1 UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÒS – GRADUAÇÂO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE O RDD COMO MECANISMO DE PROTEÇÃO DA SOCIEDADE RAFAEL POTSCH ANDREATA K214002 ORIENTADOR: FRANCIS RAJZMAN DATA DA ENTREGA: 27/03/2010 Rio de janeiro, 2010 2 UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS GRADUAÇÂO INSTITUTO A VEZ DO MESTRE O RDD COMO MECANISMO DE PROTEÇÂO DA SOCIEDADAE CURSO: DIREITO E PROCESSO PENAL RAFAEL POTSCH ANDREATA 3 AGRADECIMENTOS Primeiramente rendo meu agradecimento a Deus, Ser Supremo e Magnânimo, em quem sempre buscamos orientação para nossos passos ao longo da vida. Aos meus pais que nunca mediram esforços, apesar de todas as dificuldades, visando dar uma formação moral e acadêmica para que hoje eu possa estar concluindo mais esta etapa vitoriosa em minha vida. A minha esposa Carolina, que sempre esteve ao meu lado, compreendendo a ausência em vários momentos, em detrimento de dedicação aos afazeres da vida acadêmica e profissional. Aos professores, com sua contribuição sempre relevante na formação não só universitária, mas, sobretudo, como profissional do mundo jurídico. Aos nossos verdadeiros amigos (e dentre estes, você que ora está lendo este trabalho acadêmico certamente está incluído) que compartilharam conosco horas importantes de suas vidas e, mesmo sem saber, estavam deixando um pouco de si, formando uma cumplicidade a qual é parte significativa para o engrandecimento de cada um de nós como pessoa. 4 RESUMO O presente trabalho monográfico busca apresentar os aspectos legais da Execução Penal, abordando em particular o Regime Disciplinar Diferenciado. Inicialmente é apresentado todo o desenvolvimento histórico do direito criminal, com os objetivos e concepções para a aplicação da pena e os estabelecimentos penais. Para a manutenção da harmonia na sociedade, o Estado deve impor regras de conduta aos membros do grupo, prevendo sanções para aqueles que descumprem as ditas normas. Diante da falta de estrutura do Estado, a pena tem servido para retirar o indivíduo infrator do âmbito social e garantir segurança aos demais. Contudo, a pena privativa de liberdade não é apenas um meio de afastar aquele que cometeu um crime do seio da sociedade e mantê-lo à margem do convívio social, em virtude da sua culpabilidade e periculosidade. O problema carcerário vem se agravando gradativamente e diante de uma situação limite vivida no Estado de São Paulo, surgiu o projeto do Regime Disciplinar Diferenciado que busca manter indivíduos de alta periculosidade em locais apropriados e de alta segurança visando a completa separação daqueles meliantes com suas bases criminosas, coibindo contactos e visando, em última análise, desarticular possíveis ações do crime organizado, mesmo estando seus chefes encarcerados. Palavras Chave: Execução Penal, pena, regime disciplinar. 5 ABSTRACT The present monographic work intends to show the legal aspects of Penal Execution broaching in particular the Differential Disciplinary Regime. Initially it presents the whole historical development of criminal right with the objectives and conceptions to the application of punishment and penal establishments. For the maintenance of harmony in society, the State must impose on rules of behavior to the members of the group foreseeing sanctions for those who disobey these rules. In face of lack of the State structure, the punishment has served to withdraw the infractor person from the social ambit and guarantee security to the others. However, the private punishment of freedom is not only a mean of withdrawing the one who committed a crime in the heart of society and keep him aside from the social contact, in view of his culpability and condition of being dangerous. The jail problem has been worsening gradually and in face of a border situation lived in the State of São Paulo arose the project of Differential Disciplinary Regime that intends to keep persons of high condition of being dangerous in proper places and high security aiming at a complete separation from those scoundrels in their criminal bases. Key Words: Penal Execution, punishment, disciplinary regime. 6 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 10 2. DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DO DIREITO CRIMINAL................................ 2.1 Primórdios da sanção penal........................................................................... 2.2 O direito de punir............................................................................................. 2.3 A pena e suas teorias...................................................................................... 2.4 Evolução do ordenamento jurídico penal brasileiro.................................... 12 14 18 19 20 3. A LEI DE EXECUÇÃO PENAL................................................................................ 3.1 Tratamento penitenciário................................................................................ 3.2 As assistências destinadas ao detento......................................................... 3.3 Direitos e deveres............................................................................................ 3.3.1 Dos direitos............................................................................................. 3.3.2 Dos deveres............................................................................................ 3.4 Organização penitenciária.............................................................................. 3.5 Estabelecimentos penais................................................................................ 23 24 25 27 27 29 31 34 4. O DIREITO PENAL DO INIMIGO............................................................................. 37 5. O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO........................................................... 5.1 Antecedentes históricos................................................................................. 5.2 A Lei 109.792/2003........................................................................................... 5.3 Aspectos importantes do Regime Disciplinar Diferenciado........................ 5.4 O Regime Disciplinar Diferenciado como fruto de um direito penal do inimigo.................................................................................................................... 40 41 43 48 50 6. A CONSTITUCIONALIDADE DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO NA EXECUÇÃO PENAL.............................................................................................. 52 7. CONCLUSÃO........................................................................................................... 54 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................ 59 ANEXOS (Jurisprudências) ANEXO “A”: Conflito de competência nº 40.326 - RJ (2003/0172122-1) – STJ..... 61 ANEXO “B”: Agravo em Execução Penal (nº 955.317.3/7-0000-000) – São Paulo 13ª Câmara Criminal – TJ/SP..................................................................................... 64 ANEXO “C”: Habeas Corpus nº 1.000.629.3/3-0000-000 – São Paulo 13ª Câmara Criminal – TJ/SP .......................................................................................... 66 ANEXO “D”: HC 40300 / RJ - HABEAS CORPUS2004/0176564-4 - STJ................ 68 ANEXO “E”: REsp 662637 / MT - RECURSO ESPECIA - STJ.................................. 70 7 1. INTRODUÇÃO Ao longo da evolução da humanidade, observa-se que a reprimenda aos atos contrários à estrutura social vigente sempre foi uma constante na vida do homem. Assim sendo, desde o momento em que foram estabelecidas regras sociais de convívio, concomitantemente, estabeleceram-se as sanções (punições) para o descumprimento das mesmas. Primitivamente, por sua própria natureza, o homem já possuía a tendência de realizar a justiça com as próprias mãos, sendo que para a concretização do ato presume-se que já havia naquele tempo uma espécie de processo que levaria ao julgamento e, consequentemente, uma espécie de direito de punir. Alguns autores concebem o direito de punir em dois campos: um ocupado pela Escola Espiritualista, defendida por Luchini e, outro, pela chamada Escola Utilitarista, representada por Jeremy Bentham entre outros1. Para os defensores da Escola Espiritualista, a punição se funda no chamado direito de legítima defesa, que lhe é delegado pelo próprio Estado e, mais ainda, seria uma faculdade que Deus concedia aos seres humanos. Já no que concerne à corrente utilitarista, todo o fundamento de punir seria emanado do interesse material, ou seja, de um lado haveria o interesse individual, pessoal e, de outro, a chamada utilidade social, a qual sempre deveria prevalecer sobre o primeiro. As penas, em sua concepção mais primitiva, poderiam chegar até penitências e sacrifícios de cunho religioso, espaçamentos, mutilações, cárcere, condenação à morte ou banimento. Tais penas não serviam ao arbítrio de alguns, entretanto, atendiam às necessidades específicas da comunidade, o que garantia sua coesão e solidariedade. 1 FERNANDES, Newton. A falência do sistema prisional brasileiro. São Paulo: RG, 2000. 8 Com a evolução e desenvolvimento, objetivando manter um nível razoável de articulação e convívio entre as pessoas, suas atividades e grupos de interesse, foram sendo construídos arcabouços jurídicos, assegurando direitos, deveres e sanções, mesmo que sem a perfeita equanimidade, que seria própria de uma democracia real. A título exemplificativo são observadas verdadeiras discrepâncias na aplicação da lei. Veja que pequenos delitos ecológicos em situação flagrancial (cortar um galho de árvore, caçar animal silvestre), podem chegar, em situação extrema, à prisão imediata e inafiançável, entre elementos de alta periculosidade, enquanto que a queima de florestas ou despejo de mercúrio em grandes mananciais, envolvem a exigência de tantas provas e contra-provas que em muitos dos casos leva o infrator como punição, o pagamento de multa administrativa. A discussão sobre a execução penal e sua aplicabilidade de maneira eficaz transcende este modesto trabalho e tal assunto deve sempre ser tema abordado em conversas não só daqueles que operam o direito, mas também de toda a sociedade, pois atinge diretamente as famílias. Superlotação de presídios, aplicação de penas alternativas ou construção de novos presídios são rotineiramente apontadas como causa e/ou a solução para o problema da violência no país. De toda sorte, somente com a integração e interesse de todos da sociedade organizada é que poderá ser alcançada a tão esperada solução para os conflitos que habitualmente são testemunhas os cidadãos, e tal solução certamente passa por maiores oportunidades de empregos, melhor distribuição de renda e condições mais humanas nos presídios, para que o indivíduo que lá se encontra possa visualizar aquele momento como possibilidade de um recomeço de sua vida, de maneira correta, e não como um fim da linha, sem qualquer perspectiva de futuro. 9 2. DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DO DIREITO CRIMINAL Alguns autores entendem que o Direito de Execução Criminal pode ser considerado como gênero da espécie Direito Penitenciário, já que a noção de autonomia deste remonta o ano de 19302. O Direito de Execução Criminal é a ciência que estuda o conjunto de normas relativas à execução de todas as penas e medidas de segurança, enquanto que o Direito Penitenciário é a parte do Direito de Execução Criminal que estuda o conjunto de normas jurídicas pertencentes ao tratamento penitenciário3. Como já é do conhecimento de todos, é quase que impossível considerar que algum ramo do direito possa ser autônomo, eis que a ciência é única e todos os ramos se interligam e se entrelaçam. Em se tratando ao Direito de Execução Criminal imaginar a sua autonomia fica mais difícil ainda, visto que tal atividade é extremamente complexa e se desenvolve nos planos jurisdicional e administrativo, sendo dela participantes os Poderes Judiciário e o Executivo. A Constituição Federal, como lei maior, é a norma que estabelece os pilares para a orientação da execução penal. Já a Lei de Execução Penal (Lei nº 7210/84), aliada às outras leis extravagantes cujos teores tratam da execução da pena, constitui o nível das leis ordinárias federais, podendo ser citadas as Leis 8072/90 e 9455/97. Historicamente, o Direito acompanha o homem desde os primórdios deste mundo, não da forma como hoje é visto e estudado, como um sistema ordenado e dogmatizado. No início, a pena tinha a característica de vingança e como tal era aplicada tempos depois da agressão inicial. Os seres humanos são capazes de manifestar comportamentos dos mais hostis para com seus semelhantes, tais como: crueldade, egoísmo e covardia, sendo poucos aqueles que pautavam e ainda pautam suas vidas exercendo o altruísmo, a franqueza e bondade. 2 3 JUNIOR, Sidio Rosa de Mesquita. Execução criminal. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2005. COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992. 