UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO
DO RIO GRANDE DO SUL
JOSÉ ADAIR XAVIER CHAVES
A IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10639/03 NA EDUCAÇÃO: A DESCONSTRUÇÃO
DO PRECONCEITO E DA DISCRIMINAÇÃO CONTRA A POPULAÇÃO
NEGRA BRASILEIRA
Ijuí − RS
2010
JOSÉ ADAIR XAVIER CHAVES
A IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10639/03 NA EDUCAÇÃO: A DESCONSTRUÇÃO
DO PRECONCEITO E DA DISCRIMINAÇÃO CONTRA A POPULAÇÃO
NEGRA BRASILEIRA
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em
Educação nas Ciências da Universidade Regional
do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (RS),
como requisito parcial para a obtenção do título de
MESTRE EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS.
Orientador: Dr. Paulo Afonso Zarth
Ijuí − RS
2010
UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO
DO RIO GRANDE DO SUL
A banca examinadora, abaixo assinada, aprova a dissertação:
A IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10639/03 NA EDUCAÇÃO: A DESCONSTRUÇÃO
DO PRECONCEITO E DA DISCRIMINAÇÃO CONTRA A POPULAÇÃO
NEGRA BRASILEIRA
elaborada por
JOSÉ ADAIR XAVIER CHAVES
como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Educação nas Ciências.
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Paulo Afonso Zarth (UNIJUÍ): ________________________________________
Prof. Dr. Walter Frantz (UNIJUÍ): ____________________________________________
Profª. Drª. Arisa Araújo da Luz (UERGS): ______________________________________
Profª. Drª. Noeli Valentina Weschenfelder (UNIJUÍ): ______________________________
Ijuí – RS
2010
Deus é negro
Trago no sangue uma África. O reboar de tambores, a ponta afiada de lanças, os
riscos coloridos realçando a pele e, na boca, o gosto atávico dos frutos do Jardim
do Éden.
Na alma, as cicatrizes abertas de tantos açoites, o grito imperial dos caçadores de
gente, o balanço agônico da travessia do Atlântico e, nos porões, a morte ceifando
corpos engolidos pelo mar e triturados pelos dentes afiados dos peixes.
Sou filho de Ogun e Oxalá, devoto de Iemanjá, a quem elevo as oferendas de todas
as dores e cores, lágrimas e sabores, o choro inconsolável das senzalas, a carne
lanhada de cordas, os pulsos e os tornozelos a ferros, a solidão da raça.
Sou escravo e, no entanto, senhor de mim mesmo, pois não há ferrolho que me
tranque a consciência nem moralismo que me faça encarar o corpo com os olhos
da vergonha.
Tão povoado é o céu de minhas crenças, que não rejeito nem mesmo a santeria do
clero.
Antes, reverencio o cavalo de São Jorge, transfiro aos altares a devoção aos meus
Orixás, lanço ao rio a Virgem Negra na fé de que, entre tantas brancas, trazidas
no andor do senhor de escravos, chegará o tempo em que a minha será Aparecida
e, a seus pés, também os joelhos dos brancos haverão de se dobrar.
Sou liberto e, no fundo das matas recrio um espaço de liberdade, defendendo com
espírito guerreiro o meu reduto de paz.
No quilombo, volto à África, resgato a força mistérica do meu idioma, celebro
reisados e congadas.
Cidadão Brasileiro que ainda luta por alforria, empenhado em abolir preconceitos
e discriminações, grilhões forjados na inconsistência e inconsciência dos que
insistem em fazer da diferença divergência e ignoram que DEUS é também negro.
Frei Beto
“Enquanto o negro brasileiro não tiver acesso ao conhecimento da
história de si próprio, a escravidão cultural se manterá no País”.
(João José Reis, 1993, p. 189).
AGRADECIMENTOS
Meus sinceros agradecimentos:
Aos colegas de curso de Mestrado da turma de 2008 pela interação, pelo empréstimo do
saber em sala de aula, aos professores do programa por instigarem a busca pelo
conhecimento
à secretaria do mestrado
Ao professor Paulo Zarth, por ter acompanhado e
contribuído de forma significativa para os rumos tomados no transcorrer da pesquisa.
Àquelas pessoas a quem o agradecimento não poderia bastar:
A meus pais,
que já se foram há décadas, mas me deram a vida e espiritualmente sempre estiveram e estão
comigo, aos meus filhos que sempre se orgulharam pela minha determinação e esforço, a
minha esposa Ineida, companheira há trinta anos, que suportou minha ausência nos dias de
aula, angústia, nervosismo e porque não dizer da solidão que muitas vezes a pesquisa me
impunha.
A Deus, pela saúde e paz que me permitiu chegar até aqui.
RESUMO
Esta pesquisa apresenta a questão da educação étnico-cultural/racial, com objetivo de ressaltar a
importância e a necessidade da desconstrução social do preconceito e da discriminação racial que são atribuídos
à população negra. Procura também suscitar reflexões sobre as representações sociais negativas colocadas a essa
população através da abordagem da questão educação étnico-racial no espaço escolar, a partir da Lei Federal Nº
10.639 de 09 de janeiro de 2003, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9.394/96,
que trata sobre a obrigatoriedade do ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira nos estabelecimentos de
ensino fundamental e médio no Brasil. A pesquisa foi desenvolvida em algumas escolas do município de São
Luiz Gonzaga – RS, e se propõe elencar as ações que já foram efetuadas, bem como o planejamento para a
implementação desta lei. Procura-se discutir também as concepções de alguns educadores que em função da
inclusão dessa nova disciplina no currículo escolar, tiveram que repensar sobre como são as relações étnico
raciais, sociais, pedagógicas e os procedimentos de ensino, condições oferecidas para a aprendizagem, objetivo
da educação oferecida até então pelas escolas. Observou-se também, através desta pesquisa, que Lei 10.639/03
propõe o restabelecimento do diálogo, rompendo-se o monólogo até então instituído, que trazia por referência o
falar e o fazer escolar com base em um único valor civilizatório. Com isto rompe-se conseqüentemente com a
idéia de subordinação racial no campo das idéias e das práticas educacionais, propõe reconceituar-se pela escola,
o negro, seus valores e as relações raciais na educação e na sociedade brasileira. Embora saibamos da
importância atribuída a esta inclusão curricular, alguns educadores questionaram a faltam de orientação didática,
pois declararam não ter recebido qualquer tipo de orientação pedagógica sobre a questão racial no Brasil por
ocasião dos seus cursos de formação profissional ou nas escolas onde lecionam ou lecionaram. Outros
educadores reconhecem a existência do preconceito racial na escola, seja entre alunos, de professores em relação
aos alunos, ou até do corpo administrativo para com os alunos, porém por questões éticas acaba sendo omitido e
veladas as situações. Outro fator apontado pela pesquisa trata-se da falta de materiais didáticos relacionados com
a cultura africana o que facilitaria a introdução do tema. Além disso, constatou-se algumas opiniões contrárias à
inclusão de uma educação cidadã, que destaque raça, uma vez que isso levanta o problema não existente, ou é
função da família. Portanto a implementação da lei, parte da concepção do veto ao negro; percorre os caminhos
da articulação de consciência dos seus direitos; ressignifica a função social da escola e recupera os movimentos,
no sentido de organizar experiências educativas e escrever uma história social de sua educação revelando
imagens que não conhecemos, embora os indicadores sociais e educacionais nos dêem muitas pistas sobre a
realidade das questões raciais em nosso País.
Palavras-chave: Educação - Lei 10639/03 – População negra – Discriminação racial
ABSTRACT
This work presents the ethnic-cultural/racial education question, aiming to highlight the importance and
necessity of the social prejudice and discrimination deconstruction, assigned to the black population. It also
raises thoughts on the negative social representations put to this population by addressing the issue of ethnicracial education in school from the Federal Law No. 10.639 of 09.01.2003, which changed the Law of Directives
and Bases of National Education (9.394/96), which deals about the compulsory teaching of Afro-Brazilian
History and Culture in Elementary and High School in Brazil. The research was developed in some schools in
São Luiz Gonzaga - RS, and intends to list the actions that have already been made, as well as planning for the
implementation of this law. It discusses also the conceptions of some educators who had to rethink how were
their ethnic, racial, social, educational relationships, teaching procedures, conditions offered for the learning
objective education offered by schools until the inclusion of this new subject in the school curriculum. Another
relevant aspect observed through this research is that the Law 10.639/03 proposes the resumption of dialogue,
breaking up the monologue that was before, when the school was based on a single value of civilization.
Therefore, breaks up the idea of racial subordination in the field of ideas and educational practices, and proposes
to conceptualize again, through the school, blackness, its values and race relations in education and in Brazilian
society. Although the knowledge of the importance of this inclusion, some educators questioned the lack of
guidance teaching, because they had not received any tutoring about race in Brazil during its training courses or
schools where they teach or taught; other educators recognize the existence of racial prejudice at the school or
between students, teachers to students, or until the school administration with the students, but ethical issues
omitted and covert these situations. According to the research, the main question that was asked was the lack of
teaching materials related to African culture which would facilitate the introduction to the theme. Moreover, the
results of the work show opinions against the inclusion of a citizenship education that emphasize race, because it
could raise a nonexistent problem or that this subject must be a function of the family. We can, therefore,
conclude that the history of education of the black people is the history of a set of phenomena. It comes from the
design of the veto to black people, followed the path of conscious articulation of their rights, reframes the social
function of schools and retrieves the movement, in order to organize educational experiences and write a social
history of their education, showing images that we don’t know, although social and educational indicators give
us many clues about the reality of racial issues in our country.
Key-words: Slavery – Education - Law 10639/03 – Black Population - Racial Discrimination
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Diagrama dos valores civilizatórios do projeto a cor da cultura..............................60
Figura 2: Sala de encontros do Instituto Histórico e Geográfico de SLG ................................64
Figura 3: Estudo do continente africano no Curso sobre a Cultura Afro-brasileira do Instituto
Histórico e Geográfico de SLG, pelos professores participantes. (Professora Ms Maria Py).. 65
Figura 4: Professores participantes do Curso sobre a Cultura Afro-brasileira no Instituto
Histórico e Geográfico de SLG ................................................................................................ 66
Figura 5: Portão central de acesso a Escola Estadual de Ensino Médio Gustavo Langsch...... 67
Figura 6: Quadra de esportes e Salas de aula da Escola Estadual de Ensino Médio Gustavo
Langsch..................................................................................................................................... 69
Figura 7: Instituto Estadual de Educação Professor Osmar Poppe .......................................... 72
Figura 8: Acesso principal da Escola Municipal Boa Esperança de São Luiz Gonzaga.......... 74
Figura 9: Representação do texto trabalhado na escola “Menina Bonita do laço de fita” ....... 76
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Distribuição da população residente segundo as grandes regiões..........................26
Gráfico 2: Distribuição da população com 10 anos ou mais .................................................... 26
Gráfico 3: Distribuição de pretos/pardos e brancos nas sete regiões apuradas ........................ 27
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Rendimento/hora e rendimento médio real habitualmente recebido no trabalho
principal segundo a cor ou raça ................................................................................................ 27
Tabela 2: Escolaridade média segundo a cor ou raça - setembro de 2006 ............................... 28
Tabela 3: Rendimento médio real habitualmente recebido no trabalho principal segundo a cor
ou raça e anos de estudo ........................................................................................................... 29
LISTA DE ANEXOS
Anexo 1: Recorte do Jornal A Notícia de São Luiz Gonzaga I...............................................90
Anexo 2: Recorte do Jornal A Noticia de São Luiz Gonzaga II..............................................91
Anexo 3: Palestra sobre a Lei 10639/03 na Secretaria de Educação de Ijuí ...........................92
Anexo 4: Palestra sobre a Lei 10639/03 na Escola Estadual de Bozano - RS ........................93
Anexo 5: Ações do Plano
Nacional
de
Implementação das Diretrizes Curriculares
Nacionais .................................................................................................................................94
SUMÁRIO
RESUMO............................................................................................................................... VI
ABSTRACT .........................................................................................................................VII
LISTA DE FIGURAS........................................................................................................ VIII
LISTA DE GRÁFICOS ....................................................................................................... IX
LISTA DE TABELAS............................................................................................................ X
LISTA DE ANEXOS............................................................................................................ XI
INTRODUÇÃO .....................................................................................................................14
1 DA ESCRAVIDÃO AO DESENVOLVIMENTO
DAS DESIGUALDADES
RACIAIS ................................................................................................................................19
1.1 ESCRAVIDÃO NO BRASIL .........................................................................................19
1.2 O QUE É O MITO DA DEMOCRACIA RACIAL .....................................................21
1.3 O QUE É A DESIGUALDADE RACIAL – ALGUNS INDICADORES...................25
1.4 A ORIGEM DA DESIGUALDADE NO BRASIL .......................................................29
2 A EDUCAÇÃO ÉTNICO-CULTURAL/RACIAL – REFLEXÕES PARA NOVOS
RUMOS NO ENSINO ESCOLAR.......................................................................................33
2.1 A EDUCAÇÃO ESCOLAR E SEU PAPEL SOCIAL.................................................33
2.2 QUESTÕES ÉTNICAS E CULTURAIS NO CURRICULO: UMA HISTÓRIA DE
AUSÊNCIA ............................................................................................................................35
2.3 AS CARACTERÍSTICAS DO RACISMO BRASILEIRO COM REPERCUSSÃO
NA ESCOLA..........................................................................................................................39
2.4 MOVIMENTO NEGRO E SEU COMPROMETIMENTO COM A EDUCAÇÃO.43
3 A VISIBILIDADE DO NEGRO ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO.....................................50
3.1 PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10639/03 - OBRIGATORIEDADE
DO ENSINO DA HISTÓRIA DA ÁFRICA E DA CULTURA AFRO-BRASILEIRA..50
3.2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA ...................................................................57
3.2.1 Breve Histórico do Município de São Luiz Gonzaga - RS ........................................57
3.3 CONCEITOS E VALORES ÉTNICOS APLICADOS................................................58
3.3.1 “Crioulo” .......................................................................................................................59
3.3.2 “Escravo Ou Escravizado” ..........................................................................................59
xiii
3.3.3 Valores ...........................................................................................................................60
3.3.4 Circularidade ................................................................................................................60
3.3.5 Oralidade.......................................................................................................................61
3.3.6 Energia Vital (AXÉ) .....................................................................................................61
3.3.7 Corporeidade ................................................................................................................61
3.3.8 Musicalidade .................................................................................................................62
3.3.9 Ludicidade.....................................................................................................................62
3.3.10 Cooperatividade/Comunitarismo..............................................................................62
3.3.11 Memória ......................................................................................................................62
3.3.12 Religiosidade ...............................................................................................................63
3.3.13 Ancestralidade ............................................................................................................63
3.3.14 Afetividade ..................................................................................................................63
3.4.1 Curso sobre cultura afro-brasileira. IHGSLG – Instituto Histórico Geográfico de
São Luiz Gonzaga ..................................................................................................................64
3.4.2 Breve histórico da Escola Estadual de Ensino Médio
Gustavo LangschPolivalente ..............................................................................................................................67
3.4.3 Instituto Estadual de Educação Professor Osmar Poppe .........................................71
3.4.4 Escola Municipal Boa Esperança de São Luiz Gonzaga...........................................74
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................78
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................83
ANEXOS ................................................................................................................................89
INTRODUÇÃO
Desde o início do século passado, a construção de uma identidade nacional tem
inquietado a mente dos intelectuais brasileiros. A busca constante pela unidade da nação
marcou o Brasil com um sinal indelével até hoje: o mito da democracia racial. Isto é, a idéia
de que o índio, o negro e branco se unem harmonicamente para construir o país passou a ser
difundida à exaustão. Entretanto, essa não é, e nunca foi a realidade. Crescemos ouvindo falar
que no Brasil não existe mais discriminação e preconceito racial. Porém não ser racista é mais
do que ter amigos negros e aceitar sua cultura. Ser livre de preconceitos é acreditar que todos
devem ter oportunidades iguais, independentes de cor, raça, sexo ou etnia. “Todo mundo é
igual diante da lei” (BRASIL, 2010). Esta afirmação está na nossa Constituição, como
afirmação do nosso desejo que um dia o Brasil seja assim. É importante, no entanto, que
saibamos que a realidade do nosso país é totalmente outra, o que torna contraditória essa
igualdade afirmada na lei.
É oportuno registrar que, hoje, com quase meio século vivido, começo a entender e
analisar a minha trajetória de vida, como brasileiro, cidadão negro, que cumpri com suas
obrigações e deveres, e que ao longo desse período encontrou barreiras sociais e falta de
oportunidades que começaram desde a escola básica até ao acesso do ensino superior. Nasci
numa cidade do interior, oriundo de uma família negra com cinco irmãos que já se foram
dessa vida sem ter a oportunidade de passar pelo ensino superior, e de um pai carroceiro com
o quinto ano primário e uma mãe que também nos deixou sem saber ler e escrever. Talvez
esta condição familiar se transformou em estímulo para continuar com os estudos buscando
respostas para questionamentos que até então eram naturais, mas que se mostraram diferentes
a partir do momento em que tive o conhecimento mais profundo da realidade social brasileira,
bem como da condição social do negro em nosso país. Esta pesquisa vem mostrar algumas
ações que trazem a possibilidade de transformar nossa sociedade focando a população negra
15
que corresponde 50,6% dos brasileiros.
Nosso cotidiano nos mostra que o fim da escravidão não resolveu a questão do negro
brasileiro, retirado de sua terra natal, agora, sem a condição da volta, se deparara com uma
nação construída com o seu trabalho, que não o aceita. Assim, com o advento do trabalho
livre, e com a chegada do novo trabalhador imigrante, o negro é jogado à própria sorte, em
um modo de organização social que traz em seu cerne a produção das desigualdades sociais.
Todo esse fenômeno passou despercebido pela sociedade nacional. Tudo parece ser muito
natural. A falta de uma reflexão sobre o momento histórico da passagem do trabalho escravo
para o trabalho livre pela sociedade brasileira fez com que avançassem as idéias de
inferioridade do negro.
Desta forma, as desigualdades raciais poderiam ser justificadas uma vez que na
época supunha-se ou era atribuído ao negro, que este, apresentava características inferiores ao
homem branco que aqui chegara. Até os dias atuais, há indícios que esta concepção possa
ainda perdurar no pensamento de alguns brasileiros, inclusive de que o negro seja menos
disposto ao trabalho do que o homem branco. Esse quadro foi responsável pela constituição
de uma das grandes chagas do racismo brasileiro, a naturalização da problemática do negro, e
da desigualdade racial. Essa chaga alcançou os diversos setores da vida nacional, onde o
fenômeno ideológico da naturalização chega ao seu auge com o mito da democracia racial.
De acordo com esse contexto, esta pesquisa traz um caráter investigativo que o tema
contempla, pois a implementação da Lei 10.639/03, que visa o ensino da História da África e
dos afro-descendentes nas Escolas de Ensino Médio e Fundamental, traz no seu cerne, a busca
do diálogo, rompendo o monólogo até então instituído, que trazia por referência o falar e o
fazer escolar com base em um único valor civilizatório. A lei, portanto, rompe com a idéia de
subordinação racial no campo das idéias e das práticas educacionais, e propõe reconceituar,
pela escola, o negro, seus valores e as relações raciais na educação e na sociedade brasileira.
Vale ressaltar que após cinco anos da implementação da lei exposta acima, foi
sancionada em 10 de março de 2008 a Lei 11.645/08, que acrescenta na anterior a
obrigatoriedade do estudo da história e cultura indígena, além de suprimir o artigo 79-B, que
inclui no calendário escolar o dia 20 de novembro, como Dia Nacional da Consciência Negra.
Para fins jurídicos como houve uma revogação da Lei anterior, seria mais correta a referência
à Lei n° 11645/08, porém nesta pesquisa o foco de interesse são as ações e iniciativas em
relação à implementação do estudo de História da África e cultura afro-brasileira e não
propriamente a lei formal. Por essas razões, será usada a referência à norma primeira, ou seja,
16
a Lei 10.639/2003. Mas fica a preocupação de que a lei que torna obrigatório o ensino da
temática História e Cultura Indígena venha enfrentar dificuldades semelhantes ao ensino de
história e cultura afro-brasileira.
