibilidade de
distribuição de renda para muitos profissionais
excluídos dos outros setores da economia.
O Instituto Ethos, por exemplo, promove
todos os anos concursos, junto às instituições de
ensino superior, envolvendo temas direta e
indiretamente associados ao terceiro setor. Em
certa medida, intervém positivamente no
processo de consolidação do terceiro setor.
Sintonizado com tais tendências históricas,
o presente artigo, originário de um projeto de
Iniciação Científica, propõe-se a tornar visível para
os interessados, de maneira clara e objetiva, a
inegável importância da qualidade ética dos
gestores nas organizações sem fins lucrativos.1
Para tanto, recorre a estratégias metodológicas
que articulam dados secundários com dados
primários coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, junto a profissionais que atuam na
gestão de instituições do terceiro setor.
O artigo está estruturado em cinco seções,
além das considerações finais. Na primeira, são
apresentados os elementos que delimitam o
conceito de terceiro setor. Na segunda, são
elencadas as principais categorias que ajudam a
80 |
construir uma tipologia própria para o terceiro
setor. A terceira seção trata de explicitar a
importância do terceiro setor no combate aos
problemas sociais no Brasil. A quarta seção
demonstra a influência positiva do terceiro setor
no que se refere à redução do desemprego. A
quinta seção, de maneira similar à seção anterior,
demonstra a relação entre qualidade ética dos
gestores do terceiro setor e a construção de
riquezas. Por último, nas considerações finais,
tomando como referência a qualidade ética dos
gestores, são evidenciadas as potencialidades do
terceiro setor.
1 O terceiro setor
Em todos os espaços regionais existentes no
mundo, seres humanos estão buscando ampliar
seus horizontes e participar ativamente das
decisões que regem seu modo de viver. Um
terceiro setor toma dimensão global e convida
homens e mulheres a participarem de sua
expansão, rumo a uma revolução diferente do
fenômeno “lucro”, distinto do poder único e
exclusivo centrado no governo, mais em busca
da primeira Revolução Social.
Define-se terceiro setor, segundo Aquino
Alves, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas,
citado por Melo Neto e Froes (2001, p.9), como o
espaço institucional que abriga ações de caráter
privado, associativo e voluntarista voltadas para
a geração de bens de consumo coletivo, sem que
haja qualquer tipo de apropriação particular de
excedentes econômicos gerados nesse processo.
Este artigo resulta de pesquisa realizada no âmbito do
Programa de Apoio à Iniciação Científica – PAIC 2002,
desenvolvido pelo Núcleo de Iniciação Científica da FAE.
1
Revista da
Para Ruth Cardoso, citada por Melo Neto
(2001, p.8) o terceiro setor é uma nova esfera
pública, não necessariamente governamental,
constituída de iniciativas privadas em benefício
do interesse comum, compreendendo um
conjunto de ações particulares com o foco no
bem-estar público.
De acordo com Merege, citado por Srour
(1998, p.239), o terceiro setor é um conjunto de
organizações não governamentais, caracterizadas pelo aspecto de não possuir fins lucrativos
e que a partir de âmbito privado buscam
resultados públicos, com propósitos de trazer
respostas aos problemas sociais como saúde,
educação, direitos civis, proteção ao meio
ambiente etc. Suas receitas podem ser geradas
em atividades operacionais, mas resultam,
sobretudo, de doações do setor privado ou do
setor governamental. Devido a essas particularidades (figura 1), as organizações do terceiro
setor são caracterizadas a partir de duas negações:
“não governamental” ou “sem fins lucrativos”
FAE
certa forma irada com a política local, vivenciando
personagens como Guevara, Fidel, Keneddy,
convivendo com a crise no setor público,
corrupção, má gestão, crescimento das
necessidades socioeconômicas, graves problemas
sociais de miséria, violência, desemprego,
preconceito e com maior apoio da mídia e das
empresas do âmbito privado, se organizasse em
grupos para defender seus direitos em busca de
justiça e liberdade.