10 Recordando o Código de Hamurabi, a pena de vingança privada aparece bem caracterizada, “olho por olho, dente por dente”, sendo a própria pena de talião, a qual foi adotada, também por outras legislações, como a Hebraica. Posteriormente, chegou-se a chamada fase de composição, ou seja, na qual o agressor adquiria ao agredido ou de sua família, preço em moeda, gado, vestes etc, direito de represália, garantindo-se na impunidade. Também adotaram este princípio, o Código de Manu e o Pentateuco, além de vários outros. A vingança divina era baseada no castigo a todos aqueles que praticavam ofensas e crimes contra a divindade. Nestes casos, punia-se com extremo rigor, já que o castigo deveria ser conforme a grandeza do deus ofendido, sendo neste caso identificado como direito penal religioso ou sacerdotal, ou ainda, como preferem alguns outros, o direito teocrático. Um dos principais códigos que adotava a vingança divina era o de Manu, na Índia. O objetivo da punição era a purificação da alma do criminoso e a pena era aplicada pelos sacerdotes. Este tipo de punição tinha o caráter místico, já que se baseava na crença e na fé e nunca na razão, sendo desta forma propagada entre os povos babilônicos, hindus, israelenses, egípcios, pérsicos e chineses. Na Grécia, Platão preconizava a pena como meio de defesa social, pela intimidação que dela poderia advir, sendo defendido também por Aristóteles. Já em Roma, utilizaram-se as penas de talião e da composição. Seu direito penal da mesma forma passou pelo caráter religioso, entretanto, logo a seguir houve a divisão do que era direito e o que era religioso entre os romanos, sendo, finalmente, a pena transformada em regra pública. A pena deve ser observada e interpretada, tanto em cada cultura, como em cada fase da história, em consonância com a respectiva forma do grupo político. Da mesma forma, que nos dias de hoje não se confunde vingança com 11 pena, também em todos os tempos antepassados elas coexistiram sem se confundirem. 2.1 Primórdios da sanção penal A reprimenda que contrariavam a estrutura social existente sempre foi uma constante na vida humana. Retrocedendo às épocas mais primitivas da existência humana, podem ser verificados diversos mecanismos de repressão à conduta que já se aplicavam e que serviram de embrião para a moderna concepção de sanção penal. As primeiras manifestações punitivas relevantes são observadas nos ancestrais do homem atual, os Australopitecus, surgidos entre 6 milhões e 1 milhão de anos, originários da África. No período paleolítico, já havia uma organização social e até rudes princípios de “Direito”, no qual o homem primitivo começa a relacionar certos movimentos humanos e certas conseqüências biológicas, quando atribuía todas as mortes ocorridas à responsabilidade humana, sendo todas as ações objeto de delitos e, portanto, devendo haver a punição. Naquela época, por ter uma inteligência ainda pouco evoluída em relação aos homens do período posterior, o homem do paleolítico visava punir através do chefe da família ou da coletividade, vez que não havia tribunais nem governos coercitivos, aplicando-se a vingança privada como forma de reação punitiva, imperando profundo instinto de conservação. No momento em que o homem primitivo começa a identificar em sua mente o que é livre e o permitido, surge o chamado tabu, palavra de origem polinésica que, no início, não possuía o significado que mais tarde iria adquirir, mas sim que deveria afastar o homem primitivo das coisas e objetos carregados de um poder misterioso e até demoníaco, já que tal contato poderia acarretar a transferência delas ao indivíduo que a elas tivesse acesso. 12 Os tabus são originariamente distintos das proibições religiosas ou morais, não se baseando em nenhuma ordem divina, impostos por sua própria existência e, assim sendo, diferem das proibições morais por não apresentarem como um conjunto de proibições fundamentais em motivos de reconhecida necessidade social. Desta forma, por não possuírem fundamento, são aceitos como coisas naturais, podendo ser o conjunto de leis não escritas mais antigo da humanidade. Já naquele tempo havia outros tipos de punição, tais como a perda da paz, quando relacionados a conflitos entre os grupos e, a vingança de sangue, quando os conflitos eram entre inimigos externos. Note-se que o termo vingança tido como sinônimo de pena não é correto, já que mesmo nesta fase histórica, a vingança e a pena devem ser consideradas como estágios de desenvolvimento do fenômeno reação social. Na verdade, a pena deve ser encarada e concebida como manifestação lógica de defesa contra o mal, fundada racionalmente na necessidade de manutenção da ordem e da paz; já a vingança, manifestação irracional de reação da natureza humana no momento de sofrimento de algum dano. Desta forma, mesmo que em alguns momentos a existência da pena seja aparentemente relacionada ao sentimento de vingança, jamais este poderá ser identificado como espécie de sanção penal. Deve ser analisada também quão importante para a evolução do conceito de pena a passagem dos grupos sociais do estágio de culturas para o de civilizações. Melhor esclarecendo, a palavra cultura é normalmente associada para indicar as sociedades ou períodos que ainda não atingiram o conhecimento da escrita e cujo nível geral de evolução é ainda relativamente primitivo. Ao expressar que uma cultura merece o nome de civilização, na verdade quer dizer que ela atingiu um nível de progresso em que a escrita está bem desenvolvida, assim como as instituições políticas, sociais e econômicas, de tal forma que os problemas de ordem, segurança e eficiência são perfeitamente solucionados e, assim o sendo, haverá uma ordenação social e, por conseqüência, uma ordem jurídica. 13 A seguir, encontram-se elencados, de forma sucinta, algumas legislações que historicamente contribuíram para a evolução e conseqüentemente entendimento da concepção de sanção penal: a) Legislação da Pérsia e do povo fenício – Na Pérsia, o homem apesar de nascer imperfeito, deve superar suas falhas e atingir a luz, como vitória do bem sobre o espírito do mal, o que denota, de certa forma, a existência do livre arbítrio, ainda não verificado anteriormente. Já o povo fenício, com sua grande relação com o comércio, preocupava-se com a repressão aos crimes relacionados à atividade comercial, sendo comum a pena de morte, atribuída a um cunho de prevenção geral, pela intimidação e através da imposição do castigo supremo. b) Legislação Mosaica – Destaca-se com o aparecimento da grande figura de Moisés, que trará os princípios básicos da convivência humana da civilização ocidental. Moisés pode ser considerado como o primeiro grande legislador universal, já que sua importância é decisiva para que se possa estabelecer o período no qual surgiram regras de conduta que iriam inspirar a maior parte dos ordenamentos surgidos até a nossa era moderna. Dos cinco livros de Moisés, o Deuteronômio pode ser considerado o mais importante historicamente para a humanidade, pois esboça um conteúdo normativo, onde predomina a inspiração divina, tendo as penas atribuídas como caráter purificador da alma. Em sua linha de pensamento, totalmente original, vez que não havia qualquer interferência precursora, onde as noções referentes a normas e penas se interligavam entre si, de acordo com o princípio filosófico de que tese e antítese forma a síntese. c) Código de Hamurabi – Criado em 1694 a.C. pelo rei Hamurabi, da Babilônia, o qual agia como mandatário divino, apregoava como emanação dos deuses Anu e Bel, para que todos o respeitassem. Continha severas normas de repressão, sendo a execução de seus infratores quase que uma constante no teor de seus artigos. Neste momento, havia realmente uma pena instituída visando provocar o temor do indivíduo à punição, sendo extremamente objetiva a sua interpretação quanto a aplicação da norma, ou seja, avaliava-se o dano provocado pelo delito cometido. Aplicava-se a o famoso talião, que com 14 este código surgiu sem qualquer consideração acerca da possibilidade de atenuação da pena nem motivação do delinqüente. Não obstante a sua aparente monstruosidade, a regra de talião pode ser considerada um avanço no sentido de aparecer pela primeira vez uma medida de proporcionalidade para a dosagem da pena. d) Código de Manu – Todo escrito em forma de versos e caracterizado por um conjunto de preceitos emanados por grandes deuses Manus (assim chamados os 14 richis-semideuses, que governavam cada 4 manvantara, no período correspondente a 852000 anos divinos) . Pela profunda crença na doutrina do ser superior, o deus Brahma, na qual a existência do presente era produto de faltas cometidas em outras vidas e que o sofrimento visava purificar os espíritos, os indus aceitavam que possuíam o Kharma (=provação a ser sofrida na vida presente) da pobreza condições de miserabilidade, já que este era o seu destino nesta vida. Tempos depois, com a divisão da sociedade em castas, sendo as dos sacerdotes as mais poderosas, a crise moral ficou agravada, sendo neste momento aplicadas penas excessivamente rigorosas, visando a purificação dos espíritos revoltados, evidenciando as mutilações e flagelos desumanos5 a pobres indivíduos oprimidos pelo injusto sistema social. e) Alcorão – Inspirado no culto a Maomé, profeta nascido em Meca e fundador do islamismo; uma religião sem sacerdotes e diversidade de seitas, onde as que mais se digladiam são a dos xiitas e a dos sunitas. Este código é fundamentalmente de concepção religiosa, sendo suas principais fontes de inspiração, o Velho Testamento e o Cristianismo, resumindo suas determinações e preceitos na expressão: Mek-Tub – estava escrito. Pelos mandamentos, quem desobedece às regras pregadas por Maomé, seria duramente castigado, conforme descrito em seu versículo 10 da quarta Suratra (capítulo), a seguinte pena: “Porque aqueles que malversarem o patrimônio dos órfãos, introduzirão fogos em suas entranhas e entrarão no tártaro”. 4 COSTA, Cláudia Pinheiro da. Sanção penal: sua gênese e tendências modernas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001. 5 Idem. 15 2.2 O direito de punir A preocupação com o direito de punir, principalmente no que tange a autoridade dada ao Estado, ou a quem quer que seja, é oportuna, já que não pode ser concebida, em hipótese alguma, a imposição de uma pena por alguém que não esteja revestido de legitimidade para assim o fazê-lo. No princípio, em Roma, como ensinava Nelson Hungria, havia o chamado o pater-famílias, uma espécie de algoz, já que o pai podia fazer com o filho o que bem entendesse, existindo, inclusive, sobre a mulher e os escravos6. Tal situação, ao longo dos anos foi se abrandando, já que naquela época havia espancamentos, castigos corporais etc. Hoje, tais fatos devem obedecer os preceitos previstos no artigo 136 do CPB. Diante da evolução da Filosofia do Direito, a concepção da legitimação do Direito e, por conseqüência, da coercibilidade do Direito, é identificada em várias fases, segundo Mesquita Junior, em sua obra Execução Criminal, Teoria e Prática: transcendentalismo: a legitimação do direito localiza-se em fontes suprahumanas. Ela pode dar-se por duas concepções. Por uma, é um poder Divino que dá as bases para a coercibilidade do Direito, bem como para a existência de normas asseguratórias de direitos naturais. Pela segunda, a legitimação do Direito não está em Deus, mas uma força superior, metafísica. Esse pensamento transcendental foi a base de todo o jusnaturalismo. sistema de normas: [...] Hans Kelsen propunha o Direito como um sistema dinâmico de normas, pelo qual é sua fonte criadora a norma. Assim, uma norma só pode ser criada se encontrar suas bases em outra que lhe é superior. sistema político: Carl Schmitt (que viveu de 1888 a 1985) ensinava que a Constituição era a decisão política fundamental, a decisão concreta de conjunto sobre o modo e a forma da unidade política. [...] Segundo ele, a Constituição encontra seu fundamento de validade, extrai seu ser de uma decisão política que a antecede. Não da norma jurídica. sistema econômico: [...] O Direito apresenta-se como meio de dominação. Esta se dá em função do poder econômico, ou seja, mantêm-se no poder somente os economicamente fortes. Historicamente, superada a fase jusnaturalista, em que as palavras dos soberanos se confundiam, na maioria das vezes, com a própria noção da palavra de Deus, com o advento da burguesia, nasce o ideal capitalista, dando-se maior destaque ao poder econômico. 6 FERNANDES, Newton. A falência do sistema prisional brasileiro. São Paulo: RG, 2000. 16 sociologismo e funcionalismo: o sociologismo jurídico aproximou o Direito da Sociologia. Foi desta ciência que nasceu o funcionalismo, isso com Durkheim. A partir dele, passa-se a ver a sociedade como sistema, pensamento que evolui até chegar às teorias sistêmicas atuais. No passado, a sociedade não era tão complexa. Hoje, ela apresenta diversas variáveis [...]7 Parsons8 classifica a sociedade como um sistema, entendendo que existem subsistemas que lhe são distintos, tais como: o Direito, a Economia e a Política, havendo um intercâmbio em relação às demais partes da sociedade, devendo, assim, haver mecanismos jurídicos, essenciais para adaptar o sistema às mudanças na estrutura da sociedade. Em verdade, o Direito sofreu influências de pensamentos estranhos ao que se pode chamar de jurídico em sentido estrito, haja vista como nos primórdios onde teve muitas interferências da religião. Tais intromissões foram, aos poucos, se diluindo, sobretudo, na Grécia, onde houve significativa contribuição, no campo filosófico, para a laicização, ou seja, excluir o elemento religioso do direito. Importante deixar claro ser impossível pensar em Direito, ou simplesmente em pena ou, ainda, no direito de punir, sem considerar as bases filosóficas e, mais ainda, em uma justiça superior à razão humana, em síntese, que exceda às leis unicamente escritas. 2.3 A pena e suas teorias Segundo Mesquita Júnior9, são três as principais correntes doutrinárias que tratam dos fins da pena e do direito de punir: absolutas, relativas e mistas. a) Teorias absolutas: a pena tem um único fim, o retributivo. O infrator deve ser punido porque ele cometeu o crime. Se a pena e o crime 7 JUNIOR, Sidio Rosa de Mesquita. Execução criminal. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2005. PARSONS, Talcott. Sociedades: perspectivas evolutivas e comparativas. São Paulo: Enio Matheus, 1969. 