INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA:
OS VIÉSES DA POLÍTICA DE EXPANSÃO.
COSTA, Aline Moraes1 – IFRJ/Campus Volta Redonda
[email protected]
Eixo Temático: Política Pública, Avaliação e Gestão da Educação
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
A instituição da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica e a criação dos
Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia em 2008 são os elementos constituintes
do objeto central deste trabalho, que compreende a expansão da educação profissional na
última década enquanto um fenômeno de ressignificação de uma histórica dualidade que
estrutura a educação nacional. Por tratar-se de um fenômeno recente e ainda em processo,
esse trabalho, que tem em dissertação de mestrado seu escopo maior, justifica-se pela
necessidade de conhecimento das atuais políticas públicas para a educação profissional e da
geração de material teórico e analítico sobre o objeto em questão. Assim, entendendo o
trabalho enquanto princípio educativo do ser humano e tendo por base o conceito de
politecnia, norteados pelo pensamento de Antônio Gramsci e a partir de autores que, nessa
mesma perspectiva teórica nos ajudam a compreender o fenômeno estudado, investigamos as
recentes mudanças nas políticas públicas para a educação profissional no país, por meio da
análise de dados referentes à Rede Federal , de documentos institucionais e normativos que
norteiam essa expansão e de discursos e programas governamentais das campanhas
presidenciais de 2002 2006 e levantamento bibliográfico buscando compreender as
transformações, ressignificações e persistências na educação do trabalhador brasileiro
suscitadas pela expansão e criação dos Institutos Federais no país. Nesse ínterim, traçando um
comparativo entre as políticas públicas dos governos FHC e Lula para essa modalidade de
ensino, percebemos a persistência de características fundamentais, como a dualidade com o
ensino regular e o vinculo direto com o mundo produtivo, algumas vezes de formas diversas,
caracterizando por vezes formas de transformismos e, em outras, continuidades, mas também
novas formas de atuação pública, em especial a noção de educação enquanto direito social.
1
Mestre em Educação pelo Programa em Educação – Processos Formativos e Desigualdades Sociais da UERJ –
orientadora Drª. Eveline Algebaile; Coordenadora de Extensão no IFRJ – campus Volta Redonda.
6326
Palavras-chave: Políticas Públicas. Expansão Educacional. Educação Profissional.
]Introdução
Instituída em 2008, a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica vem sendo
expandida desde então através de medidas específicas para a educação profissional.
Compreendidas, em seu conjunto, enquanto um programa de ação do governo federal, essas
medidas estão implementando mudanças significativas na oferta de formação profissional no
país, assim como na educação básica de nível médio, por meio da (re) integração do ensino
médio ao ensino técnico na forma do Ensino Médio Integrado (EMI).
Para discutir tais medidas e o processo ao longo do qual elas adquirem seus sentidos,
empreendemos uma caracterização da atual configuração administrativa e territorial da Rede
Federal, buscando apreender suas mudanças e as possíveis ressignificações do ensino
profissional no Brasil, tendo a questão da dualidade estrutural da educação como foco de
análise. Buscamos referendar nossa análise, neste caso, na articulação entre pesquisa
documental, pesquisa institucional e revisão bibliográfica com vistas a avançar na apreensão
tanto das formas históricas como são formulados e realizados os programas de “integração” e
de “expansão”, quanto das discussões que ajudam a revelar as concepções de integração e de
expansão que toma forma concreta nessas realizações.
Neste sentindo, os discursos de governo também se constituem em elementos de
análise para a compreensão dos objetivos do programa de ação estatal e as possíveis
transformações que estão sendo e ainda podem ser desencadeadas a partir do processo em
questão.
A expansão enquanto fenômeno e suas características básicas.
O programa de ação em “prol da educação”, que foi desenvolvido nas duas últimas
gestões presidenciais no Brasil (2003-2006 e 2007-2010), priorizou, segundo lideranças de
movimentos sociais2 e os próprios discursos de campanha, que abordaremos no próximo
tópico, a expansão do ensino superior e da educação profissional. Através de programas
2
Reportagem do site eletrônico Vermelho, de 6 de julho de 2010. Disponível em
http://www.vermelho.org.br/educacao/noticia.php?id_noticia=132844&id_secao=268. Acesso em 11 de abr de
2011.