No Brasil, o terceiro setor foi no passado mais
conhecido por ações voltadas à caridade e ligado
a religiosos. Apenas igrejas, orfanatos, escolas
religiosas e hospitais eram vistos como
organizações importantes sem fins lucrativos. Na
década de 1970, o país vivenciou mudanças que
deram início a constantes movimentos sociais,
buscando soluções para problemas localizados
como falta de água, falta de terra, aumento de
preços, dentre outros. Ao longo da década de
1980, a repressão militar ocorrida no final da
década anterior, ainda com manchas do que
representou para o modo de viver da população
FINS
SETOR
brasileira, caracterizou um período de lutas pelos
direitos civis, seja ela pelas “Diretas Já” ou pelos
Privados
Privados
Mercado
movimentos organizados pelos sindicatos. Na
Públicos
Públicos
Estado
década de 1990, a força da expressão “sem fins
AGENTES
Para
=
Privados
Público
TerceiroSetor
Públicos
Privado
Corrupção
FIGURA1- DEFININDOOSSETORESDAECONOMIA
FONTE: FERNANDES(1994, p.21)
lucrativos”, unida a um período de fracasso
governamental nas ações sociais, deu início a uma
inegável expansão do terceiro setor, compondo
ONGs, fundações, associações, clubes recreativos
1.1 Expansão do terceiro setor
Os primeiros diretores de Organizações NãoGovernamentais (ONGs) na América Latina
possuem hoje entre 40 e 60 anos. As diferentes
formas de exclusão social, associadas à
incapacidade dos governos em promover ações
significativas fizeram com que esta população, de
Rev. FAE, Curitiba, v.6, n.1, p.81-88, jan./abr. 2003
e esportivos, institutos etc.
De acordo com o quadro 1, em termos
comparativos, a movimentação do PIB anual do
terceiro setor – US$ 1,1 trilhão – equipara-se a
países tais como Reino Unido e Itália e ultrapassa
o de países como Brasil, Rússia, Espanha e Canadá.
Em termos quantitativos, significa que o terceiro
setor caracteriza-se como um excelente negócio.
|81
QUADRO1- PIBDOTERCEIROSETOREMRELAÇÃOAOSP
IBDOS
sociedade
PAÍSES-1995
PAÍS
PIB(US$trilhões)
Eua
7,2
Japão
5,1
civil detentora de liberdade de
expressão e luta, caminhando em direção ao
crescimento e a uma certa independência na
conquista dos objetivos traçados.
Organizações filantrópicas, beneficentes e
de caridade: são organizações voltadas à
França
1,5
filantropia: (assistencialismo no auxílio a pobres,
ReinoUnido
1,1
desvalidos, desfavorecidos, miseráveis, excluídos
Itália
1,1
Terce
ro
i setor
1,1
e enfermos). É composta por abrigos, orfanatos,
Brasil
0,7
centro para indigentes, organizações voltadas à
Rússia
0,7
distribuição de alimentos, vestuário, hospitais,
Espanha
0,6
Canadá
0,5
creches, serviços sociais na área de saúde e
educação, como colégios religiosos e universiFONTE: UniversidadeJohnsKopkins
NOTA: Extraídode: CARIDE, Daniel. Maistrabalhoembenefíc
iopúblic
o. que caracteriza estas organizações são
dades.
O
GazetaMerca
ntil
,S
ãoPaulo, 27, nov. 1998, p.4.
a boa vontade, solidariedade, espírito fraterno e
serviço à comunidade. Estas são as organizações
mais freqüentes do terceiro setor e apresentam
um alto índice de confiabilidade. Além da
2 Principais categorias
confiança depositada em religiosos, estas
do terceiro setor
organizações abrem suas portas à população,
convidando-a ao trabalho muitas vezes gratuito,
mais ativo (voluntariado). Sabe-se que boa parte
O terceiro setor subdivide-se em várias
da população não gosta de apenas doar sem ver,
categorias:
prefere estar junto, e a filantropia proporciona
Associação: representa organizações que
isto a seus colaboradores.
