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ábado. Concordei em ir ao parque com minha mulher e meus
filhos. Eles estão ali, no outeiro gramado, pouco depois do lago.
Comeram, deram comida aos patos e agora alimentam sua crença
de que somos uma família feliz e normal. E, para ser justo, no que
diz respeito a eles, nós somos. Não vou deixar que a visão deles
estrague meu dia. O sol brilha e estou ficando meio bronzeado.
A lembrança da última visita ainda é recente e satisfatória. Mantém
o sorriso na minha cara.
Olhe só toda essa gente. Felizes e relaxados, eles nem imaginam que eu os observo. Vejo as criancinhas se afastando das mães,
distraídas demais com um bate-papo para perceberem. Depois elas
notam que seus queridinhos se afastaram muito e soltam aquele
grito estridente de um genitor superprotetor, seguido por um tapa
na perna da criança e mais gritos.
Por enquanto, estou satisfeito. A diversão que tive na semana
passada manterá esse meu estado de ânimo por algum tempo, então todos estão seguros hoje.
Desfrutei inteiramente do tempo que passei com a bichinha.
Fiz com que parecesse violência doméstica. Soube que as brigas entre pessoas como ele podem ficar feias, então me diverti um pouco
com a ideia.
Foi fácil despachá-lo. Essa gente leva uma vida perigosa. Dão
vítimas perfeitas. Então cacei no meio deles, procurando alguém,
e encontrei.
Já decidira passar a noite seguindo os clientes de uma boate em
Vauxhall, a Utopia. Que nome ridículo. Mais parecia o Inferno, se
quer minha opinião. Eu disse à minha mulher que viajaria a negócios, guardei algumas roupas, produtos de toalete e as coisas de
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sempre numa mochila para uma noite fora e reservei um quarto
de hotel em Victoria. Não podia aparecer em casa de manhã cedo.
Isso levantaria suspeitas. Eu não podia deixar que isso acontecesse.
Tudo em casa precisava parecer... normal.
Também levei um traje de papel de fantasia que comprei na
Homebase, vários pares de luvas cirúrgicas – disponíveis em todo
tipo de lojas –, uma touca de banho e alguns sacos plásticos para
cobrir meus pés. Meio barulhentos, mas eficazes. E por fim, mas
não menos importante, uma seringa. Tudo coube bem arrumado
em uma mochila pequena.
Evitando as câmeras de vigilância em profusão na área, olhei
a entrada da boate das sombras da ponte ferroviária enquanto
o barulho dos trens reverberava pelas arcadas.
Eu já havia espionado meu alvo entrando na boate naquela
mesma noite. A excitação fez meus testículos endurecerem. Sim,
ele valia mesmo minha atenção especial. Não era a primeira vez
que eu o via. Já o observara algumas semanas antes, vira se prostituir dentro da boate com quem concordasse com seu preço. Estive
procurando pela vítima perfeita, sabendo que a polícia só olharia
as imagens das câmeras da noite em que ele morreu ou, se fosse
especialmente diligente, talvez da semana anterior.
Postei-me no meio da horda pulsante de humanidade fedorenta e imunda, corpos se esfregando em mim, maculando meu ser
com sua imperfeição doentia e ao mesmo tempo inflamando meus
sentidos já excitados e intensificados. Também queria agarrar cada
um deles, pegar todos pelo pescoço, esmagar traqueia após traqueia enquanto os mortos começavam a se empilhar a meus pés.
Foi uma luta controlar a urgência da força em mim, mas depois o
pavor me pegou, um pavor que nunca senti na vida. Pavor de que
meu verdadeiro eu estivesse se revelando, que todos à minha volta
pudessem ver minha transformação diante de seus olhos, minha
pele brilhando, vermelha, a luz branca e forte derramando-se de
meus olhos e das orelhas, vomitando de minha boca. Pesadas gotas de suor corriam sinuosas por minhas costas, guiadas por meus
músculos dilatados e paralisados. De algum jeito, consegui mexer
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as pernas, abrindo caminho por uma multidão de adoradores barulhentos até chegar ao bar e olhar o espelho imenso pendurado
atrás do balcão. O alívio correu por mim, reduziu meus batimentos
cardíacos e esfriou o suor quando pude ver que eu não tinha mudado, não traíra a mim mesmo.