6327
focais3, a educação superior teve um aumento de vagas por meio de novos campi e novos
cursos, num combate, segundo palavras de Júlio Neto4, a marca de exclusão do nosso sistema
educacional.
No campo da educação profissional percebemos dois principais eixos de ação,
interligados, na definição das ampliações dessas modalidades de ensino: um referido à
integração do ensino médio à educação profissional, presente no Decreto de nº 5.154/04, e
outro referente à expansão territorial. De fato, a característica central do Decreto de 2004 é a
possibilidade de (re) integração do ensino regular ao ensino técnico na modalidade EMI,
promovendo a criação de novos cursos nos CEFETs e, consequentemente, a criação de mais
vagas na educação básica e na profissional. Já a expansão territorial, que teve seu início em
2007 e solidificou-se em 2009, com a Lei nº 11.892, que cria os Institutos Federais, viabiliza
uma interiorização pelo país através da criação de novos campi vinculados às sedes (reitorias)
nas regiões metropolitanas e cria, também, novas instituições através da integração de antigas
ETFs.
Nesse viés, percebemos a expansão por diferentes eixos que, integrados, a forjam
enquanto um fenômeno não apenas de política pública, mas subjacente também ao âmbito das
ações sociais que são desenvolvidas nas instituições de ensino e na sociedade civil. Ou seja, a
expansão da oferta formativa – vagas, novos cursos, maior distribuição pelo território
nacional e aumento do horário escolar – e um segundo eixo de modificações relativo à
alteração do escopo de ação institucional, a “migração de tarefas” sociais para as instituições
educativas. A atenção recai, neste caso, para os sentidos da expansão quando, para além da
diversificação da oferta formativa e observa-se a verdadeira instituição de uma diferenciação
de vias formativas, por meio das quais os processos formativos, mais que diversos, revelam-se
desiguais (ALGEBAILE, 2011 e 2009).
Compreendemos, neste sentido, que a expansão da educação profissional nos últimos
três anos vem se realizando incisivamente a partir do eixo da distribuição territorial de
unidades de ensino, especialmente pelas cidades afastadas das regiões metropolitanas, num
processo que consideramos de interiorização e que está diretamente relacionado com outros
3
Programas como o Universidade Para Todos (ProUni), a Plataforma Paulo Freire, que atende a demanda de
professores da educação básica das redes municipais e estaduais de ensino que não possuem formação adequada,
maiores subsídios ao Financiamento Estudantil (Fies) e, especialmente, o Programa de Apoio a Planos de
reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI).
4
Representante da Associação Nacional dos Pós Graduandos – ANPG –, em matéria no site Vermelho.
www,vermelho.org.br, acessado em 11 de abril de 2011.
6328
eixos característicos do fenômeno, destacando-se: a criação da modalidade integrada ao
ensino médio, gerando diversos novos cursos por todo o país; a geração de novas vagas nos
novos campi e em novos cursos técnicos, atendendo também a uma demanda social com
programas direcionados para a profissionalização de jovens e adultos e a certificação
profissional pela Rede Certific5, configurando formas particulares de diferenciação formativa.
Embora todas essas medidas se apresentem, em um primeiro olhar, como ações
advindas de leis e normas estatais, sem a participação direta de outras relações de poder e
sociais, não podemos reduzir a expansão da educação profissional a esse terreno. O fenômeno
da expansão escolar deve ser compreendido no escopo das práticas sociais e das relações de
forças que antecedem e atravessam as medidas oficiais. A história da Escola Técnica Federal
de Química, atual Instituto Federal do Rio de Janeiro, ilustra bem as implicações desse
movimento de expansão escolar com as demandas locais e de relações sociais e políticas.