Baseado na complexidade deste tema, esta investigação científica utiliza alguns
conceitos inerentes ao ato de pesquisar. Para isto utilizo as considerações de Gil (2002), que
define a pesquisa como um método sistêmico e pautado na lógica que visa proporcionar
respostas a questões levantadas, coloca ainda que a pesquisa é necessária quando não se tem
conhecimento suficiente do objeto, não se dispondo de informação suficiente para que se
obtenha uma resposta para o problema, ou quando a informação já disponível está
desorganizada, não podendo, assim, ser relacionada ao problema.
Conforme Demo, a pesquisa é como atividade cotidiana, considerando-a como uma
atitude, um “questionamento sistemático crítico e criativo, mais a intervenção competente na
realidade, ou o diálogo crítico permanente com a realidade em sentido teórico e prático”
(1996, p. 34). Para Vergara (2004) a pesquisa é um instrumento que visa captar ou manipular
a realidade, diferentemente de Marconi e Lakatos (1992) que consideram a pesquisa um
processo formal, que serve para a descoberta de respostas para questões anteriormente
propostas, por meio de métodos científicos.
Reportamos-nos a Gil novamente, que afirma que a pesquisa tem um caráter
pragmático, é um “processo formal e sistemático de desenvolvimento do método científico. O
objetivo fundamental da pesquisa é descobrir respostas para problemas mediante o emprego
de procedimentos científicos” (1999, p. 42).
O ato de pesquisar significa, de forma bem simples, procurar respostas para
indagações propostas, exigindo desta forma uma metodologia que nos oriente nas busca dos
objetivos. Os diferentes métodos de pesquisa são necessários e importantes para atender e
possibilitar a realização de investigações em diversas áreas do conhecimento. Os métodos não
competem entre si, mas a natureza do estudo é que determina qual é o método mais indicado.
Para desvelar como tem se desenvolvido a implantação da Lei 10.639/03, com suas
dificuldades, resistências, ações e atitudes, utilizamos anotações de campo que possibilitaram
o registro de dados e a sistematização das observações, assim como os diálogos e entrevistas
ocorridas durante esta pesquisa. Dentro deste contexto, o desenvolvimento da presente
pesquisa compreendeu as visitas exploratórias à Secretaria Municipal de Educação de São
Luiz Gonzaga e logo após às escolas elencadas em função das atividades com maior
17
representatividade relacionadas com a Lei 10639/03. De maio a setembro de 2009, essas
instituições foram visitadas com o objetivo de fazer um primeiro contato de apresentação,
providenciar medidas burocráticas para acessar as escolas, coletar informações e documentos
que auxiliariam no planejamento, na definição do grupo investigado e, a partir disso,
delineamento das estratégias para o enfrentamento do problema de pesquisa.
A periodicidade em que foram realizadas as observações não foi rígida, mas
procurou-se coincidir com os dias em que os alunos participavam de alguma atividade que
expressasse consonância com o objetivo deste trabalho. Embora os momentos de observação
tenham sido realizados no ambiente em que aconteciam as atividades, houve o cuidado de
provocar a menor interferência possível nas ações, na tentativa de apreender as situações com
maior proximidade da realidade. O cotidiano do funcionamento da escola em geral também
foi observado, como o recreio, o refeitório, a rotina dos setores administrativos como a
secretaria, algumas atividades em sala de aula e eventos especiais.
Os contatos com alunos e professores foram em forma de conversas mais informais,
pois a entrada do pesquisador no campo em estudo já havia acontecido e a comunidade
escolar tinha conhecimento da realização da investigação e estava mais familiarizada com
essa presença na instituição. As conversas aconteciam enquanto os professores e alunos
desenvolviam
suas
atividades
cotidianas,
não
havendo
um
momento
reservado
especificamente para esse fim.
Os resultados desta pesquisa estão organizados em três capítulos, ressaltando o
desenvolvimento das desigualdades raciais, descrevendo tópicos que caracterizaram a
escravidão no Brasil, o mito da democracia racial, o esclarecimento sobre a desigualdade
racial e alguns indicadores. No primeiro capítulo, há a exposição da origem da desigualdade e
suas consequências na sociedade em relação ao grupo afro-brasileiro. O segundo capítulo traz
uma abordagem relacionada com o ambiente escolar, abordando o papel da educação escolar
como um aspecto fundamental para construção da cidadania, e posteriormente expondo dois
tópicos relevantes para o entendimento das questões raciais, mostrando algumas
características do racismo brasileiro o qual interfere diretamente na vida escolar. Por último,
aborda-se todo o envolvimento do Movimento Negro com a educação na busca da visibilidade
racial para desmitificar a inferioridade do negro neste país e conceituá-lo através da educação.
Já no terceiro capítulo, ressalta-se o processo de aplicação da Lei 10639/03 trazendo os
objetivos, alguns tópicos de maior relevância e o parecer sobre sua implementação. Na
seqüência são abordados os conceitos e valores atribuídos aos afro-descendentes, finalizando
18
nas etapas e atuações de algumas Escolas de São Luiz Gonzaga que aplicam a Lei 10639/03 e
tiveram ações mais significativas minimizando as diferenças raciais e conscientizando sobre
as desigualdades e práticas do racismo no contexto escolar.
1 DA ESCRAVIDÃO AO DESENVOLVIMENTO DAS DESIGUALDADES RACIAIS
1.1 ESCRAVIDÃO NO BRASIL
Conforme a literatura brasileira, nosso país foi um dos primeiros países a conhecer a
escravidão e o ultimo a aboli-la. Até 1888, o escravismo foi o coração do Brasil. De acordo
com Maestri (1994) “pouco compreenderemos da história brasileira se desconhecemos o
nosso passado escravista”. Durante mais de trezentos anos, homens e mulheres africanos
capturados de diversas partes da África foram a principal força de trabalho brasileira. De
acordo com Lopes (2006), é provável que mais de cinco milhões de indivíduos tenham
aportado no país, provenientes dos diversos mercados.
Alguns dos principais pontos de desembarque de africanos escravizados para as
Américas eram “Gorée, no Senegal; Cacheu, na atual Guiné-Bissau; Ajuda, no atual Benin;
Old Calabar, na Nigéria; Loango e Luanda, em Angola” (LOPES, 2006, p.7). No caso
específico do Brasil, a probabilidade é que os africanos trazidos sejam oriundos das “áreas de
influência portuguesa, como as ilhas de Cabo Verde e São Tomé, as fortalezas e os
entrepostos de Argüim (de onde certamente vieram mandingas, uolofes, fulânis etc.), São
Jorge da Mina e Ajuda (axantis, fantis, iorubas, ewes, fons etc.); além de Cabinda, Luanda,
Benguela e Moçambique, de onde proveio a massa de escravos bantos predominantemente em
boa parte do território nacional” (LOPES, 2006, p.7). Os negros dos diversos locais da África
que aqui chegavam eram levados imediatamente ao mercado de escravos, onde eram vendidos
para aqueles que fizessem a maior oferta. Desse modo, membros de uma mesma família ou de
uma mesma tribo se separavam, aumentando ainda mais sua revolta. Os movimentos dos
cativos contra o sistema escravocrata eram constantes. Suicídios, inclusive os coletivos,
privando o senhor de seu investimento; homicídios praticados contra os brancos e as fugas
eram maneiras de demonstrar sua rebeldia. Os quilombos, refúgios de escravos fugidos,
20
instaladas em locais de difícil acesso, também foram uma alternativa para se livrarem da
opressão dos senhores brancos (ZAHER, 2010).
Estas situações faziam com que as revoltas contra o sistema escravocrata fossem
crescentes. Os cativos sempre resistiram à dominação e expressavam sua rebeldia com
suicídios, inclusive os coletivos, privando o senhor de seu investimento; homicídios
praticados contra os brancos e fugas. Um dos movimentos de resistência mais significativos
dos escravos foi a organização dos quilombos. Tratava-se de refúgios instalados em locais de
difícil acesso onde se abrigavam negros fugidos, índios e até brancos pobres, que viviam em
comunidade e distantes da opressão.
Segundo Maestri (1979) a diversidade de origem do africano escravizado (e,
portanto, de língua, cultura, civilização, etc) não era o único elemento a dificultar a
organização coletiva de escravos. A relativa dispersão geográfica das concentrações de mão
de obra escrava, a vigilância do senhor de escravo, de sua polícia, de seu exército, a denúncia,
o controle ideológico da Igreja eram também sérios empecilhos para operação de fuga.
Mesmo assim, esses espaços se multiplicaram por todo o Brasil, entretanto um deles
se tornou referência quando se fala em organização de resistência dos negros contra a
escravidão. Liderado por Zumbi, o Quilombo de Palmares, localizado na Serra da Barriga no
Estado de Alagoas, no século XVII, é considerado o símbolo da luta pela liberdade. Os
moradores de Palmares ficaram conhecidos pela sua astuciosa organização e força de
combate, que lhes deram a vitória em diversas batalhas contra as inúmeras invasões e
tentativas de destruição do Quilombo.
Durante a segunda metade do século XIX ganham cada vez mais força e se
proliferam os movimentos abolicionistas, que passam a pressionar com intensidade o Estado
para extinguir a escravidão. Os negros também organizam movimentos e passam a se rebelar
constantemente. As pressões externas vindas, principalmente, da Grã-Bretanha (Inglaterra),
existentes desde o início do século XIX, continuam e acabam obrigando o Brasil a cumprir as
leis e tratados internacionais que estabelecem o fim dessas importações (LOPES, 2006, p.8).
Uma série de processos conjunturais, estruturais e gradativos levou o Brasil a abolir
a escravidão em 13 de maio de 1888, sendo a última nação das Américas a dar esse passo
(FERREIRA, 2004, p.39). Depois de mais de trezentos anos de regime escravocrata é
assinada a Lei Áurea, pela princesa Isabel, filha do Imperador Dom Pedro II. Ao término da
escravidão não houve qualquer política reparatória por parte do Estado brasileiro. Os negros,
21
agora “livres”, não tiveram acesso às terras em que haviam trabalhado durante anos, nem
receberam nenhum outro meio de sustento. A consequência foi o avanço da miserabilidade
dessa camada da população brasileira.
Portanto, mesmo que nenhuma forma oficial de segregação tenha sido implantada
depois de abolida a escravidão, os negros, em sua grande maioria, não tiveram chances de se
integrar ao sistema econômico vigente. Quadro que foi agravado pela política de imigração
adotada em meados do século XIX pelo governo brasileiro. Conforme dados do Relatório de
Desenvolvimento Humano – PNUD/2005 “A contribuição decisiva dos escravos e das
escravas na produção econômica e cultural do Brasil não foi compensada na fase posterior à
Abolição e à instauração da República, em 1889. O governo republicano não teve o propósito
de promover a cidadania dos ex-escravos e de seus descendentes nem de reverter a
intolerância étnica, o racismo e as desigualdades raciais herdadas do sistema escravista. Ao
contrário, no final do século 19, o Estado brasileiro, em meio aos esforços de construção de
uma identidade nacional, incorporou mecanismos informais e simbólicos de discriminação,
fundados nas teses de racismo científico e de inferioridade biológica dos africanos, e
concretizados em políticas de atração de imigrantes europeus e em barreiras aos negros no
nascente mercado de trabalho urbano”.
Maestri (1979) aponta que a “forma mais característica de resistência ao escravismo
foi, sem duvida, a fuga e a posterior constituição desses “mocambos” ou “quilombos” pois
são esses dois nomes que designarão sucessivamente, antes e depois do século XVII, as
concentrações habitacionais dos escravos fugidos que procuravam assim constituir uma
sociedade “paralela” ( e contraditória) á sociedade “oficial”.
1.2 O QUE É O MITO DA DEMOCRACIA RACIAL
Como parâmetro para o entendimento da democracia racial brasileira utilizei os
dados do Relatório de Desenvolvimento Humano – PNUD/2005 o qual mostra que a partir da
terceira década do século 20, os paradigmas do racismo científico foram renegados pelo
pensamento hegemônico nacional.
Era o contexto de importantes mudanças políticas e sociais no país, cujas
crenças no campo racial caminhavam no sentido de abandonar os pressupostos
deterministas sobre raças superiores e inferiores e, principalmente, de afirmar a
existência de uma democracia racial no Brasil. Se os paradigmas do racismo
22
científico foram importados pela intelectualidade brasileira nos anos de 1870, no
segundo caso, a partir de 1930, as teses da democracia racial constituíram-se em
uma invenção genuinamente nacional, que perdurou no discurso oficial até as
décadas finais do século 20 (PNUD, 2005, p.36).
É válido explicitar as idéias de alguns pensadores brasileiros e influentes na
sociedade da época, sobre assuntos relacionados com a participação do negro na sociedade e
sua situação no Brasil. Destaca-se, nesse sentido, a miscigenação descrita em “Casa Grande e
Senzala”, pelo historiador e sociólogo Gilberto Freyre, revelando que esta se tratava de um
mecanismo para um processo que teve como fim a democracia racial. Porém, a miscigenação
de raças no Brasil na realidade nunca foi tratada e nunca existiu “como um processo livre,
espontâneo, e, portanto, natural, de união entre dois povos” (HASENBALG, 1979, p. 210).
Gilberto Freyre (1998) caracterizou a escravidão no Brasil como composta de
senhores bons e escravos submissos. O mito do bom senhor de Freyre é uma tentativa de
interpretar as contradições do escravismo como simples episódio sem importância, e que não
teria o poder de desfazer a harmonia entre exploradores e explorados durante aquele período.
A miscigenação seria um processo de enriquecimento racial e cultural dos povos, capaz de
gerar civilizações, e que ocorre de forma livre e democrática.
O mito da democracia racial brasileira, depois de denunciada como mito por vários
sociólogos e transformada, nos anos de 1980, no principal alvo dos ataques do movimento
negro, como sendo uma ideologia racista, a “democracia racial” passou na última década a ser
objeto de investigação mais sistemática de cientistas sociais e historiadores. A princípio,
prevaleceu a compreensão de que se tratava realmente de um mito fundador da nacionalidade.
Afinal, o Brasil teria sido percebido historicamente como um país onde os brancos tinham
uma fraca, ou quase nenhuma, consciência de raça, conforme explicitavam alguns pensadores
e também a miscigenação era, desde o período colonial, disseminada e moralmente
consentida; onde os mestiços, desde que bem-educados, seriam regularmente incorporados às
elites. O racismo no Brasil foi implantado através do mito da democracia racial
(GUIMARÃES, 2006). Esta modalidade de racismo, mascarado de status liberal e
democrático, conseguiu efetivar-se com grande eficácia, alcançando, através de sua
dissimulação, prestígio interno e externo. Nesse sentido, Hasenbalg afirma que:
[...] desde o final do Segundo Império e início da República já se acreditava que o
Brasil teria escapado do problema do preconceito racial. Explica que tal concepção
tem origem na comparação feita com a situação racial observada no Estados Unidos
23
da América daquela época. Hasenbalg, salienta que “conclusões semelhantes eram
tomadas pelas elites de outros países da América Latina, quando comparavam suas
realidades com a estadunidense. Entretanto, diferentemente dos padrões raciais
encontrados nos Estados Unidos, no Brasil e em outros países latino-americanos,
estas parecem possuir dois pontos centrais: O primeiro deles é o
embranquecimento, ou ideal do branqueamento, entendido como um projeto
nacional implementado por meio da miscigenação seletiva e políticas de
povoamento e imigração européia, e o segundo é a concepção desenvolvida por
elites políticas e intelectuais a respeito de seus próprios países, supostamente
caracterizados pela harmonia e tolerância racial e a ausência de preconceito e
discriminação racial (HASENBALG, 1979, p. 215).
A chamada “escola paulista de sociologia” desenvolveu um tipo de argumentação
diferente, entendendo que, existem áreas tradicionais, como a Bahia, Pernambuco, onde isso
pode ser verdade, onde não existiria preconceito porque não haveria ordem competitiva,
igualitária. Mas, nas áreas de desenvolvimento capitalista, em São Paulo, onde se organiza
uma sociedade de classes, à medida que aumenta a competição social, aparece o preconceito,
ou seja, a ameaça do negro tomar o lugar do branco torna-se real. Em contraposição, os
críticos da escola paulista interpretavam tal preconceito como cultura de importação, nutrida
principalmente por certos grupos imigrantes pouco adaptados ainda à vida nacional. A escola
paulista, ao contrário, buscava explicações estruturais, ou seja, remetia-se à estrutura social
em mutação, o capitalismo industrial, em gestação no país, estaria também deslanchando o
fenômeno do preconceito racial (GUIMARÃES, 2002).
A idéia de democracia racial tem suas origens nas teorias de Gilberto Freyre
de que a cultura luso-brasileira, o “mundo que o português criou”, teria
desenvolvido uma “democracia social” mais profunda e pujante que a “democracia
política” dos anglo-saxões e franceses. Essa democracia social seria basicamente
um modo diferente de colonizar que significou miscigenar-se, igualar-se, integrar
os culturalmente inferiores, absorver sua cultura, dar-lhes chances reais de
mobilidade social no mundo branco. Freyre fala depois em “democracia étnica”
para dizer que, no Brasil, apesar de uma estrutura política muito aristocrática,
desenvolvem-se, no plano das relações raciais, relações democráticas. São essas
idéias que foram traduzidas como “democracia racial” e ganharam, por um bom
tempo, pelo menos dos anos 1940 até os 1960, a conotação de um ideal político de
convivência igualitária entre brancos e negros (GUIMARÃES, 2002, p.149).
Vale lembrar que, segundo Guimarães, já na década de 60 fala-se em mito da
democracia racial, ressaltando:
Democracia racial seria apenas um discurso de dominação política, não
expressava mais nem um ideal, nem algo que existisse efetivamente, seria usado
apenas para desmobilizar a comunidade negra; como um discurso de dominação,
24
seria puramente simbólico, sua outra face seria justamente o preconceito racial e a
discriminação sistemática dos negros (2002, p.150).
O termo “democracia racial” passa, portanto, a carregar e sintetizar certa constelação
de significados. Nela, raças não existem e a cor é um acidente, algo totalmente natural, mas
não importante, pois o que prevalece é o Brasil como Estado e como nação; um Brasil em que
praticamente não existem etnias, salvo alguns quistos de imigrantes estrangeiros. Inventa-se,
portanto, um povo para o Brasil, que passa a ter samba, passa a ter um pouco da cultura negra,
que até aqui não existia. Isso porque, no Império, predominou a mística do índio e na
República, a mística do imigrante europeu, somente na Segunda República o negro vai dar
coloração à nação, à idéia de uma nação mestiça (GUIMARÃES, 2006).
Portanto, é interessante reportar-se à citação: “É declarada extinta desde a data desta
lei a escravidão no Brasil”. Este é o artigo 1º da lei que colocou, no dia 13 de abril de 1888,
milhares de negros em liberdade no país. Hoje, 116 anos depois, eles somam 50,6% da
população brasileira, que vivem, como muitos historiadores costumam afirmar, sob o mito da
democracia racial. O mito da democracia racial é contestado nas cifras, muitas delas do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): a maioria dos desempregados são
negros, o mercado de trabalho é ocupado estrita e massivamente por brancos, também são os
brancos que têm mais possibilidades de acesso às universidades.