Agora acabou o tempo de observar. Era hora do meu prêmio,
meu gozo, meu alívio. Tudo estava no lugar. Tudo era como precisava ser. Enfim, eu o vi saindo da boate. Gritava suas despedidas,
mas parecia estar só. Andou despreocupadamente sob a ponte ferroviária, seguindo para a ponte Vauxhall. Eu segui rápida e silenciosamente para o outro lado da ferrovia e esperei por ele. Quando
se aproximou, avancei. Ele me viu, mas não pareceu ter medo.
Retribuiu meu sorriso quando o abordei.
– Por favor.
– Sim? – respondeu ele, ainda sorrindo, aproximando-se da luz
da rua para me enxergar melhor. – Há alguma coisa que eu possa
fazer por... você? – disse ele, o reconhecimento espalhando-se por
seu rosto. – Precisamos parar de nos encontrar assim. – Sim, eu
estive com ele antes. Um risco, mas calculado. Pouco mais de uma
semana atrás, dentro da boate, eu me apresentei sem dizer nada,
certificando-me de que ele visse minha cara sorridente por tempo suficiente para me reconhecer de novo. Mais tarde encontrei-o
do lado de fora. Paguei o que ele pediu, adiantado, e fomos a seu
apartamento, onde eu me enfiei dentro dele e até deixei que ele se
enfiasse em mim. O sexo não era importante, nem mesmo prazeroso – não era o motivo de estar com ele. Eu queria senti-lo enquanto
ele estava vivo, entender que ele não era apenas um objeto inanimado, mas uma pessoa viva e real. Não pude ficar com ele assim
naquela noite em que o despachei, para não deixar o mais leve
vestígio de sêmen ou saliva em seu corpo. Estar com ele, mais ou
menos uma semana antes daria a qualquer prova o tempo para se
degradar e morrer. E é claro que praticamos sexo seguro: ele para
se proteger da Peste Gay, e eu, para me proteger da detecção. Depilei meus pelos pubianos e usei uma máscara de borracha que cobria
toda minha cara e a cabeça, impedindo que qualquer fio de cabelo
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fosse deixado na cena, assim como luvas de látex para eliminar
o risco de deixar digitais – e tudo isso o viadinho pensava simplesmente fazer parte da brincadeira. Mas a diversão, a verdadeira diversão, ainda viria, e eu tinha mais de uma semana para fantasiar
com os eventos que vinham pela frente.
Os dias se passaram aflitivamente lentos, testando ao limite minha paciência e meu controle, mas as lembranças da noite que tive
com ele e a ideia do que viria me levavam adiante e logo ele estava
parado diante de mim, seus dentes pequenos, brancos e retos cintilando à luz da rua, sua cabeça oval, grande demais para o pescoço
esquelético, assentada em ombros magros e estreitos. O cabelo era
louro e liso, na altura dos ombros, um corte que fazia com que
parecesse um surfista, mas a pele era clara e o corpo, fraco. A coisa
mais atlética que ele fazia era se ajoelhar. A camiseta era apertada
e curta demais, revelando o abdome reto, que desaparecia dentro
da surrada jeans hipster de grife para provocar os impulsos sexuais
de seus iguais.
Eu disse que precisava ficar com ele de novo. Menti que estive
na boate e que o vira dançar, que fiquei nervoso demais para me
aproximar, mas agora realmente o queria. Falamos mais algumas
abobrinhas e ele disse: “Sabe que não sou barato. Se quiser ficar
comigo de novo, vai sair caro.”