exercem atividades comuns ou defendem
Organizações não governamentais: são
interesses comuns ou mútuos. É uma organização
voltada aos interesses dos próprios participantes, organizações que, na década de 1970, tiveram
compreendendo uma grande variedade de crescimentos representativos, gerando grandes
objetivos e atividades recreativas, esportivas, correntes de colaboradores e fãs dos trabalhos
culturais, artísticas, comunitárias e profissionais. desenvolvidos. Cerca de 68% delas surgiram
O número de associações vem crescendo no Brasil naquele contexto. A rigor, a ONG difere das
devido a problemas localizados existentes nos organizações filantrópicas por não exercer
estados, nas cidades e principalmente nos bairros. nenhum tipo de caridade, chegando até a se
Problemas em escolas, nas ruas, no combate à posicionar contra esta atitude. A ONG luta pelo
violência, na busca pela recreação e na direito e pela igualdade de todos. É uma
organização de grupos profissionais deram organização comprometida com a sociedade
origem a novas e numerosas esferas de caráter civil, com movimentos sociais e com a
público, unindo forças e transformando seus transformação social. Diferenciam-se das
colaboradores em ferramentas indispensáveis para Associações por estarem voltadas a “terceiros”,
a construção em equipe de um modelo de não buscando os seus objetivos comuns. Sua
82 |
China
2,8
Alemanha
2,2
Revista da
idéia é contrária à construção de autonomia.
Outro detalhe importante: a ONG leva “ao pé da
letra” o conceito sem fins lucrativos. Para que não
haja dúvidas entre possíveis fraudes, os diretores
não podem sequer receber remuneração por meio
de salário. Quando uma ONG desaparece, seus
bens devem ser doados para uma outra
organização do mesmo gênero.
Outra característica das ONGs é sua alienação
em relação ao Estado e ao mercado, que
conseqüentemente dá a estas organizações uma
maneira distinta de se administrar, dando ênfase
a movimentos sociais emergentes, como o
preconceito, direitos humanos, ecologia,
educação, saúde etc.
Fundações privadas: tornaram-se cada vez
mais importantes no contexto social. Vários nomes
famosos deram origem a estas, como Ayrton Senna,
Getúlio Vargas, Roberto Marinho e Leonardo da
Vinci. Várias empresas também fundaram as suas,
trazendo a parceria entre o segundo setor e o
terceiro setor. É uma categoria de conotação
essencialmente jurídica. A criação de uma
fundação se dá, segundo o Código Civil, pelo
instituidor, que através de uma escritura ou
testamento, destina bens livres, especificando o fim
a ser alcançado. Trabalham também com vários
fins: educação, saúde, qualidade de vida, etc.
3 A importância do terceiro
setor no combate aos
problemas sociais no Brasil
Uma das principais razões para o surgimento
e principalmente para a expansão do terceiro
setor no Brasil são os graves problemas sociais
enfrentados pelo país. A América do Sul já herda
há tempos este problema e o Brasil, por sua
Rev. FAE, Curitiba, v.6, n.1, p.83-88, jan./abr. 2003
FAE
extensão e pela falta de comprometimento do
setor governamental, talvez um problema mais
administrativo que territorial, segue esta linha.