9 JUNIOR, Sidio Rosa de Mesquita. Execução criminal. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2005. 8 17 são males, deve imperar a igualdade entre eles, vez que só o igual é justo. b) Teorias relativas: A cominação da pena é forma de coação psicológica, sendo sua aplicação no caso concreto decorrente do fato de a cominação não ter intimidado suficientemente. Para essa corrente, o crime não é a causa da pena, mas a ocasião para que ela seja aplicada. c) Teorias mistas: A pena tem fim retributivo, mas também fins de reeducação do delinqüente criminoso e de intimidação social. 2.4 Evolução do ordenamento jurídico penal brasileiro As escolas penais, vistas anteriormente exerceram grande influência na legislação penal brasileira e suas penas ao longo do tempo e para melhor entender o do Direito Penal pátrio, necessário fazer uma viagem desde os primórdios da sociedade brasileira, ou melhor, desde a colonização, já que o ordenamento jurídico português, de certa forma, vigorou em nossas terras até a época da elaboração dos códigos criminais. No início da colonização, em verdade, a terra despertava pouco interesse aos portugueses, tanto que somente trinta anos após a descoberta é que surgiram manifestações de atenção por parte dos colonizadores, haja vista que até aquela data a terra era governada pelos donatários das Capitanias Hereditárias, através de seus forais, caracterizados, basicamente, por uma legislação escrita, onde se condensavam os usos e costumes locais, garantindo-se direitos e punições aos habitantes da capitania, variando preceitos de um local para o outro, de modo a existir vários forais, até a utilização das ordenações do reino10. Os forais continham disposições penais muito severas e impunha a certos criminosos penais cruéis. A título exemplificativo, alguns tribunais impunham a pena da perda de uma das mãos para o caso de furto e a perda das duas mãos em caso 10 COSTA, Cláudia Pinheiro da. Sanção penal: sua gênese e tendências modernas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001. 18 de roubo. Os caluniadores, de outra sorte, perdiam a língua e os sedutores e os estupradores, bem como os ladrões de igrejas, eram castrados11. Também teve grande influência na evolução penal a organização indígena do país, na época do descobrimento, sendo extraídas normas de condutas semelhantes àquelas adotadas pelos chefes das tribos, os caciques, constituindo um Direito Costumeiro, variando de acordo com cada nação indígena. Predominava, sobretudo, nas nações indígenas, o critério taliônico, muito embora a pena de morte entre os nativos fosse ouço comum. O delito cometido era considerado como se fosse dirigido à toda a família do ofendido e havia a hipótese de pena de morte para o adultério feminino. Com a independência do Brasil, os progressos sociais que viam operando em todo o território nacional, influenciados pelas novas correntes políticas e jurídicas da Europa, foram penetrando no espírito dos legisladores brasileiros, determinando as feições originais do atual Direito Penal e o sistema das penas. Assim, em 1824, foi elaborada a primeira compilação essencialmente penal no Brasil, o Código Criminal do Império, fruto de projetos dos deputados Bernardo Pereira de Vasconcelos e Clemente Ferreira, sendo promulgado em 16 de dezembro de 1830. Tal código, devido às fortes influências iluministas européias e dos códigos penais europeus, já apresentava certa humanização às penas, considerando a realidade bárbara que reinava no direito penal pátrio naquela época. Entretanto, ainda subsistiram penas radicais como pena de morte pela forca, instituídas contra rebeldes políticos e contra homicidas. Destacava-se, ainda, a pena de galés, de forma temporária ou perpétua, que consistia que o criminoso deveria andar com uma calceta no pé (uma bola de ferro, por exemplo), amarrada com uma corrente de ferro, ficando à disposição do governo para trabalhos. Tal pena era aplicada para os delitos de pirataria, perjúrio ou lesão corporal leve12. 11 12 Idem. Idem. 19 No ano de 1890 surge o novo Código Criminal do Império, tendo sido o mesmo confeccionado às pressas e sem levar em consideração os avanços doutrinários então surgidos, apresentando, inclusive, vários defeitos de ordem técnica legislativa e fazendo surgir a pena privativa de liberdade como novo mecanismo de controle social. Baseado no lema “Ordem e Progresso” contido na Bandeira Nacional, de nítida influência positivista, não poderia haver espaço para uma concepção mais liberal de pena, justificando um rigoroso sistema penal. Surgiram, então, novos projetos e, em 1928, o do Desembargador Virgílio de Sá, foi objeto de exame, sofrendo várias alterações e até mesmo abandonado anos depois, em 1932, devido ao golpe militar. Em 1940, com a participação de eminentes criminalistas como Nelson Hungria e Roberto Lyra, foi apresentado o projeto do atual Código Penal brasileiro, tendo sido promulgado em 1942, contendo o sistema de duplo binário (penas e medidas de segurança), o sistema progressivo para cumprimento de penas privativas de liberdade, sursis e livramento condicional e abolindo as penas cruéis, pena de morte e a prisão perpétua13. De lá para cá já foram feitas algumas alterações no Código Penal, sobretudo em sua estrutura, considerando avanços na área social e encontra-se em estudo no Congresso nacional proposta de novas mudanças em seu texto. 13 Idem. 20 3. A LEI DE EXECUÇÃO PENAL (LEP) A Lei nº 7210/84, instituindo a execução penal, foi sancionada em 11 de julho de 1984, e apresenta em seu artigo 1° o objetivo da execução penal que é “efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”14. Veja que não obstante seus dispositivos apresentarem características socializadoras, efetivamente apresenta grande descompasso com a realidade, haja vista sua elaboração ter sido realizada em desarmonia com o estilo tipificador do Código Penal, pois suas previsões visam satisfazer as necessidades de segurança social e reforma do delinqüente, o qual foi punido por um código definidor de condutas delituosas e sem a menor preocupação com a aplicação da sanção penal. Ainda em relação ao objetivo encarnado na Lei em exame, há quem acredite que, implicitamente, a execução penal não se compromete com o propósito ressocializador, pois, em uma leitura mais apurada do artigo em comento, pode-se concluir que ele diz respeito somente à integração do condenado no sistema penal15. Também, em seu artigo 5º, no qual preceitua que “os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal”, apresenta dissonância, já que tal classificação dependeria de investigações profundas, dada a infinidade de métodos existentes para as necessárias avaliações e, na prática, tal individualização dos presos não é verificada, tendo em vista a existência de duas fases distintas, a judiciária e a executória, onde, na primeira, a pena é ajustada a culpabilidade do réu. Seguindo com a análise, o artigo 12 prevê que “a assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas”, o que em verdade, só existe na teoria, já que na prática são identificados verdadeiros calabouços e amontoados de pessoas sem qualquer 14 BRASIL. Lei nº 7210, de 11 de julho de 1984. 1. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2005. COSTA, Cláudia Pinheiro da. Sanção penal: sua gênese e tendências modernas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001. 15 21 condição de higiene adequada, o que fere, também, o texto constitucional que em seu artigo 5°, inciso III, afirma: “ninguém será submetido à tortura e nem a tratamento desumano ou degradante16”. Observando o artigo 17 verifica-se que a norma prescreve que “a assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado”, entretanto, ao ser confrontado com os detentos punidos com o regime fechado, tal aplicação é bastante prejudicada neste aspecto, haja vista a impossibilidade do preso se ausentar do estabelecimento prisional, ficando seu ensino consideravelmente prejudicado e limitado. 3.1 Tratamento penitenciário A prisão, conforme já dito e observado em outras oportunidades, é um mal que deve ser evitado, sendo o enclausuramento em um estabelecimento penitenciário entendido como pagamento de certa penitência, daí que o tratamento penitenciário é aquele dispensado ao preso, estando ele condenado ou não. Visa o modo de atuar junto ao agente, correspondendo ao tratamento em meio livre, em instituição, em semi-liberdade e pós-cura, ficando, neste contexto, também, o chamado tratamento reeducativo17. Dispõe a Lei de Execuções Penais: [...] Art. 9º A Comissão, no exame para a obtenção de dados reveladores da personalidade, observando a ética profissional e tendo sempre presentes peças ou informações do processo, poderá: I - entrevistar pessoas; II - requisitar, de repartições ou estabelecimentos privados, dados e informações a respeito do condenado; 18 III - realizar outras diligências e exames necessários[...] 16 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. [organização, equipe América Jurídica]. 1. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2005. 17 JUNIOR, Sidio Rosa de Mesquita. Execução criminal. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2005. 18 BRASIL. Lei nº 7210, de 11 de julho de 1984. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em 10/09/2007. 22 Importante passo do tratamento penitenciário é a classificação, objeto de abordagem anterior, entretanto, necessário no que tange ao tema ora salientado. A falta de classificação prévia gera a promiscuidade, misturando condenados de personalidades diversas, o que contribui para o desenvolvimento da periculosidade, incentivando a reincidência, já que os criminosos eventuais serão reunidos com delinqüentes profissionais, de alta periculosidade. Em verdade, o legislador preferiu adotar a denominação assistência ao invés de tratamento penitenciário e desta forma, a norma abrange todos os elementos do tratamento, quais sejam: a assistência material, saúde, jurídica, educacional e religiosa, as quais a seguir são elencadas e abordadas. 3.2 As assistências destinadas ao detento A Lei de Execuções Penais (LEP) preceitua em seus artigos 10 e 11 como será a assistência dada ao preso, assim: Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso. Art. 11. A assistência será: I - material; II - à saúde; III - jurídica; IV - educacional; V - social; 19 VI - religiosa . Abrange a Lei, também, assistência a sua família, assim como a vítima e família desta e não é limitada ao prazo de cumprimento da pena, conforme consta nos artigos 25 e 26 do referido diploma: 19 Idem. 23 Art. 25. A assistência ao egresso consiste: I - na orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade; II - na concessão, se necessário, de alojamento e alimentação, em estabelecimento adequado, pelo prazo de 2 (dois) meses. Parágrafo único. O prazo estabelecido no inciso II poderá ser prorrogado uma única vez, comprovado, por declaração do assistente social, o empenho na obtenção de emprego. Art. 26. Considera-se egresso para os efeitos desta Lei: I - o liberado definitivo, pelo prazo de 1 (um) ano a contar da saída do estabelecimento; II - o liberado condicional, durante o período de prova20. 20 Idem. 24 3.3 Direitos e deveres A LEP prevê dispositivos específicos destinados aos direitos e deveres dos presos. Ademais, o próprio legislador constituinte se preocupou quanto aos direitos dos internados, os quais, infelizmente, muitas das vezes não são considerados e respeitados. No plano internacional, o trabalho em prol dos direitos dos presos, vem desde o período das grandes guerras mundiais. Em nosso ordenamento jurídico a previsão dos direitos dos presos não é vista com bons olhos por parte da sociedade, pois devido ao fato do cometimento do delito, muitas das vezes repugnante, o cidadão tem a idéia de que o delinqüente não merece qualquer respeito ou dispor de qualquer direito. Isto nem sempre foi assim e, em determinada época, o condenado só era objeto de deveres, sem qualquer direito, porém nos dias atuais a lei estabelece um rol de direito e também de deveres, cabendo ressaltar que a competência para legislar sobre a execução pena é concorrente entre Estados-membros e a União. Assim sendo, muitos dos direitos e/ou deveres se encontram inseridos em leis estaduais, assim como em regimentos internos das instituições penitenciárias21. 3.3.1 Dos direitos Difícil falar em direitos do preso, quando no Brasil a mentalidade que se tem a é que os mesmo não são sujeitos dignos de os terem, pois não todos, mas grande maioria acredita que aquele que cometeu o crime deve se alijado da sociedade e não mais retornar ao convívio social, como se houvesse ou merecesse uma segunda chance. Mas o certo é que a LEP estabelece um rol de direitos, previstos no capítulo IV, sendo que a realidade fática nos mostra o total descaso por 21 JUNIOR, Sidio Rosa de Mesquita. Execução criminal. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2005. 25 parte das autoridades no respeito a eles o que, em última análise acaba refletindo no comportamento agressivo e conseqüente impossibilidade de recuperação. Prevê a LEP: Art. 40 - Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios. Art. 41 - Constituem direitos do preso: I - alimentação suficiente e vestuário; II - atribuição de trabalho e sua remuneração; III - Previdência Social; IV - constituição de pecúlio; V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado; X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; XI - chamamento nominal; XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena; XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento; XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes. XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente. Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento. 26 Art. 42 - Aplica-se ao preso provisório e ao submetido à medida de segurança, no que couber, o disposto nesta Seção. Art. 43 - É garantida a liberdade de contratar médico de confiança pessoal do internado ou do submetido a tratamento ambulatorial, por seus familiares ou dependentes, a fim de orientar e acompanhar o tratamento. Parágrafo único. As divergências entre o médico oficial e o particular serão 22 resolvidas pelo Juiz da execução . Alguns dos direitos previstos no artigo 41 também constam no dispositivo destinado à assistência, dada a importância dos mesmos e conforme pode ser observado, se todos os direitos ali mencionados fossem concretizados ou respeitados, muito melhor seria praticar crimes, já que a realidade social brasileira é tão dramática e seria até mais interessante permanecer trancafiado em uma cela para obter tantos benefícios. Em verdade o que se observa na prática é que pouquíssimos dos direitos previstos são efetivamente respeitados, tornando, de certa forma, a letra da lei inócua. 3.3.2 Dos deveres Os deveres dos presos encontram-se elencados de forma genérica na LEP, no artigo 39, sendo a enumeração expressa de forma detalhada nos regimentos internos dos estabelecimentos prisionais respectivos em cada Estado: Art. 39. Constituem deveres do condenado: I - comportamento disciplinado e cumprimento fiel da sentença; II - obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se; 22 BRASIL. Lei nº 7210, de 11 de julho de 1984. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em 10/09/2007. 27 III - urbanidade e respeito no trato com os demais condenados; IV - conduta oposta aos movimentos individuais ou coletivos de fuga ou de subversão à ordem ou à disciplina; V - execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas; VI - submissão à sanção disciplinar imposta; VII - indenização à vitima ou aos seus sucessores; VIII - indenização ao Estado, quando possível, das despesas realizadas com a sua manutenção, mediante desconto proporcional da remuneração do trabalho; IX - higiene pessoal e asseio da cela ou alojamento; X - conservação dos objetos de uso pessoal. Parágrafo único. Aplica-se ao preso provisório, no que couber, o disposto 23 neste artigo . Como se pode observar, todos os deveres objetivam a reintegração social do condenado, daí a grande importância do aspecto disciplinar quando da apreciação do mérito quanto ao merecimento ou não do mesmo ao retorno do convívio em sociedade. Apesar de controverso, já que alguns autores, exemplificando com João Marcelo de Araújo Junior24, entendem que o respeito imposto pela disciplina fere o direito de identidade da pessoa condenada, já que a sociedade não pode intervir na liberdade de escolha do condenado, podendo este optar pela sua própria vida, escolhendo a forma como melhor lhe aprouver. Entretanto, tal direito não deve prevalecer sob pena de o direito particular sobrepor o coletivo. Desta forma, necessário se faz à imposição da disciplina, pois a restrição do direito individual será revertida em benefício do bem de toda a coletividade, proporcionando a manutenção da vida em comum. 23 BRASIL. Lei nº 7210, de 11 de julho de 1984. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em 10/09/2007. 24 Araújo Junior apud JUNIOR, Sidio Rosa de Mesquita. Execução criminal. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2005. 28 3.4 Organização penitenciária Compreende a organização penitenciária: os órgãos de execução penal, os estabelecimentos penitenciários, o pessoal penitenciário e o estatuto jurídico do preso. A Lei de Execuções Penais apresenta em seu artigo 61, os órgãos da execução penal, os quais, se atuantes, poderiam melhorar significativamente as condições do sistema penitenciário, possibilitando, em última análise, aumentar o nível de segurança social. Art. 61. São órgãos da execução penal: I - o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária; II - o Juízo da Execução; III - o Ministério Público; IV - o Conselho Penitenciário; V - os Departamentos Penitenciários; VI - o Patronato; VII - o Conselho da Comunidade25. Os órgãos da cúpula da execução criminal, segundo o aspecto administrativo são: o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e Departamento Penitenciário Nacional, detendo, o primeiro, função de extrema importância que é a de determinar a política criminal e penitenciária a ser adotada. Quanto ao segundo, oferece assessoria ao primeiro, fiscalizando, também, o fiel cumprimento da política criminal e penitenciária adotada. 25 BRASIL. Lei nº 7210, de 11 de julho de 1984. 29 A política criminal e penitenciária é desenvolvida pela União, mas as atividades do Departamento Penitenciário envolvem os Estados, sendo obrigatória a criação departamentos penitenciários estaduais, ou órgãos assemelhados. Enquanto o Conselho Nacional de Política Penitenciária desenvolve a política penitenciária e criminal, o Departamento Penitenciário nacional a executa, em âmbito do território nacional. Na forma do artigo 65 da LEP, “a execução penal competirá ao juiz indicado na lei local de organização judiciária e, na sua ausência, ao da sentença”. Do ponto de vista da importância para a execução, são órgãos do Juízo da Execução, o Ministério Público e a Defensoria Pública. Apesar de ter atribuições executivas, o MP apresenta autonomia, não estando, por isso mesmo, subordinado a qualquer Poder, seja: Legislativo, Executivo ou Judiciário, sendo ele um órgão anômalo, zelador do ordenamento jurídico, através de pareceres essencialmente técnicos. É inegável a importância desse órgão no sentido de buscar valer a lei na execução da pena e da medida de segurança. Já a Defensoria Pública, é órgão do Poder Executivo e não do Judiciário, como pode parecer, entretanto, não se encontra plenamente estruturada, o que também não é nenhuma novidade em um país em que a classe mais pobre, na maioria das vezes, é imposta à margem da sociedade. A Defensoria Pública, tanto quanto o Ministério Público, são órgãos que devem atuar bem próximos ao Juízo da Execução, dada a sua importância, deixando claro que tal proximidade não pode conduzir a uma omissão ao se deparar com qualquer injustiça ou excesso, mas sim como garantidores dos direitos daqueles que estão sob o rigor da Lei de Execuções Penais. As Varas de Execuções Penais mudam muito diante da realidade de cada tribunal e nem mesmo a denominação de cada Juízo hoje é uniforme26, inclusive, as 26 JUNIOR, Sidio Rosa de Mesquita. Execução criminal. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2005. 30 leis de organização judiciária dos tribunais federais e estaduais, deixam de instituir um Juízo especializado para tal, tornando imperiosa a destinação de outra Vara, criada com o objetivo de ter competência diversa. Quanto ao Ministério Público, importante consignar a existência de três correntes que visam apontar a verdadeira posição deste órgão, quais sejam: a primeira que entende que é o MP apenas parte no processo penal; a segunda que encara como representante do Poder Executivo e, a terceira, identificando-o como integrante do Poder de Justiça27. De outra forma, para os defensores do MP como órgão do poder de justiça, ampliando a noção de jurisdição, tal vertente também não apresenta nenhuma utilidade. Na verdade, O ministério Público é um órgão provocador da ação da justiça, de iniciativa, acusador; já o judiciário é órgão inerte e precisa ser provocado para exercer sua atividade jurisdicional, em respeito ao princípio da imparcialidade28. Seguindo com a análise, para os defensores de que o MP é órgão do Poder Executivo, há que ser consignado que aquele é dotado de autonomia e prerrogativas especiais e até certo ponto, excepcionais, a fim de atuar com energia, desembaraço e eficiência na repressão ao crime, submetido apenas à Constituição Federal, às leis e ao Estado Democrático de Direito. Melhor entendimento, segundo entendimento deste que ora apresenta o trabalho é o de que o Ministério Público não faz parte e nem está subordinado a quaisquer dos poderes Executivo, Legislativo, nem tampouco ao Judiciário. Ele é, em última análise, reconhecido como fiscal da lei, responsável pela ordem jurídica e defensor da democracia, atuando para que todos (Poder Público e Privado) respeitem e cumpram as leis, assegurando assim os direitos sociais, difusos (os quais não se pode identificar o destinatário específico: meio ambiente, patrimônio histórico etc.) e individuais, assim como os interesses de toda a coletividade. 27 Rosa apud JUNIOR, Sidio Rosa de Mesquita. Execução criminal. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2005. MINISTÉRIO PÚBLICO. Quem somos? O ministério público e poder judiciário. Disponível em: <http://www.mp.pe.gov.br/imprensa>. Acesso em 23/05/2006. 28 31 A participação da sociedade na execução da pena é fundamental e para tanto, são previstos órgãos cuja integração da comunidade se faz presente para realização das atividades executivas, sendo que a expressão maior de aludida participação reside no Conselho da Comunidade, assim como no Patronato, entretanto, não existe forma de recompensa para a dedicação e envolvimento do abnegado cidadão na execução da pena, o que de certo vem a provocar a instabilidade desses órgãos, os quais, em realidade, possuem pequena duração efetiva, já que não existe remuneração para seus integrantes, nem mesmo incentivos fiscais dispõem de vantagens específicas. 3.5 Estabelecimentos penais Prevê a Lei de Execuções Penais que haja vários estabelecimentos para cumprimento das sanções penais impostas ao condenado. Inobstante a determinação legal, contida nos dispositivos da Lei, o cumprimento das penais é concretizado em locais totalmente inadequados, por total impossibilidade de existência de vagas disponíveis nos presídios, tampouco hospitais psiquiátricos, amparando o poder público no obstáculo do custo elevado da arquitetura penitenciária. Fora dessas questões de ordem administrativa pública, a LEP adotou uma classificação dos estabelecimentos penitenciários de acordo com o regime de cumprimento da pena do preso, ou seja: a penitenciária destina-se ao condenado no regime fechado; a colônia agrícola ou industrial, ao regime fechado e a casa de albergado, ao regime aberto. Pela concepção imposta na Lei, a penitenciária deve ser o local destinado ao condenado à pena de reclusão, no regime fechado e não deve ter capacidade muito acentuada, subdividida em módulos, com capacidade para 120 (cento e vinte) condenados. 32 Quanto às Colônias Agrícolas e Industriais, o Brasil não dispõe de quantidade desejada, e as mesmas destinam-se ao cumprimento da pena privativa de liberdade no regime semi-aberto. Veja que a grande maioria das colônias, podem ser consideradas como verdadeiras adaptações já que não conseguem atender a um grande número de condenados29. Ademais, ressalte-se que a atividade rural para condenados oriundos de centros urbanos pode não apresentar resultados muito práticos, já que, via de regra, exercerão atividades laborais diferentes daquelas que porventura já eram conhecedores. Isto não quer dizer que seja inócua a iniciativa, vez que é indubitável que a atividade profissional, mesmo que fora das aptidões conhecidas, reduz em muito os custos da execução, já que muitas delas são desenvolvidas em prol da manutenção do indivíduo encarcerado e da comunidade, como serviço de panificação, serralheria, marcenaria, costura industrial etc. Tais atividades merecem e devem ser incentivadas e ampliadas. Com destinação similar às colônias agrícolas, a casa do albergado é o estabelecimento penitenciário onde deverão ser cumpridas as penas privativas de liberdade no regime semi-aberto, devendo estar localizada no centro urbano, possibilitando que o condenado venha exercer sua atividade profissional, somente se recolhendo nos períodos de folga. A seguir, transcrição da LEP, a respeito dos estabelecimentos penais: Art. 87. A penitenciária destina-se ao condenado à pena de reclusão, em regime fechado. Parágrafo único. A União Federal, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios poderão construir Penitenciárias destinadas, exclusivamente, aos presos provisórios e condenados que estejam em regime fechado, sujeitos ao regime disciplinar diferenciado, nos termos do art. 52 desta Lei. Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório. Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular: a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana; 29 JUNIOR, Sidio Rosa de Mesquita. Execução criminal. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2005. 33 b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados). Art. 89. Além dos requisitos referidos no artigo anterior, a penitenciária de mulheres poderá ser dotada de seção para gestante e parturiente e de creche com a finalidade de assistir ao menor desamparado cuja responsável esteja presa. Art. 90. A penitenciária de homens será construída, em local afastado do centro urbano, à distância que não restrinja a visitação [...]. Art. 91. A Colônia Agrícola, Industrial ou Similar destina-se ao cumprimento da pena em regime semi-aberto. Art. 92. O condenado poderá ser alojado em compartimento coletivo, observados os requisitos da letra a, do parágrafo único, do artigo 88, desta Lei. Parágrafo único. São também requisitos básicos das dependências coletivas: a) a seleção adequada dos presos; b) o limite de capacidade máxima que atenda os objetivos de individualização da pena. [...] Art. 93. A Casa do Albergado destina-se ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime aberto, e da pena de limitação de fim de semana. Art. 94. O prédio deverá situar-se em centro urbano, separado dos demais estabelecimentos, e caracterizar-se pela ausência de obstáculos físicos contra a fuga. Art. 95. Em cada região haverá, pelo menos, uma Casa do Albergado, a qual deverá conter, além dos aposentos para acomodar os presos, local 30 adequado para cursos e palestras. [...] . 