Ele sugeriu ir à minha casa e eu disse que meu namorado estaria lá, mas ele começou com o blá-blá-blá de não levar gente a seu
apartamento e que da última vez foi uma exceção, até que puxei
outras duas notas de cinquenta de minha carteira e enfiei em sua
mão. Ele sorriu.
Fomos até meu carro com placas falsas e dirigi até o seu buraco
no sudeste de Londres, onde cuidei para não estacionar perto demais de seu prédio. Dizendo a ele que não queria correr o risco de
ser visto entrando no edifício com ele, sugeri que fosse na frente
e deixasse a porta destrancada.
Esperei alguns minutos e depois, quando a rua estava vazia, sem
ninguém olhando pelas janelas, andei até o apartamento. O prédio era antigo, frio e cheirava a urina, mas ele tinha sido um bom
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garoto e deixou a porta destrancada. Entrei em silêncio e passei
a tranca. Ele apareceu no canto do final do corredor, do que eu
sabia ser a sala de estar.
– Você trancou a porta?
– Sim – respondi. – Hoje em dia, todo cuidado é pouco.
– Com medo de que alguém nos flagre e estrague a festa?
– Algo parecido.
A excitação era insuportável. Meu estômago estava tão revirado
de expectativa que eu mal conseguia respirar. Por dentro, minha
mente gritava, mas eu ainda plantava meu sorriso nervoso ao entrar na sala.
O michê estava agachado perto do CD player. Eu disse que
queria me lavar e fui ao banheiro, no final do corredor.
Levei a mochila e rapidamente, embora meio desajeitado, vesti
o traje, a touca de banho, as luvas de borracha e por fim os sacos
plásticos nos sapatos. Olhei-me no espelho, enchendo os pulmões
do ar que puxava com força pelo nariz. Eu estava pronto.
Plenamente preparado, voltei à sala de estar. Ele se virou e me
viu vestido e radiante. Já havia tirado a camiseta e começou a rir,
cobrindo a boca como se quisesse se reprimir.
– Então é esse o joguinho erótico de hoje?
– Mais ou menos – respondi. – Mais ou menos.
Foram suas últimas palavras, embora ele deva ter dito “por favor” um pouco depois. Nessa hora o sangue lhe subiu pela garganta, transformando o por favor num gargarejo.
Com um movimento veloz, suave e bem treinado da mão peguei sobre a mesa lateral uma estatueta de ferro de um índio nu
e usei para quebrar seu crânio, sem bater com força para não matar logo, só para deixá-lo semiconsciente e praticamente paralisado. Ele estava de joelhos quando o golpeei, o que foi bom – uma
queda de uma distância menor significava menos barulho quando
ele batesse no chão.
Observei-o por um tempo, parado acima dele como o vencedor
numa luta de boxe, vendo seu peito subir e descer a cada respiração
dolorosa e tensa, o sangue a princípio jorrando da ferida na cabe-
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ça, depois reduzindo-se a um fluxo lento à medida que o coração
ficava fraco demais para bombear na pressão que o corpo exigia
para continuar vivo. A cada poucos segundos, sua perna direita se
contorcia como uma ave moribunda.
Não teria sido como sonhei se ele não estivesse pelo menos
um pouco consciente quando avancei para ele com um picador de
gelo que achei em seu bar. Precisava que estivesse vivo enquanto
eu o furava. Precisava vê-lo tentar me impedir sempre que eu estocasse seu corpo moribundo: não apunhalando freneticamente,
mas encostando o picador na pele clara antes de empurrar a ponta
com um estalo deliciosamente prazeroso. De vez em quando, ele
estendia a mão e melancolicamente tentava se defender da tortura.
Eu disse para não ser rebelde e continuei meu trabalho. Era uma
pena que sua hemorragia cerebral deixasse seus olhos vermelhos,
porque eu queria o contraste dos olhos azuis na pele clara e ensanguentada. Da próxima vez, farei melhor.
