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O PAPEL DA CRÍTICA LITERÁRIA NO ESTRUTURALISMO
BOTOSO, Altamir1
Resumo: O propósito deste artigo é evidenciar o papel da crítica literária no
Estruturalismo, a partir do comentário das idéias contidas no texto “Estruturalismo e
crítica literária”, do teórico francês Gérard Genette.
Palavras-chave: crítica literária – estruturalismo – Gérard Genette.
Abstract: The purpose of this article is to evince the role of literary critique in
Structuralism, starting with the commentary of the ideas contained in the text
“Structuralism and literary critique”, by the french critic Gérard Genette.
Key-words: literary critique – structuralism – Gérard Genette.
Toda crítica viva ─ isto é, que empenha a
personalidade do crítico e intervém na
sensibilidade do leitor ─ parte de uma impressão
para chegar a um juízo, [...].
Antonio Candido
INTRODUÇÃO
“Criticar a crítica é a coisa mais difícil que conheço. O mesmo que saltar por
cima da própria sombra.” (ARARIPE JÚNIOR apud CAIRO, 1996, p. 18). Essa
afirmação de Tristão de Alencar Araripe Júnior constitui uma belíssima metáfora do
trabalho de todos aqueles que pretendem estudar e compreender textos e obras de crítica
literária. É necessário para tal tarefa um grande esforço e também um pouco de ousadia.
Afinal, para todos os estudiosos de literatura, as obras críticas são um desafio do qual
não se pode fugir.
Sendo assim, o objetivo de nosso artigo é uma tentativa de captar e entender o
papel da crítica literária no estruturalismo, a partir de um artigo de Gérard Genette
(COELHO, s/d, p. 367-392), intitulado “Estruturalismo e crítica literária”. Nossa
preocupação básica é “traduzir” as idéias sobre a crítica literária contidas nesse artigo.
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Há um provérbio italiano que associa a idéia de tradutor à de traidor.
Procuraremos não ser traidores das idéias expostas por Genette e tentaremos
compreender os pontos principais relativos à critica que norteiam seu texto.
O artigo divide-se em duas partes. Na primeira, teceremos algumas
considerações sobre o estruturalismo e também sobre o crítico francês Gérard Genette e
sua obra. Na segunda, deter-nos-emos no artigo mencionado. Ele está dividido em
quatro partes e seguiremos esta mesma divisão no intuito de expor seus conteúdos: 1) o
trabalho do crítico como “bricolage”, 2) crítica formalista x crítica estruturalista, 3)
crítica estruturalista x crítica hermenêutica, 4) a crítica e o método estrutural.
Principiaremos, comentando e discutindo algumas observações sobre o
estruturalismo até chegar a um de seus críticos mais renomados ─ Gérard Genette ─ e
cujas obras teóricas têm sido adotadas e utilizadas largamente no Brasil, principalmente
nos cursos de Letras.
I. GENETTE: O CRÍTICO E SUA OBRA
Nascido em Paris, no ano de 1930, Gérard Genette, juntamente com Roland
Barthes, A. J. Greimas, Claude Bremond e Tzvetan Todorov são os críticos mais
conhecidos de uma das mais importantes vertentes de reflexão teórica literária
contemporânea: o estruturalismo, “a maior revolução metodológica nas ciências
humanas nos últimos cinquenta anos”, segundo Ivan Teixeira (1998, p. 34).
O principal objetivo da crítica estruturalista era a descoberta de uma gramática
“segundo a qual se articulam as narrativas do homem, que não são aleatórias nem
imprevisíveis, mas que obedecem a uma estrutura entendida como o conjunto de
propriedades essenciais do discurso literário”. Em suma, os críticos estruturalistas
empenharam-se em construir “uma teoria da estrutura e do funcionamento do discurso
literário” (TEIXEIRA, 1998, p. 35).
Os críticos, que mencionamos anteriormente, fizeram parte de uma equipe que,
“desde o número 8 da revista Communications, se propôs estudar em termos de
descrição estrutural a organização da narrativa, literária ou não” (SEIXO, 1979, p. 10) e
o modelo fundador da análise estrutural da narrativa baseou-se na linguística, mais
precisamente nos pressupostos teóricos de Ferdinand de Saussure (2000), contidos no
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Curso de lingüística geral, cuja primeira publicação ocorreu em 1916 e que “é com
razão considerado a fonte teórica do estruturalismo moderno” (MERQUIOR, 1991, p.