Segundo o jornal Folha de S. Paulo (caderno
especial Solidariedade, de 19.12.1997), citado
por Melo Neto (2001), 40% das crianças de 0 a
14 anos vivem com renda per capita de até meio
salário mínimo; ou seja, 20 milhões de crianças;
os 20% mais ricos concentram 63,3% da renda
nacional e os 50% mais pobres acumulam 11,6%
da renda do país; 33,1% dos adolescentes estão
fora da escola; 5,1% das habitações brasileiras
estão localizadas em favelas e similares; 150 mil
pessoas estão presas no país, não contabilizando
as que se encontram em delegacias. Outros dados
importantes para serem analisados dizem respeito
à violência no Brasil: 63% das agressões físicas
sofridas pelas mulheres ocorrem dentro de casa,
sendo que apenas um terço é denunciada. O Brasil
sustenta o índice de 48,6 óbitos por mil
habitantes. Conforme levantamento feito pelo
Conselho Regional de Medicina e pela Associação
Paulista de Medicina no primeiro semestre de
1998, o total de crimes no Estado de São Paulo
foi de 767 mil. No Rio de Janeiro, em 1997, foram
assassinadas 7.794 pessoas e 40.111 automóveis
foram roubados, acumulando uma média diária
de 109 carros furtados e 284 agências bancárias
assaltadas ( MELO NETO, 2001).
Outro grave problema enfrentado pelo Brasil
é o preconceito. Segundo pesquisa realizada pelo
DIEESE (2002b), no ano de 1998, a diferença entre
a taxa de homens negros e homens não negros
desempregados chegou a 51,4% na cidade de São
Paulo e 57,9% em Salvador. A taxa de desemprego
na cidade de Recife, segundo levantamento
realizado em 2000, para homens de cor negra é
de 19,4%, enquanto para os não negros é de
15,7%. No mesmo levantamento realizado pelo
DIEESE, na cidade de Belém, no biênio de 1995/
96, 44% das crianças que executam o trabalho
infantil o fazem nas ruas.
|83
Baseado nestes e em
outros problemas sociais,
vários órgãos do terceiro setor
surgem como ferramentas a
serem usadas pela população
para alterar este quadro. A
Fundação
Abrinq
é
um
exemplo de combate a estes
problemas. É um órgão feito
Com vários problemas sociais,
mas com uma população que
respeita seu país e busca a cada
dia transformá-lo, não há
dúvidas de que a tendência
é a ampliação das organizações
do terceiro setor, da sua
profissionalização e da sua
parceria com o Estado
em benefício das crianças
No início da década de
1990, o então eleito presidente
norte-americano George Bush,
em seu discurso de posse, fez
uma declaração sobre a
importância do voluntariado,
destacando a ambição do seu
governo, indicando que seria
muito melhor a comunidade
agir em benefício dela, com
para combater os empresários que utilizam a
auxílio do governo, do que este agir, sem conhecer
mão-de-obra
os reais problemas ali instalados.
infantil.
As
empresas
se
comprometem publicamente a não contratar
menores de 14 anos e ganham um selo,
intitulado “amigo da criança”. Várias empresas
nacionais, bem como multinacionais aderiram a
este programa.
Essas organizações estão se expandindo. A
força está no veículo poderoso que pode
transformar o Brasil num novo país neste novo
século em que se vive, o coração. Várias empresas
do segundo setor deixaram para trás a
mentalidade precária do lucro como fonte de
acumulação de riqueza e se transformaram em
amigas da população brasileira. São muitas as
fundações privadas, fundadas por pequenas,
médias e grandes empresas. Além do que, vale
ressaltar o crescimento de várias ordens religiosas
nas últimas décadas do século XX. São grupos de
auxílio a indigentes, viciados em droga,
alcoólatras. Grupos de auxílio à família, ao jovem,
ao idoso. São ações em benefício do bairro, da
comunidade. Nota-se freqüentemente a união
das referidas instituições religiosas com políticos,
buscando aquilo que deseja: a parceria do terceiro
setor com o primeiro setor.
