A ADVOCACIA E A PROCURADORIA ILÍCITA
A ideia do Estado de Direito passa pela circunstância inultrapassável dos cidadãos terem
antes de tudo o mais, o conhecimento dos seus direitos e porque não, no actual e futuro
tempo histórico, dos seus deveres.
É inevitável, assim, a citação do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa
(Acesso ao Direito e tutela jurisdicional efectiva), designadamente, o seu nº 2 “Todos têm
direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a
fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade”.
Estamos, pois, no domínio de um direito que se pode considerar complexo, do acesso ao
direito e à protecção jurídica, direito fundamental maior, que implica, entre outros
elementos a intervenção do advogado a solicitação do cidadão.
A advocacia mantém-se, predominantemente, como uma actividade liberal e, pela livre
escolha do advogado pelos cidadãos, com um contrato de prestação de serviços isolado ou
continuado através de um contrato de serviços de avença.
Este é o modelo tradicional e predominante, muito embora as excepções comportem um
aumento exponencial de advogados, que, entre outras causas, derivadas da massificação da
profissão a que a nossa Ordem mostra continuar estar atenta.
A integração na União Europeia exigiu, exige e exigirá a harmonização dos tipos de
prestação de serviços por forma à subsistência de regras de concorrência, dir-se-á,
equilibrada entre os advogados dos estados membros.
É importante recordar, hoje, face à sua actualidade, que o regime jurídico das sociedades de
advogados obedece ao regime das sociedades civis e não a sua regulação pelo direito
comercial, como sucede noutras ordens jurídicas, estando salvaguardado, assim, o respeito
pelo princípio da natureza não mercantil das sociedades de advogados. Atente-se, p ex. no
melindre das ABS- Alternative Business Structures tipificada no Legal Services Act de
2007 do Reino Unido..
Por simples constatação alguns paradigmas estão a mudar, atente-se na disseminação dos
directórios de pesquisa de advogados de acesso público.
A questão passa, em termos simplistas, pela velocidade da incorporação das novas
tecnologias da informação, e o seu contrário no que se refere à relativa estabilidade das
normas deontológicas. Questão complexa e não pacífica.
Ora tal desfasamento, inevitável, por certo, levanta difíceis problemas de interpretação, a
resolver, unicamente, caso a caso, com a devida ponderação dos normativos aplicáveis.
Estamos, assim, no domínio da publicidade e da concorrência em que o primado do direito
comunitário, nos conduzirá ou não a um novo paradigma. (Decreto Lei n.º 92/2010 de 26 de
Julho).
Lá chegaremos, muito embora cada vez mais a deontologia profissional designadamente,
por via da aplicação dos arts. 83.º (integridade), 85.º (deveres com a comunidade) e 89.º
(informação e publicidade) todos do Estatuto, cria, e bem, no meu entender, dificuldades
interpretativas em zonas de fronteira no que diz respeito à violação da proibição da
angariação de clientela e à “publicidade informativa”.
O engodo de campanhas publicitárias que as novas tecnologias possibilitam, não poderá
deixar de ser combatido por forma a situar-se dentro de certos limites. Porque, a dignidade,
a isenção, a competência e a probidade, são, entre outros, princípios deontológicos perenes
na nossa profissão.
Se nesta matéria as zonas de fronteira obrigam a uma ponderação casuística já o exercício
da profissão de Advogado via Loja de Advocacia/Loja Jurídica/Loja de Leis, de porta
aberta para a rua, provavelmente com um néon publicitário é um corte absoluto com os
usos, tradições da profissão e ao quadro normativo em matéria deontológica. Questão
também complexa e, muito menos pacífica.
Será o sentido de imitação, ou uma resposta, face à emergência do simplex e dos balcões
únicos ?
Os meios informáticos são muito úteis em proporcionar informação e fornecer a
identificação dos procedimentos e das pessoas que promovam actos que se identificam de
procuradoria ilícita.