No próximo item será ressaltado que é a desigualdade no Brasil utilizando como
referência o Relatório do Desenvolvimento Humano PNUD/2005 – Racismo, Pobreza e
Violência que revela a situação dos negros brasileiros, onde estes, “aparecem sobrerepresentados nos nichos de mercado menos valorizados como, construção civil, comércio
ambulante e setor de serviço que envolvem trabalhos manuais e pesados. Dentro dessa
questão o relatório nos mostra ainda que os negros estão sub-representados em todas as
posições de poder do Estado. A principal decorrência dessa pobreza política é sua preterição
sistemática dos processos de decisão sobre os destinos dos recursos coletivos. Na esfera do
Estado, é visível que os negros não conseguem fazer prevalecer suas necessidades em muitas
políticas públicas, fatores que poderiam auxiliá-los a se livrar do confinamento nos escalões
inferiores da sociedade. Nota-se que mesmo atingindo 50,6% da população brasileira os
negros são sub-representados em âmbito federal trazendo maiores conseqüências, pois nessa
esfera são tomadas as grandes decisões sobre a administração dos recursos coletivos e é
definida a agenda das políticas públicas (PNUD, 2005, p.47).
25
1.3 O QUE É A DESIGUALDADE RACIAL – ALGUNS INDICADORES
Além do peculiar tipo de racismo, o sistema escravocrata trouxe conseqüências
profundas à organização social brasileira. As precárias condições em que ficaram os escravos
libertos após a abolição criaram, automaticamente, classes sociais bastante distantes no que
diz respeito à situação socioeconômica. Tal quadro se estende até os dias atuais, mantendo
negros em posição de desvantagem em relação aos brancos em diversos setores da sociedade.
Conforme aponta Zarth:
[...] o tema étnico-racial readquire força e intensidade no ensino de história, por
conta das políticas educacionais recentes e dos movimentos sociais com bases
étnicas – o movimento negro e o movimento indígena. Não é uma simples volta
metodológica ao passado e sim uma tentativa de reconsiderar, numa perspectiva
crítica, as condições históricas dos diferentes grupos étnico-culturais na
constituição da sociedade nacional, marcada por inequívocas desigualdades com
características étnicas (2008, p. 20).
Recentes dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, coletados
no ano de 2007, durante a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, PNAD, atestaram
que a população brasileira, no que se refere a cor ou a raça, era composta por 49,4% de
brancos, 7,4% de pretos, 42,3% de pardos. Em comparação com o ano anterior, há um
pequeno aumento nos autodeclarados pretos em todas as regiões do país (0,5 ponto
percentual), exceto na região Norte, que registrou uma queda de 0,7 ponto percentual. Apesar
da diminuição do índice, essa região se mantém como a de maior concentração de pretos e
pardos, seguida pelo Nordeste do país. Já a população branca tem maior concentração nas
regiões Sul e Sudeste, que apresentam 78,7% e 58,4%, respectivamente, como é possível
verificar no gráfico do IBGE abaixo:
26
Gráfico 1: Distribuição da população residente segundo as Grandes Regiões
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_impressao.php?id_noticia=1233>. Acesso em: 29 set.
2008.
A partir desses índices é possível depreender que a população de cor preta e parda
(negros) representa uma parcela significativa da sociedade e participa ativamente dela, tanto
econômica como socialmente. Entretanto, nota-se que há uma lacuna quando se analisam as
diferenças, principalmente econômicas e de ensino, entre brancos e pretos/pardos.
Dados da Pesquisa Mensal de Emprego, PME, realizada em setembro de 2006 pelo
IBGE, afirmam que a população preta ou parda representava 42,8% das 39,8 milhões de
pessoas com 10 anos ou mais de idade nas seis regiões metropolitanas investigadas1 pelo
instituto, como aponta o gráfico a seguir:
Gráfico 2: Distribuição da população com 10 anos ou mais
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - 2006
http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_impressao.php?id_noticia=1233>. Acesso em: 29 set.
2008.
1
A PME abrange São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador e Recife.
27
Desses 42,8% de pretos e pardos, a maior concentração ocorre em Salvador
enquanto que Porto Alegre apresenta o menor percentual entre as regiões metropolitanas
apuradas, corroborando os dados da PNAD 2007, conforme o gráfico abaixo:
Gráfico 3: Distribuição de pretos/pardos e brancos nas sete regiões apuradas
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,
2007http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_impressao.php?id_noticia=1233>. Acesso em: 29
set. 2008.
De acordo com os dados, onde os pretos e pardos são maioria absoluta, como no
caso de Salvador, verifica-se uma grande discrepância de rendimentos quando comparados
aos brancos. Estes possuem rendimentos que chegam ao dobro do que recebem os pretos e
pardos, considerando-se iguais condições para avaliação (mesmo nível de escolaridade e
idade). Cabe ressaltar que a Pesquisa Mensal de Emprego ocorre desde 1980 e que apenas em
2002 teve implantada no questionário o quesito raça/cor. Desde então essa diferença entre os
rendimentos dos pretos/pardos e brancos manteve-se constante.
Tabela 1: Rendimento/hora e rendimento médio real habitualmente recebido no trabalho principal segundo a cor
ou raça
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2007
http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_impressao.php?id_noticia=1233>. Acesso em: 29 set.
2008.
Esses índices também são notados quando se abordam os números relativos ao
28
acesso ao ensino. Existe uma grande diferença entre o percentual de pretos e pardos que
chegam à universidade ou estão no ensino médio e os brancos que habitam esta mesma esfera.
O IBGE (2006) aponta que, dos pretos e pardos na faixa etária dos 10 aos 17 anos, 6,7% não
freqüentavam a escola, contra 4,7% dos brancos. Quanto ao acesso ao ensino superior, as
diferenças acentuam-se ainda mais. Enquanto 25,5% dos brancos com mais de 18 anos
freqüentavam, ou haviam freqüentado, a universidade, nos pretos e pardos este percentual cai
para apenas 8,2%. Em Salvador, onde a concentração de pretos e pardos é maior e foram
apuradas as maiores médias de anos de estudo entre esta parcela da sociedade, observou-se o
maior diferencial. Em média, são 2,4 anos de estudo a mais para os brancos e eles,
geralmente, chegam ao Ensino Médio. No caso dos pretos e pardos, a maioria não conclui,
sequer, o ensino fundamental.
Tabela 2: Escolaridade média segundo a cor ou raça - setembro de 2006
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2007
http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_impressao.php?id_noticia=1233>. Acesso em: 29 set.
2008.
Essa realidade do ensino dos pretos e pardos interfere diretamente no valor dos
rendimentos, ou seja, quanto menos acesso ao estudo se tem, menores são as oportunidades de
emprego e os salários.
O IBGE ainda compara os índices de acesso ao ensino superior registrados nos anos
de 1997 e 2007, mapeando as ocorrências nesse período de 10 anos entre as pesquisas.
Em 2007, a taxa de frequência a curso universitário para estudantes entre 18 e
25 anos de idade na população branca (19,4%) era quase o triplo da registrada entre
pretos e pardos (6,8%). Quadro que se repetia, com pouca variação, em todas as
regiões. Nesse nível de ensino, em todas as idades entre 18 e 25 anos, os estudantes
pretos e pardos não conseguiram alcançar em 2007 a taxa de freqüência que os
brancos tinham dez anos antes. Nesse intervalo de tempo, a diferença a favor dos
brancos, em vez de diminuir, aumentou, passando, por exemplo, de 9,6 pontos
percentuais, aos 21 anos de idade, em 1997, para 15,8 pontos percentuais em 2007
(IBGE, 2008, [s.p]).
Quando a relação é entre o nível de escolaridade e os rendimentos financeiros, é
29
possível verificar que um setor influencia imediatamente o outro. Além desse fator, há
também uma discrepância nos valores dos rendimentos, que pode chegar até 250%, quando se
comparam indivíduos de igual escolaridade, do mesmo local, porém de raças diferentes.
Percebe-se que o trabalho do branco é mais valorizado, conforme explicita a tabela seguinte:
Tabela 3: Rendimento médio real habitualmente recebido no trabalho principal segundo a cor ou raça e anos de
estudo
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2007
2007http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_impressao.php?id_noticia=1233>. Acesso em: 29
set. 2008.
Os indicadores sociais, geográficos e econômicos demonstram concretamente a
situação do afro-descendente no Brasil. As desigualdades sociais têm diversas raízes, mas sua
problemática principal é o longo período pelo qual têm se mantido constantes. Essa
permanência faz com que as discrepâncias sejam encaradas como naturais.
Os dados comprovam que é necessária a coesão da sociedade brasileira e de órgãos
públicos, estaduais e federais, para minimizar e alterar os números expostos. Portanto essa é a
configuração do negro nesse país, provando que as desigualdades continuam fazendo parte do
nosso cotidiano, abrindo seqüelas em gerações futuras e desenhando, dessa forma, um quadro
de miséria e desesperança. Somente a mobilização da sociedade e a conscientização, poderão
fazer a reversão desse estigma que nos assombra. Hasenbalg nos mostra que:
Nascer negro ou mulato no Brasil normalmente significa nascer em famílias
de baixo status. As probabilidades de fugir às limitações ligadas a uma posição
social baixa são consideravelmente menores para os não-brancos que para os
brancos de mesma origem social (1979, p.220).
30
É importante ressaltar que vivemos uma intensa desigualdade racial brasileira, que
associada a formas usualmente sutis de discriminação racial, impede o desenvolvimento das
potencialidades e o progresso social da população negra. O entendimento dos contornos
econômicos e sociais da desigualdade entre brasileiros brancos e brasileiros afro-descendentes
apresenta-se como elemento central para se construir uma sociedade democrática, socialmente
justa e economicamente eficiente. Essa investigação assume maior pertinência quando
reconhecemos que os termos da naturalização do convívio com a desigualdade no Brasil são
ainda mais categóricos no fictício mundo da “democracia racial” ditado há mais de 60 anos
por Gilberto Freyre, mas ainda verdadeiro para muitos brasileiros.
Esta configuração coloca o Brasil distante de qualquer padrão reconhecível, no
cenário mundial, como razoável em termos de justiça distributiva. As origens históricas e
institucionais da desigualdade brasileira são múltiplas, mas sua longa estabilidade faz com
que o convívio cotidiano com ela passe a ser encarado, pela sociedade, como algo natural. A
desigualdade tornada uma experiência natural não se apresenta aos olhos de nossa sociedade
como um artifício. No entanto, resulta de um acordo social excludente, que não reconhece a
cidadania para todos: a dos incluídos é distinta da dos excluídos e, em decorrência, também
são distintos os direitos, as oportunidades e os horizontes. Na visão de Hasenbalg:
A noção de desigualdade racial remonta à mensuração das diferenças entre
negros e brancos, entendendo que para atingir uma situação de igualdade racial
completa, é necessário que os dois grupos raciais (brancos e não-brancos) se
distribuam igualmente na hierarquia social e econômica (1988, p.140).
1.4 A ORIGEM DA DESIGUALDADE NO BRASIL
Embora nenhuma forma de segregação tenha sido imposta após a abolição, os exescravos tornaram-se, de maneira geral, marginalizados em relação ao sistema econômico
vigente. Além disso, o governo brasileiro iniciou, na segunda metade do século XIX, o
estímulo à imigração européia, numa tentativa explícita de “branquear” a população nacional.
Milhões de imigrantes europeus entraram no país durante as últimas décadas do século XIX e
no início do século XX. Essa força de trabalho foi contratada preferencialmente tanto na
agricultura como na indústria que estava sendo implantada nas principais cidades. Vale
ressaltar aqui o que afirma o pesquisador Henriques:
31
A naturalização da desigualdade, por sua vez, engendra no seio da
sociedade civil resistências teóricas, ideológicas e políticas para identificar o
combate à desigualdade como prioridade das políticas públicas. Procurar
desconstruir essa naturalização da desigualdade encontra-se, portanto, no
eixo estratégico de redifinição dos parâmetros de uma sociedade mais justa e
democrática (HENRIQUES, 2001, p.01).
Para analisarmos a origem das desigualdades no Brasil, vale nos remetermos
também à obra “A integração do negro na sociedade de classes” (FERNANDES, 1965). Nela,
o autor mostra como no Brasil se fomentou uma sociedade de classes em que os negros e os
mulatos jamais conseguiram se integrar plenamente, pois sofreram processos de exclusão de
diferentes ordens ao longo da história, que lhes imputou uma melhor acomodação do ponto de
vista sócio-econômico dentro das estruturas relacionais adjacentes à nossa sociedade de
classes.
Além disso, Fernandes ressalta que em certo sentido, tais populações tiveram de
aceitar a ordem social vigente, deixando debates de natureza ideológicos e utópicos mais
amplos para outras esferas sociais. Tal perspectiva se mostra particularmente atual, pois todos
estes grupos sofreram e sofrem com uma espécie de mito da democracia racial que se criou
por aqui (e que teve em obras como as de Freyre uma importante contribuição, conforme
escrito no capítulo primeiro). “A ascensão plena como homens livres” (a expressão de
Florestan Fernandes) dos negros, mulatos, índios e outras tantas “minorias” consiste em um
dentre tantos elementos pertencentes a este mito. Conceber o Brasil como um “mosaico de
raças integradas” consiste em um falso idealismo, que serve apenas para evitar que um debate
mais realista se promova na opinião pública e para reafirmar e garantir a hegemonia de certos
grupos sociais determinados.
Conforme ressaltava Florestan em 1960, as situações de miséria e de exclusão
provocaram “um doloroso processo de auto-afirmação e de protesto, que projetará o ‘homem
de cor’ no cenário histórico, como agente de reivindicações econômicas, sociais e políticas
próprias” (FERNANDES, 1965, p. 3). A valorização da “negritude”, como se convencionou
denominar certos processos de auto-afirmação e de auto-valorização de negros que lutam pela
causa da integração plena dessas populações dentro do cenário nacional, consiste em um
dentre tantos expedientes que se erguem como bandeira de luta desses grupos.
Para desvendar a origem da desigualdade no Brasil, basta lembrar que sempre nos
foi dito que negro é considerado cidadão com os mesmos direitos e deveres dos demais. No
entanto, o que aconteceu historicamente desmente este mito. Trazido como escravos foi lhe
32
tirado de forma definitiva a territorialidade, frustrando completamente a sua personalidade,
fizeram-no falar outra língua, esquecer as suas linhagens, sua família foi fragmentada e/ou
dissolvida, os seus rituais religiosos e tribais se desarticularam, o seu sistema de parentesco
completamente impedido de ser exercido, e, com isto, fizeram-no perder, total ou parcial, mas
de qualquer forma significativamente, a sua ancestralidade. Por isso, é importante ressalta
trechos da Declaração em Durban, em que se declara que:
[...] o colonialismo levou ao racismo, à discriminação racial, xenofobia e
intolerância correlata, e que os africanos e afro-descendentes, os povos de origem
asiática e os povos indígenas foram vítimas do colonialismo e continuam a ser
vítimas de suas conseqüências [...] (Trecho extraído da Declaração de Durban em
setembro de 2001. África do Sul).
Após 13 de Maio de 1888 e o sistema de marginalização social que se seguiu,
colocaram o negro como igual perante a lei, como se o seu cotidiano da sociedade competitiva
(capitalismo dependente), em que se criou esse princípio ou norma, não passasse de um mito
protetor para esconder as desigualdades sociais, econômicas e étnicas. Vê-se que o negro foi
obrigado a disputar a sobrevivência social, cultural e mesmo biológica em uma sociedade
racista e colocado, desde o princípio, em condições desiguais em comparação a outros grupos
sociais, na qual as técnicas de seleção profissional, cultural e política e étnica são feitas para
que ele permaneça imobilizado nas camadas mais oprimidas, exploradoras e subalternizadas.
Podemos dizer que os problemas da raça e classe se imbricam nesse processo de competição
do negro, pois nos parece que o interesse das classes dominantes é vê-lo marginalizado.
2 A EDUCAÇÃO ÉTNICO-CULTURAL/RACIAL – REFLEXÕES PARA NOVOS
RUMOS NO ENSINO ESCOLAR
2.1 A EDUCAÇÃO ESCOLAR E SEU PAPEL SOCIAL
Começo este capítulo expondo parte da introdução do texto elaborado por Zarth
(2008) “A Babel do Novo Mundo”, onde salienta que “A abordagem étnico-cultural está na
origem da construção da historiografia brasileira desde a conhecida fórmula das três raças,
sugerida por Friedrich Von Martins ao Instituto histórico e Geográfico Brasileiro em meados
do século 19 para explicar a formação do povo brasileiro a partir de brancos, negros e
indígenas. Esta orientação tinha como objetivo estabelecer as diretrizes para a construção de
uma identidade nacional, que é uma das tarefas fundamentais do ensino de história ainda hoje
de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais”.
A importância da escola como instituição formadora não só de saberes escolares
como, também, sociais e culturais tornou-se um debate presente no setor educacional
brasileiro. Alguns estudiosos do campo da educação e da cultura têm destacado o peso da
cultura escolar no processo de construção das identidades sociais, enfatizando a escola como
mais um espaço presente na construção do complexo processo de humanização (ARROYO,
2000; BRUNER, 2001).
Por essa perspectiva, a instituição escolar é vista como um espaço em que
aprendemos e compartilhamos não só conteúdos e saberes escolares, mas também valores,
crenças, hábitos e preconceitos raciais, de gênero, de classe e de idade. Conforme aponta
Munanga:
Não existem leis no mundo que sejam capazes de erradicar as atitudes
preconceituosas existentes nas cabeças das pessoas, atitudes essas provenientes dos
sistemas culturais de todas as sociedades humanas. No entanto, cremos que a
34
educação é capaz de oferecer tanto aos jovens como aos adultos a possibilidade de
questionar e desconstruir os mitos de superioridade e inferioridade entre grupos
humanos que foram introjetados neles pela cultura racista na qual foram socializados
(2005, p.17).
Parsons (1971) afirma que a educação escolar desempenha um papel de
“sociabilização”, contribuindo para a interiorização pelo indivíduo dos valores da sociedade e
simultaneamente, de diferenciação seletiva.
Diante deste contexto, pode-se apontar que a escola brasileira encontra-se diante de
um grande desafio: garantir educação de qualidade a todos os brasileiros, considerando,
obrigatoriamente, dentre os quesitos de qualidade a educação das relações étnico-raciais e os
conteúdos de história e cultura afro-brasileiras e africanas. Isto significa, na Educação Básica,
criar condições favoráveis para que todas as crianças e adolescentes sejam respeitadas em
suas especificidades e histórias de vida e venham a obter êxito em seus estudos escolares. O
historiador Zarth(2008) aponta que “ atualmente o tema étnico-racial readquire força e
intensidade no ensino de história por conta das políticas educacionais recentes e dos
movimentos sociais com bases étnicas – o movimento negro e o movimento indígena.
Portanto a obrigatoriedade da lei em pesquisa, volta-se especialmente, para negros e
indígenas que, dentre os grupos marginalizados e desconsiderados socialmente, são os mais
prejudicados por um modelo de escola que tem no aluno branco os seus parâmetros de
qualidade. Uma escola de qualidade deve constituir-se em espaço de inclusão, onde são
reconhecidas e combatidas as relações preconceituosas e discriminadoras, além de outras
formas de exclusão; onde deve ocorrer a apropriação, por parte de todos os integrantes do
grupo social, dos saberes dos até então marginalizados, o que significa a desconstrução das
hierarquias entre as culturas, os povos, as nações e as pessoas; em que se afirma o caráter
pluriétnico da sociedade brasileira e se reconhece a diversidade cultural da população, tendo
por meta: promover a educação de cidadãos atuantes e conscientes no seio da sociedade
multicultural e pluriétnica do Brasil, buscando relações étnico-sociais positivas, rumo à
construção de nação democrática (Parecer CNE/CP/ 003/ 04); onde se resgatam a história e
cultura afro-brasileiras e africanas e se pratica a educação das relações étnicas raciais. Nesse
sentido, conforme Rocha:
A grande tarefa no campo da educação “há de ser o de busca de” caminho e
métodos para rever o que se ensina e como se ensina nas escolas públicas e
privadas, às questões que dizem respeito do mundo da comunidade negra. A
35
educação é um campo com seqüelas profundas de racismo para não dizer, o veículo
de comunidade de ideologia branca (1998, p.56).