84 |
No Brasil existem hoje mais de 250.000
organizações do terceiro setor (MELO NETO e
FROES, 2001). São aproximadamente 1,2 milhão
de voluntários trabalhando principalmente em
cultura, recreação e assistência social. O terceiro
setor precisa desta parceria com o governo,
precisa ampliar sua parceria com o segundo setor
e precisa também buscar sua profissionalização,
não como ganho de mercado ou de lucro, mas
como a capacidade de uma organização em
colocar em prática seus objetivos e justificar por
meio de bons resultados sua existência. Com
vários problemas sociais, mas com uma
população que respeita seu país e busca a cada
dia transformá-lo, não há dúvidas de que a
tendência é a ampliação das organizações do
terceiro setor, da sua profissionalização e da sua
parceria com o Estado. Em Curitiba, a Fundação
de Ação Social (FAS ), órgão da prefeitura da
cidade, formou mais de 35.000 alunos em
diversos cursos em 2002, entre eles, informática,
manicure, hotelaria (inglês e espanhol),
marcenaria e costura industrial, proporcionado
emprego e conhecimento à população. Ela
segue um exemplo de que pode dar certo, de
que grandes frutos serão colhidos em função do
crescimento intelectual e social do Brasil.
Revista da
4 Desemprego X Terceiro Setor
Os problemas econômicos enfrentados pelo
Brasil nos últimos anos como a crise de 1999 e a
desvalorização do real frente ao dólar, serviram
para abalar a estrutura criada pelo governo FHC
em busca do crescimento econômico e da geração
de empregos. Serviram também para fortalecer a
importância e o crescimento das organizações do
terceiro setor. A expansão deste, quando
caracterizada por Rifkin (1995), provém do
aumento do desemprego tecnológico decorrente
da chamada Terceira Revolução Industrial, que está
deixando milhões de pessoas desempregadas. A
nação transcreve sua política na competitividade
resultante da industrialização, que amarga sérias
conseqüências de redução de empregos e aumento
das diferenças sociais, acarretando o grave
problema de má distribuição de renda.
Para combater o fim dos empregos, Rifkin
(1995), assim como outros estudiosos, aponta o
crescimento do terceiro setor e seu poder em
prover satisfatórios índices de emprego à
população. Simplesmente porque o terceiro setor
é gerido por pessoas e sua substituição por
máquinas levará muitos e muitos anos. Se as
parcerias entre empresas e organizações do
terceiro setor seguirem com a mesma intensidade
que terminaram o século XX e se for consolidada
a parceria entre Estado e terceiro setor, teremos
neste uma fuga ao desemprego, uma fuga a um
caos que o homem poderá estar disponibilizando
com a seqüência do avanço de suas invenções,
como o Clone Humano e o Robô.
No Japão, milhares de organizações sem
fins lucrativos são patrocinadas pelo setor
público atingindo cerca de 80 a 90%. Em torno
de 23.000 organizações de caridade operam
naquele país atuando em ciência, arte, religião,
dentre outros. Mais 12.000 organizações atuam
Rev. FAE, Curitiba, v.6, n.1, p.85-88, jan./abr. 2003
FAE
para o bem-estar social, como creches diurnas,
auxílio a idosos, serviços de saúde e proteção à
mulher, provando que a parceria do primeiro
setor com o terceiro setor poderá proporcionar
grande salto de qualidade de vida à população
mundial. Vale ressaltar também que uma grande
parte deste sucesso japonês concentra-se na
ajuda mútua da comunidade, que atinge cerca
de 90% dos lares japoneses.
Se o terceiro setor pretende transformar-se
em força eficaz, capaz de gerar uma nova era, o
governo terá de apoiar esta transição, investindo
nele, para que gere emprego ao homem, e não
às máquinas. Quanto ao homem, terá de se
dedicar cada dia mais à ampliação e à
profissionalização. Conforme RIFKIN (1995), no
século XXI o mercado e o setor público
desempenharão um papel reduzido na vida
cotidiana dos seres humanos em todo o mundo,
não irão de forma alguma sumir, mas entrarão
em declínio comparável à força de crescimento
das organizações do terceiro setor. Portanto, são
necessárias capacitação e força de vontade das
partes citadas, para que este conjunto possa agir
em benefício da população em geral.