23).
Roland Barthes (1972a, p. 24) sintetiza as contribuições e relações da lingüística
com a análise estrutural nos seguintes termos:
A língua geral da narrativa não é evidentemente mais que um dos
idiomas oferecidos à lingüística do discurso, e ela se submete em
consequência à hipótese homológica: estruturalmente, a narrativa
participa da frase, sem jamais ser reduzida a uma soma de frases: a
narrativa é uma grande frase, como toda frase constatativa, é de uma
certa maneira, o esboço de uma pequena narrativa. Se bem que elas
disponham aí de significantes originais (frequentemente muito
complexos), encontram-se com efeito na narrativa, aumentados e
transformados à sua medida, as principais categorias do verbo: os
tempos, os aspectos, os modos, as pessoas; além disso, os próprios
‘sujeitos’ opostos aos predicados verbais não deixam de se submeter
ao modelo frásico: a tipologia actancial proposta por A. J. Greimas
reencontra na multiplicidade dos personagens da narrativa as funções
elementares da análise gramatical. A homologia que se sugere aqui
não tem apenas um valor heurístico: implica numa identidade entre a
linguagem e a literatura (enquanto esta for uma espécie de veículo
privilegiado da narrativa): não é mais possível conceber a literatura
como uma arte que se desinteressa de toda relação com a linguagem,
já que a usa como um instrumento para exprimir a idéia, a paixão ou a
beleza: a linguagem não cessa de acompanhar o discurso estendendolhe o espelho de sua própria estrutura.
Os estruturalistas apropriaram-se de conceitos da linguística para estabelecer
suas bases teóricas. A narrativa passou a ser uma grande frase na qual se encontram as
categorias verbais de tempo, modo e voz. A. J. Greimas propôs-se a analisar os
personagens narrativos (actantes) pelo seu modo de agir no relato (sujeito/objeto,
objeto/destinatário, adjuvante/oponente). Finalmente, vale lembrar que a literatura usa a
linguagem para se exprimir e esta é o objeto de estudo da linguística. Portanto, a
linguística forneceu conceitos e princípios básicos para a sustentação da crítica
estruturalista.
Gérard Genette (1972a, p. 255), um dos grandes teóricos estruturalistas, define a
narrativa como “a representação de um acontecimento ou de uma série de
acontecimentos, reais ou fictícios, por meio da linguagem”, e dedica-se, em seus
estudos, à exploração das diversas possibilidades do discurso narrativo. Suas obras
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principais são: Figures (1966), Figures II (1969), Figures III (1972), Mimologyques,
Voyage en Cratylie (1976), Introduction à l’architexte (1979), Palimpsestes (1982),
Nouveau discours du récit (1983) e Fiction et diction (1991), além de inúmeros artigos
publicados em revistas como Poétique, Littérature etc.
A tarefa que se propôs Genette (POIANA, 1994, p. 23) diz respeito às
transformações que se operam somente no nível do discurso. Na sua teoria do discurso,
dois são os conceitos fundamentais: figura e estilo, os quais percorrem um caminho
único e “terminam um e outro por reintegrar a ordem geral do discurso literário”
(POIANA, 1994, p. 34), permitindo verificar a produção, a apreensão e a avaliação da
obra literária. Assim, para Genette (1972b, p. 17), a obra “sem dúvida [...] deve,
enquanto tal, permanecer como o objeto da crítica”. O que interessa é a obra em
particular (o seu discurso) e não a sua gênese, suas fontes ou a biografia do seu autor.
Em linhas gerais, procuramos dar uma visão do que é o estruturalismo para a
literatura e procuramos comentar as idéias e obras de Gérard Genette, um dos seus
críticos mais representativos. Na segunda parte deste artigo, buscaremos detectar o
papel da crítica e do crítico literário no seu artigo “Estruturalismo e crítica literária”
(GENETTE, s/d, p. 367-392).