30 BRASIL. Lei nº 7210, de 11 de julho de 1984. 34 4. O DIREITO PENAL DO INIMIGO Com o avanço da criminalidade moderna, o direito penal começa a se distanciar da sua antiga aplicação do direito clássico, - como paradigmático exemplo da aplicação de pena de restrição de liberdade ao autor do crime de homicídio simples, - e passa a encarar o autor do fato delituoso como um inimigo do Estado. Isto porque os delitos decorrentes da globalização, a chamada macro criminalidade, como a criminalidade econômica e organizada, o terrorismo, o tráfico de armas e pessoas, exigem um caráter de prevenção e praticidade do Direito Penal. Para Jakobs, principal defensor do Direito Penal do Inimigo, este é resultante da soma de fatores como a expansão do Direito Penal, do surgimento do Direito Penal Simbólico e do ressurgir do punitivismo, tendo em vista a emergência do Direito Penal moderno, ter raízes filosóficas distantes. É em Hobbes que a doutrina de Jakobs se identifica intimamente. Para Hobbes, o inimigo é aquele indivíduo que rompe com a sociedade civil e volta a viver em estado de natureza, ou seja, homens em estado de natureza são todos iguais. O estado de natureza, segundo Hobbes, “é a liberdade que cada homem possui de usar seu próprio poder, de maneira que quiser, para a preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua vida”. Portanto, para este autor, o estado natural dos homens é o estado de guerra, onde todos os homens são inimigos dos outros, e um homem pode tudo contra seus inimigos. Pois na guerra não há lei e onde não há lei, não há justo ou injusto, nem bem, nem mal. 31 Para Hobbes, as leis civis são feitas para os cidadãos, sendo que, os inimigos não estão sujeitos a elas, pois negaram a autoridade do Estado, dessa forma, poderão receber o castigo que o representante do Estado achar conveniente. Pois, os danos infligidos a quem é um inimigo declarado não podem ser classificados como penas. Dado que esse inimigo ou nunca esteve sujeito à lei, e, 31 HOBBES. Thomas. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. Trad. João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. [s.l.]: Ed. Nova Cultural, 1997, p. 113. 35 portanto, não pode transgredi-la, ou esteve sujeito a ela e professa não mais o estar, negando em conseqüência que possa transgredi-la, todos os danos que lhe possam ser causados devem ser tomados como atos de hostilidade. Jakobs defende que devem existir dois tipos de Direito, um voltado para o cidadão e outro voltado para o inimigo. Segundo o autor, “não se trata de contrapor duas esferas isoladas do Direito penal, mas de descrever dois pólos de um só contexto jurídico-penal”. 32 O Direito voltado para o cidadão caracteriza-se pelo fato de que, ao violar a norma, ao cidadão é dada a chance de restabelecer a vigência dessa norma, de modo coativo pela pena. Neste caso, o Estado não vê no indivíduo um inimigo, que precisa ser destruído, mas o autor de um fato normal, que, mesmo cometendo um ato ilícito, mantêm seu status de pessoa e seu papel de cidadão dentro do Direito, além do que, não se pode despedir da sociedade pelo seu ato. Porém, existe indivíduo que pelo seu comportamento: pelos tipos de crimes que cometem (delitos sexuais), ou pela sua ocupação profissional (criminalidade econômica, tráfico de drogas), ou por participação de uma organização criminosa (terrorismo), “se afastou, de maneira duradoura, ao menos de modo decidido, do Direito, isto é, que não proporciona a garantia cognitiva mínima necessária a um tratamento como pessoa”, e, portanto, deve ser tratado como inimigo, tornando-se alvo do Direito Penal do Inimigo. Percebe-se que a tese em análise, defendida por Jakobs, é estruturada sobre o conceito de pessoa e de não-pessoa. Para ele, o inimigo é uma não- pessoa, “pois um indivíduo que não admite ser obrigado a entrar em um estado de cidadania não pode participar dos benefícios do conceito de pessoa”. 33 32 CANCIO MELIÁ, Manuel, in JAKOBS, Günter; CANCIO MELIA, Manuel, Direito Penal do Inimigo, moções e críticas. Org. e Trad.: André Luis Callegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 57-65. 33 CANCIO MELIÁ, Manuel, in JAKOBS, Günter; CANCIO MELIA, Manuel, Direito Penal do Inimigo, moções e críticas. Org. e Trad.: André Luis Callegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 57-65. 36 O inimigo é um perigo que se visa combater. Neste sentido o Direito se adianta ao cometimento do crime levando em conta a periculosidade do agente, e por isso, “o Estado tem direito a procurar segurança frente a indivíduos que reincidem persistentemente na comissão de delitos”. Assim, “o Direito penal do inimigo é daqueles que o constituem contra o inimigo: frente ao inimigo, é só coação física, até chegar a guerra”.34 Jakobs utiliza a periculosidade do agente para caracterizar o inimigo, contrapondo-o ao cidadão que, apesar de seu ato, oferece garantia de que se conduzirá como cidadão, atuando com fidelidade ao ordenamento jurídico, de forma que sua personalidade tende para tanto. Já o inimigo não oferece esta garantia, devendo ser combatido pela sua periculosidade, e não punido segundo a sua culpabilidade. No Direito Penal do Inimigo a punibilidade avança para o âmbito interno do agente e da preparação, e a pena se dirige à segurança frente a atos futuros, caracterizando o Direito Penal do Inimigo como um direito do autor e não do fato. Jakobs defende o Direito Penal do Inimigo afirmando que, o Estado tem o direito de procurar a segurança frente aos inimigos, sustentando que a custódia da segurança é uma instituição jurídica. Argumenta, ainda, que os cidadãos têm o direito de exigir do Estado medidas adequadas a fim de fornecer esta segurança. Portanto, o Estado não deve tratar o inimigo como pessoa, pois do contrário vulneraria o direito à segurança das demais pessoas.35 A entrada em vigor da Lei 10.792/2003, que altera dispositivos da Lei de Execuções Penais brasileira para a inclusão do Regime Disciplinar Diferenciado aplicado a determinados detentos, produziu violações a determinadas garantias, antes conferidas aos presos, em especial no que se refere ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao da igualdade no cumprimento da pena. 34 CANCIO MELIÁ, Manuel, in JAKOBS, Günter; CANCIO MELIA, Manuel, Direito Penal do Inimigo, moções e críticas. Org. e Trad.: André Luis Callegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 57-65. 35 CANCIO MELIÁ, Manuel, in JAKOBS, Günter; CANCIO MELIA, Manuel, Direito Penal do Inimigo, moções e críticas. Org. e Trad.: André Luis Callegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 57-65. 37 5. O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO A triste realidade da grande maioria das prisões brasileiras não condiz com a importância que deveria ser dada à execução penal, fase final da persecução criminal, caracterizada como uma relação jurídica complexa, em que Estado e preso detêm direitos e obrigações recíprocos e complementares.36 De fato, é conhecido o problema disciplinar enfrentado nas prisões brasileiras, a resultar em verdadeira dominação das instituições por parte dos presos mais fortes ou integrantes de determinados grupos, de modo a submeter os demais a toda sorte de violências e até mesmo à morte, bem como a perseverar na prática criminosa de dentro do estabelecimento, particularmente no caso de organizações criminosas, valendo-se da facilidade dos meios de comunicação postos à disposição, bem assim do livre acesso de visitantes que, a par da necessária e conveniente assistência familiar, servem aos propósitos de levar ordens e determinações para os executantes que não estão encarcerados. O regime disciplinar diferenciado foi criado, inicialmente, no Estado de São Paulo, veiculado pela Resolução SAP-026, de 4 de maio de 2001, publicada no DOE, v. 111, n. 84, de 5 de maio de 2001, a qual, segundo sua ementa, "Regulamenta a inclusão, permanência e exclusão dos presos no Regime Disciplinar Diferenciado". A norma teria sido veiculada no exercício da competência estadual para legislar sobre direito penitenciário e foi considerada válida pelo TJSP (HC 400.000.3/8, 6ª Cam., 21.11.02). A inclusão no regime disciplinar diferenciado poderá ocorrer em três hipóteses distintas, a saber: a) como sanção disciplinar, em decorrência da prática de falta grave consistente em crime doloso, que ocasione subversão da ordem ou da disciplina interna (LEP, art. 52, caput, e art. 53, V); b) para condenados ou presos provisórios que apresentem alto risco para a ordem ou a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade (LEP, art. 52, § 1º); c) para condenados ou presos provisórios sobre os quais recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou 36 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. A constitucionalidade do regime disciplinar diferenciado na execução penal. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 17, abr. 2007. Disponível em: < http://www.revistadoutrina.trf4.gov.br/artigos/edicao017/Jose_Baltazar.htm> Acesso em: 09 ago. 2007. 38 participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando (LEP, art. 52, § 2º). 5.1 Antecedentes históricos A instituição de um regime disciplinar diferenciado a ser aplicado aos presos surgiu como resposta a megarebelião ocorrida no Estado de São Paulo no inicio do ano de 2001. Essa megarebelião envolveu vinte e cinco unidades prisionais da Secretaria da Administração Penitenciária e quatro cadeias sob a responsabilidade da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Diferentemente dos conflitos carcerários ocorridos naquele estado até aquele momento, o motivo da megarebelião não se restringiu a simples denúncia das deficiências do sistema carcerário, mas, sobre a forte influência de grupos organizados, bem como em resposta às ações governamentais que tentavam dissuadir o Primeiro Comando da Capital (PCC) ao transferir seus principais líderes para locais distantes da capital do Estado de São Paulo. Assim, na tentativa dos administradores em assegurar a disciplina e a ordem do sistema prisional daquele estado, foram editadas duas resoluções pela Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo (SAP/SP). Em maio de 2001, a Resolução SAP/SP nº 26 estréia a experiência do Regime Disciplinar Diferenciado no Brasil, inicialmente restringido a cinco unidades prisionais de São Paulo. A Resolução SAP/SP nº 26 dispunha em seu artigo 1º que o Regime Disciplinar Diferenciado seria aplicável aos líderes e integrantes de facções criminosas e aos presos cujo comportamento exigisse tratamento de contenção. O tempo máximo de permanência no Regime Disciplinar Diferenciado era de cento e oitenta dias, podendo ser ampliado para trezentos e sessenta dias. Em julho do ano de 2002, é editada a Resolução SAP/SP nº49, cujo objetivo era o de restringir o direito de visita e as entrevistas dos presos em Regime 39 Disciplinar Diferenciado com seus advogados. A resolução limitava o número de visitantes, por dia de visita, e estabelecia que as entrevistas com advogados deveriam ser previamente agendadas, mediante requerimento oral ou escrito à Direção do estabelecimento. Tais medidas tinham o cunho de normatizar as restrições aos direitos dos presos por atos administrativos estaduais. No Estado do Rio de Janeiro, a primeira experiência análoga ao Regime Disciplinar Diferenciado ocorreu em dezembro de 2002, quando ocorreu a rebelião no Presídio Bangu I, liderada por Fernandinho Beira-Mar. Imediatamente após o término da rebelião, os seus líderes foram isolados e o restante dos participantes foram colocados em Regime Disciplinar Especial de Segurança (RDES), nome dado ao Regime Disciplinar Diferenciado no estado do Rio de Janeiro. O Regime Disciplinar Especial de Segurança implantado se tratava de um imperativo de disciplina, destinado a afastar líderes violentos e sanguinários, de exacerbada periculosidade, do convívio com os demais presos. Ficou estabelecida, então, uma clara dicotomia entre as lideranças opressoras e os criminosos ocasionais e eventuais, de escassa periculosidade. Com base neste pressuposto, conferiu caráter redentor à punição disciplinar que, por meio do isolamento dos “opressores”, supostamente asseguraria ao restante da massa carcerária “oprimida” a proteção desejada. Observa-se, portanto, o critério diferenciado que passou a ser aplicado aos presos. Uns são punidos com maior severidade devido ao seu envolvimento com o crime organizado, e sua competência em orientar a conduta de outros presos, sua liderança. Outros são vistos como oprimidos por líderes de determinadas facções criminosas, sendo utilizados como massa de manobra na obtenção de regalias dentro do sistema prisional. 