A agilização de meios por forma a recolher informação e o fornecimento - sempre que
solicitado pela Ordem - pelas entidades públicas dos elementos identificativos dos
procedimentos e das pessoas que promovam actos que se caracterizam de procuradoria
ilícita, a utilização de meios informáticos, que possibilite o acesso à base de dados das
conservatórias e serviços. (artigos 7.º (correspondência e requisição oficial de documentos e
8.º (dever de colaboração) do EOA), tornar-se-á um mecanismo dissuasor de práticas
ilícitas.
Uma questão antiga, mas actual, qual seja a criação de uma chancela, a chamada vinheta
poderá contribuir como um meio indispensável para o sucesso do combate à procuradoria
ilícita e da promoção da prática da advocacia preventiva.
Isto porque, caso constitua, p. ex. um requisito de validade ou eficácia dos contratos, assim
reduziria substancialmente a prática de actos próprios por parte das imobiliárias,
contabilistas e outros “procuradores” que pairam por aí, designadamente, junto das
conservatórias.
Questão que merece ponderação e de decisão.
A violação da reserva do advogado prevista no artigo 1.º da Lei dos Actos próprios, por não
advogados e solicitadores, constitui crime de procuradoria ilícita previsto e punido no artigo
7.º daquela Lei.
A Lei dos actos próprios prevê a punição de entidades públicas ou privadas por violação
dos seus preceitos.
Ora, a violação da segunda parte do nº 1 do artigo 6.º da Lei dos Actos Próprios, qual seja
“a proibição do funcionamento de escritório ou gabinete, constituído sob qualquer forma
jurídica, que preste a terceiros serviços que compreendam, ainda que isolada ou
marginalmente, a prática de actos próprios de advogados e solicitadores”, está sancionada
no seu nº 2, prevendo que a Ordem tem o direito de requerer junto das autoridades judiciais
o encerramento do escritório ou gabinete, pela prestação ilícita de serviços próprios de
advogados a terceiros.
O combate à procuradoria ilícita e a importância da advocacia preventiva são
complementares daí, a aposta na intensificação de actuações, alertando os cidadãos para os
perigos da procuradoria ilícita que não possa deixar de incluir, simultâneamente, o seu
esclarecimento de molde a que os seus assuntos, sejam devidamente acompanhados, desde
o início, por os únicos profissionais competentes, os advogados
Todos temos uma responsabilidade ética pela sua denúncia, a partir do seu conhecimento
directo, como é, igualmente, um dever deontológico do advogado, pelos claros danos que
causa à advocacia e à cidadania.
Conclusões
1. Os cidadãos têm o direito à assistência por advogado nas diligências perante
qualquer autoridade pública abrangendo entidades privadas legalmente dotadas de
poderes públicos e não só nos tribunais:
2. A advocacia é, predominantemente, uma actividade liberal pela livre escolha do
advogado pelos cidadãos exercida em prática individual ou colectiva;
3. Existe a proibição de formas empresariais de exercício da advocacia (nº 1 do artigo
6,º da Lei 49/2004 de 24 de Agosto) e sócios de mero capital;
4. Os serviços jurídicos não podem ser tratados ou considerados como uma qualquer
mercadoria por não cumprimento da exigência de dignidade no exercício da
profissão.
5. A sujeição da violação do n.º 1 do art. 6.º da Lei dos Actos Próprios à punição a
título de contra-ordenação com a aplicação de uma pesada coima ou mesmo a título
de crime, acrescida da pena acessória do encerramento do escritório ou gabinete,
pela prestação ilícita de serviços próprios de advogados a terceiros, o que implica a
alteração do seu n.º2.
6. A importância de fomentar a advocacia preventiva e combater os actos de
procuradoria ilícita;
7. A valorização do papel do advogado, a promoção da sua imagem, junto dos
cidadãos em geral, com a inclusão da matéria da conclusão anterior, através da
realização pela OA de uma campanha a nível nacional.
Coimbra, 19 de Outubro de 20011
Fausto Costa Ferreira, Céd. n.º 2005c.
Secção preferencial: A advocacia e a Reforma da Justiça
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