II. A CRÍTICA ESTRUTURALISTA
1. DO “BRICOLAGE” AO CRÍTICO LITERÁRIO
Na primeira parte de seu texto, Genette, partindo de uma consideração sobre o
“bricoleur”, que se encontra no livro La pensée sauvage, de Claude Lévi-Strauss, faz
uma comparação entre o “bricolage” e a crítica literária. A regra principal do
“bricolage” é investir numa estrutura nova, resíduos de estruturas antigas (GENETTE,
s/d, p. 367). A crítica literária, por sua vez, utiliza “o mesmo material (escrita) que as
obras de que se ocupa” e “fala a língua de seu objeto” (GENETTE, s/d, p. 368). É uma
metalinguagem, como afirma Roland Barthes (1970, p. 160):
Todo romancista, todo poeta, quaisquer que sejam os rodeios que
possa fazer à teoria literária, deve falar de objetos e fenômenos mesmo
que imaginários, anteriores à linguagem: o mundo existe e o escritor
fala, eis a literatura. O objeto da crítica é muito diferente; não é o
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‘mundo’, é um discurso, o discurso de um outro: a crítica é discurso
sobre um discurso; é uma linguagem ‘segunda’ ou ‘metalinguagem’
[...] que se exerce sobre uma linguagem primeira (ou linguagemobjeto). Daí decorre que a atividade crítica deve contar com duas
espécies de relações: a relação da linguagem crítica com a linguagem
do autor observado e a relação dessa linguagem objeto com o mundo.
É o ‘atrito’ dessas duas linguagens que define a crítica [...].
O romancista e o poeta falam do mundo, mas a crítica fala sempre do discurso
de um outro. No discurso crítico transparecem dois tipos de relação: 1) relação da
metalinguagem com a linguagem-objeto e, 2) relação da linguagem com o mundo.
Numa obra crítica, geralmente encontramos também “o diálogo de duas histórias e de
duas subjetividades, as do autor e as do crítico” (BARTHES, 1970, p.163). Além disso,
não podemos nunca esquecer que o material de trabalho do crítico são as obras
literárias. É por meio delas que ele elabora seus textos, os quais são novas estruturas.
O crítico literário realiza um trabalho semelhante ao do “bricoleur”, pois o seu
material de estudo é a obra enquanto estrutura, a qual é reduzida a temas, motivos,
palavras-chaves, metáforas, citações, referências.
Em seguida, o crítico produz uma nova estrutura “combinando resíduos”, ao
utilizar as teorias de outros críticos e fragmentos da obra que analisa. Essa nova
estrutura é o seu texto, a sua análise e, em suma, uma nova obra.
Assim, o trabalho do crítico tem uma dupla função: 1) produzir sentido com a
obra dos outros e, 2) fazer a sua obra com esse sentido.
Dessa forma, a crítica pode ser considerada como uma atividade estruturalista,
mas tal atividade é implícita e não refletida. A intenção de Genette, no artigo, é indicar
as vias pelas quais o estruturalismo tem acesso ao objeto da crítica: a obra literária e,
num sentido mais amplo, a literatura.
2. O FORMALISMO RUSSO E O ESTRUTURALISMO
O formalismo puro reduziu as formas literárias a um material sonoro informe,
porque não significante. Na crítica formalista observa-se “uma negação do conteúdo da
arte” ou mais precisamente, “uma preocupação com a forma, independente do
conteúdo” (MERQUIOR, 1991, p. 39). A análise estrutural, portanto, deve ultrapassar
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essa redução formalista e determinar a ligação que existe entre o sistema de formas e o
sistema de sentido, substituindo a procura de analogias termo a termo, pela das
homologias globais.
O primeiro formalismo desprezava as imagens e desvalorizava os tropos como
marcas da linguagem poética. Levando em conta esses fatos, o estudo estrutural da
linguagem poética e das formas de expressão literária deve atentar para as relações entre
código e mensagem. Não pode limitar-se a contar pés ou assinalar repetições de
fonemas como os formalistas. Deve estudar as grandes unidades do discurso, muito
além do âmbito intransponível para a linguística que é a frase.