40 5.2 A Lei 10.792/2003 Numa tentativa de conter o quadro expansionista do crime organizado nos presídios dos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, estes entes federados elaboraram resoluções administrativas implantando o Regime Disciplinar Diferenciado em suas respectivas unidades prisionais. Tal medida tinha como escopo inibir a onda de rebeliões ocorridas naquelas unidades prisionais, sendo, em sua maioria das vezes, lideradas por chefes ou líderes de facções criminosas, que, valendo de seu poder de liderança e comando, organizavam rebeliões com a intenção de manter privilégios prisionais, de conseguir melhoria nas penitenciárias e de atacar determinados atos dos diretores de presídios. No início, as rebeliões serviam para alertar a população das péssimas condições em que os presos eram mantidos, mostrando a distância entre a Justiça e a Administração quando da execução da pena. Com o decorrer dos anos, os objetivos se alteraram. Os líderes de determinadas facções passaram a comandar rebeliões com o simples objetivo de manter seus privilégios em determinadas unidades prisionais. Iniciou-se uma batalha judicial visando a decretar à inconstitucionalidade do Regime Disciplinar Diferenciado nesses Estados cujo principal argumento era a violação ao princípio da dignidade da pessoa humana. Outro argumento que ganhou relevo foi a afronta a individualização da pena, infligindo castigo físico e moral, este último na medida que impõe ao preso isolamento celular absoluto. Na época, o então Ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, na sede da Superintendência da Policia Federal, noticiou que discordou da interpretação dada pelos magistrados defendendo o Regime Disciplinar Diferenciado como medida 41 constitucional. Destacou a apreciação do Regime de forma comedida e direcionada para os chefes de quadrilhas. 37 Segundo parecer do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, “o regime disciplinar diferenciado promove a destruição emociona, física e psicológica do preso, que submetido a isolamento demasiadamente longo pode apresentar depressão, desespero, ansiedade, raiva, alucinações, claustrofobia e, a médio prazo, psicoses e distúrbios afetivos graves.”38 A manutenção da ordem dentro dos presídios é tarefa das mais difíceis, e a instituição do regime disciplinar diferenciado surgiu com o objetivo de manter a ordem dentro dessas unidades. A partir das iniciativas das administrações penitenciárias dos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, movidas também pelo forte apoio da imprensa, o Parlamento foi instigado a universalizar o regime disciplinar diferenciado através de alteração na legislação federal. O projeto de generalizar o novo regime penitenciário atingiu seu ápice quando os veículos de comunicação passaram a associar a figura do advogado, e subliminarmente a idéia de direitos e garantias, com a do réu condenado, comunicando a falsa associação entre os excessivos direito de defesa e a convivência com o crime. O advogado do preso passou a ser encarado como um membro da quadrilha, que, estando fora das grades, poderia sustentar a organização criminosa. As autoridades legislativas aprovaram no ano de 2003, o Projeto de Lei número 7.053, enviado ao Congresso Nacional, em 2001, pela Presidência da República. Um dos motivos principais da aprovação foi o assassínio de dois juízes da Execução Penal, em março de 2003, nos estados de São Paulo e Espírito Santo. Era necessário o Estado dar uma resposta ao total descontrole dos presos no sistema prisional. 37 BASTOS, Márcio Thomaz. Ministro defende legalidade do RDD. Correio Brasiliense, Brasília, 17 ago.2006. Entrevista concedida a Marcelo Rocha e a Fernanda Guzzo. 38 Parecer do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, aprovado pela Resolução 10, 42 Em meio a esses fortes acontecimentos, foi aprovada a Lei 10.792 de 1/12/2003 que introduziu na execução penal o regime disciplinar diferenciado. Enquanto a necessidade de um maior rigor era sentida apenas no interior do cárcere, não houve iniciativa do Poder Legislativo, mas, quando foi ultrapassado os muros prisionais que ilusoriamente mantinham guardada a miséria prisional brasileira, houve a manifestação legislativa de uma política do bem que deveria ser comum a todos os homens, encarcerados ou não. Pela Lei 10.792 de 1/12/2003, foi instituído o regime disciplinar diferenciado que não constitui um regime de cumprimento de pena em acréscimo aos regimes fechado, semi-aberto e aberto, nem uma nova modalidade de prisão provisória, mas sim um regime de disciplina carcerária especial, caracterizado por maior grau de isolamento do preso e de restrições ao contato com o mundo exterior, a ser aplicado como sanção disciplinar ou como medida de caráter cautelar, tanto ao condenado como ao preso provisório. A Lei 10.792 de 1/12/2003 alterou diversos artigos da Lei de Execuções Penais (LEP) para instituir o regime disciplinar diferenciado. Vejamos abaixo somente as alterações na Lei de Execuções Penais no que dizem respeito ao regime disciplinar diferenciado: "Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características: I - duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada; II - recolhimento em cela individual; III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas; IV - o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol. o § 1 O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade. 43 o § 2 Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando." (NR) "Art. 53. ................................................................................. V - inclusão no regime disciplinar diferenciado." (NR) "Art. 54. As sanções dos incisos I a IV do art. 53 serão aplicadas por ato motivado do diretor do estabelecimento e a do inciso V, por prévio e fundamentado despacho do juiz competente. o § 1 A autorização para a inclusão do preso em regime disciplinar dependerá de requerimento circunstanciado elaborado pelo diretor do estabelecimento ou outra autoridade administrativa. o § 2 A decisão judicial sobre inclusão de preso em regime disciplinar será precedida de manifestação do Ministério Público e da defesa e prolatada no prazo máximo de quinze dias." (NR) "Art. 57. Na aplicação das sanções disciplinares, levar-se-ão em conta a natureza, os motivos, as circunstâncias e as conseqüências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão. Parágrafo único. Nas faltas graves, aplicam-se as sanções previstas nos incisos III a V do art. 53 desta Lei." (NR) "Art. 58. O isolamento, a suspensão e a restrição de direitos não poderão exceder a trinta dias, ressalvada a hipótese do regime disciplinar diferenciado." ................................................................................." (NR) "Art. 60. A autoridade administrativa poderá decretar o isolamento preventivo do faltoso pelo prazo de até dez dias. A inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado, no interesse da disciplina e da averiguação do fato, dependerá de despacho do juiz competente. Parágrafo único. O tempo de isolamento ou inclusão preventiva no regime disciplinar diferenciado será computado no período de cumprimento da sanção disciplinar." (NR) "Art. 72. ................................................................................. VI – estabelecer, mediante convênios com as unidades federativas, o cadastro nacional das vagas existentes em estabelecimentos locais destinadas ao cumprimento de penas privativas de liberdade aplicadas pela justiça de outra unidade federativa, em especial para presos sujeitos a regime disciplinar. "Art. 86. ................................................................................. o § 1 A União Federal poderá construir estabelecimento penal em local distante da condenação para recolher os condenados, quando a medida se justifique no interesse da segurança pública ou do próprio condenado. ................................................................................. 44 o § 3 Caberá ao juiz competente, a requerimento da autoridade administrativa definir o estabelecimento prisional adequado para abrigar o preso provisório ou condenado, em atenção ao regime e aos requisitos estabelecidos." (NR) "Art. 87. ................................................................................. Parágrafo único. A União Federal, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios poderão construir Penitenciárias destinadas, exclusivamente, aos presos provisórios e condenados que estejam em regime fechado, sujeitos ao regime disciplinar diferenciado, nos termos do art. 52 desta Lei." (NR) "Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão. o § 1 A decisão será sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor. § 2o Idêntico procedimento será adotado na concessão de livramento condicional, indulto e comutação de penas, respeitados os prazos previstos nas normas vigentes." (NR) Além das alterações na Lei de Execução Penal, a Lei 10.792 de 1/12/2003, estabelece ainda: o “Art. 4 Os estabelecimentos penitenciários, especialmente os destinados ao regime disciplinar diferenciado, disporão, dentre outros equipamentos de segurança, de bloqueadores de telecomunicação para telefones celulares, rádio-transmissores e outros meios, definidos no art. 60, § 1o, da Lei no 9.472, de 16 de julho de 1997. o Art. 5 Nos termos do disposto no inciso I do art. 24 da Constituição da o República, observados os arts. 44 a 60 da Lei n 7.210, de 11 de junho de 1984, os Estados e o Distrito Federal poderão regulamentar o regime disciplinar diferenciado, em especial para: I - estabelecer o sistema de rodízio entre os agentes penitenciários que entrem em contato direto com os presos provisórios e condenados; II - assegurar o sigilo sobre a identidade e demais dados pessoais dos agentes penitenciários lotados nos estabelecimentos penais de segurança máxima; III - restringir o acesso dos presos provisórios e condenados aos meios de comunicação de informação; IV - disciplinar o cadastramento e agendamento prévio das entrevistas dos presos provisórios ou condenados com seus advogados, regularmente constituídos nos autos da ação penal ou processo de execução criminal, conforme o caso; 45 V - elaborar programa de atendimento diferenciado aos presos provisórios e condenados, visando a sua reintegração ao regime comum e recompensando-lhes o bom comportamento durante o período de sanção disciplinar." (NR) o Art. 6 No caso de motim, o Diretor do Estabelecimento Prisional poderá determinar a transferência do preso, comunicando-a ao juiz competente no prazo de até vinte e quatro horas. Art. 7o A União definirá os padrões mínimos do presídio destinado ao cumprimento de regime disciplinar. o Art. 8 A União priorizará, quando da construção de presídios federais, os estabelecimentos que se destinem a abrigar presos provisórios ou condenados sujeitos a regime disciplinar diferenciado.” Observa-se que a Lei 10.792 de 1/12/2003 demonstra uma grande preocupação do Congresso Nacional em manter sob controle os estabelecimentos prisionais e punir exemplarmente os líderes de determinadas facções criminosas que mantinham “de fato” o controle do presídio. 5.3 Aspectos importantes do Regime Disciplinar Diferenciado Conforme dito anteriormente, o regime disciplinar diferenciado não é uma nova espécie de regime de cumprimento de pena, nem uma nova modalidade de prisão provisória, mas sim um regime de disciplina carcerária especial. Pode ser imposto como sanção ao condenado por sentença transitada em julgado que cumpre pena privativa de liberdade e ao preso que se encontra custodiado em razão de uma das modalidades de prisão provisória, posto que também o preso provisório está sujeito à Lei de Execução Penal e à disciplina carcerária. A inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado é prevista como sanção disciplinar na hipótese de falta de natureza grave, e somente pode ser imposto nas hipóteses prevista no art. 52 da Lei de Execuções Penais (LEP), acima mencionado. 46 Como sanção disciplinar, o referido regime deve ser fixado por prazo determinado, ou seja, prazo que não pode ser superior a 360 dias, autorizada a repetição por nova falta grave da mesma espécie. Para o preso provisório a sanção cessará se vier a ser relaxada a prisão em flagrante, concedida a liberdade provisória ou revogada a prisão preventiva. As restrições que caracterizam o regime disciplinar diferenciado são: o recolhimento em cela individual; a limitação do direito de visita a duas pessoas, por duas horas, excluídas as crianças; o direito à saída da cela por apenas duas horas diárias para banho de sol; restrição ao preso quanto ao acesso aos meios de comunicação e de informação e o cadastramento e agendamento prévio para entrevista com seu advogado. Diferentemente do estipulado nas resoluções que regulavam o regime disciplinar diferenciado nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, e diversamente das demais sanções disciplinares, a inclusão no regime disciplinar diferenciado só pode ser aplicada por decisão do juiz competente, ouvidos previamente o Ministério Público e a defesa. A inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado pode ocorrer como medida cautelar, nas hipóteses de recaírem sobre o preso fundadas suspeitas de envolvimento ou participação em organizações criminosas ou de representar ele alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou para a sociedade. Nessas hipóteses não se exige a prática de crime doloso ou o cometimento de outra falta grave, pois o fundamento para sua aplicação tem caráter punitivo próprio da sanção disciplinar. Esta medida tem caráter preventivo, de natureza cautelar, tendo por finalidade garantir as condições necessárias para que a pena privativa de liberdade ou a prisão provisória seja cumprida em condições que garantam a segurança do estabelecimento penal e a ordem pública que continuaria ameaçada, se o preso ficasse no regime comum de cumprimento de pena. É necessário que o preso apresente certo grau de periculosidade capaz de abalar a ordem e a segurança do estabelecimento prisional, sendo que sua permanência no regime comum possa influenciar na ocorrência de motins, rebeliões, 47 lutas entre facções ou a prática de crimes no interior do estabelecimento, ou então que o preso possa liderar ou concorrer para a pratica de infrações penais no mundo exterior, por integrar alguma facção criminosa. 