Em 1994 essa instituição, que se situava no bairro do Maracanã, Rio de Janeiro, se
expande territorialmente pela primeira vez, com a abertura de uma unidade na Baixada
Fluminense (Nilópolis), consolidando as demandas da prefeitura do município de Nilópolis
por uma instituição pública de ensino, a fim de suprir uma carência por educação de
qualidade, mas também respondendo a adversidades políticas internas que vinham
acontecendo na gestão da instituição. A entrevista de Armando Maia, pró-reitor de ensino
técnico do IFRJ, concedida para este trabalho, também configura a criação das unidades de
Duque de Caxias e de Paracambi como uma expansão pelo viés das relações de poder de
prefeituras municipais em conjunto com os gestores da instituição, corroborando para a
compreensão de que as relações sociais e de poder possuem influência direta no movimento
de expansão que se dá na escola pública no Brasil, não sendo diferente na educação
profissional.
A compreensão de que o fenômeno da expansão escolar pode advir de movimentos da
própria sociedade para, só depois, ser adotado como políticas e ações públicas
governamentais, colabora para discutirmos o atual processo de expansão da educação
profissional, através da Rede Federal, no que tange às expectativas dirigidas à educação
escolar no contexto sociopolítico do segundo governo Lula.
5
Programa de certificação de saberes adquiridos ao longo da vida. Para saber mais acesse http://certific.mec.gov.br/
6329
Se a expansão da educação básica, na história do nosso país, sempre se deu pela noção
do atendimento aos mínimos de subsistência, compreendendo a educação como um direito
social que deve ser atendido no seu nível básico (ALGEBAILE, 2009), a expansão atual da
educação profissional se dá em duas vertentes distintas: o atendimento ao básico, que não
vem sendo suportado pelos governos estaduais no que concerne ao ensino médio, e ao
desenvolvimento econômico nacional através da profissionalização dos seus trabalhadores,
ressaltando a sua marca historicamente relacionada ao mundo da produção.
A situação precária do ensino médio nas redes estaduais, as novas necessidades do
setor produtivo por mão de obra qualificada de nível médio decorrentes do crescimento de
indústrias nas regiões não-metropolitanas do país, o desenvolvimento dessas mesmas regiões,
a necessidade de contenção do “inchaço” urbano com a migração de trabalhadores do interior
para as metrópoles, a urgência do Estado em suprir as demandas sociais nas regiões mais
afastadas do país, são aspectos observados como integrantes das demandas políticas, sociais e
econômicas que subsidiaram o atual processo de expansão da educação profissional e
desdobrados ao longo deste capítulo, ao tratarmos da Rede Federal de Educação Profissional e
Tecnológica.
A rede federal de educação profissional e tecnológica: caracterização e expansão..
A partir dos discursos de campanha e dos planos de governo apresentados nas eleições
presidenciais de 2002 e 2006, empreendemos uma análise comparativa entre as propostas dos
dois governos do presidente Luís Inácio Lula da Silva. A educação foi questão de prioridade
nos palanques e debates, como parte do programa de governo que a enfatizava enquanto
substrato para o desenvolvimento nacional, juntamente com a distribuição de renda entre a
população. Fazendo uma comparação com o programa do primeiro mandato (2003 – 2006),
percebemos diferenciações relativas à educação enquanto questão de política pública.
Se na campanha de 2002, as críticas ao modelo econômico engendrado pelos oito anos
de governo de Fernando Henrique Cardoso eram um ponto emblemático, com destaque para a
privatização da oferta da educação e para a descentralização, que “se confunde com
desoneração do Estado para com o sistema de educação” (Programa de Governo Coligação
Lula Presidente, 2002, p: 45), após quatro anos de governo, o programa para a reeleição
possuía caráter de continuidade e de ampliação da oferta qualitativa na esfera educacional.