Embora existam muitas diferenças entre o formalismo russo e o estruturalismo, é
preciso destacar que “graças a uma percepção tardia, tende-se a reconhecer que as
críticas formalistas e estruturalistas têm muito em comum” (MERQUIOR, 1991, p. 36).
O crítico formalista Vladimir Propp, por exemplo, na sua obra Morfologia do
conto maravilhoso (1928), foi o primeiro a tratar de textos compostos de um grande
número de frases e passíveis de distinguir “elementos variáveis e funções constantes”,
além de reencontrar o sistema duplo das “relações sintagmáticas (encadeamentos reais
de funções na continuidade de um texto) e das relações paradigmáticas (relações virtuais
entre funções análogas ou opostas, de um texto ao outro, no conjunto do corpus
considerado)”. Sua obra deu origem ao que se considera como uma linguística do
discurso e ela já iniciava “o estudo estrutural das grandes unidades do discurso”
(GENETTE, s/d, p. 376) ao estabelecer as constantes fundamentais (as unidades
narrativas recorrentes) do conto popular russo.
A obra de Propp foi retomada e suas pesquisas foram desenvolvidas e ampliadas
por Roland Barthes (1972a, p. 19-60) no artigo “Introdução à análise estrutural da
narrativa” (1966). Dessa forma, podemos constatar que, apesar das diferenças existentes
entre os formalistas e os estruturalistas, estes continuaram as pesquisas iniciadas por
aqueles. Houve, até certo ponto, uma relação de contribuição e complementação entre
as críticas formalista e estruturalista.
3. ESTRUTURALISMO E HERMENÊUTICA
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A noção de análise estrutural está intimamente relacionada com o estudo
imanente das obras, ou seja, o estudo que se encerra numa obra, sem considerar fontes
ou motivos.
O estruturalismo seria o meio de reconstituir a unidade de uma obra, o seu
princípio de coerência, o seu “etymon” espiritual, segundo as considerações do
estudioso (principalmente no campo da estilística) Leo Spitzer. Assim, uma crítica
imanente pode adotar duas atitudes perante uma obra, conforme a considere como
objeto ou como sujeito.
A crítica intersubjetiva (aquela que privilegia a obra como sujeito) é conhecida
como hermenêutica. O sentido de uma obra é revivido, retomado como uma mensagem
a um tempo antiga e renovada. Inversamente, o estruturalismo dá ênfase ao objetivismo,
pois as estruturas não são vividas pela consciência criadora, nem pela consciência
crítica. Elas estão no interior da obra, como uma “armadura latente”, acessível apenas
por meio da análise e de comutações.
Caberia à crítica hermenêutica o estudo da literatura “viva”, suscetível de ser
vivida pela consciência crítica e ao estruturalismo, o estudo de uma literatura não
“morta”, mas longínqua e difícil de decifrar, cujo sentido só seria possível mediante
operações estruturais.
Genette propõe uma solução para o impasse entre estruturalismo e hermenêutica:
ambos deveriam complementar-se. A crítica hermenêutica voltar-se-ia para a linguagem
da retomada de sentido e da recriação interior, enquanto a crítica estrutural falaria da
palavra distante e da reconstrução intelegível. As duas críticas trariam à luz
significações que se tornariam complementares e se estabeleceria um diálogo fecundo
entre elas.
4. A CRÍTICA, A LITERATURA E O MÉTODO ESTRUTURAL
A crítica estruturalista deve seguir a literatura na sua evolução global, praticando
cortes sincrônicos em diversas etapas e comparando os quadros entre si. O estudo
sincrônico permite mostrar a função de uma forma ou de um tema literário no sistema,
pois cada obra está orientada em relação ao meio literário e cada elemento em relação à
obra inteira.
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A literatura é um conjunto coerente, um espaço homogêneo no interior do qual
as obras se tocam e se penetram umas as outras, ligando-se à cultura e o seu valor é
dado em função do conjunto. Ela é uma totalidade que se resolve em si mesma.
Dessa forma, a história literária torna-se a história de um sistema e, nesse
sistema é a evolução das funções que é significativa. Nela convivem o passado e o
presente, pois uma época manifesta-se tanto por aquilo que lê como por aquilo que
escreve e estes aspectos determinam-se mutuamente.