5 Qualidade ética para a
contrução de riqueza
O terceiro setor, não diferente de qualquer
organização, possui problemas. A dificuldade é
facilmente visualizada na busca por novos e
permanentes parceiros, no uso de metodologias
eficientes, no acompanhamento e avaliações das
ações praticadas pela organização no combate
aos problemas sociais, entre outros. Entretanto,
dois problemas surgem com maior gravidade: A
identificação dos problemas sociais realmente
prioritários e o combate ao auto-interesse.
|85
O comportamento ético e organizacional
A ética luta contra dois fatores visivelmente
baseia-se em alguns pontos prioritários: na
aplicados em certas organizações: a falta de
aplicação dos princípios éticos a todos os
comprometimento com as prioridades
relacionamentos que a organização mantém
anunciadas e o auto-interesse
(interno e externo) e na formação da consciência
ética – social dos colaboradores perante seus
Conforme Sá (2000), a ética analisa a
parceiros e seu público alvo.
vontade e o desempenho virtuoso de ser em face
O terceiro setor é muito influente. Despertar
de suas intenções e atuações, quer relativos à
a desconfiança das pessoas é um fator que não
própria pessoa, quer em face da comunidade em
pode ocorrer nestas organizações. O terceiro setor
que se insere. A ética encara a virtude como
deve agir pensando em seu público, tendo como
prática do bem e esta como promotora da
missão primordial a administração de sua imagem. felicidade dos seres. As organizações do terceiro
A ética entra para servir como suporte a esta setor existem justamente para isso, para ajudar
missão. Segundo dados da Folha de S. Paulo o ser humano na busca constante da felicidade,
(quadro 2), as organizações do terceiro setor combatendo a pobreza e a desigualdade. Neste
apresentam grandes índices de confiabilidade contexto, de acordo com as formulações de
entre a população brasileira. Esta pesquisa mostra Giannetti (1993), a ética pode ser vista como
fator de produção. Na verdade, a qualidade ética
ainda a decadência do setor governamental.
é de vital importância para a riqueza de uma
nação. Entenda-se como nação um conjunto de
QUADRO
-2
AOPINIÃODOSBRASILEIROSSOBREASINSTITUIÇÕES
pessoas que, unidas, formam um determinado
MUITA/ ALGUMA
POUCA/ NENHUMA
grupo, seja um sistema organizacional, uma vila,
INSTITUIÇÕES
CONFIANÇA
CO
NFIANÇA
um estado. Dessa maneira, a riqueza de uma
(%)
(%)
nação pode ser entendida como o bem-estar de
)
InstituiçõesRelig(1
io
sas
65
33
toda uma sociedade, e sua conquista parte,
(1)
ONG
s
61
34
(2)
fundamentalmente, da ética aplicada à
ForçasArmadas
59
37
(3)
organização.
Imprensa/ Mídia
57
40
(2)
SistemaPúblicoEduca
cional
56
43
(1)
Sindicato
s
53
43
A ética luta contra dois fatores visivelmente
aplicados em certas organizações: a falta de
(3)
GrandesEmpresasBra
sileiras 53
44
(2)
comprometimento com as prioridades anunciadas
NaçõesUnid
as
49
45
(3)
Multinacion
ais
47
48
e o auto-interesse. É muito fácil entendermos por
(2)
Justiç
a
45
53
que estes problemas poderão acarretar a
)
OM(2
C
44
47
destruição da imagem consolidada neste início
(2)
SistemaPúblicodeS
aúde
44
55
(2)
do século XXI sobre o terceiro setor. Algumas
BancoMund
ial
41
52
)
Políc(2
ia
40
59
organizações vivem de doações, de parceiros, de
(2)
Govern
o
38
61
voluntários. Imagine que em determinada
(2)
Congres
so
32
65
organização faça-se uso da situação do pobre para
(2)
FM
I
31
62
coletar fundos, para que estes possam tomar café,
FONTE: CARIELO, Rafael. Saibaemquemosbrasileirosmaisdesconfiam.
almoçar e jantar. Alguns meses depois, esta
FolhadeS. Pa
,u
1lo
1nov. 2002
organização compra um veículo novo, aparelhos
(1) TerceiroSetor.
eletrônicos novos e faz uma reforma na parte
(2) PrimeiroSetor.