6330
Em relação à educação profissional, os programas pesquisados possuem caráter
distinto: enquanto no de 2002 a formação do trabalhador em nível técnico não aparece em
momento algum, destinando-se a formação para o trabalho à educação básica e ao ensino
superior, no texto de 2006 o ensino técnico e tecnológica ganha destaque, com ênfase para a
ampliação da oferta e fazendo parte não apenas do item específico Educação, mas aparecendo
como um dos focos das políticas para a juventude. Percebemos, como já apresentando
anteriormente, programas e políticas específicas para essa modalidade do ensino nos anos
seguintes de gestão, contudo, divergentes da idéia de integração com a educação básica,
apresentada quando do Decreto nº 5154/2004.
Para compreender o percurso das políticas referentes à educação profissional ante a
sua integração com a educação regular, é necessário destacar o que alguns autores entendem
como parte da dualidade da educação brasileira, respaldada na histórica divisão entre trabalho
manual e trabalho intelectual, estando o primeiro relacionado às classes populares e o segundo
àqueles que deverão assumir as posições de domínio e direção no âmbito da sociedade
política e da sociedade civil. Deste modo, é relevante conhecer as disputas de interesses,
discussões e entraves que compõem a atual fase dessas políticas no país.
Os impasses sobre as articulações entre educação regular e formação profissional
ganharam destaque nos anos 1970, quando se desenvolvem e consolidam vias distintas de
formação profissional vinculadas à formação regular de nível médio, expressas, de um lado,
por uma medida genérica de vinculação compulsória do então ensino de 2º grau à formação
técnica em variadas áreas, e, por outro, pela criação de instituições especializadas em que essa
formação vinculada se faria em grau de excelência6.
Durante os anos 80 e no início da década de 1990, os trabalhadores organizados e
educadores avançaram, de diversos modos, nas suas formulações e reivindicações relativas a
uma educação profissional articulada à elevação da escolaridade. Na segunda metade da
década de 1990, porém, o governo de Fernando Henrique Cardoso impôs a separação total
6
Consolidam-se, de fato, a partir de então, no âmbito da educação regular, duas vias formativas, para diferentes segmentos
sociais. A formação profissional obrigatoriamente vinculada ao 2º Grau foi predominantemente oferecida pelas redes
estaduais de ensino e por escolas privadas, com notórios problemas de qualidade referentes às inadequadas instalações das
instituições de ensino para as modalidades profissionais oferecidas, falta de professores, modalidades formativas de baixa
importância no sistema produtivo, baixo desenvolvimento das disciplinas básicas, dentre outros problemas, com raras
exceções. Na rede paralela constituída pelos Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs, criados na década de
1970), desenvolve-se uma experiência inédita de instituições formativas de alto nível técnico, promovendo formação em
áreas profissionais vinculadas aos setores mais dinâmicos da economia, bem como formação geral propedêutica viabilizadora
do prosseguimento dos estudos em instituições e carreiras universitárias de prestígio.
6331
entre educação geral e formação profissional por meio do Decreto nº 2.406, de 27 de
novembro de 1997 (Decreto de 97), que proibia a oferta do ensino técnico integrado ao ensino
médio, provocando um significativo abalo da organização e das relações institucionais nos
CEFETs, a redução do número de matrículas na rede federal de ensino e de seu peso na
composição geral da matrícula, bem como novo fortalecimento das instituições da sociedade
civil, em especial as vinculadas ao setor empresarial, na oferta de formação profissional.
No início do primeiro mandato do governo Lula, este é o cenário da educação
profissional no país. As críticas contundentes em relação às políticas neoliberais da gestão
anterior estavam baseadas numa discussão recorrente na sociedade civil, entre setores
progressistas e conservadores, desde a década de 1980, quando do processo de elaboração de
uma nova LDB. A tensão entre o ideal de uma escola pública, laica, gratuita e de qualidade
para todos e a lógica do mercado e da prestação de serviços em detrimento dos direitos
sociais, numa perspectiva liberal, prosseguiu mesmo depois da implementação da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (LDB/96),
especialmente no imbróglio de decretos posteriores, referentes à educação profissional.