Seu corpo perfurado quase começou a me enojar, a fazer com
que eu quisesse fugir da cena, mas ainda não podia parar. Não antes que tudo estivesse o mais próximo possível de como eu vira em
minha mente da primeira vez que soube que o visitaria. Eu continuaria meu trabalho, apesar do fedor que emanava dos buracos em
sua barriga e nos intestinos, a urina e as fezes que agora vazavam
de seu corpo transformado.
Ele suportou quarenta minutos, com os olhos palpitando um
pouco ao se abrirem alguns minutos de cada vez. Quando se
abriam, eu fazia meu trabalho, parando sempre que ele desmaiava,
incapaz de tolerar a dor ou entender a situação. Tinha de esmurrá-lo na cara de vez em quando para ele não desmaiar. Não que
ele pudesse ter soltado mais do que um gemido. Ainda assim, eu
precisava ter certeza.
Quando ele enfim morreu, um silvo lento e baixo de ar escapando de seus lábios e das frestas de sua caixa torácica me disse
que minha brincadeira chegara ao fim. Pus um novo par de luvas
cirúrgicas e peguei no bolso de sua calça as trezentas libras que eu
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lhe dera antes. Não queria deixar isso para trás. Com cuidado e em
silêncio, quebrei parte dos móveis e arrumei a sala como se tivesse
ocorrido uma luta violenta. Em seguida, usei a seringa que trouxe
para tirar sangue de sua boca e espalhar pela sala: nas paredes, nos
móveis, no carpete, criando um padrão de borrifos que sugerisse
uma briga. Depois passei para o canto da sala, que tinha deixado limpo. Tirei a roupa e as coloquei num saco plástico, que meti
dentro de outro saco, e repeti o processo mais duas vezes. Certifiquei-me de que cada saco plástico estivesse bem amarrado e por
fim os coloquei na mochila. Pus novos sacos plásticos nos pés, sem
querer me arriscar a pisar numa mancha de sangue – pode ser difícil explicar esse tipo de prova. Coloquei outro par de luvas cirúrgicas e saí da sala. Eu queimaria tudo no meu jardim na noite
seguinte, a forma mais segura de dispor de objetos incriminadores.
Queimá-los num local público poderia chamar atenção, ao passo
que enterrar os deixaria à mercê de animais inquisitivos.
Fui lentamente até a porta da frente. Tirei os sacos plásticos
dos sapatos e olhei pelo olho mágico. Ninguém à vista. Só para ter
certeza, coloquei o ouvido na porta, com o cuidado de não permitir
que a orelha encostasse e deixasse uma marca, como uma digital,
o que soube que pode acontecer.
Quando me dei por satisfeito, saí do apartamento de mansinho,
deixando a porta aberta para não fazer mais barulho do que o necessário. A estatueta do índio e o picador de gelo, joguei no Tâmisa
ao ir para meu hotel, ao norte. Agradava-me a ideia de a polícia
perder horas procurando por armas que não ajudariam em nada
sua investigação.
Ao chegar ao hotel, entrei pela porta lateral ao lado do bar, em
geral usada como saída de incêndio. Eu sabia que abria por fora e
que não tinha câmera de vigilância apontada para ela. Já estava
com o cartão-chave de meu quarto, tendo feito o registro naquele
mesmo dia, mais cedo. Tomei um longo banho, deixando a água
o mais quente possível, esfregando a pele, as unhas e o cabelo vigorosamente com uma escovinha até todo meu corpo parecer estar
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ardendo em chamas. Tirei a tampa do ralo para deixar que qualquer coisa lavada de meu corpo escoasse facilmente para a rede de
esgotos de Londres. Depois da ducha, tomei um longo banho quente e me esfreguei de novo. Após me secar, deitei-me nu na cama
e bebi duas garrafas de água, agora em paz. Satisfeito. Logo o sono
veio e tive o mesmo lindo sonho sem parar.
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