O contexto atual nos mostra que é de fundamental importância a inclusão do ensino
de história da África no currículo da educação básica, por saber que a instituição escolar tem
um papel fundamental no combate ao preconceito e à discriminação, porque participa na
formulação de atitudes e valores essenciais à formação da cidadania dos educandos. O
conhecimento da história da África e do negro poderá contribuir para se desfazer os
preconceitos e estereótipos ligados ao segmento afro-brasileiro, além de contribuir para o
resgate da auto-estima de milhares de crianças e jovens que se vêem marginalizados por uma
escola de padrões eurocêntricos, que nega a pluralidade étnico-cultural de nossa formação.
2.2 QUESTÕES ÉTNICAS E CULTURAIS NO CURRICULO: UMA HISTÓRIA DE
AUSÊNCIA
Conforme consta na Lei de Diretrizes e Bases, a educação brasileira organiza-se por
níveis e modalidades de ensino. Os níveis compreendem educação básica, composto por
educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, educação superior. Para qualquer nível
de ensino, os dados revelam significativas diferenças de acesso e permanência quando
analisados sob o aspecto das distinções entre brancos e negros.
O espírito da Lei 10639/2003, tem por objetivo explicitar a preocupação com o acesso
e o sucesso escolar da população negra, a Resolução CNE/CP nº 01/2004 dispôs, em seu Art.
5º, que “os sistemas de ensino tomarão providências no sentido de garantir o direito de alunos
afrodescendentes de freqüentarem estabelecimentos de ensino de qualidade, que contenham
instalações e equipamentos sólidos e atualizados, em cursos ministrados por professores
competentes no domínio de conteúdos de ensino e comprometidos com a educação de negros
e não negros, sendo capazes de corrigir posturas, atitudes, palavras que impliquem desrespeito
e discriminação”.
A constante busca pela visibilidade positiva do afrodescendente tem raiz na idéia de
que tornar visível e disponível a história de um povo e resgatar sua memória, dando voz aos
seus representantes, é fornecer as ferramentas necessárias para a edificação da sua identidade
e autoestima, as quais são fundamentais no processo de definição das formas de ser e estar no
mundo. No caso do Brasil, a trajetória e a contribuição dos africanos e seus descendentes para
36
a sociedade foi ocultada para fins de controle social, e a questão racial foi velada em nome da
ideologia do branqueamento, a qual se acreditava ser a solução dos problemas e atraso no
desenvolvimento do país (MUNANGA, 2005, p.20).
Além da busca dessa visibilidade, existem outros obstáculos criados pelo sistema ao
desempenho da população negra na sociedade brasileira, ressalto a inferiorização desta no
ensino. Primeiro, são os livros didáticos, que até recentemente ignoravam o negro brasileiro e
o povo africano como agentes ativos da formação territorial e histórica. Em seguida, a escola
algumas vezes, tem funcionado como uma espécie de segregadora informal. A ideologia
subjacente a essa prática de ocultação e distorção das comunidades afro-descendentes e seus
valores tem como objetivo não oferecer modelos relevantes que ajudem a construir uma autoimagem positiva, nem dar referência a sua verdadeira territorialidade e sua história, aqui, e,
sobretudo na África.
É possível ressaltar que todo o quadro de invisibilidade relacionada aos negros deste
país nos remete a herança deixada pelo regime escravocrata onde “os africanos escravizados,
considerados objetos de uso antes de seres humanos, foi praticamente vedada a possibilidade
de acesso à aprendizagem do ler e escrever” (SILVA, 2004, p. 41). É oportuno lembrar que
em um determinado período na história do Brasil os negros escravizados eram proibidos de
freqüentar a escola. Havia o impedimento, na forma de lei, que proibia que os negros/
escravos estudassem. Romão (2000), citando Cunha (1999, p.87), observa que o acesso à
educação dos escravizados e dos africanos era proibido pela Lei número 01, de 04 de janeiro
de 1837, que assim determinava no seu artigo terceiro:
São proibidos de freqüentar as escolas públicas:
§ 1º Todas as pessoas que padecem de moléstias contagiosas
§ 2º Os escravos e os pretos africanos ainda que sejam livres ou libertos.
A existência dessas questões implica rever o rumo assumido pelas concepções
educacionais brasileiras adotadas, exigindo que estas sejam transformadas de modo que se
caracterizem pela busca de alternativas e práticas necessárias que possam possibilitar o
avanço no debate, e na compreensão das contradições e das pressões das mais diferentes
ordens que remete os seres humanos para além da desigualdade e da exclusão social. Por tudo
isso, é possível acreditar que as possibilidades e perspectivas emanadas por meio da Lei
10639/03 podem estabelecer novos marcos de reflexão na educação escolar brasileira.
A educação voltada para as relações étnico-raciais e para o ensino de história e
37
cultura afro-brasileira e africana pode promover a igualdade étnico-racial/social e a não
discriminação das pessoas negras. Assim, num futuro próximo, os negros poderão participar
de forma efetiva em condições de direito e em condições de igualdade com as outras pessoas,
no acesso às universidades, a cargos e funções em todos os setores na sociedade. Para tratar
das questões da diversidade étnico-cultural/racial, é pertinente destacar que a escravidão
sofrida pelos negros no Brasil foi uma ação criminosa, indesculpável e injustificável.
Muitas vezes, como nos lembra Valente (1987), ainda nos deparamos com
argumentos equivocados, que procuram dar justificativas de natureza e razões econômicas e
de colonização, para o terrível processo de escravização imposta ao povo negro, durante mais
de três séculos. Ademais, as concepções e informações de caráter preconceituoso, não podem
dificultar ou impedir que sejam colocados na história da humanidade, novos conhecimentos e
descobrimentos sobre o continente africano.
Segundo o Plano Nacional de Implementação das DCNs da Educação para as
Relações Etnicorraciais, está dirigido formalmente para que, os sistemas e instituições de
ensino cumpram o estabelecido nas leis 10639/03 e 11645/08. Assim, as instituições devem
realizar revisão curricular para a implantação da temática, quer nas gestões dos Projetos
Políticos Pedagógicos, quer nas Coordenações pedagógicas e colegiados, uma vez que
possuem a liberdade para ajustar seus conteúdos e contribuir no necessário processo de
democratização da escola, da ampliação do direito de todos e todas à educação, e do
reconhecimento de outras matrizes de saberes da sociedade brasileira.
É necessário lembrar que mesmo sendo tomadas medidas como a explicitada a cima
alguns estudos recentes baseados em pesquisas de amplitude nacional ainda apontam que o
sistema educacional pode perpetuar o racismo, já que a instituição escolar legitima com
freqüência a ideologia dominante reproduzindo as desigualdades quando compactua com a
visão de que a cultura baseada no eurocentrismo e na idéia do branqueamento é a oficial, a
“normal” e, por esse motivo, a mais bem aceita socialmente. Uma das implicações dessa
situação em sala de aula é a discriminação dos alunos que não se enquadram nesse perfil de
sujeito branco idealizado pela sociedade e ratificado muitas vezes por algumas escolas,
mesmo que de maneira oculta.
Baseado em estudos realizados em instituições do país e confirmados também
através desta pesquisa no município em estudo (São Luiz Gonzaga - RS), vale destacar alguns
dos principais pontos considerados para a necessidade da elaboração de ações de combate ao
preconceito racial contra o negro no âmbito educacional brasileiro. Hoje, apesar dos debates e
38
a obrigatoriedade da Lei 10639/2003 ainda podemos constatar um silêncio em torno das
discussões étnicas, levando-se em conta alguns levantamentos divulgados recentemente,
grande parte das instituições educacionais no Brasil o tema das relações étnicas não é
contemplado, os argumentos justificando a situação são diversos.
Muitas vezes o tema é visto como secundário, ou menos importante. Este assunto e
todas as discussões que ele suscita são ignorados ou recebem uma atenção ínfima resultando
em lacunas na compreensão dos alunos, ou até visões deturpadas a respeito desta importante
questão. O material didático pedagógico, embora existam muitos investimentos por parte do
governo às vezes o material não chega até as escolas.
Ainda existe a constatação do uso de expressões pejorativas que muitas vezes
tornam-se normais no meio escolar, tratamento entre alunos ou até de professores com termos
ou apelidos que possuem uma carga semântica negativa, ou preconceituosa, mas que muitas
vezes são supostamente consideradas positivas e acabam encobrindo e cristalizando o
racismo, atitudes discriminatórias e a inferiorização dos afro-brasileiros.
A falta de profissionais afro-descendentes no grupo de trabalho da instituição e
também nas parcerias que poderiam ministrar cursos e palestras deixa de fornecer aos
estudantes referências positivas próximas dificultando o processo de desconstrução de
pensamentos preconceituosos. Naturalizar as situações de discriminação racial na relação
entre alunos e entre professores e alunos reduzindo-as a problemas comuns da convivência
humana faz com que o conflito étnico seja relegado a segundo plano. Com essa atitude são
encobertos os conseqüentes danos à construção da identidade e da auto-estima do estudante, o
que pode ocasionar prejuízos inclusive para seu rendimento escolar e desenvolvimento
integral.
A reversão dessa situação se inicia com o (re)conhecimento da existência dos
seculares conflitos étnicos, desde as relações mais íntimas até esferas institucionais, além da
admissão de que tais embates não são puramente questões de fundo socioeconômico. Essa
afirmativa é apontada, por Munanga, que ressalta:
A primeira atitude corajosa que devemos tomar é a confissão de que nossa
sociedade, a despeito das diferenças com outras sociedades ideologicamente
apontadas como as mais racistas (por exemplo, Estados Unidos e África do Sul), é
também racista. Ou seja, despojarmo-nos do medo de sermos preconceituosos e
racistas. Uma vez cumprida esta condição primordial, que no fundo exige uma
transformação radical de nossa estrutura mental herdada do mito de democracia
racial, mito segundo o qual no Brasil não existe preconceito étnico-racial e,
39
conseqüentemente, não existem barreiras sociais baseadas na existência da nossa
diversidade étnica e racial, podemos então enfrentar o segundo desafio de como
inventar as estratégias educativas e pedagógicas de combate ao racismo (2005,
p.18).
Portanto, a tarefa de levar o tema racial para o ambiente escolar não é simples de ser
cumprida. A primeira dificuldade que se apresenta é a de inserir novos modos de lecionar, os
quais tenham a capacidade de abranger diferentes visões e lógicas de tratamento dos
conteúdos ao sistema que está posto. Outra questão é a certeza de que uma das portas de
entrada no mundo educacional é a concepção do currículo escolar, que é o planejamento das
práticas didáticas. Trata-se de um documento que deve especificar os conteúdos a serem
trabalhados em aula, com base em amplas reflexões a respeito dos objetivos e da filosofia da
escola. Mas não deve ser pensado apenas como uma simples enumeração de tarefas a serem
implementadas no próximo ano letivo. Desse modo, é oportuno o que afirma Sacristan:
O currículo tem que ser entendido como a cultura real que surge de uma série
de processos, mais que como um objeto delimitado e estático que se pode planejar e
depois implantar; aquilo que é, na realidade, a cultura nas salas de aula, fica
configurado em uma série de processos: as decisões prévias acerca do que se vai
fazer no ensino, as tarefas acadêmicas reais que são desenvolvidas, a forma como a
vida interna das salas de aula e os conteúdos de ensino se vinculam com o mundo
exterior, as relações grupais, o uso e o aproveitamento de materiais, as práticas de
avaliação, etc (1995, p.87).
Entretanto, o currículo que rege o ensino nas escolas está algumas vezes, distante do
ideal, o qual deveria privilegiar também a vivência adquirida pelo aluno no exterior do
ambiente escolar, a diversidade social, além de considerar as limitações e avanços das
relações em sala de aula, enfim, que atenda os interesses e anseios da totalidade de alunos
contendo elementos representativos dos múltiplos universos presentes na cultura da sociedade
na qual emerge o sistema educacional. Este é momento crucial em que é feita a pergunta “o
que deve ser ensinado?”, como menciona Silva (1999) em suas teorizações a respeito do
currículo. “O questionamento tem o objetivo de fazer uma reflexão e justificar os
conhecimentos selecionados, porém a interrogação conduz o debate para um campo ainda
mais profundo, que diz respeito à indagação sobre “qual tipo de sujeito uma sociedade deseja
construir?”. Esta questão poderia também anteceder a anterior, já que o objetivo do currículo
é criar diretrizes que vão participar da formação dos indivíduos através da escola”.
A partir deste entendimento é possível perceber a importância da Lei 10.639/03, a
qual estabelece uma expressiva modificação nessa diretriz que rege o sistema educacional no
40
país. O decreto pode ser visto como o início da mudança de posicionamento do governo
sobre a questão das relações étnicas no Brasil e do reconhecimento à contribuição dos
africanos e afro-descendentes para a história brasileira.
2.3 AS CARACTERÍSTICAS DO RACISMO BRASILEIRO COM REPERCUSSÃO
NA ESCOLA
Ao iniciar este sub-item farei algumas considerações e definições sobre o racismo
onde este, “é uma ideologia que postula a existência de hierarquia entre os grupos humanos”
(Programa Nacional de Direitos Humanos, 1998, p.12). Mas pode ser definido também como:
A teoria ou idéia de que existe uma relação de causa e efeito entre características
físicas herdadas por uma pessoa e certos traços de sua personalidade, inteligência ou
cultura. E, somados a isso, a noção de que certas raças são naturalmente inferiores
ou superiores a outras (BEATO, 1998, P.1).
Já o professor José Rufino conceitua o racismo como:
A suposição de que raças e, em seguida, a caracterização biogenética de fenômenos
puramente sociais e culturais. E também uma modalidade de dominação, ou antes,
uma maneira de justificar a dominação de um grupo sobre outro, inspirada nas
diferenças fenotípicas da nossa espécie. Ignorância e interesses combinados, como
se vê (SANTOS, 1990, p.12).
No Relatório de Desenvolvimento Humano – Brasil 2005 racismo, pobreza e
violência, organizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD
Brasil revela que o Racismo, “engloba as ideologias racistas, as atitudes fundadas nos
preconceitos raciais, os comportamentos discriminatórios, as disposições estruturais e as
práticas institucionalizadas que resultam em desigualdade racial, assim como a noção
falaciosa de que as relações discriminatórias entre grupos são moral e cientificamente
justificáveis, conforme descrito na Declaração da Unesco sobre Raça e Preconceito Racial, de
27 de novembro de 1978”.
Segundo a declaração, “o racismo se manifesta por meio de disposições legais ou
regimentais e por práticas discriminatórias, assim como por meio de crenças e atos antisociais; impede o desenvolvimento de suas vítimas, perverte quem o pratica, divide as nações
internamente, constitui um obstáculo para a cooperação internacional e cria tensões políticas
41
entre os povos; é contrário aos princípios fundamentais do direito internacional e, por
conseguinte, perturba seriamente a paz e a segurança internacionais”.
Com relação ao Racismo Institucional o relatório define como um “fracasso coletivo
de uma organização em prover um serviço profissional e adequado às pessoas em razão de seu
fenótipo, cultura ou origem étnica. Ele se manifesta em processos, atitudes ou
comportamentos que denotam discriminação resultante de preconceito inconsciente,
ignorância, falta de atenção, ou de estereótipos racistas que põem minorias étnicas em
desvantagem. Sua conseqüência é a inércia das instituições e organizações frente às
evidências das desigualdades raciais”.
O historiador Paulo Zarth, ressalta em seu texto “A Babel do Novo Mundo” que no
Relatório de Desenvolvimento Humano – Brasil 2005 racismo, pobreza e violência,
organizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD Brasil traz
uma série de dados revelando que os índices de desenvolvimento humano tem correlação forte
entre renda e grupo étnico no Brasil, revelando o racismo velado ainda existente na sociedade
e dando origem a uma convivência tensa, entre a cultura afro-brasileira e os demais grupos
dominantes de origem européia.
No Brasil, o racismo desenvolveu-se e esta presente nas práticas sociais nos
discursos um racismo de atitudes, mas sem ser reconhecido pelo sistema jurídico e sendo
negado pelo discurso não-racialista da nacionalidade. Baseado nisso, o sistema escolar
brasileiro não poderia ficar imune, pois é na escola que construímos os cidadãos do futuro e
que compõe a população deste país. O professor Kabengele Munanga na apresentação do seu
livro “Superando o Racismo na Escola”, questiona “como, reverter esse quadro
preconceituoso que prejudica na formação do verdadeiro cidadão e a educação de todos, em
especial os membros dos grupos étnicos vítimas do preconceito e da discriminação racial?”.
Munanga ainda afirma que “não existem leis no mundo capaz de erradicar as
atitudes preconceituosas existentes nas cabeças das pessoas, atitudes essas provenientes dos
sistemas culturais de todas as sociedades humanas, no entanto cremos que a educação é capaz
de oferecer tanto aos jovens como aos adultos a possibilidade de questionar e desconstruir os
mitos de superioridade e inferioridade entre grupos humanos introjetados pela cultura racista
na qual foram socializados” (MUNANGA, 2008, p.13).
Esta forma de se classificar racialmente mantém intacta a estereotipia negativa dos
negros, mas elimina desta categoria a maior parte dos mestiços que, justamente por isso,
42
continuam a ter a auto-estima perseguida por estes estereótipos. No mercado de trabalho,
principalmente, estes estereótipos raciais se misturam aos estereótipos de classe para gerar o
mecanismo de seleção conhecido como “boa aparência” (DAMASCENO, 1998) responsável
pela reprodução de boa parte das desigualdades raciais de ocupação e renda.
[...] reconhecemos que a escravidão e o tráfico escravo são crimes contra a
humanidade e assim devem ser considerados, especialmente o tráfico de escravos
transatlântico, estando entre as maiores manifestações e fontes de racismo,
discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata. [...] (Trechos extraídos da
Declaração de Durban, setembro de 2001. África do Sul).
O racismo brasileiro, como vemos, na sua estratégia e nas suas táticas, age sem
demonstrar a sua rigidez, não aparece à luz, é ambíguo, mas altamente eficiente nos seus
objetivos. Baseado nisso, como poderemos ter democracia racial em um país que não se tem
plena e completa democracia social, política, econômica e cultural? Um país que tem na sua
estrutura social vestígios do sistema escravista, com uma concentração fundiária e de renda
das maiores do mundo; governado por oligarquias regionais, um país no qual a concentração
de renda exclui total ou parcialmente 80% da sua população da possibilidade de usufruir um
padrão de vida decente; que tem 30 milhões de menores abandonados, carentes ou
criminalizados?
Em geral, o racismo , quando publicamente expresso, é por meio de um discurso
sobre a inferioridade cultural dos povos africanos e o baixo nível cultural das suas tradições e
de seus descendentes. Constata-se que racismo atravessou duas grandes fases: a da
discriminação racial aberta, mas informal e secundada pela discriminação de classe e de sexo,
que gerava uma segregação de fato dos espaços públicos e privados (praças e ruas, clubes
sociais, bares e restaurantes etc.) e a fase atual, quando, com a discriminação e a segregação
raciais sob fogo, apenas os mecanismos estritos de mercado (discriminação de indivíduos e
não de grupos) ou psicológicos de inferiorização de características individuais (ou
autodiscriminação) permitem a reprodução das desigualdades raciais. Vale expor aqui o que
declara Hasenbalg:
Os intelectuais e estudiosos das relações raciais de persuasão liberal e
conservadora vêm enfatizando, há várias décadas, o caráter único e harmonioso das
relações raciais no Brasil. Comparando com outras sociedades multi-raciais, o
Brasil ofereceria ao resto do mundo o exemplo de uma “democracia racial”, já
43
realizada, onde negros e mulatos usufruindo de igualdade de oportunidades, são
integrados na cultura e comunidade nacionais. Esta visão otimista da singuralidade
da situação racial Brasileira contém uma meia verdade. Quando são feitas
comparações internacionais, o Brasil distingue-se pela ausência de formas extremas
e virulentas de racismo. Não obstante em termos de dominação do branco e
subordinação do negro, o Brasil trilhou caminhos não muito diferentes dos de
outras sociedades multi-raciais ainda que sem recursos a altos níveis de coerção
(1979, p.154).