O setor progressista, que defendia uma formação profissional lato sensu, integrada ao
2º grau nos seus múltiplos aspectos humanísticos e tecnológicos, orientando o papel deste
nível de ensino para a recuperação da relação conhecimento-prática do trabalho, respaldado
no conceito de educação politécnica, permaneceu na luta pela revogação do Decreto de 97,
em busca de uma nova regulamentação (FRIGOTTO, 2007). Esta luta permaneceu intensa até
2003, culminando com o Decreto de 2004.
Neste período, lutou-se não apenas pela revogação do Decreto de 97, mas por uma
reformulação da LDB/96, que contemplasse a qualidade da educação profissional baseada
numa transformação da formação do trabalhador no país. Contudo, uma análise mais crítica
das medidas tomadas pelo governo e do próprio Decreto, que tinha como propósito a
diminuição das diferenças existentes entre educação profissional e educação regular, desvela
um cenário distinto do que é revelado no discurso presidencial.
Empreendendo uma análise do período de 2003-2005, com foco na questão
apresentada acima, Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005) sinalizam contradições entre o discurso
e a prática, nos levando a considerar o sentido de continuidade em relação ao governo do
PSDB, se não nos princípios ideológicos, ao menos na prática hegemônica a respeito da
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dualidade entre a formação de trabalhadores e a educação básica regular, que desde o
princípio estrutura a educação brasileira.
Os setores a favor de uma reformulação da educação para o trabalhador, que entendem
o trabalho como fundamento ontológico do ser social (TONET, 2005), pretendiam uma
integração real entre as modalidades de ensino – básica e profissional – através da legislação
básica da educação nacional, modificando-a em caráter irrevogável, e não através de atos de
Executivo de caráter transitório e da proposição de uma lei específica para a educação
profissional, que não ocorreu de fato. A distinção de visões sobre a educação profissional e
sua relação com a educação regular pode ser percebida nas demais ações do governo até os
dias de hoje. Mas o discurso do Ministério da Educação (MEC) ia em direção contrária aos
fatos.
Corrigir distorções de conceitos e de práticas decorrentes de medidas adotadas
pelo governo anterior, que de maneira explícita dissociaram a educação
profissional da educação básica, aligeiraram a formação técnica em módulos
dissociados e estanques, dando um cunho de treinamento superficial à formação
profissional e tecnológica de jovens e adultos trabalhadores. (BRASIL, MEC,
2005, p. 2, apud, FRIGOTTO, idib, p.3)
Apesar do Decreto de 2004 ter possibilitado a (re) integração do ensino profissional à
educação regular através da modalidade integrada7 e da oferta do ensino médio pelas escolas
técnicas, abrindo novas vagas nas instituições federais, a concepção de ensino fragmentada
permaneceu inalterada, já que as legislações pertinentes não sofreram reestruturação, como as
Diretrizes Curriculares Nacionais de 2004, que apenas em 2010 começam a ser discutidas em
relação à educação profissional.
Nesta perspectiva, compreendemos que existem formas distintas de integração entre a
educação profissional e o ensino regular: o Decreto de 2004 possibilita a integração
administrativa, que se dá pelo reconhecimento da integração pelo restabelecimento da
possibilidade de uma matrícula única; por outro lado, não existe uma interferência no que
tange à integração curricular, já que a mesma só poderia se dar em prazo mais longo que o da
7
A modalidade integrada constitui-se na matrícula única em uma instituição de ensino na qual o aluno irá realizar o ensino
médio integrado ao ensino técnico, em um único currículo (com disciplinas da grade do núcleo comum e do núcleo
profissionalizante) e um único itinerário formativo, recebendo, ao final do curso, um único diploma que o confere o ensino
médio e o técnico de nível médio em uma área específica.
6333
integração administrativa, requerendo persistência das ações governamentais no sentido da
viabilização dessa forma mais ampla e complexa de integração. Ainda hoje, estudos apontam
para uma diversidade nos currículos dos cursos integrados, sendo divididos entre “núcleo
comum” e “núcleo técnico”, com coordenadores distintos para ambos e numa falta de diálogo
que alguns docentes, em sua prática isolada, tentam reverter no cotidiano das salas de aula.