A escolha que uma nova corrente faz entre os clássicos e a sua reinterpretação
são problemas essenciais para os estudos literários sincrônicos e, por conseqüência, para
a história estrutural da literatura. Assim, para a crítica, a validade do método estrutural
está em levantar questões e contribuir para que os leitores e críticos possam
compreender os mecanismos que comandam a evolução literária.
PALAVRAS FINAIS
Araripe Júnior (apud CAIRO, 1996, p. 20), na Revista da Academia Brasileira
de Letras, de 10 de agosto de 1911, tece algumas considerações bem humoradas e muito
pertinentes, ao comparar o ato de descascar cebolas com o trabalho efetuado pelos
críticos literários:
Descascar cebolas fazem todos aqueles críticos que sobre três ou
quatro conceitos literários, resumíveis em meia dúzia de páginas,
escrevem livros. No centro do fruto, cebola ou qualquer outro, pode
existir uma amêndoa de valor; mas para que o leitor atinja esse objeto
tem de percorrer capítulos extensíssimos aos quais o escritor se alarga
à vontade, dando-se ao prazer pouco lisonjeiro de flanar através de
assuntos completamente estranhos à obra criticada. É uma cilada, já se
vê, armada à boa fé dos inexperientes. Talvez um modo de descartarse da obra, que o crítico não pretende analisar.
Em geral, é muito comum depararmo-nos com críticos que transformam suas
análises em paráfrases ou abismos impenetráveis para os leitores. Muitas vezes é difícil,
senão impossível encontrar algo de valor em tais análises. Entretanto, esse não é o caso
de Gérard Genette. Sua obra crítica é clara e composta, na sua maioria, de artigos sobre
diversos autores e obras da literatura francesa. Sobre ele é correto afirmar que produziu
“uma teoria construída fundamentalmente a partir da prática textual” (SEIXO, 1979, p.
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11-12), procurando sempre detectar os mecanismos discursivos que compõem a obra
literária. O texto “Estruturalismo e crítica literária” comprova, sem sombra de dúvida,
tudo o que dissemos a respeito de Genette.
Na primeira parte, seu artigo permite concluir que a crítica realiza um trabalho
semelhante ao do “bricoleur”, pois ela constrói o sentido de uma obra a partir da
combinação de “resíduos”, isto é, de textos teóricos e de obras literárias. O crítico
elabora uma estrutura, uma obra nova, baseado em textos e obras já existentes.
Na segunda, o crítico deixou claro que a crítica estruturalista iria superar a
crítica formalista russa (como de fato o fez), ao atentar para as relações entre código e
mensagem e ao estudar o discurso em sua totalidade e não só a frase, como procedia o
formalismo russo no seu início.
Na terceira, Genette sugere que a relação entre estruturalismo e hermenêutica
deve ser uma relação de complementaridade. A hermenêutica privilegia a obra como
sujeito (é uma crítica intersubjetiva) e o estruturalismo considera a obra enquanto
objeto, “estrutura”. Ainda que haja um antagonismo nos propósitos dessas duas
correntes críticas, as significações que cada uma obtivesse poderiam estabelecer um
diálogo fecundo e uma colaboração efetiva entre ambas.
Na última parte, o autor do artigo defende que a história literária é a história de
um sistema e como tal, o crítico estruturalista pode seguir esse sistema, realizando nele
cortes sincrônicos para apreender as funções de uma forma ou de um tema literário.
Dessa forma, o método estrutural tem a sua validade ao levantar questionamentos e ao
contribuir efetivamente para a compreensão da evolução literária.
Genette deixa patente que a crítica deve aprofundar, desenvolver e utilizar o que
foi descoberto e discutido por outras correntes críticas (formalismo, hermenêutica) e
centrar-se sempre em seu objeto de estudo que é a obra literária.
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crítico de Araripe Júnior: uma leitura. São Paulo: Annablume, 1996.
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1
Doutor em Letras pela UNESP/ASSIS – área de Teoria Literária e Literatura Comparada.
Professor de literatura espanhola e hispano-americana da Universidade de Marília-SP
(UNIMAR).
Artigo Recebido em 07 de maio de 2009.
Aprovado em 05 de junho de 2009.
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