Diante desse quadro ressalta-se, entre os inúmeros problemas que assolam a
sociedade brasileira, não apenas a má distribuição de renda, mas também a concentração
racial de renda que, entre outros fatores, impede a integração plena do negro no Brasil. É
preciso desenvolver uma estrutura social que estabeleça prestígio social, poder, equidades
econômicas, sociais e culturais entre os diferentes grupos existentes no país que incida
inclusive sobre o imaginário da população em geral. Desta forma, populações segregadas,
como os negros, poderão se equiparar econômica, social e politicamente diante dos brancos,
deixando de permanecer em uma condição social pautada pela dependência, desconfiança,
descrédito, piedade e assistencialismo. Fica sem dúvidas a pergunta de como vamos viver um
sistema escolar sem este estigma da escravidão e da inferioridade exposta e imposta por
longas datas. Esta pesquisa traz este viés do esclarecimento e foi desenvolvido sob a luz da
realidade em busca de mudanças.
2.4 MOVIMENTO NEGRO E SEU COMPROMETIMENTO COM A EDUCAÇÃO
Na história dos movimentos sociais os primeiros grupos que se organizaram foram
de trabalhadores e, no século XX, registra-se em São Paulo o surgimento de jornais escritos
por afro-brasileiros, que utilizavam esse meio de comunicação para denúncia do racismo e da
violência policial. Essa ação contribuiu para a constituição da Frente Negra Brasileira (FNB),
movimento político que acabou se transformando em partido em 1936, sendo extinto no ano
seguinte pelo governo Vargas. “A FNB não se ocupou apenas das questões políticas, também
fundou uma escola de educação primária com o objetivo de preencher a lacuna que a escola
oficial deixava” (LIMA, 2001, p. 3).
O movimento negro sempre agiu tentando mudar o triste quadro em que o negro se
encontra no plano educacional e social através de uma ação consistente no campo da
educação, seja empenhando-se para que a população negra se instrua, seja tomando medidas
44
necessárias para que isso se concretize. Os movimentos negros foram entendidos como
movimentos sociais, capazes de possibilitar, desde o final da década de 70, a emergência do
diálogo com o Estado.
A complexidade das relações estabelecidas, das alianças que esses movimentos
deveriam fazer na perspectiva da conquista da hegemonia, colocava-lhes a necessidade da
busca de eficácia e eficiência, não bastando somente entender a sociedade capitalista,
fazendo-se, então, necessário interagir com ela na perspectiva dos projetos de interesse das
classes populares.
De acordo com dados levantados pelo Relatório de Desenvolvimento Humano –
Brasil 2005 racismo, pobreza e violência, organizado pelo Programa das Nações Unidas para
o Desenvolvimento – PNUD Brasil, este, revela que em 1978,
foi fundado o Movimento Negro Unificado (MNU), que representou uma ruptura
com o tipo de organização e de discurso anti-racista até então vigente. Como
articulador de entidades negras, inaugurou uma postura explicitamente política,
voltada à contestação e ao enfrentamento da discriminação, da desigualdade racial e
do próprio regime militar. Organizada em centros de luta, a entidade estabeleceu-se
em praticamente todo o país, embora não tenha, ao longo do tempo, atingido o
objetivo a que se propôs: a unificação do movimento (PNUD, 2005, p. 104).
O Relatório aponta ainda que as maiores conquistas aconteceram no campo das
políticas de identidade e de reconhecimento.
O estabelecimento do 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência
Negra, em homenagem a Zumbi dos Palmares, é o maior exemplo. Em razão das
pressões do movimento negro, Zumbi foi reconhecido oficialmente como herói
nacional, tendo seu nome inscrito no Panteão dos Heróis da Pátria, até então
ocupado solitariamente por Tiradentes. Além disso, a história de Palmares e de
Zumbi passou a ser narrada em livros didáticos e rememorada nas escolas. Também
o 13 de maio, data da abolição da escravatura, foi transformado pelo movimento
negro em Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo (PNUD, 2005, p. 108).
Assim, dessa forma, os movimentos negros são compreendidos como um dos
introdutores da questão relativa à valorização da diversidade étnico-cultural no sistema
educacional brasileiro, no qual desponta a inserção de temáticas e conteúdos programáticos
sobre a história da África e do negro em nosso país. As propostas pedagógicas desenvolvidas
pelo Movimento Negro, no início da retomada de organização dos movimentos populares em
45
1970, colocam-se como estratégias de continuidade de uma trajetória de luta e de resistência
do povo negro que remonta desde as suas primeiras referencias nas civilizações africanas
anteriores a colonização européia, nos quilombos, nos terreiros, das irmandades, aos grupos,
associações, imprensa negra, até as organizações atuais do Movimento Negro (MN) (LIMA,
2001).
Durante a trajetória de atuação do Movimento Negro é possível pontuar pelo menos
cinco áreas sociais em que os grupos afrodescendentes organizados têm direcionado um olhar
crítico a partir do ponto de vista racial e levado para apreciação pública, além de estabelecer
ações concretas na busca de melhorias. Os eixos principais para os quais estão mais voltados
os olhares dessas instituições são: trabalho, educação, direitos humanos, organização social e
meios de comunicação. Ainda juntam-se a esse grupo questões da ordem da política, da
visibilidade e da preservação do patrimônio histórico-cultural. Elas são referentes às
denúncias dos casos de discriminação racial, ao reconhecimento e legalização das
comunidades quilombolas e ao respeito à religiosidade de matriz africana.
Conforme explicitado no Relatório de Desenvolvimento Humano – Brasil 2005
racismo, pobreza e violência,
No balanço das conquistas do movimento negro, pode ser incluído o fato de
que segmentos da sociedade brasileira e do Estado começaram a adotar uma nova
visão sobre as relações raciais e as condições socioeconômicas da população negra.
A democracia racial, tão arraigada no imaginário coletivo, já não goza da mesma
legitimidade em razão do trabalho de desconstrução realizado pela intelectualidade
e pelo movimento negro. Outro fator que merece destaque é a produção realizada
com desagregação racial em áreas que antes não eram abordadas pelo prisma racial
(educação e saúde, por exemplo) (PNUD, 2005, p.110).
O Relatório expõe também que como resultado do exposto a cima, formou-se uma
massa crítica que vem sendo incorporada por órgãos públicos, fundações e agências
estrangeiras.
Também foram constatados avanços no diálogo do movimento negro com o
Estado, que passou a ser visto como arena privilegiada de luta por direitos.
Construído a partir do final da década de 1980, esse diálogo ganhou impulso
durante a preparação do Brasil para a III Conferência Mundial Contra o Racismo, a
Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, que se
realizaria em Durban, na África do Sul, em setembro de 2001(PNUD, 2005, p.110).
46
Na oportunidade, ocorreu a I Conferência Nacional contra o Racismo e a
Intolerância, no Rio de Janeiro, que contou com a participação de cerca de 1.700 delegados
procedentes das mais diversas regiões do país.
Após a Conferência de Durban, foi criado, por decreto presidencial, o
Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD), cujos objetivos
principais são incentivar a criação de políticas públicas de promoção da igualdade e
proteger os direitos de pessoas e grupos afetados por discriminação racial e outras
formas de intolerância (PNUD, 2005, p. 110).
Portanto, a mobilização no Movimento Negro na busca da visibilidade do negro
brasileiro, tornou-se latente no país objetivando que as desigualdades sociais venham a
diminuir no cenário do país, obrigando desta forma alguns políticos a defenderem esta grande
causa e venham a militar com todas as suas forças em prol das pessoas menos favorecidas.
Diante do exposto, vale ressaltar uma grande conquista para população negra
brasileira que foi a aprovação pela câmara dos deputados em 9 de setembro de 2009 do
Estatuto da Igualdade Racial -Projeto de Lei 6264/05 no seu artigo primeiro, prescreve: “Art.
1º Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, para combater a discriminação racial e as
desigualdades estruturais e de gênero que atingem os afro-brasileiros, incluindo a dimensão
racial nas políticas públicas e outras ações desenvolvidas pelo Estado”. Vale destacar alguns
tópicos importantes que fazem parte do conjunto de 85 artigos que formam o Estatuto de
Igualdade Racial, o qual foi elaborado pelo Senador Paulo Paim, conforme o site oficial:
http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/seppir/noticias/ultimas_noticias/resumo_
estatutoaprovado/
Comunidades quilombolas – O texto aprovado reafirma o princípio constitucional
de que os moradores das comunidades remanescentes de quilombos têm direito à propriedade
definitiva das terras. O Estatuto, assim, fortalece o decreto n º 4.887/2003, que regulamenta o
artigo 68 da Constituição Federal, que trata da demarcação de terras quilombolas. Os direitos
dessas comunidades estão garantidos ao longo de todo o texto aprovado, de forma transversal.
Um dos itens do Estatuto prevê, por exemplo, que para fins de política agrícola, os
remanescentes receberão tratamento especial diferenciado, assistência técnica e linhas
especiais de financiamento público destinados à realização de atividades produtivas e de
infraestrutura.
Cultura - O Poder Público garantirá o reconhecimento das sociedades negras,
47
clubes e outras formas de manifestação coletiva da população negra, com trajetória histórica
comprovada, como patrimônio cultural. A capoeira, por exemplo, passa a ser reconhecida
como desporto nacional ao ter a garantia de registro e proteção, em todas as suas modalidades.
Descentralização das políticas públicas – O texto institucionaliza o Fórum
Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial (FIPIR), coordenado pela Secretaria
Especial de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR). Dentre os estados
e municípios, mais de 500 já aderiram ao Fórum. A adesão implica na criação de órgãos
locais para cuidar exclusivamente da igualdade racial. Assim, o Fórum estimula a
disseminação de políticas de igualdade racial por todo o país. Estados e municípios
participantes do FIPIR têm prioridade no recebimento de recursos de programas
desenvolvidos pela SEPPIR e ministérios parceiros.
Direitos políticos – Cada partido político ou coligação deverá reservar o mínimo de
10% de vagas para candidaturas de representantes da população negra.
Educação – O Estatuto estabelece parâmetros para a aplicação de ações afirmativas
voltadas à população negra, como o sistema de cotas raciais para o acesso ao ensino público.
Independentemente do Estatuto, há um projeto de lei tramitando no Senado (PLC 180/2008)
que trata especificamente sobre a instituição de cotas raciais para o ingresso nas universidades
públicas. Mesmo sem ter sido aprovado ainda, 79 universidades já criaram políticas de ações
afirmativas. Dessas, 59 possuem cotas raciais, conforme dados do Instituto Brasileiro de
Análises Sociais e Econômicas (Ibase).
Financiamento – O Estatuto prevê fontes de financiamento para programas e ações
que visem à promoção da igualdade racial. Os orçamentos anuais da União, por exemplo,
deverão contemplar as políticas de ações afirmativas destinadas ao enfrentamento das
desigualdades raciais nas áreas da educação, cultura, esporte e lazer, saúde, trabalho, meios de
comunicação de massa, moradia, acesso à terra, segurança, acesso à justiça, financiamentos
públicos e outros. Outro destaque é que o Poder Público priorizará o repasse dos recursos
referentes aos programas e atividades previstos no Estatuto aos estados, Distrito Federal e
municípios que tenham criado conselhos de igualdade racial.
Justiça e segurança – O Poder Público Federal instituirá, na forma da lei, e no
âmbito dos poderes Legislativo e Executivo, ouvidorias permanentes em defesa da igualdade
racial. O texto prevê ainda atenção às mulheres negras em situação de vulnerabilidade,
garantindo assistência física, psíquica, social e jurídica. Para a juventude, prevê que o Estado
48
implementará ações de ressocialização e proteção de jovens negros em conflito com a lei e
expostos a experiências de exclusão social.
Meios de comunicação - Na produção de filmes, peças publicitárias e programas
destinados à veiculação pelas emissoras de televisão e em salas cinematográficas, deverá ser
adotada a prática de conferir oportunidades de emprego para atores, figurantes e técnicos
negros, sendo vedada toda e qualquer discriminação de natureza política, ideológica, racial e
artística. Além disso, os órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica
ou fundacional, as empresas públicas e sociedades de economia mista federais deverão incluir
cláusulas de participação de artistas negros nos contratos de realização de filmes, programas
ou quaisquer outras peças de caráter publicitário.
Moradia – O Poder Público garantirá a implementação de políticas para assegurar o
direito à moradia adequada da população negra que vive nas favelas, cortiços, áreas urbanas
subutilizadas ou em processo de degradação. Esse direito inclui, por exemplo, a garantia da
infraestrutura urbana e dos equipamentos comunitários e a assistência técnica e jurídica para a
construção, a reforma ou a regularização fundiária da habitação. Além disso, os programas,
projetos e outras ações governamentais realizadas no âmbito do Sistema Nacional de
Habitação de Interesse Social (SNHIS), regulado pela lei nº 11.124/2005, devem considerar as
peculiaridades sociais, econômicas e culturais da população negra. Os estados, o Distrito
Federal e os municípios estimularão e facilitarão a participação de organizações e
movimentos representativos da população negra na composição dos conselhos constituídos
para fins de aplicação do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS).
Religião – Garante a liberdade para a prática de religiões de matrizes africanas.
Além disso, assegura a assistência religiosa aos praticantes internados em hospitais ou em
outras instituições de internação coletiva, inclusive os submetidos a pena de privação de
liberdade.
Saúde – Cria os marcos legais para a implantação de políticas de saúde voltadas às
especificidades da população negra, e para a garantia do acesso igualitário ao Sistema Único
de Saúde (SUS). A proposta fixa ainda as diretrizes da política nacional de saúde integral da
população negra.
SINAPIR – O texto institui o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial
(SINAPIR) como forma de organização e articulação voltadas às implementação do conjunto
de políticas e serviços destinados a superar as iniquidades raciais existentes no país, prestadas
49
pelo Poder Público Federal. Os estados, DF e municípios poderão participar do SINAPIR
mediante adesão. O Poder Público Federal incentivará a sociedade e a iniciativa privada a
participar do SINAPIR.
Terra – Serão assegurados à população negra o acesso à terra, assistência técnica
rural, a simplificação do acesso ao crédito agrícola e o fortalecimento da infraestrutura de
logística para a comercialização da produção. Aos remanescentes das comunidades
quilombolas que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva,
devendo o Estado emitir os títulos respectivos. Para os fins de política agrícola, os
remanescentes das comunidades dos quilombos receberão dos órgãos competentes tratamento
especial e diferenciado, assistência técnica e linhas especiais de financiamento público,
destinados à realização de suas atividades produtivas e de infraestrutura.
Trabalho – Pelo texto aprovado, o Estado vai investir fortemente para inserir o
negro no mercado de trabalho, seja no setor público ou privado, por meio de ações
afirmativas. Entre as políticas de inclusão, poderá oferecer incentivos a empresas com mais de
20 empregados que contratarem pelo menos 20% de negros. O Estatuto prevê ainda que o
Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (CODEFAT) formulará políticas,
programas e projetos voltados para a inclusão da população negra no mercado de trabalho e
orientará a destinação de recursos para seu financiamento.
3 A VISIBILIDADE DO NEGRO ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO
3.1 PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10639/03 - OBRIGATORIEDADE
DO ENSINO DA HISTÓRIA DA ÁFRICA E DA CULTURA AFRO-BRASILEIRA
Neste capítulo serão explicitados alguns momentos relevantes que pautaram o
desenvolvimento da Lei 10639/03 bem como o conhecimento do seu conteúdo na íntegra:
LEI No 10.639, DE 9 DE JANEIRO DE 2003.
Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes
e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de
Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro- Brasileira", e
dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional
decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o A Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida
dos seguintes arts. 26-A 79-A e 79-B:
"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e
particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura AfroBrasileira.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o
estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a
cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,
resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e
política pertinentes à História do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão
ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de
Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.
"Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia
Nacional da Consciência Negra’."
Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 9 de janeiro de 2003; 182o da Independência e 115o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Após esta aprovação e passados cinco anos a discussão sobre as questões sociais
51
afloram novamente e o Governo Federal em 10 de março de 2008, sanciona a Lei 11645/08
que acrescenta à anterior a obrigatoriedade do estudo da história e cultura indígena, conforme
já explicitado anteriormente nesta pesquisa, além de suprimir o artigo 79-B, que inclui no
calendário escolar o dia 20 de novembro, como Dia Nacional da Consciência Negra, nos
seguintes termos:
LEI Nº 11.645, DE 10 MARÇO DE 2008.
Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no
10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional
decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o O art. 26-A da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a
vigorar com a seguinte redação:
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino
médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e
cultura afrobrasileira e indígena.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos
aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população
brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história
da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a
cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da
sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social,
econômica e política, pertinentes à história do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos
indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar,
em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história
brasileiras.” (NR)
Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 10 de março de 2008; 187o da Independência e 120o da
República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Fernando Haddad
Nota-se que a evidência das discussões sobre as questões raciais, culminou com o
surgimento de Ações Afirmativas que se originaram das Políticas de Reparação, de
reconhecimento e valorização do negro brasileiro, levando a implementação da Lei 10.639/03
e posteriormente a 11645/08, objeto de estudo desta pesquisa. É consistente expor que estas
ações são frutos das propostas pedagógicas do Movimento Negro na perspectiva de discutir e
repensar a educação e as relações entre esse setor tão importante e a complexa sociedade
brasileira, essa Ação Afirmativa altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, referente
às diretrizes e bases da educação nacional, para estabelecer a inclusão no currículo oficial da
Rede de Ensino a temática: “História e Cultura Afro-Brasileira e indígena”.
52
Conforme já foi explicitado, o Movimento Negro tem a educação como um de seus
mais importantes eixos de luta. Essas organizações e seus militantes vêm através de sua longa
trajetória denunciando as dificuldades educacionais por que passam os afro-descendentes. Os
principais aspectos onde são ressaltados os problemas se referem ao acesso, permanência e
conteúdo:
Acesso como crítica à precária disponibilidade e qualidade dos serviços de
educação públicos oferecidos às camadas populares – seu principal cliente.
Permanência como observação cautelosa às frágeis ou, até pouco tempo,
inexistentes políticas de manutenção dos alunos em salas de aula ou apoio
sistemático à superação das dificuldades enfrentadas por suas famílias em mantêlos nos bancos escolares. Conteúdo como denúncia às interpretações
preconceituosas sobre a contribuição dos afro-descendentes à sociedade brasileira
(na economia, na história, na política, na cultura, entre outras áreas) e sobre os
valores e história do continente africano. (SANT’ANNA, 2005, p. 24)
Baseado neste envolvimento com a educação, o movimento negro empenha-se na
criação de um ministério, ou de outra estrutura específica, com o objetivo de desenvolver
políticas públicas de enfrentamento à exclusão racial no Brasil. Dado ao surgimento da lei n°
10639/03, que altera Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que na íntegra estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências,
passando a vigorar acrescida dos artigos 26-A, 79-A e 79-B, expõe-se que nos
estabelecimentos de Ensino Fundamental e Médio, públicos e particulares, torna-se
obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira, ensino que incluirá o estudo da
luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade
nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e políticas
pertinentes à História do Brasil, sendo desenvolvido no âmbito de todo o currículo escolar, em
especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileira. A nova
legislação acrescentou dois Artigos à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei
9.394/96), que estão transcritos abaixo:
Art.26-A - Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e
particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-brasileira
e indígena.
Parágrafo Primeiro – O conteúdo programático a que se refere o caput deste
artigo incluirá o estudo da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a
cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando
a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política, pertinentes à
53
História do Brasil.
Parágrafo segundo – Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-brasileira
serão ministrados no âmbito de todo currículo escolar, em especial, nas áreas
Educação Artística e de Literatura e Histórias Brasileiras.
Art. 79-B – O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como “Dia
Nacional da Consciência Negra.
Após a eliminação de alguns obstáculos que pautaram a aprovação da Lei 10639/03,
um detalhado parecer, tratando de política curricular embasada em aspectos históricos,
antropológicos e sociais brasileiros para o embate contra o racismo e a discriminação que
atinge especificamente os negros, foi elaborado pela relatora, Petronilha Beatriz Gonçalves e
Silva, com o objetivo de servir de subsídio para a implantação da ação. Ela é autora do
documento que também apresenta diversas disposições e exigências da Lei.
No dia 10 de março de 2004, o Conselho Nacional de Educação aprovou o Parecer
03/04, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnicoraciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. O Parecer, que tem
como um dos objetivos a regulamentação da Lei 10.639/03, fundamenta-se nos dispositivos
da Constituição Federal (Artigos 5, 210, 206, 242, 215,216) e nos Artigos 26, 26A e 79B, da
Lei 9394/96, que tratam do direito à igualdade de condições de vida e de cidadania, do direito
às histórias e às culturas que compõem a nação brasileira na escola, e do direito ao acesso às
diferentes fontes da cultura nacional a todos os brasileiros.
O Parecer 03/04 está anexado a esta pesquisa, o qual destaca a importância da
valorização da história e da cultura dos afro-brasileiros e dos africanos e o compromisso com
a educação de relações étnico-raciais. Salienta a relação entre a nova legislação com a
reivindicação de políticas afirmativas na área da educação. “Trata-se de política curricular
fundada em dimensões históricas, sociais e antropológicas, oriundas da realidade brasileira,
e busca combater o racismo, e as discriminações que atingem particularmente os negros”
(CNE, 2004).
Além de levantar uma série de princípios a respeito da questão racial e educação,
apresenta um conjunto de indicações de conteúdos a serem abrangidos pelo currículo nas
diferentes áreas do conhecimento, também indica ações a serem tomadas pelo poder público
das três esferas, para a implementação da Lei; entre elas, a necessidade de investimento na
formação dos professores, o mapeamento e divulgação das experiências pedagógicas das
escolas, a articulação entre os sistemas de ensino e a confecção de livros e materiais didáticos
que abordem a questão étnica e racial da Nação Brasileira. Orienta também que os Conselhos
54
Estaduais de Educação façam a adequação do Parecer à realidade de cada sistema de ensino.
De acordo com o parecer, um dos principais argumentos está relacionado à
necessidade da instituição de ações, por parte do Estado e da sociedade, que visem a reparar
os danos sofridos pelos afro-descendentes brasileiros em virtude da escravidão:
A demanda por reparações visa a que o Estado e a sociedade tomem medidas
para ressarcir, os descendentes de africanos negros, dos danos psicológicos,
materiais, sociais, políticos e educacionais sofridos sob o regime escravista, bem
como em virtude das políticas explícitas ou tácitas de branqueamento da população,
de manutenção de privilégios exclusivos para grupos com poder de governar e de
influir na formulação de políticas, no pós-abolição. Visa também a que tais medidas
se concretizem em iniciativas de combate ao racismo e a toda sorte de
discriminações. (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2004).
O cumprimento do Artigo 205 da Constituição Federal do Brasil é mais um dos
argumentos que o Parecer apresenta:
Cabe ao Estado promover e incentivar políticas de reparações, no que cumpre
ao disposto na Constituição Federal, Art. 205, que assinala o dever do Estado de
garantir indistintamente, por meio da educação, iguais direitos para o pleno
desenvolvimento de todos e de cada um, enquanto pessoa, cidadão ou profissional.
(CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2004).
Percebe-se, que uma das principais justificativas à necessidade da nova legislação
educacional, segundo o Parecer, é a necessidade de reconhecimento e valorização da história,
da cultura e da contribuição dos negros na sociedade brasileira, visando desconstruir o mito da
democracia racial brasileira:
Reconhecimento implica justiça e iguais direitos sociais, civis, culturais e
econômicos, bem como valorização da diversidade daquilo que distingue os negros
dos outros grupos que compõem a população brasileira. E isto requer mudança nos
discursos, raciocínios, lógicas, gestos, posturas, modo de tratar as pessoas negras.
Requer também que se conheça a sua história e cultura apresentadas, explicadas,
buscando-se especificamente desconstruir o mito da democracia racial na sociedade
brasileira; mito este que difunde a crença de que, se os negros não atingem os
mesmos patamares que os não negros, é por falta de competência ou de interesse,
desconsiderando as desigualdades seculares que a estrutura social hierárquica cria
com prejuízos para os negros. (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2004)
Outro fator relevante apresentado no Parecer é o que, reconhece a escola como um
espaço privilegiado para a superação do racismo, e faz um alerta que a luta pela superação do
racismo deve envolver todos os educadores.
55
Mais um equívoco a superar é a crença de que a discussão sobre a questão
racial se limita ao Movimento Negro e a estudiosos do tema e não à escola. A escola
enquanto instituição social responsável por assegurar o direito da educação a todo e
qualquer cidadão deverá se posicionar politicamente, como já vimos, contra toda e
qualquer forma de discriminação. A luta pela superação do racismo e da
discriminação racial é, pois, tarefa de todo e qualquer educador, independentemente
do seu pertencimento étnico-racial, crença religiosa ou posição política.
(CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2004)
Segundo o Parecer 03/04, não só para os negros o conhecimento da História da
África e Cultura Afro-Brasileira são importantes, mas para todos os brasileiros, tendo em vista
a composição étnico-racial da sociedade:
A relevância do estudo de temas decorrentes da história e cultura afro-brasileira e
africana não se restringe à população negra, ao contrário dizem respeito a todos os
brasileiros, uma vez que devem educar-se enquanto cidadãos atuantes no seio de
uma sociedade multicultural e pluriétnica, capazes de construir uma nação
democrática. (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2004).
A valorização da identidade é um dos principais argumentos utilizados pelo Parecer
e presente na Resolução que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. A
Resolução 01/04, em seu Artigo 3º, dispõe:
§1° A Educação das Relações Étnico-Raciais tem por objetivo a divulgação e
produção de conhecimentos, bem como de atitudes, posturas e valores que
eduquem cidadãos quanto ao seu pertencimento étnico-racial - descendentes de
africanos, povos indígenas, descendentes de europeus, de asiáticos – capazes de
interagir e de negociar objetivos comuns que garantam, a todos, ter igualmente
respeitados seus direitos, valorizada sua identidade e assim participem da
consolidação da democracia brasileira.
§2º O Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, meio privilegiado
para a educação das relações étnico-raciais, tem por objetivo o reconhecimento
e valorização da identidade, história e cultura dos afro-brasileiros, garantia de
seus direitos de cidadãos, reconhecimento e igual valorização das raízes
africanas da nação brasileira, ao lado das indígenas, européias, asiáticas.
(CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO,b, 2004).
Percebe-se também que a Lei dá autonomia aos estabelecimentos de ensino para
planejar e preparar os conteúdos pedagógicos, projetos, unidades de estudos e programas que
vão abranger os temas, que agora têm obrigatoriedade de serem tratados no ambiente escolar.
Os mantenedores e administradores dos sistemas de ensino, por sua vez, têm o dever de
fornecer materiais didáticos, formação aos professores e acompanhar o trabalho realizado nas
56
escolas com o intuito de auxiliar e verificar se as questões estão sendo abordadas de maneira
adequada.
Vale ressaltar alguns argumentos de especialistas, intelectuais envolvidos, sobre a
importância da nova legislação. Grossi, autora da Lei, utiliza como argumento o fato de a
história ser um elemento fundamental para a constituição da identidade do indivíduo e
importante para a constituição da nacionalidade:
Reprimir ou negar certas partes significativas do nosso passado nos faz
enfermos ou menos gente. Ora, ignorar a profunda e ampla presença do negro na
nossa constituição como sujeitos é certamente produção da doença nacional [...] A
sanção da Lei 10.639, de minha autoria, a primeira do mandato de Luis Inácio Lula
da Silva, publicada em 9 de janeiro de 2003, e a sua regulamentação podem ajudar
a abrir mais e mais as portas para nossas lembranças com origem na África,
curando-nos do empobrecimento que nos impõe a injusta ausência da riqueza do
aporte que indiscutivelmente, nos brindou e nos brinda a parte negra de nossa
nacionalidade. (GROSSI, 2004, p. 67).
O ex-deputado Ben-Hur Ferreira, co-autor da Lei, entende que o sistema de ensino
contribui com a sustentação do racismo no Brasil. Ele afirma que:
O que se vê, porém, é que o sistema oficial de ensino, cada vez mais,
apresenta-se como um dos principais veículos de sustentação do racismo,
distorcendo o passado cultural e histórico do povo negro. Assim, torna-se imperioso
e de fundamental importância que se resgate a história do povo negro,
reformulando o currículo escolar nas suas deformações mais evidentes, que
impedem o negro da sua identidade étnica (FERREIRA, 2004, p. 69)
A necessidade de conhecer a História da África e dos afro-descendentes brasileiros
para melhor compreender a História do Brasil é um dos argumentos utilizados por diversos
teóricos em História da África. Entre eles, o Doutor em História da África Henrique CUNHA:
O argumento principal para o ensino da História Africana está no fato da
impossibilidade de uma boa compreensão da história brasileira sem o conhecimento
das histórias dos atores africanos, indígenas e europeus. As relações trabalhocapital realizadas no escravismo brasileiro são antes de tudo, relações entre
africanos e europeus. A exclusão da História Africana é uma dentre as várias
demonstrações do racismo brasileiro (CUNHA, 1997, p.67).
Finalizando este sucinto desenvolvimento histórico da Lei 10639/03, objeto de
estudo dessa pesquisa, espera-se que as escolas busquem colaboração e estabeleçam parcerias
57
com as comunidades em que estão inseridas e com as diversas organizações e estudiosos do
Movimento Negro. O objetivo é que haja a troca de experiências e aprendizagens entre
professores, alunos, pais, e comunidade como um todo. Mas, entre múltiplos fatores, uma das
condições mais importantes para o sucesso dessa Ação Afirmativa é que a escola e os
professores estejam bem preparados para executá-la. Não há espaço para o improviso, é
necessária a edificação de uma base de conhecimentos sólida para ultrapassar as barreiras do
etnocentrismo europeu, arraigado na cultura brasileira, criar uma grade pedagógica curricular
crítica e consciente, e começar a percorrer o caminho para rearranjar as relações étnicas e
sociais no Brasil.
3.2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA
3.2.1 Breve histórico do município de São Luiz Gonzaga - RS
Esta pesquisa foi desenvolvida no município de São Luiz Gonzaga – RS, localizado
a noroeste do Estado no chamado território das Missões, criadas em decorrência da ação dos
jesuítas para a catequese dos índios guaranis, habitantes daquela área. As missões jesuíticas se
desenvolveram por largo território que atingia Argentina e Paraguai, além do Brasil, criando
uma florescente civilização de construtores, escultores, entalhadores, pintores, músicos e
outros artesãos, os quais deixaram marcas que até hoje perduram nas ruínas da região
missioneira. O município além de trazer um acervo histórico relevante para o estado do Rio
Grande do Sul, bem como para o país, foi nele que meus filhos obtiveram parte de sua
educação escolar, fazendo com que isto, me instigasse a estudar as questões relacionadas à
inclusão do negro na sociedade.
Sobre o aspecto das questões raciais relacionadas ao negro na região das Missões, é
pertinente nos reportarmos ao Historiador Paulo Zarth (2002), em seu livro “Do Arcaico ao
Moderno” onde aponta:
Um exemplo importante da presença de escravos nas estâncias é o caso da região
missioneira, zona apontada como livre de escravos negros. Nessa região da fronteira
com Argentina e Uruguai, Fernando Henrique Cardoso aponta para a inexistência de
negros cativos, baseado numa descrição de Saint-Hilare. Indígenas remanescentes
das reduções jesuíticas forneceriam a mão de obra necessária, sob a forma
58
assalariada ou sob a forma de escravidão dissimulada. A partir destas observações
do naturalista francês do século XIX, difundiu-se a idéia da ausência de escravos no
território das Missões. Jacob Gorender (1985, p.437) como exemplo desse
fenômeno, divulga também essa visão transcrevendo as observações de Fernando H.
Cardoso (ZARTH, 2002, p.116).
Conforme Zarth, a origem destas afirmações está nesta passagem da obra de
Auguste de Saint-Hilarie: “Os estancieiros dessa região, não tendo escravos, aproveitam a
imigração dos índios para conseguir alguns que possam servir de peões” (1974, p.209). Porém
Zarth afirma que “a verdade, não há motivos para supor que os estancieiros da região
missioneira não utilizassem cativos. Estâncias pastoris, como quaisquer outras, faziam parte
de uma sociedade que adotava um modelo produtivo no qual o uso de escravos era algo
comum. Seria muito estranho que, numa mesma província, numa mesma atividade
econômica, ocorressem dois sistemas distintos de relações de trabalho. Ao contrário, as fontes
levantadas revelaram a presença regular de escravos nos estabelecimentos da região (ZARTH,
2002, p.116)”. A intenção em explicitar estas observações elencados, é que, estas venham a
servir de reflexão para pesquisar com profundidade as ações relacionadas às questões raciais
nessa região, a qual traz em sua história não só a população negra, mas também a indígena
como protagonista dessa região.
3.3 CONCEITOS E VALORES ÉTNICOS APLICADOS
Para analisar e buscar as atividades mais representativas no âmbito escolar usou-se,
como balizamento, o “Projeto a Cor da cultura” elaborado e promovido pelo Canal Futura em
parceria com órgãos governo e da sociedade civil, com o intuito de valorizar, preservar e
reconhecer o patrimônio cultural e histórico africano e afro-brasileiro, dar visibilidade a ações
afirmativas já implantadas pela sociedade, além de propor práticas pedagógicas inclusivas e
livres de preconceitos. Nos próximos itens será explicitado alguns termos significativos para
as questões raciais, tais como o crioulo, o escravo ou escravizado e na sequência um diagrama
dos valores civilizatórios que norteiam as ações e atividades que expressam a implementação
da LEI 10639/03 trazendo para realidade a representação social e a valorização do negro em
nossa sociedade.
59
3.3.1 “Crioulo”
O termo, “crioulo” ou “crioula”, foi empregado inicialmente para designar os filhos
de espanhóis, brancos ou mestiços, nascidos em continente americano. Essa idéia também foi
retomada para fazer referência a sociedades nascidas a partir da mistura entre culturas
européias e africanas em áreas da América de colonização inglesa e francesa. Ainda é
abordado o fenômeno da “crioulidade”, que se refere à mescla entre práticas culturais locais e
influências estrangeiras, vinculadas ou não à miscigenação.
No Brasil o significado da palavra “crioulo” sofreu diversas modificações ao longo
da história. Primeiramente, a palavra designava os descendentes de africanos escravizados
nascidos no país. Durante o regime escravocrata esses afro-brasileiros eram considerados
mais habilitados para conviver com a sociedade livre por terem nascido e se socializado nessa
posição dita subalterna. Com o fim do tráfico negreiro e após a abolição da escravatura,
gradativamente o termo passou a se referir aos negros em geral, cativos ou libertos, que em
algum momento haviam vivido a escravidão. A discriminação decorrente desse sistema fez
com que, ao longo do século XX, o termo adquirisse uma carga pejorativa de se dirigir ou se
referir a uma pessoa afro-descendente. Recentemente, aos poucos, a palavra está assumindo
uma conotação diferente e foi incorporada à linguagem dos militantes e das manifestações
contra o preconceito racial como representação do orgulho das origens.
3.3.2 “Escravo ou escravizado”
O terceiro conceito ressaltado é a carga semântica da palavra “escravo”. A discussão
gira em torno da escolha entre essa nomenclatura e a expressão “escravizada”, que, de acordo
com alguns intelectuais, seria mais adequada por exprimir uma condição e não uma
característica inerente. Já as críticas quanto à primeira opção, “escravo”, argumentam que essa
terminologia estaria ligada à coisificação dos indivíduos, à perda da identidade e às demais
mazelas desse sistema. “Como contraponto se apresentaria o registro das atitudes e estratégias
de resistência e da busca pela formação e manutenção de vínculos identitários e solidários, os
quais permitiram às gerações mais recentes o contato com a cultura vinda com os africanos”.
(BRANDÃO, 2006, p.25).
60
3.3.3 Valores
A partir da observação e constatação dos elementos mais significativos das tradições
africanas e afro-brasileira, foram estabelecidos dez valores civilizatórios, considerados
“pequenas bússolas”, as quais norteiam esta questão :
Circularidade,
Religiosidade,
Corporeidade,
Musicalidade,
Ancestralidade,
Memória, Cooperativismo/Comunitarismo, Ludicidade, Energia Vital (Axé) e Oralidade. Eles
se articulam e se imbricam através de conexões e fluxos de diversas formas e direções, como
mostra o diagrama abaixo:
Figura 1: Diagrama dos Valores Civilizatórios do projeto A Cor da Cultura
Fonte: www.acordacultura.org.br – acesso em 28 de outubro de 2009.
A seguir, a definição de cada um dos Valores:
3.3.4 Circularidade
Reunir-se em círculo, em roda, é uma tradição que permeia diversas práticas
culturais afro-brasileiras. Seja na roda de samba, na roda de capoeira ou na roda dos cultos
religiosos de matriz africana, esse valor está presente. “A lógica do círculo possibilita que
61
começo e fim não tenham lugares definidos, assim como as hierarquias, e ainda permite que a
energia se transfira, movimente e gire, em um “círculo de poder e saber” (BRANDÃO, 2006,
v. 2, p.97).
3.3.5 Oralidade
É através da fala que na cultura afro-brasileira são transmitidos, compartilhados e
legitimados os ensinamentos, os anseios e a herança ancestral. Esse ato no qual são
perpetuados os valores africanos e afro-brasileiros envolve, conseqüentemente, a escolha
sábia dos momentos de silenciar e ouvir, ocasiões muito valorizadas por essa cultura. A
oralidade assume a função de mantenedora da história da trajetória dos africanos e seus
descendentes brasileiros. Assim, “a palavra carrega uma grande e poderosa carga afetiva”
(BRANDÃO, 2006, v.1, p.97).
3.3.6 Energia vital (AXÉ)
Esse valor civilizatório faz referência à circularidade e refletividade da vida, isto é,
na cultura afro-brasileira, todos os elementos naturais têm uma “energia vital” e por essa
razão são sagrados e estão em interação. “Todos os elementos se relacionam entre si e sofrem
influência uns dos outros” (BRANDÃO, 2006, v.1, p.97). Está implícito nesse valor o respeito
mútuo entre as diversas formas de vida.
3.3.7 Corporeidade
Compreendido como fonte de vida, movimento, e trajetória de existência, o corpo
tem grande importância para a cultura afro-brasileira. Com todos os seus traços
característicos, é considerado uma das heranças mais marcantes deixadas pelos ancestrais
vindos da África, pois, por si só, “traz uma história individual e coletiva, uma memória a ser
preservada, inscrita e compartilhada” (BRANDÃO, 2006, v.1, p.97).
62
3.3.8 Musicalidade
Em diversos momentos da história dos africanos e afro-brasileiros a música foi um
dos mais importantes canais de expressão de alegria nas festividades, de devoção nas
celebrações religiosas, de força e resistência diante do sofrimento. Portanto, esse valor
permeia e é inerente à cultura africana e afro-descendente, influenciando e constituindo as
bases da musicalidade brasileira (BRANDÃO, 2006).
3.3.9 Ludicidade
A capacidade dos africanos e afro-descendentes de jogar, brincar e dançar, mesmo
diante das adversidades do sistema escravocrata, marcou a cultura brasileira. O lúdico assume
assim o caráter de luta pela sobrevivência, de esperança de uma vida melhor e de postura
otimista diante do contexto da época (BRANDÃO, 2006).
3.3.10 Cooperatividade/Comunitarismo
Esse valor ressalta a coletividade que perpassa todas as manifestações da cultura
afro-brasileira. A organização e acontecimento da festa, do jogo, das celebrações religiosas
africanas estão atrelados à cooperação, valor que esteve presente na trajetória dos africanos e
afro-descendentes, sendo um importante meio de sobrevivência desse grupo no período
escravocrata desde as penosas viagens nos navios negreiros até as fugas e movimentos de
resistência contra o sistema, como a organização dos quilombos (BRANDÃO, 2006).
3.3.11 Memória
A história dos africanos e afro-descendentes, que foi encoberta pela escravidão e
pelo racismo, vem à tona através da investigação e exposição da memória, importante também
como fator de preservação cultural, respeito aos mais velhos, os detentores desse patrimônio
63
transmitido principalmente pela oralidade. Por essa razão, esse valor é tão significativo nesse
Projeto (BRANDÃO, 2006).
3.3.12 Religiosidade
Para a cultura africana o sagrado emana em todos os elementos. Todos os seres
animados e inanimados, o bem e o mal, enfim, tudo é sagrado e, através da energia vital
(AXÉ), vive em simbiose, assumindo um caráter reflexivo. Nesse sentido a religiosidade não
se remete apenas à celebração relacionada à religião propriamente dita, mas também ao
respeito e valorização de todas as criaturas em função da divindade que habita cada uma
delas, seja qual for o papel que desempenham em sua existência (BRANDÃO, 2006).
3.3.13 Ancestralidade
Esse valor representa a carga do legado africano que está presente no discurso, no
corpo e nas atitudes dos mais velhos, os potenciais fontes de consulta sobre a trajetória e o
espólio cultural dessa importante passagem da história do Brasil. A ancestralidade também
evoca o sentimento de pertencimento ao grupo nos mais novos, já que também é uma forma
de assumir suas origens.
3.3.14 Afetividade
A afetividade é concebida como a força que confere humanidade aos indivíduos e
está relacionada ao encontro, ao possibilitar, potencializar, influenciar e ser influenciado. É
conceituada ainda como uma manifestação corporal que expressa desejos, emoções,
sentimentos e pensamentos individuais e coletivos. Portanto, é uma maneira de ser e estar no
mundo que afeta o grupo, é reflexiva, sendo um importante fator para a compreensão integral
do ser humano. Levando-se em consideração a complexidade das relações humanas, as quais
acontecem em fluxos, redes e conexões entre as pessoas e o contexto em que vivem, os
problemas de afetividade que o racismo causa atinge a sociedade como um todo (BRANDÃO,
64
2006).
3.4.1 AÇÕES E LUGARES/ESPAÇOS PRÓ NEGRITUDE EM SÃO LUIZ GONZAGA
3.4.2 Curso sobre cultura afro ministrado pelo Instituto Histórico e Geográfico de São
Luiz Gonzaga.
Esta Instituição tem como objetivo estudar, pesquisar, difundir e preservar história e
cultura em São Luiz Gonzaga. Estudar a História e Geografia, principalmente no que se refere
à região missioneira; estudar o folclore regional, a língua e os falares do Brasil, especialmente
dos povos que habitaram o território missioneiro; manter vivo o culto às tradições do Rio
Grande do Sul; manter e cultivar o intercâmbio com as instituições culturais do país e do
estrangeiro. Porém, dada a importância que a questão racial tem no país, foi ministrado em
curso sobre a realidade racial brasileira.
Figura 2: Sala de encontros do Instituto Histórico e Geográfico de SLG
Fonte: CHAVES, 2009.
No mês de maio de 2009, como partida para as investigações e ações referente à Lei
10639/03 participei deste curso para formação de professores, cujo conteúdo teve por objetivo
65
instrumentalizar professores da rede estadual e municipal sobre a importância da Lei, bem
como facilitar uma abordagem metodológica sobre o assunto. Como palestrantes estiveram
presentes nesse encontro os professores Almir Pedroso, Dr. Julio Quevedo, Ms Maria Rita Py
Dutra, todos da Universidade Federal de Santa Maria. No decorrer do curso foi possível fazer
anotações em meu diário de campo onde os palestrantes ressaltaram que a diversidade cultural
da África refletiu-se na diversidade dos escravos, pertencentes a diversas etnias que falavam
idiomas diferentes e trouxeram tradições distintas.
Em meus apontamentos no diário de campo fiz uma síntese da fala do professor Dr.
Julio Quevedo o qual afirmava que “os africanos trazidos ao Brasil incluíram bantos, nagôs e
jejes, cujas crenças religiosas deram origem às religiões afro-brasileiras, malês, de religião
islâmica e alfabetizada em árabe. Assim como a indígena, a cultura africana foi geralmente
suprimida pelos colonizadores. Na colônia, os escravos aprendiam o português, eram
batizados com nomes portugueses e obrigados a se converter ao catolicismo”.
Figura 3: Estudo do continente africano no Curso sobre a Cultura Afro-brasileira do Instituto Histórico e
Geográfico de SLG, pelos professores participantes. (Professora Ms Maria Py)
Fonte: CHAVES, 2009.
Sobre o pilar da religiosidade, a professora Ms Maria Py ressaltou que os bantos,
nagôs e jejes no Brasil colonial criaram o candomblé, religião afro-brasileira baseada no culto
aos orixás praticada atualmente em todo o território. Largamente difundida também é a
umbanda, uma religião sincrética que mistura elementos africanos com o catolicismo e o
66
espiritismo, incluindo a associação de santos católicos com os orixás. A influência da cultura
africana é também evidente na culinária regional, especialmente na Bahia, onde foi
introduzido o dendezeiro, uma palmeira africana da qual se extrai o azeite-de-dendê. Este
azeite é utilizado em vários pratos de influência africana como o vatapá, o caruru e o acarajé.
A participação neste curso no início da pesquisa possibilitou a obtenção de subsídios
teóricos e metodológicos que visaram habilitar, planejar e desenvolver estudos relativos à
história e cultura da África e dos afro-descendentes no Brasil, atendendo, assim, a atual
demanda de inserção dessas temáticas nos currículos escolares, pois promoveu reflexões
sobre o lugar dos afro-descendentes na sociedade brasileira, identificando formas de exclusão
e discriminação vivenciadas por estes grupos, ao longo da história brasileira, uma vez que
possibilitou um maior aprofundamento do tema, a partir de questões centrais, como conceitos
e dados histórico que permitiram suprir algumas lacunas historicamente presentes nos
currículos escolares e nos cursos de formação de professores. Percebeu-se, no
desenvolvimento do curso, a importância de incluir a temática africana e afro-descendente nos
currículos, não somente pela necessidade de cumprir uma lei, mas como estratégia para a
construção de uma sociedade mais igualitária e democrática.
Figura 4: Professores participantes do Curso sobre a Cultura Afro-brasileira no Instituto Histórico e Geográfico
de SLG
Fonte: CHAVES, 2009.
Em outro momento do curso foram abordados os pilares da influência cultural
descrevendo sobre dança, música, religião, culinária e idioma. Essa influência se faz notar em
grande parte do país; em certos estados como Bahia, Maranhão, Pernambuco, Alagoas, Minas
67
Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul a cultura afro-brasileira é
particularmente destacada em virtude da migração dos escravos.
Através da participação no curso, também se obteve subsídios que possibilitaram o
desenvolvimento da pesquisa escolar, pois os assuntos abordados em função de sua
diversidade explicitaram pilares importantes a serem investigados. Entre eles, vale ressaltar o
desenvolvimento de estratégias de ensino que podem ser transpostas para a situação de sala de
aula, construindo algumas opções didático-pedagógicas relativas à temática, uma vez que
mostrou tarefas relativas ao ensino de História e Geografia nas séries iniciais com o
reconhecimento do continente africano através de mapas e de acessórios da cultura africana
que muitas vezes temos familiaridade, mas não sabemos sua origem.
Nos próximos itens descrevo um breve histórico das Escolas e suas atividades
relevantes relacionadas com a implementação da lei 10639/03 que visa à obrigatoriedade do
ensino da História e Cultura Afro-brasileira nos currículos escolares no Ensino Fundamental e
Médio no Brasil. Vale salientar que outras Escolas do município também trabalham a
implementação desta Lei com muito êxito, porém nossa pesquisa elencou duas Instituições
com uma população significativa de alunos e outra por tratar-se do ensino em Séries Iniciais.
3.4.3 Breve Histórico da Escola Estadual de Ensino Médio Gustavo Langsch-Polivalente
Figura 5: Portão central de acesso a Escola Estadual de Ensino Médio Gustavo Langsch
Fonte: CHAVES, 2009.
68
Vale ressaltar que a escolha desta escola para aplicação na pesquisa deve-se a sua
importância para a região, pois as Escolas Polivalentes começaram a ser construídas no
período da Ditadura Militar no Brasil, após a assinatura de acordos com o MEC por meio dos
quais foram disponibilizados recursos financeiros, oriundos dos Estados Unidos, destinados à
educação brasileira. O projeto de escolas Polivalentes foi idealizado inicialmente como
ginásio orientado para o trabalho, mas foi atualizado a partir da reforma de ensino que
unificou os antigos centros, cursos primário e ginasial em oito anos de ensino fundamental
(GERMANO, 2005, p.3). A maioria das novas escolas foram instaladas nos estados de Minas
Gerais, Bahia, Rio Grande do Sul e Espírito Santo, para posteriormente serem expandidas
para outros Estados. O critério para distribuição foi o de centralizar esforços em cidades que
se constituíam pólos de desenvolvimento, “irradiando sua influência renovadora a toda a rede
escolar” (GERMANO, 2005, p.4).
Conforme relato da direção, e registrado em diário de campo, a Escola Estadual de
Ensino Médio Gustavo Langsch-Polivalente, situada na Rua Hipólito Ribeiro nº 2850, no
Bairro Raimundo Gomes Neto, na cidade de São Luiz Gonzaga-RS foi criada através de um
convênio estabelecido entre o estado do Rio Grande do Sul e o Ministério da Educação e
Cultura para a execução do Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Médio, que definiu
a instalação de escolas polivalente em algumas cidades gaúchas.
Esta decisão foi tomada pelo Conselho Estadual de Educação, através do Parecer
122/70 de 26/08/70. A escola de área Polivalente iniciou suas atividades no dia 19/03/73, com
seis turmas de 5ª séries com 226 alunos, cinco turmas de 6ª séries, com 190 alunos e duas
turmas de 7ª séries com 68 alunos, perfazendo um total de 484 alunos.
69
Figura 6: Quadra de esportes e Salas de aula da Escola Estadual de Ensino Médio Gustavo Langsch
Fonte: CHAVES, 2009.
Hoje, conforme dados coletados com direção escolar, este estabelecimento de ensino
atende alunos da 1ª série do Ensino Fundamental, até a 3º série do Ensino Médio Regular e
EJA (Educação de Jovens e Adultos), nos turnos da manhã, tarde e noite. Há uma Sala de
Recursos de Deficientes Visuais, a qual atende cinco alunos com visão subnormal e três
alunos com cegueira total. Conta também com uma Classe Especial, em que estudam sete
alunos deficientes auditivos. A filosofia da escola é: “Educando para a cidadania, buscando a
emancipação do indivíduo e a transformação da realidade”. A escola possui 750 alunos com
um efetivo de 47 professores e 12 funcionários.
No dia vinte de outubro de 2009, foi promovido pela direção da Escola o 11° edição
do LITERARTE, evento que abordou o tema referente à cultura Afro, fazendo uma
sistematização de tudo que foi aplicado interdisciplinarmente durante no ano letivo através do
projeto “Uma nova história a ser contada”. A programação do evento ressaltou a participação
do negro no cenário brasileiro trazendo música, poesias e teatro, além de contar a história do
negro brasileiro e sua atuação na sociedade. Esta atividade é consagrada no município, pois
trata-se de uma tradição que envolve manifestações artísticas na busca da preservação da
identidade e da literatura.
A seguir alguns trechos da abertura do evento realizado em 20/11/2009, os quais
constam na programação de eventos desta Escola, e repassados para meu diário de campo:
70
“BOA NOITE A TODOS AQUI PRESENTE E EM ESPECIAL A NOSSA
HOMENAGEADA A POETISA E PROFESSORA GUIOMAR TERRA BATU DOS
SANTOS ESTE XI LITERARTE que tem como tema “CULTURA AFROBRASILEIRA contempla a lei federal nº 10.639 de 2003 que estabelece a
obrigatoriedade do ensino da cultura africana e afro-brasileira em todas as
escolas brasileiras. Trabalho este que pretende mostrar a diversidade que engloba
as diferenças culturais que existe entre os grupos étnicos valorizando a linguagem,
as danças, as vestimentas e as tradições, bem como a forma com que as pessoas se
organizam. E PARA FALAR, DECLAMAR, CANTAR E DRAMATIZAR sobre a
cultura desta raça, nós temos que estar livres de preconceitos, diferenças e de
qualquer tipo de discriminação. Por isso, os alunos da Escola Polivalente irão
passar uma mensagem através da música, da poesia, da dança e do teatro.
Passaremos às apresentações artístico –culturais do XI LITERARTE.”
A abertura oficial está a cargo do Grupo de Capoeirê.
Compõe o efetivo da Escola sempre enfatizando também as ações da cultura Afro
regional:
[...] Mas na região das Missões na Vila 13 – também havia um Quilombo dito na
musica “QUILOMBO DAS LUZIA” DE PEDRO ORTAÇA que será interpretada
pelos alunos 1°NA – ANDERSON E LUIZ MACIEL. Acompanhado na gaita pelo
aluno Moises.
[...] Convidamos os alunas Maria Carolina e Greice da 8° 2 para apresentar a
poesia “ ZUMBI”; Agora na seqüência das poesias as alunas Taiane e Samanta
da 8° 2 para declamar a poesia Os zumbi.
[...] Chamamos ao palco agora aluna ALESSANDRA do 1° C para declamar a
poesia TIA ANASTÁCIA de Jaime Caetano Braun .
[...] Apresentarão os alunos 7 ° serie -Willian e Renan – A musica “ Trabalho
Escravo”
[...] As alunas do 2 °A vão apresentar a peça “ Racismo e Discriminação” autora
a aluna Jocelaine Morais.
Outro momento, os alunos da 5ª e 8ª séries apresentaram a peça “ A contribuição do
negro na formação do povo brasileiro” . Essa peça mostrou a chegada dos africanos que foram
trazidos para o Brasil, a partir de 1500 para trabalhar nas lavouras, nos engenhos e nas mais
variadas atividades que exigiam a mão-de-obra escrava. Com eles, veio a sua cultura que
influenciou na formação do povo brasileiro. Foi bastante ressaltado pelos professores, que
hoje essa influência pode ser percebidas em várias manifestações culturais como, por
exemplo, na culinária, na religiosidade nos ritmos musicais, em danças como a capoeira e o
samba. Os negros que entravam vindos da costa africana eram trazidos por navios mercadores
portugueses. Na seqüência as alunas da 8ª série apresentaram uma coreografia da música
Romance na Tafona, de Luiz Carlos Borges, músico nativista da região, na sequencia os
professores fazem referência ao poeta Castro Alves com sua poesia direcionada a luta
71
abolicionista:
“[...] Na poesia destacamos Castro Alves que nasceu em Muritiba (BA) em 1847, e
faleceu em Salvador em 1871. Aderiu publicamente a luta abolicionista,
publicando o poema “ a canção do africano” , luta que se tornou uma constante e
lhe rendeu o epiteto de “O poeta dos Escravos”. Os alunos do 2° B declamarão
o poema O NAVIO NEGREIRO” neste poema ele expõe toda a sua revolta perante
os donos de fazendas que importavam os negros da África. Vinham apertados em
porões imundos de navios, onde muitos morriam de fome e de doença.Seguindo a
linha deste nosso ilustre Poeta Castro Alves chamaremos os alunos 1° A para
recitar a poesia BANDIDO NEGRO”.
3.4.4 Instituto Estadual de Educação Professor Osmar Poppe
Entre as escolas pesquisadas com atuação também relevante, relacionada com a
implementação da Lei 10639/03 destaco o Instituto Estadual de Educação Professor Osmar
Poppe, o qual iniciou sua trajetória em 09 de abril de 1964 através do Decreto de Criação n.º
16.550 com o nome: Ginásio Estadual de São Luiz Gonzaga. Em 13 de março 1971, passou a
ser designada Escola Estadual Professor Leovegildo Paiva - 6ª a 8ª séries, através do Decreto
de Denominação nº21076, Diário Oficial de 15 de março de 1971.
De acordo com a resolução nº111/74 - CEE foi reorganizada, conforme Portaria
nº19838 de 18 de setembro de 1979 - Diário Oficial de 27 de setembro de 1979, passando a
denominar-se Escola Estadual Leovegildo Paiva - 6ª a 8ª série. Em 1993, foi criado o Curso
Habilitação Magistério que constituiu mais uma modalidade de Ensino Médio na Escola. Em
1995, recebeu ampliação da parte física (Laboratório, Biblioteca, Sala dos Professores, bem
como construção de mais uma quadra poliesportiva, pista de Atletismo e ajardinamento da
Escola. Em 2000, através da Portaria de designação nº244 de 18.09.2000, a escola passou a
designar-se Instituto Estadual de Educação Professor Osmar Poppe. A instituição possui
atualmente 900 alunos, 61 professores e 15 funcionários.
72
Figura 7: Instituto Estadual de Educação Professor Osmar Poppe
Fonte: CHAVES, 2009.
Nesta instituição vale ressaltar o trabalho da professora de artes Ferreira (2009), que
implantou um projeto com objetivo de possibilitar aos alunos situações de aprendizagem,
reflexão e estudo referente a cultura afro-brasileira, na dimensão das Artes, para que o mesmo
possa conhecer a história da África e do Brasil africano valorizando e reconhecendo a
importância da diversidade étnica e cultural existente no país buscando ainda, perceber que a
cidadania se constrói através da diferença e ao respeito ao outro, no tempo e no espaço em
que se vive.
Segundo a professora Ferreira (2009) este trabalho mostrou consonância com a Lei
10639/03, uma vez que traz como objetivos específicos alguns pilares muito relevantes para o
reconhecimento da cultura afro, pois permitiu aos alunos, através da arte, conhecer a história
da África e as contribuições do africano na formação da cultura afro-brasileira; reflexão sobre
a contribuição da cultura africana na formação da cultura afro-brasileira valorizando a
diversidade étnica existente no país; conhecer artistas que tratam da cultura afro em sua arte,
bem como artistas afros contemporâneos; destacar a influência e as principais características
da arte afro-brasileira; diferenciar objetos de objeto-arte, arte popular de arte erudita e
artesanato, articular com autonomia os elementos visuais das diferentes linguagens artísticas e
a contribuição das principais etnias que compõem nossa cultura. Afirma a professora Ferreira
(2009), que o projeto serve para “ampliar os referenciais pessoais e culturais dos alunos,
exercitando a organização do pensamento, a sistematização e a apropriação do
73
conhecimento”.
Para realização desta atividade foi utilizado como recurso didático imagens
africanas; textos; aparelho de som, poesias, livros, DVDs, Data show, tintas, cola, tesoura,
papéis, materiais alternativos (sucata), objeto Arte, pinceis, livros de História da Arte,
catálogos de imagens artísticas. Outro momento significativo das atividades direcionadas a
cultura afro foi a amostragem dos quadros Negra Tatuada Vendendo Caju, de Jean Baptista
Debret, A Negra, de Tarsila do Amaral, O Grande Pato, de Mestre Didi. A seguir exponho um
trecho do que foi relatado e registrado em diário de campo pela professora Ferreira:
“[...] Pretende-se ainda por meio da alfabetização artística e estética, desenvolver
os aspectos cognitivo, perceptivo, criativo e expressivo nas linguagens corporais,
visuais entre outras, por intermédio do fazer e da leitura desse fazer. Capacitar o
aluno à compreensão e à utilização dos códigos específicos de cada linguagem
artística, suas diversas maneiras de composição e contextualização, para realizar
com eficiência o diálogo com o mundo do ler, compreender, do expressar e do
fazer. Com isso acredita-se que o aluno será capaz de perceber as noções e
experimentar os materiais necessários com autonomia à materialização da sua
idéia, pela valorização do processo de criação para chegar à arte final”.
Dentro do programa estabelecido, houve abordagens teóricas-práticas, com aulas
expositivas, interativas, comparativas, práticas investigativas e de criação, de apreciação,
sobre a cultura afro-brasileira, para que o educando tivesse a oportunidade de ampliar seus
conhecimentos referentes à contribuição étnica africana na formação de nossa cultura,
desenvolvendo seu saber sensível e estético, podendo perceber a presença dos elementos
visuais artísticos e estéticos na arte, no cotidiano, na natureza, na história cultural da
humanidade. Vale ressaltar nesse trabalho teatral, o empenho e comprometimento de todos os
alunos que se mostraram desenvoltos nas cenas apresentadas, bem como o conhecimento
adquirido através da pesquisa para obter dados históricos e acontecimentos relacionados com
o período escravocrata brasileiro, trazendo para o debate as questões raciais e o
posicionamento do negro de outrora e na sociedade atual.
74
3.4.5 Escola Municipal Boa Esperança de São Luiz Gonzaga
Figura 8: Acesso principal da Escola Municipal Boa Esperança de São Luiz Gonzaga.
Fonte: CHAVES, 2009.
Tomando como base que o papel da educação infantil é significativo para o
desenvolvimento humano, a formação da personalidade, a construção da inteligência e a
aprendizagem, procurou-se também pesquisar sobre como os espaços coletivos educacionais,
nos primeiros anos de vida, são espaços privilegiados para promover a eliminação de qualquer
forma de preconceito, racismo e discriminação, fazendo com que as crianças, desde muito
pequenas, compreendam e se envolvam conscientemente em ações que conheçam,
reconheçam e valorizem a importância dos diferentes grupos etnicorraciais para a história e a
cultura brasileiras. Neste contexto, outra instituição que trabalha a questão da Lei 10639/03 é
a Escola Municipal Boa Esperança, destinada à educação infantil, localizada em um bairro de
baixa renda do município, que através da união dos moradores da comunidade local e auxílio
da Prefeitura Municipal, construiu uma sala de aula que entrou em funcionamento no dia 06
de maio de 1954.
A Escola foi criada através do decreto Lei n° 27 de 1965 e teve como denominação
BOA ESPERANÇA, devido à propriedade rural de Augusto Ramborger, a qual deu origem ao
nome da Instituição, o proprietário foi um grande colaborador da escola situada na
comunidade denominada Vila Trinta em São Luiz Gonzaga – RS. O primeiro ano de
funcionamento contou com 13 alunos que freqüentavam a 1ª, 2ª e 3ª séries. Já em 1967, houve
75
a necessidade de ampliação da escola em função da demanda, que hoje atende 275 alunos da
educação infantil à 8ª série do Ensino Fundamental. De acordo com a diretora Maria Alceri, a
missão da instituição é “oportunizar ao aluno condições para desenvolver o senso crítico
participativo, com responsabilidade, tornando-o um cidadão atuante na sociedade”.
Através de visitas a Escolas e entrevistas com a professora Geane Noro, foi possível
observar o trabalho realizado por ela, a qual utilizou o livro de Ana Maria Machado,
denominado “Menina bonita do laço de fita” para reflexão e inserção das atividades
relacionadas com a implementação da Lei 10639/03. Para a professora Geane Noro,
desenvolver o tema da diversidade não somente tem por objetivo de mostrar aos alunos a
riqueza étnico-cultural brasileira, como também para que as crianças se apropriem de valores
como o respeito a si próprias e ao outro, elevando a auto-estima de alunos negros em sala de
aula, amenizando as diferenças e buscando a igualdade entre coleguinhas desde as series
iniciais.
O texto do livro da escritora Ana Maria Machado expõe que:
[...] uma menina linda, linda. Os olhos pareciam duas azeitonas pretas brilhantes,
os cabelos enroladinhos e bem negros. A pele era escura e lustrosa, que nem o
pelo da pantera negra na chuva. Ainda por cima, a mãe gostava de fazer
trancinhas no cabelo dela e enfeitar com laços de fita coloridas. Ela ficava
parecendo uma princesa das terras da África, ou uma fada do Reino do Luar. E,
havia um coelho bem branquinho, com olhos vermelhos e focinho nervoso sempre
tremelicando. O coelho achava à menina a pessoa mais linda que ele tinha visto na
vida. E pensava:- Ah, quando eu casar quero ter uma filha pretinha e linda que
nem ela... Por isso, um dia ele foi até a casa da menina e perguntou:- Menina
bonita do laço de fita, qual é o teu segredo para ser tão pretinha?
As atividades são planejadas apresentando num primeiro momento à história à
classe, contada sem mostrar o livro e solicitando as crianças que dêem o titulo para história
ouvida, logo após falando sobre a escritora e sua produção na literatura brasileira. Na
seqüência, são expostos os diversos títulos atribuídos ao texto, mostrando aos alunos que
existem opiniões diferentes sobre uma mesma questão o que conduz e direciona as atenções
para as questões raciais.
76
Figura 9: Representação do texto trabalhado na escola “Menina Bonita do laço de fita”
Fonte: CHAVES, 2009.
A utilização deste texto com os alunos das classes iniciais tem sua riqueza nas
questões etnicorraciais, pois se trata de um enredo envolvente, onde o negro discriminado pela
escravidão passa a ser valorizado, como um cidadão que pode e deve causar admiração, não
mais preso a estereótipos. Esta inversão causada pela autora contribui na formação da
personalidade, sem deixar de satisfazer a necessidade de ficção e fantasia. Isso porque a
autora se utiliza de um texto narrativo ora direto, ora indireto, com descrição bastante poética,
rico em figuras de linguagem: metáforas e comparações, além de rimas e repetições, capaz de
prender a atenção do público infantil, através da descontração da linguagem.
Em uma das visitas a Instituição e de acordo com relato da professora Geane, e
registrado no diário de campo, foi possível constatar que ao final de cada aula, os alunos
sempre se manifestavam dando sua contribuição para o entendimento do texto. É importante
expor as falas de alguns alunos sobre a aula: ALUNO A: “O coelho precisa saber que ele
também é bonito”. ALUNO B: “É, ele não precisa ser negro pra ser bonito, todo mundo é
bonito”. ALUNO C: “Deus gosta de nós o mesmo tanto”. ALUNO D: “Que história bonita, eu
queria ser a menina bonita dela”. ALUNO E: “Olha! A Mariazinha parece a Menina bonita da
história”. ALUNO F: “Eu queria ser o coelho, aí ele não ia fazer todas essas coisas pra ficar
preto, porque eu ia saber que não dá certo”. ALUNO G: “Será que o coelho ia se enche de
feijoada também?”.
Por se tratar de uma linguagem simples, clara e objetiva os professores que
trabalham este texto falam diretamente com a criança, pois desde o título MENINA BONITA
77
DO LAÇO DE FITA, a autora Ana Maria Machado procura dialogar com a criança negra que
muitas vezes é discriminada e não se aceita, como também dialoga com as outras,
envolvendo-as de tal forma, que elas compreendem as diferenças que cada ser possui e
partilham do respeito mútuo, pois cada ser é especial indiferente da cor, credo, religião, com
isso, a autora fortalece a auto-estima e a valorização da pessoa humana. Sem utilizar uma
linguagem discriminatória, ou punições; pelo contrário, mostra o mundo pelos olhos de dois
personagens que pouco a pouco compreendem um pouquinho de sua história.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Baseado em estudos realizados durante minha trajetória acadêmica direcionada a
inclusão do negro no sistema educacional brasileiro, foi possível perceber através desta
análise da implementação da Lei 10639/03, fruto desta pesquisa, que no Brasil abordar as
questões raciais, discriminação e preconceito torna-se sempre complexo, considerando que a
crença no mito da democracia racial, ainda está presente na mentalidade de muitos brasileiros.
Quando falamos sobre as praticas racistas na escola, a complexidade surge com maior
intensidade, pois o tema obriga a um olhar interiorizado de cada agente educativo que precisa
assumir suas limitações e dificuldades no relacionamento com a diferença.
A Lei 10639/03, de 9 de janeiro, estabelece a obrigatoriedade do ensino de história e
cultura afro-brasileira e africana nas Escolas de Ensino Fundamental e Médio, surgindo como
medida que favorece a implementação de ações educativas voltadas ao estudo e valorização
desta cultura, que teve participação relevante nas questões socioeconômicas e políticas deste
país, construindo uma visão da África negra com base na desconstrução da visão eurocêntrica,
de uma África selvagem, ingênua até então expostas em nossas leituras e formação
educacional.
No desenvolver desta pesquisa, constatou-se que tratar o tema da diferença na escola
é um desafio para todo educador, pois isso é muito mais que uma apropriação teórica, é
trabalhar em sala de aula de modo a colocar em movimento idéias e práticas que estimulem a
aproximação entre diferentes, o que requer dedicação e empenho. Lidar com as diferenças
também implica uma predisposição interna para repensarmos os nossos valores e possíveis
preconceitos, refletirmos sobre a especificidade das relações entre brancos e negros sobre as
dificuldades de aproximação entre professores e alunos negros.
79
Esta sintetização focada na dificuldade em tratar do tema relacionado à Lei 10639/03
e paralelamente as diferenças dentro da escola, foi obtida através das entrevistas e conversas
com educadores que se mostraram em determinados momentos angustiados com a
responsabilidade de ministrar o tema, por outro lado conscientes de que a implementação da
Lei e os debates em torno dela proporcionarão subsídios para resgatar e contar a trajetória dos
povos africanos e seus descendentes brasileiros, numa perspectiva pedagógica diferente da
tradicional eurocêntrica, mostrando a participação positiva do povo negro, que se estende aos
diversos setores da sociedade, como a política, economia, as ciências naturais e sociais, as
artes, enfim, a construção histórica do Brasil.
Em relação às visitas escolares e entrevistas com alguns educadores ao longo da
pesquisa, ressalto que uma das dificuldades elencadas para implantação da Lei é que a escola
precisa considerar outras imagens que se mostrem diferentes das imagens históricas e
habituais que sempre foram atribuídas aos negros, através das representações destes, como
meros seres humanos marcado pela inferioridade, miserabilidade e doenças no continente
africano. Foi possível notar que embora essa constatação seja evidente, alguns educadores não
sentem a vontade para fazer essas críticas em relação à escola que trabalham, argumentando
muitas vezes que não há espaços para exposição da realidade.
Neste sentido, os educadores questionam a falta de orientação didática que
possibilite esse novo olhar, pois alguns declararam não ter recebido qualquer tipo de
orientação pedagógica sobre a questão racial no Brasil por ocasião dos seus cursos de
formação profissional ou nas escolas onde lecionam ou lecionaram.
Ou seja, os cursos de complementação pedagógica (nos casos de professores com
nível de escolaridade superior) ou os cursos de formação de professores (equivalente ao
ensino médio) não dedicam qualquer ênfase, ou melhor, ainda desconhecem a especificidade
da questão racial brasileira. Dessa maneira, alguns professores assumem a direção de uma sala
de aula sem ter noção dos problemas que irão enfrentar; na maioria das vezes as soluções para
os conflitos emergentes são buscadas no bom senso, na prática cotidiana, independentemente
de qualquer preparação pedagógica.
Através desta pesquisa foi possível constatar que para trabalhar as questões raciais
na escola, algumas vezes foi necessário convocar alunos como, por exemplo, para
representação principalmente de peças teatrais relacionadas com as questões raciais e algumas
vezes foi negada a participação em função do tema. Neste sentido, nota-se o surgimento de
80
um preconceito omisso em função da percepção negativa atribuídas ao negro.
Conforme entrevistas, realizadas muitas vezes fora do período escolar (na casa do
educador) alguns, reconhecem a existência do preconceito racial na escola, seja entre alunos,
de professores em relação aos alunos, ou até do corpo administrativo para com os alunos. Foi
relatado que o preconceito manifesta-se em brincadeiras ou apelidos alusivos à cor, na seleção
racial do colega de estudo ou do banco escolar e na própria expectativa do professor quanto
ao rendimento do aluno negro quando comparado ao branco. Porém, toda essa realidade
ocorre sem muita transparência, pois nega-se a questão racial baseado na nossa concepção
sobre o racismo no Brasil, o qual é desconfigurado em função do mito da democracia racial
que pautou a formação de muitos educadores em nosso país.
Com relação aos questionamentos dos educadores sobre a necessidade de subsídios
teóricos e didáticos para implementação da Lei 10639/03, vale ressaltar que o Ministério da
Educação tem divulgado através de seus canais de operações, várias ações para facilitação do
acesso à Lei. No entanto, percebemos que algumas escolas analisadas neste município,
desconhecem os materiais, fazendo com que seus educadores pesquisem por si só, e busquem
isoladamente dados e materiais didáticos para complementação de seus conteúdos visando às
aulas focadas nas questões raciais.
Embora existam questionamentos relacionados à falta de material pedagógicos,
sabemos que ele existe, porém não chega em algumas escolas, muitas vezes até pelo
desinteresse do corpo diretivo, que transfere para o educador a obrigação em pesquisar sobre
o tema. Para maiores esclarecimentos das ações que o Estado tem elaborado para o êxito da
implementação da Lei 10639/03, no final desta pesquisa existe um anexo destas ações
organizadas pelo Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais
para Educação das Relações Etnicoraciais e para o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira
e Africana.
Percebe-se que a inclusão da temática de história e cultura afro-brasileira nos
currículos escolares se dá no sentido de ampliar a discussão da diversidade cultural, racial,
social e econômica brasileira, uma vez que a inserção das temáticas relativas a Lei 10.639/03
diz respeito à desconstrução da história tradicional de constituição da sociedade brasileira,
alicerçada no “mito da democracia racial”, contribuindo assim para combater o racismo.
O desenvolvimento desta pesquisa teve um caráter investigativo de como a lei
81
10639/03 está sendo implementada em algumas escolas do município de São Luiz Gonzaga,
pois a ausência da História e Cultura Africana é uma das lacunas de grande importância nos
currículos educacionais. Percebe-se que o município, apesar dos obstáculos explicitados ao
longo desta pesquisa, como por exemplo a perda de materiais e registros relacionados com
todo acervo das questões raciais apresentadas na escola no ano de 2003, ou até mesmo o
desconhecimento total sobre a Lei 10639/03 de alguns professores de História, e vários de
educação física e matemática e até de língua portuguesa. Mesmo apesar do exposto, outras
escolas trabalham o tema durante todo o ano letivo por considerarem que é importante a
superação do mito da democracia racial e a minimização das diferenças dentro da escola.
Nota-se, que embora tenha existido tais dificuldades o sistema escolar pesquisado,
efetuou ações e planejou atividades que estão em consonância com os objetivos previstos na
lei 10639/03, contribuindo desta forma para a desconstrução da visão ideológica negativa com
que são vistos os africanos e seus descendentes e que foi construída ao longo desses cinco
séculos no Brasil, além de ressaltar positivamente a efetiva participação do povo negro no
processo histórico brasileiro, enaltecendo a imprescindível sabedoria cultural africana, e o seu
legado histórico para a humanidade.
Portanto, diante deste contexto, vale ressaltar que a Lei 10639/03 quando
implementada traz muitos resultados positivos, entre eles as inúmeras possibilidades de ações
e modificações de algumas práticas escolares, nos levando as reflexões relacionadas com os
distanciamentos e muitas vezes a falta de ligação entre alunos e professores com os conteúdos
ministrados nas escolas. Ela nos possibilita pensar em um ensino significativo que visa à
inclusão de uma camada da sociedade que muito representa para o país.
Outra condição positiva que podemos atribuir a esta Lei é que traz a questão racial
para o debate colocando o tema na agenda nacional, fazendo com que todos reconheçam que é
preciso fazer algo para diminuir a desigualdade na educação de ricos e pobres ou negros e
brancos.
Vale destacar que pelo viés histórico todas estas questões raciais, debates e ações
relacionadas aos negros brasileiros, visam também uma reparação, não como retaliação,
revanche, mas como conquista de direitos historicamente negados, restituindo, mesmo que
não completamente, algo do que foi perdido em função da negação de direitos. Negação
sofrida por gerações e gerações de negros/negras no país. Isso significa uma correção de algo
vivido no passado e com repercussão nos dias atuais. Esta reparação também é vista pelo viés
82
da perda histórica de acesso da população negra aos direitos humanos, é tomar medidas no
presente que compensem essas perdas, a fim de promover a igualdade.
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ANEXOS
Anexo 1: Recorte do Jornal A Noticia de São Luiz Gonzaga I
Anexo 2: Recorte do Jornal A Noticia de São Luiz Gonzaga II
Anexo 3: Palestra sobre a Lei 10639/03 na Secretaria de Educação de Ijuí
Publico alvo professores e coordenadores da rede municipal de Ijuí
Anexo 4: Palestra sobre a Lei 10639/03 na Escola Estadual de Bozano - RS
Publico alvo alunos do Ensino Fundamental e Médio de Bozano
Professores, secretário da educação e diretora da Escola.
Anexo 5: Ações do Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares
Nacionais
É oportuno ressaltar algumas ações divulgadas pelo Ministério da Educação que
mostram a mobililazação do governo para a implementação da Lei 10639/03. Conforme dados
extraídos do Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para
Educação das Relações Etnicorraciais para o Ensino de Historia e Cultura Afro-brasileira e
Africana, foi elaborado em 2005, um milhão de exemplares da cartilha das DCN´s da
Educação das Relações Etnicorraciais foram publicados e distribuídos pelo MEC a todos os
sistemas de ensino no território nacional. Outra ação desenvolvida pelo Programa, as oficinas
de Cartografia sobre Geografia Afro-brasileira e Africana, beneficiou 4.000 educadores, em 7
Estados da Federação, 214 alunos de universidades estaduais e federais e 10.647 professores
até 2006.
Em 2004/2005, foram realizados eventos regionais e estaduais com a proposta de
manter um diálogo entre o poder público e a sociedade civil, com o objetivo de divulgar e
discutir as DCN’s para a Educação das Relações Etnicorraciais, resultando na criação de 16
(dezesseis) Fóruns Estaduais de Educação e Diversidade Etnicorracial. Em parceria com
Fundação Roberto Marinho, houve a produção de 1000 kits do material A Cor da Cultura
(2005), capacitando 3.000 educadores. Em 2009, 18750 kits serão reproduzidos e distribuídos
a todas as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação no Brasil.
Em dezembro de 2007, a SECAD/MEC descentralizou recursos para a tradução e
atualização dos 8 volumes da coleção História Geral da África, produzida pela UNESCO, e
que possuía apenas 4 volumes traduzidos no Brasil, na década de 1980. O Programa
UNIAFRO de 2005 a 2008 recebeu investimento do MEC de mais de R$ 5 milhões, e também
desenvolveu ações de pesquisa, seminários e publicações acadêmicas, cerca de 90 títulos,
voltadas para a Lei 10639.
95
Nos anos de 2006 e 2007, a formação continuada de professores à distância foi
realizada no curso Educação-Africanidades-Brasil, desenvolvido pela UNB, e História da
Cultura Afro-brasileira e Africana, executado pela Ágere, beneficiando mais de 10.000
professores da rede pública. A partir do ano de 2008, a formação à distância para a temática
está a cargo da Rede de Educação para a Diversidade, que funciona dentro da rede
Universidade Aberta do Brasil (UAB/MEC), cujo oferecimento de vagas chegou próximo a
3000, na sua primeira edição.
Os livros Orientações e Ações para a implementação da Educação das Relações
Etnicorraciais, 54.000 exemplares, e “Superando o Racismo na Escola”, 10.000 exemplares,
organizado pelo Professor Kabenguele Munanga, foram distribuídos para as Secretarias de
Educação e em cursos de formação continuada para a Lei 10639, para os professores, público
ao qual se dirigem as obras. Através destas ações, pode-se perceber que o governo mobilizouse, porém estes subsídios que facilitariam a implementação desta Lei, muitas vezes não
chegam completos aos bancos escolares, gerando o descontentamento dos educadores, que
são obrigados a pesquisarem através de seus próprios recursos materiais relacionados com a
lei, para que possam complementar seus planos de aulas com os conteúdos necessários para a
implementação da lei referente ao ensino africano.
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Jose Adair Xavier Chaves - Biblioteca Digital da UNIJUÍ