A análise realizada pelos três autores já citados, conclui que, na ausência de
verdadeiro apoio governamental à proposição de integração plena, o Decreto 5.154/2004 foi
acomodado aos interesses conservadores, presentes nas palavras de Fernando Henrique
Cardoso, ao dizer que “O Brasil não tem falta de empregos, mas de empregados”, anulando o
potencial transformador da realidade da formação do trabalhador brasileiro, que está na sua
origem de princípios e de lutas de educadores e pesquisadores da área. Contudo,
compreendemos, também, que a reintegração da educação profissional com o ensino regular é
muito recente para que medidas adicionais que intensifiquem novas propostas curriculares
demonstrem resultados efetivos.
Ainda nesse caminho, entendemos que a histórica dualidade que compõe essas
modalidades de ensino é marca fundamental da dualidade maior que estrutura a sociedade
brasileira e que compõe o viés classista das sociedades capitalistas. Deste modo, como toda
mudança estrutural, entendemos que são necessários anos atravessados por reformas,
estratégias de mudanças, políticas sistemáticas que atuem no sentido de uma real integração,
nos âmbitos administrativo e curricular. Ressaltamos, também, que o Decreto de 1997 separa
a educação profissional do ensino regular de forma intervencionista, abalando a organização
interna das escolas técnicas e dos CEFETs, diminuindo o número de matrículas do ensino
médio público – na medida em que essas escolas federais não mais podiam ofertar o ensino
médio regular – e atingindo a qualidade da educação ofertada à medida que os profissionais
de ensino dessas instituições sentiram o peso da mão do Estado em suas práticas cotidianas.
Em direção distinta, o Decreto de 2004 não teve a forma de intervenção, mas de
estimular e possibilitar às escolas técnicas de todas as esferas governamentais reintegrar o
ensino médio à educação profissional. Políticas de indução a esta reintegração começaram a
ser traçadas dentro do próprio MEC, mas não chegaram a ser implementadas.
No entanto, é impossível não considerarmos a fragmentação dentro do próprio MEC
como um aspecto que evidencia os limites concretos ao avanço mais significativo de uma
perspectiva ampla de integração. A manutenção da Secretaria de Educação Profissional, hoje
6334
Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica – SETEC – sustenta a separação entre
educação profissional e educação regular. Subsídios para essa análise são encontrados nas
palavras abaixo:
De uma política consistente de integração entre educação básica e educação
profissional, articulando-se os sistemas de ensino federal e estaduais, passou-se à
fragmentação iniciada internamente, no próprio MEC. (FRIGOTTO, CIAVATA,
RAMOS, 2005 a, p 24)
Do mesmo modo, a emergência de uma multiplicidade de programas com foco na
profissionalização de jovens e adultos trabalhadores (PROJOVEM, Escola de Fábrica, mais
recentemente, Brasil Profissionalizado, PROEJA), reforça o caráter de fragmentação das
políticas governamentais e a desvinculação do propósito da integração, assim como ocorreu
em 1942, com a Reforma Capanema.
Nos anos que se seguiram, o governo deu início a ações de desenvolvimento da
educação profissional e de sua expansão, através de projetos focais e políticas de
reorganização das escolas técnicas federais, que pretendiam modificar o perfil dessa
modalidade de ensino frente ao pensamento hegemônico que a ligava estritamente às classes
populares e a uma educação de baixa qualidade, que preparava unicamente para o ingresso no
mercado de trabalho em profissões subalternizadas.