(3) SegundoSetor.
externa. Quanto ao pobre, ninguém sabe,
86 |
Revista da
ninguém viu. Atitudes como estas podem
imediatamente denegrir a imagem das
organizações e o terceiro setor pode falir da
mesma maneira que uma empresa privada morre
pela falta de administração coerente.
Num outro ponto falamos de auto-interesse.
O gestor que está à frente de uma organização
deve pensar de início que a organização não é
sua e de nada adiantará decisões centradas
apenas em seu interesse. Imagine certa
organização abrindo um processo eleitoral para
definir seu presidente: aquele que lá está não
quer sair e usa algumas malandragens devido
sua influência para permanecer no cargo, como
bonificações aos eleitores e garantia de cargo a
outros. Mas até que ponto sua permanência irá
ajudar na organização?
Conforme Giannetti (1993, p.53),
[...] seria enganoso, é certo, imaginar que a ética pode
de forma alguma substituir o interesse de cada indivíduo
em melhorar de vida. O que se pretende não é negar a
força e a importância do auto-interesse. O desafio é
entender melhor as diversas formas que ele assume e a
conseqüência disso para o funcionamento do mercado
e da riqueza das nações.
Nenhuma nação poderá enriquecer enquanto
prevalecerem o oportunismo e o egoísmo. A
riqueza está no conjunto. O crescimento do
terceiro setor é uma nova esfera, uma nova força a
ser administrada pelos gestores. Eles são o futuro
da expansão e da credibilidade destas
organizações. O poder da imagem e da mídia, a
luta por recursos escassos, a satisfação dos usuários,
a procura de novos parceiros, a mobilização do
voluntariado, as doações, as construções, a
expansão, o gestor está na frente e tem uma clara
missão: administrar usando as principais
ferramentas da administração, não esquecendo
que a ética é a educação da vontade, é o controle
consciente dos possíveis abusos provocados ou
conduzidos pelo auto-interesse.
Administrar o terceiro setor é entender que
ali existe, acima do lucro, acima da receita, acima
Rev. FAE, Curitiba, v.6, n.1, p.87-88, jan./abr. 2003
FAE
do auto-interesse, o povo. Este povo que é
responsável pela explosão de voluntariado neste
novo século, pela administração de empresas do
âmbito privado que estão fundando suas
organizações do terceiro setor, pelo atual governo
brasileiro, que promete o combate à fome e uma
mobilização contra às desigualdades sociais. Este
povo que está no século de uma possível e
desejada Revolução Social.
Considerações finais
As potencialidades do terceiro setor são
inegáveis para todos os níveis de experiência
associativa. Sua expansão revela, dentre outros
aspectos, os limites de governos cada vez menos
capazes de resolver os problemas fundamentais
e básicos da maioria da população. Sem o
terceiro setor estaríamos menos otimistas diante
de um problema que aflige não apenas os países
menos ricos, mas também os países centrais do
capitalismo, o desemprego. Com o terceiro setor,
muitas famílias garantem não só a sobrevivência,
mas, sobretudo, possibilidades de emancipação
em termos de cidadania.
É evidente que o terceiro setor não pode ser
apreendido como a panacéia, a solução final
para todos os problemas humanos. Se aceitarmos
a crença de que o terceiro setor resolve tudo,
estaremos retirando a responsabilidade dos
governos e da sociedade mais ampla de
apresentar respostas aos anseios das populações.
As potencialidades do terceiro setor estão
diretamente associadas à qualidade ética de seus
gestores. Significa que não podemos criar
expectativas de nos tornarmos uma grande e rica
nação, se mantivermos à frente das nossas
instituições pessoas de caráter comprometedor.
Como afirmou Oded Grajew, à frente do
Instituto Ethos, “o futuro está em nossas mãos.
Enquanto não formos socialmente responsáveis,
não vamos enriquecer”.
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Referências
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Terceiro setor, qualidade ética e riqueza das organizações