5.4. O regime disciplinar diferenciado como fruto de um direito penal do inimigo A recente entrada em vigor da Lei 10.792/2003, que altera dispositivos da Lei de Execuções Penais brasileira para a inclusão do Regime Disciplinar Diferenciado aplicado a determinados detentos, produziu violações a determinadas garantias, antes conferidas aos presos, em especial no que se refere ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao da igualdade no cumprimento da pena. As origens desta lei podem ser detectadas, no dizer de Paulo César Busato, como “há um estado de medo permanente na sociedade brasileira, provocado pela existência de alarmantes índices de criminalidade que, além do mais, tem invadido as cadeias e subvertido o próprio sistema de execuções penais, convertendo os próprios estabelecimentos prisionais em pontos de referência das organizações criminosas, de onde partem ordens e diretrizes para a realização de certas ações delitivas. Isto, associado à crescente influência dos bandos criminosos, principalmente em locais onde se acumulam milhares de pessoas em condições de vida desumanas, têm feito com que as instâncias estatais de controle social reajam de modo já conhecido: progressivamente restritiva a edição e reiterada ofensiva para de mais legislação as garantias penal, fundamentais. Trata-se evidentemente de uma Política Criminal equivocada e que não resulta em mais do que a reprodução e multiplicação da violência.” A imposição de uma fórmula de execução da pena diferenciada segundo características do autor relacionadas com “suspeitas” de sua participação na criminalidade de massas não é mais do que um “Direito penal de inimigo”, quer dizer, trata-se da desconsideração de determinada classe de cidadãos como portadores de direitos iguais aos demais a partir de uma classificação que se impõe desde as instâncias de controle. A adoção do Regime Disciplinar Diferenciado 48 representa o tratamento desumano de determinado tipo de autor de delito, distinguindo evidentemente entre cidadãos e “inimigos”. Entretanto, a exemplo de outras tantas iniciativas legislativas que tem o claro objetivo de diminuir garantias dos autores de delito, evidentemente esta lei não pode alcançar a pretendida diminuição de índices de delinqüência, uma vez que a raiz do fenômeno criminológico brasileiro se encontra muito mais nas graves distorções sociais e econômicas do que no regime interno do cárcere, que além do mais, costuma ser brutal e estar em descompasso com a própria disposição legislativa. Enquanto no Brasil esta ilegítima e desproporcional reação estatal vinculase ao principal problema com que se depara a sociedade brasileira, ou seja, a criminalidade de rua realizada a partir de bandos; na Europa, onde o problema do momento parece claramente identificado com o terrorismo, aparecem propostas semelhantes em algumas legislações. Aqui, no Brasil, o legislador resolveu por bem adotar um tratamento diferenciado entre o cidadão e o “inimigo”, escolhendo o perfil daquele que passa a ser considerado como inimigo do Estado. A classificação de “inimigo” deriva da sua suspeita de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando, ou que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade. Assim, determinado preso provisório ou condenado é considerado inimigo pela qualidade que ostenta. Não importa mais o fato anteriormente praticado por ele, e sim sua condição. O Estado passa a desprezar um tipo determinado de homem, o envolvido em suspeita de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando, ou que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade, passando a considerá-lo como inimigo. 49 6. A CONSTITUCIONALIDADE DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO NA EXECUÇÃO PENAL Não restam dúvidas de que a imposição do regime disciplinar diferenciado representa uma restrição a direito fundamental, entretanto veiculada por lei, no exercício da liberdade conformadora do legislador na individualização da pena, como deixa claro o inciso LXVI da Constituição, ao estabelecer que "a lei regulará a individualização da pena”39. O aludido dispositivo não deixa dúvidas que a restrição do direito fundamental é objeto de reserva legal simples, havendo a exigência apenas de que eventual restrição seja prevista em lei. A introdução do novo instituto sofreu crítica de parte da doutrina, que considerou inconstitucional, com os seguintes argumentos: a) representa imposição de pena cruel (CF, art. 5º, XLVII); b) viola a integridade física e moral do preso (CF, art. 5º, XLIX); c) submete o preso a tratamento desumano ou degradante (CF, art. 5º, III); d) viola o princípio da legalidade (CF, art. 5º, XXXIX), por não estar previsto no CP; e) viola a garantia da individualização da pena (CF, art. 5º, XLVI); f) a garantia da proporcionalidade, pois a duração da penalidade é maior do que a de dispositivos do CP, como no caso de crime de lesões corporais; g) a garantia da vedação de prisão administrativa (CF, art. 5º, LXI). Sem dúvida alguma, há privação de alguns direitos assegurados aos presos em geral. A privação, entretanto, é inerente à própria idéia de pena ou sanção40. 39 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. [organização, equipe América Jurídica]. 1. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2005. 40 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. A constitucionalidade do regime disciplinar diferenciado na execução penal. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 17, abr. 2007. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.gov.br/artigos/edicao017/Jose_Baltazar.htm> Acesso em: 09 ago. 2007. 50 Da mesma forma, não há que se falar em violação da integridade física ou moral do preso, havendo mera diferença do grau de apenamento ou na forma de seu cumprimento, sem qualquer atentado físico ou mental sobre o preso. Sendo o regime aplicável a situações determinadas, mediante aplicação do devido processo, com garantia de ampla defesa e controle judicial, daí não existir qualquer violação da Constituição em nenhum desses aspectos. O argumento de que a duração do regime disciplinar diferenciado é maior do que a pena para alguns delitos cometidos com violência, aí residindo a inconstitucionalidade, também não procede. Primeiro, porque a aplicação do regime se dá no âmbito de uma relação de especial sujeição, da qual podem decorrer efeitos mais gravosos para o cidadão e, em segundo, por ser evidente que o término do cumprimento da pena implicará na cessação do regime disciplinar diferenciado. Para finalizar o raciocínio, basta dar ao dispositivo interpretação conforme a constituição, aplicando-o de forma proporcional à falta cometida. Assim, se, em determinados concretos, ocorrer violação do princípio da proporcionalidade, o que demandará verificação das circunstâncias em que aplicado, haverá controle judicial e recursal sobre o acerto ou desacerto da medida, não podendo, de pronto, ser afirmado sobre a inconstitucionalidade da medida, como um todo. Quanto ao princípio da proporcionalidade o STJ assentou que a instituição do regime disciplinar diferenciado não o viola afirmando: "Legitima a atuação estatal, tendo em vista que a Lei nº 10.792/2003, que alterou a redação do art. 52 da LEP, busca dar efetividade à crescente necessidade de segurança nos estabelecimentos penais, bem como resguardar a ordem pública, que vem sendo ameaçada por criminosos que, mesmo encarcerados, continuam comandando ou integrando facções criminosas que atuam no interior do sistema prisional – liderando rebeliões que não raro culminam com fugas e mortes de reféns, agentes 41 penitenciários e/ou outros detentos" . 41 STJ, HC 40300, Arnaldo Esteves Lima, 5ª T., un., 07.06.05 51 7. CONCLUSÃO Depois de feitas todas as ponderações entendidas necessárias, assim como definidos termos pertinentes e, ainda, explanando os pontos da Legislação atinentes ao caso em estudo, é chegado o momento de concluir o trabalho, considerando não só os aspectos legais e também os sociais, mas, sobretudo, expor um cenário que mais se aproxima da realidade atual. A pena privativa de liberdade tem objetivo não apenas de afastar o criminoso da sociedade, mas, também, de isolá-lo buscando sua ressocialização; entretanto, a pena de prisão atinge o objetivo exatamente invertido, qual seja: ao adentrar no presídio, o apenado assume o seu papel social de um ser marginalizado, adquirindo as atitudes de um preso habitual e desenvolvendo cada vez mais a tendência criminosa, em vez de anulá-la. Cresce dia-a-dia um enorme sentimento de revolta que acaba por culminar no confronto com a sociedade que o puniu e o levou até aquela prisão. Parece que o ideal é tentar buscar outras soluções alternativas para sancionar os criminosos, que não isolá-los socialmente. Isto porque a pena de prisão determina a perda da liberdade e da igualdade, que derivam da dignidade da pessoa humana. Noutro giro, a perda dos direitos fundamentais - liberdade e igualdade representa a degradação do cidadão, assim como a tortura e o tratamento desumano, que hoje são expressamente proibidos pela Constituição Federal. A pergunta que não quer calar é a seguinte: como podem, então, ser reintegrados no meio social os presos - rejeitados por esta sociedade e confinados à força, privados de autonomia de vontade, de recursos, de bens de natureza pessoal, de relações heterossexuais, da família, da segurança - submetidos ao controle quase total por parte do Estado, e tendo que se adequar às condições de vida que lhe são impostas? É preciso a transformação do sistema para que a reforma do condenado seja alcançada por instrumentos, tais como a educação e o trabalho, de modo a darlhes condições de levar uma vida digna quando sair do estabelecimento prisional, e 52 evitar que o cárcere seja mais penoso do que deve ser. Não bastam apenas atitudes isoladas, mas todo o engajamento, conforme dito por várias vezes ao longo deste trabalho, da sociedade civil e todas as pessoas de bem. Para fazer da prisão uma possibilidade de egresso da vida delituosa, os presídios têm que oferecer certas condições, daí porque a necessidade de classificação dos detentos. Faz-se imperioso a individualização do cumprimento das penas, significando a aplicação justa do tratamento dado ao preso, de acordo com o que ele é. A realização do exame criminológico para a obtenção do conhecimento da personalidade do delinqüente, de forma a diagnosticá-lo é fundamental. De posse da diagnose é possível classificá-los, segundo seu grau de periculosidade, evitando com isso que haja mistura entre indivíduos de personalidades diversas o que pode ocasionar problemas variados, dentre eles, a possível potencialização de suas origens criminosas. Importante neste espaço deixar consignado que apesar de ainda carecer de atitudes mais freqüentes, algumas medidas adotadas pela Secretaria de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro merecem destaque: Em janeiro deste ano, a secretaria enquadrou, por ordem da Justiça, chefões da máfia dos caça-níqueis presos na Penitenciária Laércio da Costa Pellegrino, a Bangu 1, no Complexo de Gericinó, na Zona Oeste do Rio, no Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). A Secretaria vem intensificando a ressocialização dos presos, prática que efetivamente deve ser levada a efeito por todas as Secretarias de Segurança. O governador do Estado do Rio de Janeiro publicou decreto estabelecendo novos parâmetros para remuneração, por parte da Fundação Santa Cabrini, do trabalho realizado por internos: 40% da renda são destinados a despesas pessoais; 20% à assistência da família; 20% para indenização de danos causados; 5% para ressarcimento das despesas da própria manutenção; e 15% para formação de pecúlio para os presos. 53 A Secretaria de Administração Penitenciária também firmou convênio com a Secretaria de Saúde para reformar todo o mobiliário da rede estadual de saúde usando mão-de-obra de detentos das penitenciárias Vicente Piragibe, Esmeraldino Bandeira e Talavera Bruce, todas do Complexo de Gericinó. Os detentos destas prisões também ganharam uma fábrica, onde vão produzir cinco milhões de fraldas por mês, e um ateliê de costura para produção de roupas hospitalares. Outra parceria efetiva na utilização da mão-de-obra de presos foi o convênio firmado com a CEDAE (Companhia Estadual de Águas e Esgotos) e a UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), pelo qual 500 detentos estão trabalhando no reflorestamento das margens dos rios Guandu e Macacu, mananciais que abastecem as populações do Rio, Niterói, São Gonçalo e Baixada Fluminense. A secretaria também retomou o programa de educação no cárcere com a criação em Bangu 3, penitenciária de segurança máxima, também no Complexo de Gericinó, de mais duas turmas de alfabetização, com 25 detentos em cada uma – Com essas duas turmas, temos mais de 600 detentos matriculados no Programa Brasil Alfabetizado, desenvolvido em parceria com a Secretaria de Educação e o Ministério da Educação, além de 5.372 presos estudando em vários níveis nas 14 escolas estaduais que funcionam dentro de unidades prisionais – detalhou o secretário de Administração Penitenciária, Cesar Rubens Monteiro de Carvalho.42 Foi inaugurada pela Secretaria de Administração Penitenciária a décima quinta sala de leitura em prisões, uma parceria que tem com a Secretaria de Educação e o Instituto Oldemburg de Desenvolvimento, que também faz parte do programa de ressocialização de presos através da educação e cultura. A sala fica no Instituto Penal Ismael Pereira Sirieiro, em Niterói43. 42 Administração Penitenciária reestrutura sistema prisional. <http://www.seap.rj.gov.br/noticias/maio/07_05.htm> acessado em 10/09/2007. 