No entanto, uma mudança da materialidade estrutural da sociedade e nos valores e
concepções correspondentes é um processo lento, que demanda anos de ações e políticas
efetivas que repercutam diretamente na natureza das relações de poder das classes sociais
(Frigotto, Ciavatta, Ramos, 2005), resultado impossível de se obter a partir de ações isoladas
do Executivo. Isto fica demonstrado em uma reportagem feita pela TV Câmara, em 2008,
quando da discussão do projeto de lei para a criação da Rede Federal: a profissionalização de
nível médio aparece como alternativa à graduação, na fala de um aluno, que após três
tentativas de ingressar na graduação em medicina escolheu “o curso técnico por ser mais fácil
de entrar e de cursar” (Lean, aluno do curso técnico em enfermagem do Senai), indicando
uma continuidade no pensamento social a respeito da dicotomia entre educação profissional e
ensino superior, onde o último é o locus dos filhos da elite. A fala do aluno é complementada
pelas palavras do repórter, que diz que “apesar de um curso técnico oferecer uma educação
6335
que serve até de base para o ensino superior, só atrai 8% dos 10 milhões de alunos do ensino
médio”, (grifo meu), sinalizando marca de classe da histórica, e persistente, dualidade entre
educação profissional e ensino regular.
Nesse sentindo, nos apropriamos da análise de Henry Lefebvre, ao discutir o papel da
escola no século XX, referenciando-se em Marx, para reiterarmos nossa compreensão da
questão de classe que perpassa a dualidade estrutural da educação:
A escola (de massa) prepara proletários e a universidade prepara dirigentes,
tecnocratas e gestores da produção capitalista. Sucedem-se as gerações assim
formadas, substituindo-se uma pelas outras na sociedade dividida em classes
hierarquizadas. (1994, p. 226)
Destarte, mudanças mais profundas na estrutura social são consequências de
contradições, lutas e conflitos entre setores de classe com interesses distintos, e também da
forma como a maioria das políticas públicas é criada (COUTINHO, 1989), mesmo quando
essas políticas se firmam na continuidade do pensamento social hegemônico, não
representando grandes mudanças societárias. A expansão da educação profissional federal não
ocorreu de forma diferente.
Hoje, a Rede Federal é constituída por 38 (trinta e oito) Institutos Federais, pela
Universidade Tecnológica do Paraná e pelos CEFETs de Minas Gerais e do Rio de Janeiro8 e
por 24 9vinte e quatro) Escolas Técnicas vinculadas à Universidade Federais, abrangendo
todo o território nacional com 366 unidades, das quais mais de duzentas foram criadas nessa
nova fase da expansão, durante o segundo governo Lula. Frente a essa caracterização da Rede
Federal e retomando á reportagem acima apresentada, quando da discussão da sua
implementação, é notório qual grupo tece suas ideias implementadas, mesmo que com
algumas modificações do projeto de lei inicial.
Decidiu-se atender às demandas produtivas locais em detrimento da geração de
tecnologia para o desenvolvimento do país, bem como pela escolha pela reiteração de
algumas profissões que já vinham sendo destinadas às camadas médias e populares. Deste
8
Observa-se sobre a não transformação dos CEFETS de Minas e do Rio em Institutos Federais que estes foram as primeiras
Escolas Técnicas a serem transformadas em Centros Federais de Educação Tecnológica, ainda em 1978, através da lei nº
6.545, de 30 de junho de 1978, os primeiros a atuarem no ensino superior e os que, junto ao MEC, fizeram o pedido de se
transformarem em Universidades Tecnológicas, como a UFTPR
6336
modo, a separação entre educação básica e educação profissional, que foi reforçada com a
criação da SETEC, teve continuidade com a criação de uma rede paralela à estrutura da
educação regular no país, com características próprias, mas legislada pela mesma lei
(LDB/96) e possuindo diretrizes curriculares específicas (Resolução CEB nº 4, de 8 de
dezembro de 1999). Ressaltamos, deste modo, a continuidade na oferta diferenciada para
distintas classes sociais.
Seguindo os interesses e demandas locais, as novas unidades federais de ensino
profissional têm sido instaladas em cidades estratégicas de regiões do país, levando e criando
cursos que, em tese, estão em consonância com o mercado de trabalho e políticas regionais.
A análise de uma provável continuidade, ou continuísmo, com o governo FHC, numa
caracterização da noção de transformismo de Gramsci (2006), a nova fase de expansão da
educação profissional, tendo como marco temporal do decreto de 2004, até 2009, perpetua
noções históricas da educação profissional no país, tais como a preponderância da formação
para o mercado do trabalho, as persistência de profissões subalternizadas, a parceria com
municípios e estados, embora em outra perspectiva – a do atendimento às especificidades
produtivas locais, e não a formação de trabalhadores para atuar no desenvolvimento nacional.
Em outro viés, Otranto (2010) compreende que a expansão através dos Institutos
Federais é um exemplo de implementação de uma nova pedagogia da hegemonia, de uma
educação que busca o consenso da população sobre os sentidos de democracia, cidadania,
ética e participação adequados aos interesses do mercado nacional e internacional. Hegemonia
entendida numa perspectiva gramsciana, estabelecida em um complexo sistema de relações e
de mediações e em contraposição à noção de dominação. É o Estado brasileiro, através de
medidas e ações, especificamente nesse caso na redefinição da educação profissional através
do modelo dos Institutos Federais, redefinindo os fundamentos e práticas estatais no sentindo
da consolidação e do aprofundamento de um projeto burguês para a atualidade (NEVES,
2005).
Transformações e perpetuações: considerações finais.
A criação dos Institutos Federais, tem na integração e verticalização da educação
profissional, desde a educação básica até a educação superior, seu principal objetivo. Destacase, no seu marco legal, uma estreita articulação com os setores produtivos locais em uma
proposta de geração e adaptação de soluções técnicas e tecnológicas e na oferta formativa
6337
(Otranto, 2010, p. 97), em benefício direto para os arranjos produtivos locais (APLs), entre
outros objetivos diretamente relacionados ao mercado produtivo, entre eles a ideia, presente
na própria Lei nº 11.892, de pesquisa aplicada dirigida às indústrias e empresas.
Em uma primeira análise, pode ser entendido como um modelo alternativo de ensino
superior, especialmente à universidade de pesquisa, assim como vem sendo adotado por
reformas educacionais em países da América Latina ao longo da década de 1990
(OTRANTO, 2010, apud, LIMA FILHO E QUELUZ, 2006). Podemos entender como o
início de um processo de diversificação formativa, tendo a universidade para a formação
profissional como o outro ponto de um novo eixo de dualidade.
Adotando a perspectiva de economia de capital dependente, na qual inserimos o
Brasil, os Institutos Federais, e consequentemente a redefinição da educação profissional, vão
ao encontro das políticas educacionais e financeiras do Banco Mundial, especialmente no que
tange aos cursos superior de tecnologia e sua vinculação aos APLs.
Contudo, mesmo considerando o caráter de continuidade e de transformismo entre
programas e governos, algumas diferenças se destacam nesse sentido. Se o PROEP tinha
como consequência um esvaziamento das obrigações do Estado para a formação básica e
profissional, delegando a responsabilidade pela profissionalização técnica dos trabalhadores
para a iniciativa privada e entidades civis, e, consequentemente, desrespeitando o princípio da
educação enquanto direito social, o novo programa de expansão trabalha em outro viés.
O Decreto de 2004, as ações expansionistas dos CEFETs e o processo de expansão da
educação profissional através da criação da Rede Federal e dos Institutos Federais, compõem
um programa que, mesmo atravessado por ideais economicistas e referendado por estratégias
de desenvolvimento de órgãos internacionais, compreende a educação enquanto direito social
inalienável do cidadão e devolve ao Estado a obrigação da oferta de formação profissional
gratuita e, a princípio, de qualidade, já que busca reproduzir a excelência dos centros
tecnológicos.
Nesse sentido, os novos modelos de instituições federais de educação profissional e
tecnológica podem ser uma importante oportunidade de transformação e melhoria da
modalidade profissional no Brasil, especialmente na perspectiva de integração com a
educação básica, através do ensino médio integrado, demonstrando possibilidades de
superação do viés classista, ao buscar uma superação das desigualdades sociais através de um
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currículo com integral e tendo como princípio a formação do sujeito em sua totalidade, não
apenas nos anseios do mercado de trabalho.
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