43 Ídem Disponível em: 54 A I Exposição de Arte Prisional, no saguão da Gare Dom Pedro II (Central do Brasil), demonstrou o trabalho desenvolvido por ex-detentos ressocializados e durante cinco dias, as pessoas puderam ver 40 telas a óleo e peças de artesanato por eles produzidas44. É fato que alguns indivíduos, mesmo encarcerados, efetivamente não merecem nenhuma das considerações listadas. Estes indivíduos são merecedores de um tratamento penal especial, de sujeição a um regime penitenciário específico, diferenciado, visto o grau de periculosidade por ele ostentado. A permanência destes indivíduos, considerados por muitos como um câncer da sociedade, podem abalar a ordem e a segurança necessária ao estabelecimento prisional na ocorrência de motins e rebeliões. Para combatê-lo, dentre algumas medidas adotadas pelo sistema penitenciário, foi criado no ano de 2003 o Regime Disciplinar Diferenciado, no qual, mediante existência de hipóteses estabelecidas, o custodiado ou o preso provisório terá um tratamento diferenciado dos demais. Embora haja algumas divergências quanto ao caráter constitucional da aplicação do Regime Disciplinar Diferenciado, diante das pesquisas realizadas ao longo deste trabalho, entende-se que sua implementação na execução penal não afronta de forma alguma a Constituição, constituindo uma modalidade proporcional de resposta penal em casos graves, que, ao contrário de ofender, concretiza a garantia constitucional da individualização da pena. Veja que, para esses indivíduos de alta periculosidade, não há como ser imposto o mesmo tratamento dispensado ao custodiado ou ao preso comum, pois, devido a sua capacidade de liderança e ao seu comportamento carcerário, ele é considerado como um inimigo da sociedade e como tal deve ser-lhe imposto todos os rigores que a legislação pátria permitir. 44 Idem 55 Quando este indivíduo ignora, afronta, descaracteriza, ridiculariza, e, por conseguinte, viola todos os princípios e oportunidades que a sociedade dispõe, deve receber o mais rigoroso e poderoso braço que a justiça dispõe. Ademais, o Regime Disciplinar Diferenciado consiste em um instrumento necessário e adequado frente a certas práticas criminosas, notadamente em casos de faltas graves, risco para a segurança, ou ainda quando o sujeito integrar organização criminosa, quadrilha ou bando, podendo tais condutas ou situações ser objeto de atuação sancionatória por parte das autoridades responsáveis pela execução penal. 56 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Administração Penitenciária reestrutura sistema prisional. Disponível em: <http://www.seap.rj.gov.br/noticias/maio/07_05.htm> acessado em 10/09/2007. BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. A constitucionalidade do regime disciplinar diferenciado na execução penal. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 17, abr. 2007. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.gov.br/artigos/edicao017/Jose_Baltazar.htm> Acesso em: 09 ago. 2007. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do Direito penal. Trad. de Juarez Cirino dos Santos, 2a ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos 1999. BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. [organização, equipe América Jurídica]. 1. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2005. BRASIL. Lei nº 7210, de 11 de julho de 1984. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em 10/09/2007. BRASIL. Lei nº 7210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal.[organização, equipe América Jurídica]. 1. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2005. CARVALHO, Salo de; WUNDERLICH, Alexandre. O suplício de Tântalo: a Lei 10.792/03 e a consolidação da política criminal do terror. p. 383-386, 2004. Em: CARVALHO, Salo de (Org.). Leituras constitucionais do sistema penal contemporâneo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. COSTA, Cláudia Pinheiro da. Sanção penal: sua gênese e tendências modernas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001. FERNANDES, Newton.A falência do sistema prisional brasileiro. São Paulo: RG, 2000. 57 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário aurélio básico da língua portuguesa. 1 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988 FRAGOSO, Heleno Cláudio; FRAGOSO, Fernando. Lições de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 1990. GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Derecho penal. Introducción. 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Valencia: Tirant lo Blanch, 2001. ZAFFARONI, Raúl Eugenio. Manual de Derecho penal. Parte General. 6a ed., Buenos Aires: Ediar, 1996. ZUGALDÍA ESPINAR, José Miguel. Fundamentos de Derecho penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 1993. 58 Anexo “A” Jurisprudência: CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 40.326 - RJ (2003/0172122-1) - STJ 59 Superior Tribunal de Justiça CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 40.326 - RJ (2003/0172122-1) RELATOR : MINISTRO PAULO GALLOTTI R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO PAULO MEDINA AUTOR : JUSTIÇA PÚBLICA RÉU : LUIZ FERNANDO DA COSTA (PRESO) ADVOGADO : LYDIO DA HORA SANTOS E OUTROS SUSCITANTE : JUÍZO DE DIREITO DA VARA DE EXECUÇÕES PENAIS DO RIO DE JANEIRO - RJ SUSCITADO : JUÍZO DE DIREITO DA VARA DE EXECUÇÕES CRIMINAIS E CORREGEDORIA DOS PRESÍDIOS DE SÃO PAULO - SP EMENTA PENAL E PROCESSO PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. RELAÇÃO DE CONTRARIEDADE ENTRE PRONUNCIAMENTOS JUDICIAIS. CONTROVÉRSIA SOBRE O LOCAL DE CUMPRIMENTO DA PENA. PRESO TRANSFERIDO DE UM ESTADO A OUTRO DA FEDERAÇÃO. ATO DE NATUREZA ADMINISTRATIVA. CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE. COMPETÊNCIA PARA APLICAÇÃO DAS NORMAS REFERENTES À EXECUÇÃO. JUÍZO DO LOCAL DO CUMPRIMENTO DA PENA. ENTENDIMENTO DO ART. 86, CAPUT, E § 3º, DA LEP. RETORNO DO PRESO AO LOCAL DA CONDENAÇÃO. INCONVENIÊNCIA. PRESO DE ELEVADA PERICULOSIDADE. INTERESSE PÚBLICO VERSUS INTERESSE INDIVIDUAL. FINALIDADE DA PENA. ENTENDIMENTO DO ART. 52 DA LEP. REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO. HIPÓTESE DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL AFASTADA. AFIRMAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO. MANUTENÇÃO DO PRESO NO LOCAL ONDE ESTÁ CUMPRINDO PENA. 1. A relação de contrariedade e de recíproca exclusão entre dois julgados é, embora sem os rigores da técnica processual, suficiente para reconhecer-se a existência do conflito de competência. Situação em que o Juízo suscitado não aceita a permanência do condenado sob sua jurisdição e, ao entendimento de que a pena deve ser cumprida no local da condenação - que é também o meio familiar e social do preso - determina a transferência; o Juízo suscitante não aceita a transferência, ao entendimento de que deve ser evitada a presença do condenado exatamente no meio em que exerce liderança sobre facção criminosa ligada ao narcotráfico situação em que permanece indefinido o objeto central da controvérsia: o local para o cumprimento da pena. 2. A autoridade administrativa tem atribuição legal para atuar no curso da execução, não apenas naquilo que respeita ao exercício do poder disciplinar, como também na solução de problemas relacionados à rotina carcerária, em conformidade com as normas regulamentares, mas é da autoridade judiciária a competência para a definição quanto ao local de cumprimento da pena (art. 86, § 3º, LEP). 3. A definição do local de cumprimento da pena deve atender à supremacia do interesse público sobre o interesse individual (aplicação do artigo 86, LEP) e aos propósitos de prevenção geral e especial - positivo e negativo. 4. Condenado que se encontra sujeito ao Regime Disciplinar Diferenciado há um ano e nove meses. Constrangimento ilegal afastado. A melhor exegese a ser levada a efeito quanto ao art. 52, I, in fine, da Lei de Execução Penal, no que concerne à possibilidade de se repetir a sanção, pelo prazo de até 1/6 da pena aplicada, no caso de falta grave, é aquela, na qual, a reprimenda estender-se-á na mesma proporção em que vierem ass referidas faltas a serem cometidas. 60 5. Eventual tensão entre normas de direito posto, em principal as que circundam interesses de dignidade Constitucional, em face à relevância com que se projetam no corpo social, necessita de soluções de sacrifício mínimo aos bens jurídicos conflitantes. 6. O exercício abusivo de um direito fundamental esbarra na rejeição da ordem jurídica presidida pela Carta Magna, em razão da exigência de compatibilização entre as várias esferas jurídicas individuais. 7. Competente para a aplicação das normas referentes à execução é o Juiz sob cuja jurisdição o preso está submetido, ou seja; aquele do lugar em que a pena é cumprida. 8. Conflito conhecido para indicar a competência do Juízo suscitado e determinar a permanência do condenado no estabelecimento onde cumpre pena e a manutenção do regime disciplinar diferenciado. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, Retomado o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Paulo Medina, conhecendo do conflito e declarando competente o Suscitado, Juízo de Direito da Vara de Execuções Criminais e Corregedoria dos Presídios de São Paulo - SP, no que foi acompanhado pelos Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, José Arnaldo da Fonseca, Gilson Dipp, Hamilton Carvalhido e Laurita Vaz (retificando o voto), a Seção, por maioria, conheceu do conflito e declarou competente o Suscitado, Juízo de Direito da Vara de Execuções Criminais e Corregedoria dos Presídios de São Paulo - SP, nos termos do voto do Sr. Ministro Paulo Medina, que lavrará o acórdão.Votaram com o Sr. Ministro Paulo Medina (Relator para acórdão) os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, José Arnaldo da Fonseca, Gilson Dipp, Hamilton Carvalhido e Laurita Vaz (retificando o voto). Vencidos os Srs. Ministros Paulo Gallotti (Relator), Hélio Quaglia Barbosa e Nilson Naves. Brasília (DF), 14 de fevereiro de 2005 (Data do Julgamento). MINISTRO PAULO MEDINA Relator para acórdão Documento: 1646678 - EMENTA / ACORDÃO - Site certificado - DJ: 30/03/2005 Página 2 de 2 61 Anexo “B” Jurisprudência: Agravo em Execução Penal (nº 955.317.3/7-0000-000) – São Paulo 13ª Câmara Criminal – TJ/SP 62 TJ SP EXECUÇÃO PENAL – Regime disciplinar diferenciado – Internação do sentenciado pelo prazo de 180 dias, por ter participado de rebelião na penitenciária na qual se encontrava recolhido, juntamente com vários detentos que, usando armas de fogo, visavam fuga em massa daquele estabelecimento prisional – Admissibilidade – Inteligência do art. 52 da LEP, com a redação dada pela Lei n. 10.792/2003 – Recurso improvido. (Agravo em Execução Penal n. 955.317.3/7-0000-000 – São Paulo – 13ª Câmara Criminal – Relator: Cardoso Perpétuo – 28.09.06 – V.U. – Voto n. 11.534). 63 Anexo “C” Jurisprudência: Habeas Corpus nº 1.000.629.3/3-0000-000 – São Paulo 13ª Câmara Criminal – TJ/SP 64 EXECUÇÃO PENAL – Regime Disciplinar Diferenciado – Existência de fortes indícios de que o sentenciado é um dos líderes da facção criminosa denominada PCC – Internação decretada por decisão bem justificada, em caráter cautelar, que requer posterior estudo sobre as provas amealhadas aos autos, a ser realizado com maior profundidade em Primeira Instância – Constrangimento ilegal a ser sanado em sede de “habeas corpus” – Inocorrência – Ordem denegada. (“Habeas Corpus” n. 1.000.629.3/3-0000-000 – São Paulo – 13ª Câmara Criminal – Relator: San Juan França – 05.10.06 – V.U. – Voto n. 11.617) 65 Anexo “D” Jurisprudência: HC 40300 / RJ - HABEAS CORPUS2004/0176564-4 - STJ 66 HC 40300 / RJ; HABEAS CORPUS2004/0176564-4 Min Arnaldo Esteves Lima 5T DJ 22.08.2005 p. 312 RT vol. 843 p. 549 DJ 22.08.2005 HABEAS CORPUS. REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO. ART. 52 DA LEP. CONSTITUCIONALIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. NULIDADE DO PROCEDIMENTO ESPECIAL. REEXAME DE PROVAS. IMPROPRIEDADE DO WRIT. NULIDADE DA SENTENÇA CONDENATÓRIA NÃO RECONHECIDA. 1. Considerando-se que os princípios fundamentais consagrados na Carta Magna não são ilimitados (princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas), vislumbra-se que o legislador, ao instituir o Regime Disciplinar Diferenciado, atendeu ao princípio da proporcionalidade. 2. Legitima a atuação estatal, tendo em vista que a Lei n.º 10.792/2003, que alterou a redação do art. 52 da LEP, busca dar efetividade à crescente necessidade de segurança nos estabelecimentos penais, bem como resguardar a ordem pública, que vem sendo ameaçada por criminosos que, mesmo encarcerados, continuam comandando ou integrando facções criminosas que atuam no interior do sistema prisional – liderando rebeliões que não raro culminam com fugas e mortes de reféns, agentes penitenciários e/ou outros detentos – e, também, no meio social. 3. Aferir a nulidade do procedimento especial, em razão dos vícios apontados, demandaria o revolvimento do conjunto fático-probatório apurado, o que, como cediço, é inviável na estreita via do habeas corpus. Precedentes. 4. A sentença monocrática encontra-se devidamente fundamentada, visto que o magistrado, ainda que sucintamente, apreciou todas as teses da defesa, bem como motivou adequadamente, pelo exame percuciente das provas produzidas no procedimento disciplinar, a inclusão do paciente no Regime Disciplinar Diferenciado, atendendo, assim, ao comando do art. 54 da Lei de Execução Penal. 5. Ordem denegada. 67 Anexo “E” Jurisprudência: REsp 662637 / MT - RECURSO ESPECIAL - STJ 68 REsp 662637 / MT ; RECURSO ESPECIAL Mins José Arnaldo da Fonseca 5T DJ 09.05.2005 p. 467 2004/0070068-1 RECURSO ESPECIAL. CRIME DOLOSO CONSTITUI FALTA GRAVE. INTEGRANTE DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO – RDD. PROVIMENTO. ART. 52, LEI 7.210/84. Recurso conhecido e provido ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e lhe deu provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator." Os Srs. Ministros Felix Fischer, Gilson Dipp e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima