ORGANIZAÇÃO
JURÍDICA DA
GRANDE EMPRESA
AUTORES: MARCELO MOURA E MARCIO GUIMARÃES
COLABORAÇÃO: GUILHERME MELLO E PEDRO GARCIA DE SOUZA
GRADUAÇÃO
2014.1
Sumário
Organização Jurídica da Grande Empresa
ROTEIRO DO CURSO............................................................................................................................................. 3
AULA 1: A ERA DAS GRANDES EMPRESAS .................................................................................................................. 5
AULA 2: SOCIEDADE ANÔNIMA: EVOLUÇÃO HISTÓRICA, NOÇÕES GERAIS E CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS............................... 14
AULAS 3 E 4: COMPANHIA ABERTA E FECHADA. MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS.
COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. NOÇÕES GERAIS. ............................................................................................. 27
AULAS 5 E 6: AÇÕES E OUTROS VALORES MOBILIÁRIOS. .............................................................................................. 42
AULA 7: ACIONISTAS E ACIONISTA CONTROLADOR: NOÇÕES GERAIS; DIREITOS E OBRIGAÇÕES;
PODER DE CONTROLE; ACORDOS DE ACIONISTAS ....................................................................................................... 58
AULAS 8 E 9: ÓRGÃOS ADMINISTRATIVOS: ADMINISTRAÇÃO. CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO E DIRETORIA:
CARACTERÍSTICAS, COMPOSIÇÃO, FUNCIONAMENTO E COMPETÊNCIA.
DEVERES E RESPONSABILIDADES DOS ADMINISTRADORES. ......................................................................................... 77
AULAS 12 E 13: GOVERNANÇA CORPORATIVA ......................................................................................................... 104
AULAS 14 E 15: TRANSFORMAÇÃO, INCORPORAÇÃO, FUSÃO E CISÃO............................................................................. 122
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
ROTEIRO DO CURSO
1.1. APRESENTAÇÃO GERAL
O principal objetivo da disciplina é entender a Sociedade Anônima, como
organização jurídica mais adotada pela Grande Empresa, mediante a análise de
conceitos jurídicos, da legislação, da regulamentação da CVM e de casos reais.
1.2. MATERIAL DIDÁTICO E METODOLOGIA
O material didático apresenta o roteiro das aulas, indicação de textos para
leitura, casos práticos e outras questões relevantes para cada aula. Para um
melhor aproveitamento do curso, recomenda-se que tanto o material didático quanto os textos indicados sejam lidos antes de cada aula.
Também serão indicados textos de leitura complementares, que permitirão um maior aprofundamento acerca de temas específicos de especial interesse dos alunos.
Pretende-se utilizar bastante em aula a metodologia de análise de casos.
1.3. FORMAS DE AVALIAÇÃO
Serão realizadas 02 (duas) provas, em sala de aula, compreendendo toda
a matéria ministrada até a data de cada prova. As provas poderão ser feitas
com consulta apenas à Lei das Sociedades Anônimas, sem comentários ou
anotações.
Eventualmente, poderão ser feitas avaliações complementares com base
em atividades ou em trabalhos sobre temas específicos a serem indicados pelo
professor.
Com base em tais avaliações, obter-se-á a média aritmética referente à
disciplina. Caso o aluno obtenha média aritmética inferior a 7 (sete), deverá
realizar uma terceira prova, a qual compreenderá toda a matéria do semestre.
1.4. LIVROS TEXTO:
A maior parte da matéria pode ser acompanhada pelo Volume 2 do Curso
de Direito Comercial de Fábio Ulhoa Coelho, Editora Saraiva. Além desse,
recomenda-se o Curso de Direito Comercial de Rubens Requião, Volume 2,
Editora Saraiva e os Comentários à Lei das Sociedades Anônimas de Modesto
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
Carvalhosa, Editora Saraiva. Para a primeira aula, o Volume 1 do Curso de
Direito Comercial de Rubens Requião é a leitura indicada.
Professor: também indico o livro Direito Societário, de autoria de José
Edwaldo Tavares Borba (Renovar, 2009).
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
AULA 1: A ERA DAS GRANDES EMPRESAS
A) MATERIAL DE LEITURA
Leitura Básica
Curso de Direito Comercial, Rubens Requião, Vol.1, págs. 75-88;
B) ROTEIRO DE AULA
Para que possamos analisar a organização jurídica que mais comumente
adota a grande empresa, temos antes de lembrar o que é empresa, conceito
discutido nos períodos anteriores à luz da teoria da empresa.
B.1) O QUE É A EMPRESA?
Observada a imprecisão científica e a insuficiência da teoria dos atos de
comércio1, impôs-se a necessidade de construir um novo sistema adequado
aos avanços da economia que delimitasse o âmbito de aplicação das normas
comerciais, de forma a adaptar a disciplina às necessidades da sociedade contemporânea.
De fato, é inquestionável a importância do papel ecônomico e social atualmente exercido pela empresa — em especial a grande empresa —, tendo-se
tornado esta imprescindível na ordem econômica globalizada. Tal relevância
é salientada por economistas e juristas dos mais renomados, chegando-se a
afirmar, com todo acerto, que:
“A evolução da empresa representa, na realidade, um elemento
básico para a compreensão do mundo contemporâneo. Do mesmo
modo que, no passado, tivemos a família patriarcal, a paróquia, o Município, as corporações profissionais, que caracterizam um determinado
tipo de sociedade, a empresa representa, hoje, a célula fundamental
da economia de mercado”2.
No mesmo sentido, Fábio Konder Comparato resume bem a importância
da empresa nos dias atuais:
“Se se quiser indicar uma instituição social que, pela sua influência,
dinamismo e poder de transformação, sirva de elemento explicativo e
1.
Tal foi a afirmação de J. X. Carvalho
de Mendonça, autor que propôs conhecidíssima classificação dos atos de
comércio, nos seguintes termos: “Os
códigos e tratados de direito comercial não oferecem conceito jurídico
unitário e completo sobre os atos de
comércio. Legislação e doutrina não se
harmonizam em tão relevante assunto,
o que multiplica os embaraços à construção de sólido sistema científico” (J.
X. Carvalho de Mendonça, “Tratado de
Direito Comercial Brasileiro”, vol. I, livro
I, 6ª ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1957, p. 419). Na mesma obra, o autor
revela a amplitude do problema no direito comparado, citando entre os que
compartilham de seu entendimento
Lyon Caen et Renault, na França, Vidari,
Vivante e Navarrini, na Itália, alem do
suíço Muzinger, do espanhol Estasén
e do argentino Segovia (pp. 419-421).
2.
Arnoldo Wald, “O espírito empresarial,
a empresa e a reforma constitucional”.
Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro nº 98/51-57,
São Paulo: Ed. RT, abril/junho, 1995, p.
55 (grifou-se).
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
definidor da civilização contemporânea, a escolha é indubitável: essa
instituição é a empresa”3.
Essa constatação é também freqüente entre os economistas. Referindo-se
especificamente às sociedades anônimas, assevera-se que “o capitalismo moderno não teria podido se desenvolver se a sociedade por ações não existisse”4.
No entanto, sob a égide da teoria objetiva, diversas atividades de caráter
intrinsecamente empresarial eram ignoradas pelo Direito Comercial, visto
não se enquadrarem nas acepções legais de ato de comércio. Apenas para citar um entre diversos exemplos admissíveis, o desenvolvido setor de serviços,
por não se enquadrar nas definições elaboradas para os atos de comércio, não
se encontrava regulado pelas normas comerciais, o que per si demonstrava a
imprescindibilidade de uma nova sistemática.
Como já citado, a teoria subjetiva moderna apresenta como núcleo fundamental o conceito de empresa5. Ocorre que mesmo entre os adeptos da
“teoria da empresa”, em especial os italianos, marcados pelo seu pioneirismo6,
tem-se encontrado dificuldades para definir o seu conceito jurídico, não obstante sua pacífica conceituação nas ciências econômicas. A esse propósito,
vale registrar a lição de Rubens Requião:
“Em vão, os juristas têm procurado construir um conceito jurídico
próprio para tal organização. Sente-se em suas lições certo constrangimento, uma verdadeira frustração por não lhes haver sido possível
compor um conceito jurídico próprio para a empresa, tendo o comercialista que se valer do conceito formulado pelos economistas. Por isso,
persistem os juristas no afã de edificar em vão um original conceito jurídico de empresa, como se fosse desdouro para a ciência jurídica transpor para o campo jurídico um bem elaborado conceito econômico”7.
Ensina Giuseppe Ferri que a noção econômica de empresa, sob a qual deve
se assentar o seu conceito jurídico8, incorpora-se na organização dos fatores
de produção, baseada em princípios técnicos e leis econômicas, propondo-se
à satisfação de necessidades alheias, vale dizer, do mercado. A esse propósito,
vale citar, pela clareza, os ensinamentos precisos de Sylvio Marcondes:
“O conceito econômico de empresa está na organização dos fatores
de produção de bens ou de serviços para o mercado, coordenada pelo
empresário, que lhe assume os resultados. Sobre este conceito econômico ninguém põe dúvida. Mas, como o Direito trata este conceito
econômico?”9.
Para responder à indagação formulada pela doutrina, deve-se atentar para
uma observação feita por Alberto Asquini, o qual com muito acerto indicou
3.
Fábio Konder Comparato, Direito
empresarial: estudos e pareceres, São
Paulo: Saraiva, 1990, p. 3.
4.
Walter Lippkann, A cidade livre, 1938,
p. 329 apud Georges Ripert, Aspectos
jurídicos do capitalismo moderno. Campinas: RED livros, 2002, p. 67.
5.
Tullio Ascarelli vê a manutenção de
um critério objetivo, pela importância
que se dá à atividade na qualificação do
empresário (“O empresário” (Tradução
de Fábio Konder Comparato, in “Corso
di Diritto Comerciale — Introduzione
e Teoria dell’Impresa”, 3ª ed., Milano:
Giuffrè, 1962; pp. 145-160). Revista de
Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro n.º 109/183-189, São Paulo:
Malheiros, janeiro/março, 1998).
6.
Constata Rubens Requião que “são
juristas italianos os que mais se dedicam ao estudo da empresa. Já sabemos
que o moderno direito privado da Itália
funda-se sobre a teoria da empresa.
Mas, antes mesmo da reforma de 1942,
os comercialistas peninsulares indagavam, como Vivante, sobre o seu conceito, em face das referências a ela feitas
na enumeração dos atos de comércio”
(Rubens Requião, “Curso de Direito
Comercial”, vol. I, 24a ed., São Paulo:
Saraiva, 2000; p. 53).
7.
Rubens Requião, “Curso de Direito
Comercial”, vol. I, 24ª ed., São Paulo:
Saraiva, 2000; p. 50.
8.
O jurista italiano Vivante igualou o
conceito jurídico ao conceito econômico, consoante apontado por Rubens
Requião, “Curso de Direito Comercial”,
vol. I, 24ª ed., São Paulo: Saraiva, 2000;
p. 53.
9.
Sylvio Marcondes, “Questões de Direito Mercantil”, São Paulo: Saraiva, 1977;
p.8. No mesmo sentido temos a lição
de Waldírio Bulgarelli, nos seguintes
termos: “Os economistas vêm-se esforçando desde a Revolução Industrial em
conceituar a empresa, nem sempre com
êxito. Hoje, contudo, é quase unânime a
idéia de que a empresa é uma unidade
organizada de produção e comercialização de bens e serviços para o mercado” (Waldírio Bulgarelli, “Sociedades,
Empresa e Estabelecimento”, São Paulo:
Atlas, 1980; p. 19). O mesmo autor, em
obra diversa, demonstra o seu aceite
pelo conceito econômico de empresa:
“Uma vez, portanto, que há verdadeira
unanimidade em relação ao conceito
econômico de empresa, como aliás
assinala muito bem Sylvio Marcondes,
nada há de errado na sua aceitação por
parte do Direito, e foi nessa conformidade que a legislação veio regulando os
seus vários aspectos (...)” (Waldírio Bulgarelli, “Estudos e Pareceres de Direito
Empresarial: o Direito das Empresas”,
São Paulo: Ed. RT, 1980; p. 17).
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
que as dificuldades da conceituação jurídica de empresa derivam do fato de
esta ser um “fenômeno poliédrico”. Com essa afirmação, quis o eminente
comercialista italiano demonstrar que a empresa apresenta um conceito econômico unitário, o mesmo não ocorrendo com o seu conceito jurídico, recebendo a empresa tratamentos legislativos diversos10.
Firmado esse entendimento, sugere o jurista italiano que se abdique da
tentativa de elaboração de um conceito jurídico de empresa, devendo-se focar no estudo dos “aspectos jurídicos da empresa econômica”, na expressão
de Giuseppe Ferri11. Sob esses argumentos, Asquini elabora a sua difundida
“teoria dos perfis da empresa”12, bem resumida por Rubens Requião:
“Vislumbra, então, Asquini a empresa sob quatro diferentes perfis:
a) o perfil subjetivo, que vê a empresa como o empresário; b) o perfil
funcional, que vê a empresa como atividade empreendedora; c) o perfil
patrimonial ou objetivo, que vê a empresa como estabelecimento; d) o
perfil corporativo, que vê a empresa como instituição”13.
O Codice Civile italiano de 1942, pioneiro ao sugerir um modelo que
superasse o sistema francês, não chega a estabelecer um conceito jurídico de
empresa, preferindo definir o seu perfil subjetivo — o empresário — em seu
art. 2.08214, como sendo aquele que exerce profissionalmente uma atividade
econômica organizada para a produção e circulação de bens ou serviços.
O legislador brasileiro, inspirado pelo modelo italiano, não apresenta inovações em relação ao Codice Civile de 1942, ao definir o empresário como
sendo “quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para
a produção ou a circulação de bens ou de serviços15“.
Das definições legais supracitadas decorrem os elementos essenciais à empresa, quais sejam, no entendimento de Rubens Requião, o sujeito de direito,
a sua atividade particular, a finalidade produtiva e o caráter profissional16. Encontramos também em Waldírio Bulgarelli a referência a quatro elementos.
Contudo, o renomado comercialista os apresenta como sendo a organização,
a atividade econômica, o fim lucrativo e a profissionalidade17. Bugarelli acrescenta o fim lucrativo como elemento essencial à empresa, posto que não há
empresa que não vise o lucro.
Por esse contexto, cabe observar que, no esforço de construir um conceito
jurídico de empresa, pouco se afastou da noção econômica. A esse propósito,
é incisiva a conclusão de Waldírio Bulgarelli, centralizando o conceito de empresa no seu perfil subjetivo, seguindo a opção legislativa italiana e brasileira:
“Dessume-se, assim, o conceito de empresa daquele de empresário,
podendo-se conceituá-la como a organização da atividade econômica
para o fim de produção ou de troca de bens ou serviços. Verifica-se,
10.
Apud Sylvio Marcondes, “Questões
de Direito Mercantil”, São Paulo: Saraiva, 1977; p.8.
11.
Apud Rubens Requião, “Curso de
Direito Comercial”, vol. I, 24a ed., São
Paulo: Saraiva, 2000; p. 55.
12.
A referida tese foi publicada na
Rivista del Diritto Commerciale, fascs.
1 e 2, 1943, sob o titulo “Profili
dell’Imprensa”, conforme Rubens Requião, “Curso de Direito Comercial”, vol.
I, 24a ed., São Paulo: Saraiva, 2000; p.
71. Em português, a tese foi publicada,
com tradução de Fábio Konder Comparato, na Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro n.º
104/109-126, São Paulo: RT, outubro/
dezembro, 1996.
13.
Rubens Requião, “Curso de Direito
Comercial”, vol. I, 24a ed., São Paulo:
Saraiva, 2000; p. 55.
14.
Art. 2.082 do Codice Civile italiano de
1942: “Imprenditore — È imprenditore
chi esercita professionalmente una attività economica organizzata al fine della
produzione o dello scambio di beni o di
servizi”.
15.
Art. 966 do Novo Código Civil: “Art.
966. Considera-se empresário quem
exerce profissionalmente atividade
econômica organizada para a produção
ou a circulação de bens ou de serviços”.
16.
Rubens Requião, “Curso de Direito
Comercial”, vol. I, 24a ed., São Paulo:
Saraiva, 2000; p. 55.
17.
Waldírio Bulgarelli, “Sociedades,
Empresa e Estabelecimento”, São Paulo:
Atlas, 1980; p. 22.
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
portanto, a transmudação que ocorreu no conceito econômico na sua
passagem para o âmbito jurídico, sob a égide do empresário, ou seja, de
organização da atividade econômica para o de exercício profissional da
atividade econômica organizada”18.
B.2) O QUE É A GRANDE EMPRESA?
Relembrado o conceito de empresa, cabe, neste momento, uma indagação: o que é precisamente a grande empresa? É notório que a grande empresa
exerce atualmente influência dominante no cenário econômico-social contemporâneo, igualando ou, em muitos casos, superando o poder antes atribuído aos Estados. Mas quais são os critérios para definir uma grande empresa?
O que a diferencia da pequena empresa?
Diversos critérios podem ser utilizados. Por exemplo, o SEBRAE classifica
a empresa em função do número de pessoas ocupadas. Ao definir a micro e
pequena empresa, entender-se-ia, a contrario sensu, que o SEBRAE classifica
como grandes empresas aquelas que, na indústria e na construção, empregam
mais de 100 (cem) pessoas, e que, no comércio e serviços, empregam mais de
50 (cinqüenta) pessoas19. Também por via indireta, a interpretação conjunta da
Lei nº 9.841/1999 (Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte)
com o Decreto nº 5.028/2004 levaria à conclusão de que são grandes empresas
aquelas que tivessem uma receita bruta anual superior a R$ 2.133.222,00 (dois
milhões, cento e trinta e três mil, duzentos e vinte e dois reais).
A Lei 11.638/2007, que estende às sociedades de grande porte às disposições da Lei das Sociedades Anônimas sobre escrituração e elaboração de
demonstrações financeiras, define como sendo de grande porte “a sociedade
ou conjunto de sociedades sob controle comum que tiver, no exercício social anterior, ativo total superior a R$ 240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de reais) ou receita bruta anual superior a R$ 300.000.000,00
(trezentos milhões de reais)”. Seria essa, então, a grande empresa no Brasil?
É um critério.
No entanto, esses critérios exemplificativos são insuficientes para definir
o fenômeno que se pretende analisar, por não se coadunarem com a realidade sócio-econômica. O conceito de grande empresa é histórico, variando de
acordo com cada época e lugar. Na verdade, constata-se que, apesar da noção
quase que intuitiva do que é a grande empresa, é difícil a tarefa de apresentar
critérios objetivos e precisos que a definam. Em geral, podemos utilizar parâmetros comparativos: compara-se uma empresa com outra de uma mesma
região, ou, ainda, faz-se uma confrontação com os dados do país ou do mundo. A grande empresa de Moçambique poderá ser uma pequena ou média
empresa nos Estados Unidos.
18.
Waldírio Bulgarelli, “Sociedades,
Empresa e Estabelecimento”, São Paulo:
Atlas, 1980; pp. 22-23.
19.
Disponível em http://www.sebrae.
com.br/br/aprendasebrae/estudosepesquisas.asp. Acesso em outubro de
2006.
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
Em geral, as sociedades anônimas são o instrumental adequado para a
constituição da grande empresa, pois por meio delas é possível realizar uma
dupla função, primordial para o desenvolvimento econômico: 1) limitar a
responsabilidade da sociedade e de seus participantes e 2) capitalizar a sociedade sem necessidade de pagamento de juros, nem de constituição de dívidas. Para Alfredo Lamy Filho,
“admitindo a limitação de responsabilidade de todos os sócios, a
S/A tornou possível a mobilização de recursos em montante ilimitado,
através de junção de capitais das mais variadas procedências de grandes
e pequenos investidores, movidos pelas mais diversas inspirações, embora com o denominador comum da colimação de lucros. Por outro
lado, a livre transferibilidade do papel que incorporava essa participação tornava-o extremamente atraente porque possibilitava liquidez
imediata. Com esses atributos, revela-se a S/A dotada de explosiva força
de expansão”.20
Embora a sociedade anônima seja a forma jurídica mais adotada para a
grande empresa, não é a única. São muitas as grandes empresas no Brasil que
adotam a forma de limitadas e mesmo consórcios, cooperativas e sociedades
profissionais. O professor José Edwaldo Tavares Borba, em sua obra, coloca
que a atual Lei de S.A. buscou inspiração no direito europeu e norte-americano. Segundo o professor, a “renovação ocorrida na Itália, na Alemanha e principalmente na França, com a Lei nº 67.537, de 25 de julho de 1966, influiu
decisivamente na elaboração de nossos legisladores”21. É preciso ressaltar que
a prática norte-americana, extremamente rica e diversificada, principalmente
no que concerne a valores mobiliários e procedimentos de mercado, serviu de
matriz a muitos dos institutos consagrados na lei atual.
As grandes empresas têm um relevante papel na economia mundial. Em
algumas situações, o poderio econômico de determinadas empresas é tamanho
que ultrapassa o PIB de inúmeros países. Nas palavras de Gustavo Franco,
“Países e empresas vivem em dimensões diferentes, e são medidos
com escalas próprias, os primeiros por meio do PIB, ou seja, pelo valor
adicionado total gerado dentro de suas fronteiras, enquanto o tamanho
das empresas é medido pelo faturamento. Conciliando as escalas, um
cálculo para o ano 2000, feito pela Conferência das Nações Unidas
sobre o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), mostrou que, entre
os cinqüenta maiores países e empresas, há apenas duas empresas, mas,
dentro dos cinqüenta seguintes, 27 são empresas. Ou seja, para o total
dos 100 maiores países e empresas, 29 eram empresas, sendo que a
maior delas, a ExxonMobil, tinha um “PIB” estimado em cerca de 63
20.
Alfredo Lamy Filho, “A reforma da Lei
de Sociedades Anônimas”. IN: Temas de
Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 39.
21.
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar,
2009.
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
bilhões de dólares, ligeiramente inferior ao do Chile e das Filipinas e
maior que o do Paquistão”22.
Percebe-se que o poder econômico das grandes empresas pode, em última
instância, influenciar social e politicamente uma determinada sociedade e,
até mesmo, a ordem mundial. Esta constatação se mostra ainda mais presente
quando se verifica a expansão do fenômeno da concentração.
A concentração, em seu sentido econômico, representa a aquisição de
mais meios de produção. A tendência à concentração e à necessidade de crescimento de empresas refere-se, em última instância, à capacidade de realizar
de forma mais adequada os investimentos de que necessitam para o seu desenvolvimento. De acordo com Fábio Konder Comparato,
“(...) a evolução da economia capitalista nos últimos 40 anos, e notadamente a partir da Segunda Guerra Mundial, tem sido comandada
pelo fenômeno da concentração empresarial. Desde a primeira Revolução Industrial as vantagens da constituição dessas ‘economias internas
de escala’, segundo expressão consagrada por ALFRED MARSHALL,
eram de todos conhecidas: baixa do custo unitário de produção com
o aumento do volume de unidades produzidas; possibilidade de autofinanciamento, libertando a empresa das injunções do mercado financeiro; multiplicação de estabelecimentos, permitindo que atingissem
diretamente os diferentes centros de consumo, com a supressão dos
intermediários; estocagem de matéria-prima, atenuando as variações de
preços; estudos de mercado e publicidade em larga escala”.23
Quanto maior uma empresa, mais vantagens, portanto, ela retira de sua
posição dominante no mercado, pois maior é sua capacidade de diminuir
custos de produção, angariar lucros e aumentar seus investimentos.
Atualmente, além do processo de integração econômica internacional, por
meio das grandes empresas e da concentração, percebe-se uma nova onda de
crescimento das empresas, por meio do fenômeno da pulverização de capital,
em que se estabelece uma difusão das ações entre milhares de acionistas, sendo
o controle da companhia exercido não mais por acionistas, mas por meio de
órgãos de administração, fenômeno que classicamente se denomina de controle gerencial. Thomas Friedman tem uma obra interessante que demonstra
o fenômeno de pulverização de controle acionário e espraiamento geográfico
das empresas por diversas localidades do globo, com intuito de conquistar
mercados e diminuir os custos de produção da empresa. O título da obra é
bem sugestivo — “O mundo é plano” 24, e retrata bem esse fenômeno.
A pulverização do controle acionário existe em todos os países em que
há um mercado de valores mobiliários forte, que atrai a poupança popular
22.
FRANCO, Gustavo. “Globalização e
poder”., IN: VEJA, Edição 1857, de 09 de
junho de 2004. IN: http://www.econ.
puc-rio.br/gfranco/VEJA121.htm
23.
Fábio Konder Comparato. Aspectos
jurídicos da macroempresa. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais. 1970,
pp. 4 e 5.
24.
FRIEDMAN, Thomas. O mundo é plano: uma história breve do século XXI. Rio
de Janeiro: Objetiva, 2005.
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
e que é acessado em grande escala pelas S.A. locais (as corporations americanas, ou public limited companies inglesas). Em geral, as empresas nascem por
iniciativa e capacidade de um líder, o empreendedor sob o qual crescem e
se afirmam. Para se expandirem, contudo, precisam de recursos financeiros,
recorrendo ao mercado de capitais, onde encontra capital farto e barato.25
Constitui-se, assim, a empresa “sem dono”, mas capitalizada ao extremo. Sobre este tema, voltaremos em aulas seguintes.
D) TEXTO DE APOIO
“Megaempresa.com — Fusão entre Americanas.com
e Submarino cria companhia de R$ 2 bi de olho no exterior
A Americanas.com e o Submarino, maiores lojas de vendas pela Internet
do país, anunciaram ontem a fusão de suas operações para enfrentar o avanço
das grandes redes de varejo tradicional e, também, investir em mercados internacionais. O negócio, que ainda depende da aprovação dos acionistas do
Submarino, resultará na criação da B2W Companhia Global de Varejo, que
nascerá com receitas anuais de mais de R$ 2 bilhões e valor de mercado de
R$ 6,5 bilhões.
‘Eles querem ser grandes, ter escala para ter preços competitivos, pois seus
fornecedores são os mesmos de redes como Ponto Frio, Casas Bahia, Pão
de Açúcar e Wal-Mart’, disse um executivo de um banco que participou do
negócio.
Embora cresça a taxas de 40% ao ano, o comércio eletrônico deve movimentar pouco mais de R$ 4 bilhões este ano no Brasil, 2% apenas das vendas
totais do varejo brasileiro. Além das vendas pela Internet, a B2W deve valer-se de outros canais de venda, em que a Lojas Americanas já atua, como o
Shoptime (com TV), para enfrentar as grandes redes.
‘Esse movimento é estratégico e nós temos obrigação de procurar bons
negócios para nossos acionistas’, disse o presidente do Submarino, Flavio
Jansen.
CVM vai investigar possível vazamento
O Submarino ingressou em abril no Novo Mercado, com a pulverização
de ações na Bolsa de Valores de São Paulo. Como não tem mais controladores, a proposta de fusão com a Americanas.com será analisada em assembleias
de acionistas no próximo mês. A expectativa é de que as duas empresas passem a operar como B2W já a partir de janeiro de 2007.
25.
Gustavo Franco. IN: http://www.
econ.puc-rio.br/gfranco/VEJA121.htm
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11
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
‘Estamos criando uma grande companhia, com receitas de U$ 1 bilhão e
enorme potencial de crescimento’, disse o diretor de Relações com Investidores da Americanas.com, Roberto Martins, ao justificar seu otimismo.
Segundo Martins, países latino-americanos em que o comércio eletrônico
tem grande potencial, como México, e emergentes de outros continentes,
como a Índia, são mercados de interesse da nova empresa.
‘As oportunidades internacionais hoje são muito efetivas e temos que
aproveitar nossos conhecimentos nos canais em que atuamos’, confirma Jansen, que deve dividir a direção da B2W com Anna Saicali, que preside a
Americanas.com.
Pela proposta, as Lojas Americanas S.A. (Lasa), controladora da Americanas.com, passarão a deter 53,25% do capital total da B2W. Os acionistas
do Submarino ficariam com 46,75%. Além da aprovação dos acionistas, a
transação também precisa passar pelo crivo do Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (Cade), do Ministério da Justiça, pois a empresa resultante da fusão terá mais de 50% das vendas do varejo online do país.
Na prática, será a segunda operação de fusão envolvendo companhias
abertas no país em que uma delas não tem controlador. Na anterior, a Sadia
fez uma oferta hostil pela Perdigão, mas o negócio não prosperou. Agora, a
fusão resultou de consenso entre os dirigentes das duas empresas.
A Lasa é controlada por um trio de financistas: Jorge Paulo Lemann,
Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles. À frente do banco Garantia, ou da
GP Investimentos, os três lideraram operações como a fusão de Antarctica e
Brahma, que resultou na criação da AmBev, e mais recentemente sua união
com a belga Interbrew (InBev).
As ações ordinárias (com direito a voto) do Submarino subiram ontem
15,80%, cotadas a R$ 60,80, após abrirem em alta de 20% no pregão da
Bolsa de São Paulo. Já as ações preferenciais das Americanas caíram 8,25,
fechando a R$ 100. Na abertura, a alta chegou a ser de 6,4%. Segundo Daniella Marques, gestora de renda variável da Mercatto Gestão de Recursos, o
mercado não reagiu bem à falta de informações: ‘Enquanto os acionistas da
Americanas.com ficam sem informação, os do Submarino receberão um belo
prêmio (R$ 500 milhões em dividendos antecipados) na operação’.
Nos últimos 30 dias, as ações do Submarino subiram 54%, contra 8,86%
do Ibovespa. ‘Tudo indica que houve vazamento (de informações)’, disse o
presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Marcelo Trindade. A
CVM abriu investigação.
(...)
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
Operação preocupa varejistas menores
Para o analista do Banco Modal, Eduardo Roche, a fusão também teve
como objetivo proteger o mercado de concorrentes estrangeiros, como a
americana Amazon.com. Ele lembrou ainda que, recentemente, a Americanas.com comprou o Shoptime.com, que também tem canal de vendas na TV.
A fusão entre as duas maiores empresas de vendas pela Internet gerou
preocupações no setor, que este ano movimenta cerca de R$ 4,3 bilhões. ‘As
vendas ficarão concentradas. A tendência é um mercado mais apertado para
as empresas menores que não aderirem à guerra dos preços’, disse Marcos
Zignal, vice-presidente da rede de locadoras Blockbuster.
Empresas que trabalham em parceria com as duas maiores do setor ainda
não sabem o futuro dos negócios. ‘A Americanas.com representa entre 10%
e 15% de nosso faturamento. Hoje, nosso principal concorrente é o Submarino. Não sabemos como a nova companhia vai funcionar’, diz Marcelo
Franco, diretor da Sacks, responsável por 60% das vendas do setor de beleza
pela rede e que atua com Americanas.com e Shoptime”26.
2. “Cade avaliará união de Americanas.com e Submarino após 17 de
janeiro
A avaliação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade)
sobre a união entre a Americanas.com e o Submarino terá início apenas a
partir de 17 de janeiro, data da próxima reunião do órgão, quando o processo a respeito da operação será destinado a um dos conselheiros. De acordo
com o Cade, não há prazo para a emissão do parecer definitivo sobre a possibilidade de operação da B2W, fruto da união das duas empresas. O último
encontro do órgão ocorreu em 13 de dezembro, mesmo dia da aprovação
da união pelos acionistas do Submarino em assembleia geral extraordinária.
O Cade deverá se basear em instrução fornecida pela Secretaria de Direito
Econômico. Inicialmente, a Lojas Americanas, controladora da B2W, e o
Submarino previam o funcionamento da nova empresa ainda para o início
de janeiro. Ontem, a B2W anunciou a criação de quatro filiais. De acordo
com a empresa, as unidades referem-se a endereços já existentes da Americanas.com e do Submarino. Três deles estão no Estado de São Paulo e outro,
na cidade do Rio de Janeiro. A decisão da oficialização das filiais foi tomada
em reunião do conselho de administração da B2W ocorrida no último dia
20. Ainda em 13 de dezembro, logo após a reunião do Submarino, a B2W
realizou a primeira assembleia, destinada à aprovação da constituição da
empresa. Na ocasião, esteve em pauta também a aprovação dos laudos de
avaliação de cada companhia e o estatuto social da B2W, além da eleição do
conselho de administração”27.
26.
O Globo. Disponível em www.oglobo.
globo.com. Acesso em 24 de novembro
de 2006.
27.
Portal Exame. Disponível em http://
portalexame.abril.com.br. Acesso em
27 de dezembro de 2006.
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
AULA 2: SOCIEDADE ANÔNIMA: EVOLUÇÃO HISTÓRICA, NOÇÕES
GERAIS E CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS
C) MATERIAL DE LEITURA
Leitura Básica
Fabio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial, Vol. 2, págs. 63/69;
Leitura Complementar
Rubens Requião, Curso de Direito Comercial, Vol.2., págs 23/42 e 49/50
D) ROTEIRO DE AULA
Na aula anterior, foi avaliada a importância da grande empresa no atual
cenário econômico e social. Ainda, concluiu-se que a sociedade anônima é a
principal forma jurídica adotada, em escala mundial, pelas grandes organizações empresariais28.
Passaremos, então, a analisar as principais características que distinguem
as sociedades anônimas — também denominadas “companhias” — dos demais tipos societários no ordenamento jurídico brasileiro.
O artigo 1º da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (“Lei das S.A.”),
define de modo expresso 2 (duas) características principais das sociedades
anônimas, quais sejam: (i) a divisão do seu capital social em ações; e (ii) a
limitação da responsabilidade dos acionistas pelas dívidas e obrigações sociais
ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas. Além dessas duas,
há uma terceira característica, que decorre da primeira e que torna a S.A.
particularmente atraente: a facilidade de venda da participação societária, em
outras palavras, a livre circulação das ações.
José Edwaldo Tavares Borba resume bem as características da sociedade anônima: a) sociedade de capitais; b) sempre empresária; c) capital é dividido em
ações transferíveis pelos processos aplicáveis aos títulos de créditos; d) a responsabilidade dos acionistas é limitada ao preço de emissão das ações subscritas.
Note-se que há pequenas variações no regime de responsabilidade dos sócios das sociedades limitadas e anônimas: enquanto nas sociedades limitadas
“a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos
respondem solidariamente pela integralização do capital social”29, nas sociedades anônimas, a abrangência da responsabilidade é, em regra, ainda menor,
já que “a responsabilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao preço de
emissão das ações subscritas ou adquiridas”30.
28.
Nesse sentido aponta Fran Martins:
“Dentre as diversas sociedades comerciais, a anônima sempre requereu
normas muito especiais para a sua
constituição e funcionamento. Deve-se
isso ao fato de, em regra, se destinarem
essas sociedades a grandes empreendimentos, exigindo capitais avultados
e um relacionamento especial com o
público e os credores, em face dos princípios, dominantes nas companhias, de
que todos os acionistas têm responsabilidade limitada às importâncias com
que concorrem para a sociedade e de
que não há alteração na estrutura social com a entrada ou saída de qualquer
sócio” (Fran Martins, Comentários à Lei
das Sociedades Anônimas, vol. I. Rio de
Janeiro: Forense, 1977, p. 3).
29.
Nos termos do artigo 1.052 do Código
Civil Brasileiro.
30.
Conforme dispõe o artigo 1º da Lei
das S.A.
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
Importa destacar que as características acima indicadas não são as únicas
que diferenciam as sociedades anônimas dos demais tipos societários, existindo diversos institutos e conceitos que são peculiares das companhias. Isso
se deve principalmente, à sua concepção como instrumento eficaz para a
captação de recursos junto ao público investidor, de maneira a se financiar
diretamente, sem necessariamente recorrer a bancos e instituições financeiras
para esse fim. Essa captação se dá mediante a emissão de valores mobiliários
tais como ações ou debêntures para venda aos investidores, propiciando a
capitalização da companhia.
A doutrina diverge quanto à origem das Sociedades Anônimas. Em um
breve resumo, há quem diga que a Casa di San Giorgio, uma associação de
credores da cidade de Gênova, criada para financiar a guerra contra Veneza
na Renascença italiana foi o “embrião” da Sociedade Anônima, na medida
em que os credores trocaram seus créditos por frações ideais dessa associação
e passaram a administrar seus créditos conjuntamente. Muitos, contudo, rejeitam a ideia que a Casa di San Giorgio foi a origem das S.A.s, assemelhando-se mais à uma comunhão de credores.
Na verdade, a Sociedade Anônima como conhecemos hoje se originou nas
grandes sociedades coloniais do Século XVII, que financiaram o comércio
com o oriente e a exploração de colônias, empreendimentos com custos elevadíssimos e forte interesse do Estado. A primeira dessas grandes empresas foi
a Companhia das Índias Orientais holandesa, fundada em 1602. Em 1621
foi fundada a Companhia das Índias Ocidentais, que teve grande importância na história do Brasil, tendo patrocinado a invasão holandesa no Nordeste
brasileiro.
Várias sociedades similares foram criadas na França, Inglaterra e Portugal,
sempre com o intuito de financiar grandes empreendimentos ultramarinos.
O primeiro grande movimento especulativo com ações de uma sociedade
anônima aconteceu em 1720 com as ações da South Sea Company, uma
companhia formada para explorar o monopólio do comércio entre a Inglaterra e a América espanhola. Esse movimento especulativo, conhecido como
“South Sea Bubble”, gerou o famoso “Bubble Act”, obrigando todas as novas
empresas a serem formadas apenas mediante um ato de outorga do parlamento.
No seu início, portanto, as sociedades anônimas começaram como verdadeiras sociedades de economia mista, com forte participação e interesse estatal, buscando a poupança privada para financiar grandes empreendimentos
de interesse público. As sociedades eram criadas por outorga estatal, criando
um mecanismo de controle da captação de recursos da poupança popular.
No Brasil, exemplos de sociedades constituídas sob o regime de outorga
são a Companhia Geral do Grão Pará, criada para colonizar o norte do país
e o Banco do Brasil.
FGV DIREITO RIO
15
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
Na França, o Código Civil napoleônico, instituiu em 1807 um sistema de
autorização governamental para a constituição de uma sociedade por ações,
que passou a vigorar em todo o continente. Para a constituição de uma sociedade anônima não era mais necessária a outorga estatal, mas apenas uma
autorização regulatória.
Em meados do Século XIX, Inglaterra e Estados Unidos, em plena Revolução Industrial, buscavam maneiras de facilitar o acesso ao capital para o
financiamento dos empreendimentos, o que fizeram mediante a abolição do
sistema de outorga, substituindo-o por um sistema de regulamentação. Em
outras palavras, desde que seguisse a regulamentação vigente, a constituição
de uma sociedade anônima não dependia mais da autorização governamental. Esse sistema foi adotado pela França em 1867, após o acordo de livre
comércio com a Inglaterra firmado em 1862, que fez com que as sociedades
anônimas constituídas na França ficassem em desvantagem comercial em relação às sociedades anônimas constituídas na Inglaterra.
No Brasil, o regime de outorga da colônia e do primeiro reinado foi substituído pelo regime de autorização primeiro por Decreto de 1849, confirmado depois no Código Comercial de 1850. Em 1882 o regime de autorização
foi abolido e o Brasil passou a adotar o regime de regulamentação, sendo
necessária autorização apenas em casos excepcionais, como bancos, seguradoras, sociedades estrangeiras, etc.
Com a Lei das S.As., de 1976, e a criação da CVM, o Brasil passou a
conviver com um regime dualista: regulamentação para as sociedades fechadas e autorização para as companhias abertas, que precisam de autorização prévia da CVM para se constituírem ou terem suas ações negociadas
em bolsa de valores.
Como vimos, a primeira e evidente característica de uma sociedade anônima é a divisão de seu capital em ações. A ação representa uma fração do
capital social de uma sociedade anônima, por meio da qual se atribui ao seu
titular a qualidade de acionista31.
As ações são, portanto, títulos que representam o investimento do acionista na companhia. Diferentemente do relacionamento dos sócios em uma
sociedade limitada, os acionistas são primariamente investidores na sociedade
anônima e têm com ela e com os demais acionistas uma relação primordialmente financeira e não pessoal. Portanto, o princípio é que as ações podem
ser livremente negociadas, a não ser em casos excepcionais. Essas ações têm
capacidade de circulação autônoma, tal como os títulos de créditos.
Nesse momento, cabe tratarmos brevemente dos requisitos para a constituição de uma sociedade anônima.
Em primeiro lugar, a constituição da companhia exige a subscrição, pública ou particular, por pelo menos dois acionistas, de todas as ações representativas do capital social e a integralização de pelo menos 10% do preço
31.
Artigo 11 da Lei das S.A.: “O estatuto
fixará o número das ações em que se
divide o capital social e estabelecerá se
as ações terão, ou não, valor nominal”.
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16
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
de emissão das ações subscritas em dinheiro, mediante o depósito da quantia correspondente no Banco do Brasil ou em outro banco autorizado pela
CVM.
Além disso, a Companhia se constitui na Assembleia Geral de constituição (ou mediante escritura pública) em que os acionistas fundadores aprovam a constituição da sociedade, subscrevem o capital social e estabelecem
os Estatutos Sociais. O regime institucional das companhias determina que
o Estatuto Social é o conjunto de normas que irá reger as relações sociais.
Ao contrário do Contrato Social, que é o contrato entre os quotistas de uma
limitada que só pode ser alterado mediante alteração contratual, os Estatutos
têm um caráter normativo, institucional, estabelecendo “as normas segundo
as quais a sociedade atuará e se desenvolverá” 32 e é instituído ou reformado
em Assembleia Geral dos acionistas.
Toda companhia possui um estatuto, que é “a lei interna da sociedade,
funcionando como corpo normativo da atuação social e como instrumento
de polarização dos acionistas, através da definição de seus direitos e obrigações” 33. Os estatutos sociais trazem em si previsões necessárias e facultativas.
Nas palavras de Tavares Borba:
“O estatuto deverá dispor sobre a denominação e o domicílio da
sociedade, o capital e as características das ações, a administração da
sociedade, as assembleias gerais, o exercício social, as demonstrações
financeiras, a distribuição do lucro, a duração da sociedade e a forma
de liquidação, bem como sobre tudo o mais que for considerado
relevante”34.
Como vimos anteriormente, o regime das Sociedades Anônimas é o mais
adequado para o desenvolvimento da grande empresa. Pela facilidade de atração de capitais e liberdade de circulação do investimento, ele permite o financiamento de grandes empreendimentos a um custo infinitamente menor que
os juros que seriam cobrados em uma transação creditícia. Esse mecanismo
fez florescer as grandes corporações com capital pulverizado e receitas superiores a de países, de que tratamos na aula anterior.
A S.A., em seu art. 154, também define que a grande empresa deve observar, prioritariamente, o tríplice interesse institucional, definido a seguir:
(i) capital — acionistas; (ii) trabalho — empregados; (iii) sociedade — comunidade. O professor Márcio Guimarães discute em sua obra a ação do
Ministério Público na proteção do interesse difuso e sua relação com a S.A35.
O professor aponta que hipótese indicativa de interesse difuso foi chancelada
pelo STJ ao reconhecer a legitimidade do MP para intentar ação de responsabilidade civil em fase dos ex-administradores de instituições financeiras em liquidação extrajudicial36. A jurisprudência selecionada no STJ demonstra que
32.
Rubens Requião, Curso de Direito Comercial, Vol. 2, pág.50.
33.
José Edwaldo Tavares Borba, Direito
societário. 8ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 194.
34.
Idem, ibidem.
35.
GUIMARÃES, Márcio Souza. O Controle Difuso das Sociedades Anônimas
pelo Ministério Público. Rio de Janeiro:
Lúmen Juris, 2005.
36.
REsp 480.418-RO, 3ª Turma, Rel. Min.
Carlos Filho, julgado em 21/10/2003.
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
houve evolução da atuação do MP na tutela dos interesses transindividuais
societários, tendência que se intensifica diante do fortalecimento institucional do Parquet. Desse modo:
“ A relação jurídica clássica credor-devedor, com enfoque à proteção
do direito individual, traduzida por um feixe de retas paralelas, desde
1977, está fadada a apresentar-se como exceção. Os interesses da coletividade, representativos de uma sociedade de massa, afigurando-se como
feixes convergentes, assumem proporções cada vez mais acentuadas —
denominados de direitos transindividuais ou metaindividuais”37.
Outro ponto interessante é que o nome empresarial da sociedade anônima revestirá sempre a forma da denominação, já que esta se compõe de
expressões ligadas à atividade da sociedade, às quais se adicionará a locução
“sociedade anônima” (ou, abreviadamente, S.A.) que poderá figurar indiferentemente no começo, no meio ou no fim da denominação. Pode-se adotar
o vocábulo “Cia”., o qual deverá constar no início da denominação. A Lei
6.404/76 não exigia que a denominação indicasse os fins da empresa, ao
passo que a CC/02, em seu art. 1.160, indica que a denominação terá que
“designar o objeto social”.
A denominação deverá ser original, cabendo ao registro de empresas recusar o arquivamento de sociedades anônimas cuja denominação seja idêntica
ou semelhante àquelas já existentes. Como exemplos de denominação, podemos elencar abaixo:
— S.A. COSTA PINTO DE COMÉRCIO E INDÚSTRIA
— MONTREAL BANK LEASING S.A. — ARRENDAMENTO MERCANTIL
— BANCO BRADESCO S.A.
— COMPANHIA NACIONAL DE TECIDOS NOVA AMÉRICA
— CIA. BRASILEIRA DE COMÉRCIO E INDÚSTRIA — CBCI
Nas próximas aulas, iremos explorar mais detalhadamente esse regime das
sociedades anônimas, de forma a entender os conceitos que lhe são peculiares e a sua aplicação prática. Faremos a distinção entre companhia aberta e
fechada, registro da companhia perante a Comissão de Valores Mobiliários,
dentre outros aspectos.
37.
GUIMARÃES, Márcio Souza. O Controle Difuso das Sociedades Anônimas
pelo Ministério Público. Rio de Janeiro:
Lúmen Juris, 2005.
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
C) TEXTO DE APOIO
A Sociedade Anônima e a Vocação de ter Sócios
Autor: Luis Antonio de S. Campos (Diretor da CVM)
Fonte: Revista CVM 34 (Janeiro — 2002)
Muito se tem discutido sobre a reforma da Lei de Sociedades por Ações
(Lei nº 6.404/76), notadamente no que toca ao reforço aos direitos e garantias dos acionistas minoritários. As críticas ao projeto finalmente convertido
na Lei nº 10.303, na Medida Provisória nº 8, e no Decreto Presidencial nº
3.995, todos do dia 31 de outubro de 2001, são feitas por ambos os lados,
tanto por acionistas controladores como por acionistas minoritários.
Felizmente, vivemos numa democracia e o Congresso Nacional detém a
representação de todos os setores da sociedade. Seria ingênuo, então, supor
que o projeto aprovado, após passar pelas duas casas do Congresso Nacional,
pela Câmara dos Deputados pudesse atender apenas a um interesse. Não se
deve, portanto, esperar que uma reforma na Lei de Sociedades por Ações seja
imposta, mas sim que seja o resultado de amplo debate por parte da sociedade, conciliando-se, no que for possível, os interesses. Não há dúvidas de que
o projeto tem coisas boas e coisas ruins e este artigo não é o local adequado
para discutir se o projeto avançou muito ou pouco em termos de companhias
abertas. Certamente, a reforma que ocorreu não é o ideal nem para os acionistas controladores, nem para os acionistas minoritários.
Mas o que me parece ser o maior mérito de toda a discussão em torno da
Lei de Sociedades por Ações é que o debate serviu para criar, pelo menos por
parte dos investidores, um certo grau de consenso do que seria um complexo
mínimo de direitos desejáveis para os acionistas minoritários. Muitos desses
direitos chegam mesmo a estar compilados nos códigos daquilo que se convencionou chamar de boa governança corporativa (ou governo societário,
como preferem alguns) que começam a surgir, na esteira de um movimento
que não é local, mas sim mundial, observadas, evidentemente as peculiaridades dos respectivos mercados de capitais e legislações.
Hoje, então, os investidores mais ou menos organizados, já reconhecem
os direitos e comportamentos mínimos que devem exigir de uma companhia
aberta e de seu controlador em troca do investimento de seus recursos. Começa a haver uma padronização nestas pretensões mínimas.
Aí está, a meu ver, a grande virtude de todo o longo debate que vem sendo
travado em torno da boa governança corporativa e da reforma da Lei de Sociedades por Ações. E este fator chega a ser mais importante do que a própria
lei em si, pois decorre da conscientização dos investidores.
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
É cediça a experiência de que não se mudam os hábitos por promulgação
de lei; antes, as leis devem ser fruto de um razoável nível de consenso e clamor em torno de uma determinada conduta. Daí certamente uma das razões
porque no Brasil se diz que algumas leis pegam e outras não. De muito pouco
adiantaria mudar a lei sem que houvesse essa uniformidade de pensamento
por parte dos investidores. Como disse Carlos Drummond de Andrade “as
leis não bastam: os lírios não nascem da lei”. Aliás, complementaria para
dizer que a conscientização dos investidores já valeria mesmo que a lei não
sofresse reforma.
Veja-se, então, que existem pessoas que têm vocação para ter sócios e outras que são destituídas desta vocação. Da mesma forma, há sociedades que
têm vocação para ser companhias abertas. De fato, temos hoje no Brasil diversas companhias abertas que não têm efetivamente o propósito de sê-lo;
companhias abertas que exerçam, sua atividade deve ser exercida em benefício de todos os acionistas e não apenas de alguns; que entendam a necessidade de prestar contas ao mercado em geral e em especial, à sua comunidade de
acionistas, através de ampla divulgação de informações.
Estas companhias são fruto de uma outra época, de um outro Brasil-que
vem sendo referido como o “Brasil velho”, onde não se sabia exatamente o
que era ser companhia aberta; no qual havia incentivos fiscais e tratamento
mais benéfico para as companhias que fossem abertas; onde havia uma forte
indução governamental para a aplicação de recursos nas companhias abertas.
E tudo isto, diga-se, sem que houvesse preocupação com a qualidade dos
administradores das companhias abertas, dos seus acionistas controladores e
dos direitos que estavam sendo entregues aos acionistas minoritários em troca
dos recursos que eram investidos.
Companhias assim dificilmente obterão sucesso se recorrerem, novamente, ao mercado de capitais. Para estas companhias, decididamente, não adianta alterar a Lei de Sociedades por Ações, são companhias que não têm vocação para ter sócios e não desejam, de fato, ser uma companhia aberta.
Mas, nesse ponto, a questão fundamental que precisa ser resolvida passa
necessariamente pelo convencimento dos empresários de que o mercado de
capitais é uma alternativa eficiente de obtenção de recursos e de financiamento da atividade empresarial; e mais, que o mercado sabe reconhecer as companhias que respeitam e consideram seus acionistas, dando-lhes o tratamento
adequado, e que tal reconhecimento se traduz na valorização das ações. O
empresário deve ver o mercado de capitais como uma fonte permanente de
recursos, que auxiliará no financiamento do seu projeto e sempre que houver
um bom plano empresarial a ser executado.
Existem estudos científicos nesse caminho. Esse convencimento certamente dará grande impulso ao relacionamento entre acionistas minoritários
e controladores, eliminando o perverso antagonismo entre estes acionistas
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
que certamente destrói valor da companhia para permitir o alinhamento de
interesses no crescimento e na lucratividade da companhia.
Aos investidores e ao mercado em geral recomenda-se a judiciosa escolha
das companhias para seus investimentos; compete a eles investir seus recursos
apenas nas companhias que lhes garantam um complexo de direitos aceitáveis
dentro do consenso que se vem formando. A companhia que não oferecer tais
direitos não deverá receber investidores e se os receber certamente pagará um
preço maior do que pagaria acaso estivesse disposta a conferir os direitos que
caracterizam a boa governança corporativa.
O Governo, de sua parte, vem incentivando esta postura, não só mediante
a reforma da Lei de Sociedades por Ações e pelas reiteradas manifestações
da CVM, mas também através da regulamentação aplicável aos fundos de
previdência privada, de que é exemplo a recente Resolução do Conselho Monetário Nacional nº 2829/01.
A Bovespa, a seu turno, também vem se empenhando nessa tarefa, de permitir a listagem das companhias abertas em diversos níveis, conforme o rol de
direitos que estas companhias estão dispostas a conferir aos seus acionistas minoritários, o que se dá através dos níveis 1 e 2 e finalmente do novo mercado.
Esse caminho, o da liberdade e do convencimento, que é caro ao liberalismo, parece-me sem dúvida acertado, pois não limita nem tolhe o direito de
se escolher o caminho que melhor apraz às companhias e a seus acionistas,
arcando, evidentemente, com os ônus decorrentes destas escolhas. É assim
que funciona nos mercados mais desenvolvidos, onde o investidor decide se
vai ou não participar do produto que lhe é oferecido.
O investidor deve estar atento para escolher companhias que efetivamente
têm vocação para ser companhias abertas, para ter acionistas minoritários,
que deseja ter sócios, que devem ser respeitados.
E, nesse passo, deve-se dizer que a atual Lei de Sociedades por Ações —
embora não imperativamente — já permite que todos esses direitos sejam
conferidos aos acionistas minoritários, inclusive através do estatuto social. A
companhia é livre para estabelecer estes direitos. É verdade que a atual lei não
os impõe, mas o mercado pode exigir que sejam conferidos aos acionistas. Já
temos visto isto em algumas companhias abertas;
o caminho já está traçado. Portanto, devem os investidores exigir estes
direitos mesmo que a lei não os estabeleça.
O maior avanço, este sim imprescindível, da reforma da Lei de Sociedades
por Ações e da Lei nº 6.385 está na parte relativa à Comissão de Valores Mobiliários, cujos poderes dependem exclusivamente de lei que os estabeleça;
o projeto permite que a CVM atue de forma mais eficiente na proteção dos
investidores das companhias abertas, inclusive
para fiscalizar melhor se o pacto estabelecido entre os acionistas da companhia
aberta está sendo cumprido e para zelar pela integridade do mercado em geral.
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
E) SUGESTÃO DE LEITURA
A inclusão da micro, pequena e média empresa no mercado brasileiro
de Valores Mobiliários
Raul Fernando Portugal Neto (Universidade Federal do Rio De Janeiro —
Instituto De Economia — 2005)
Dissertação de monografia para conclusão do conclusão do Curso de Regulação do Mercado de Capitais, a título de Pós-Graduação Lato Sensu, no
Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro — UFRJ.
Disponível em www.cvm.org.br
F) JURISPRUDÊNCIA
TRIBUTÁRIO. COFINS. LEI Nº 9.430/1996. ISENÇÃO. REQUISITOS. INDEFERIMENTO DA INICIAL. SOCIEDADE ANÔNIMA. 1.
Conforme se infere da ata de Assembléia Geral de Constituição de Sociedade Anônima, a impetrante passou a ser regida pela Lei 6.404, de 15
de dezembro de 1976, portanto, ainda que seu “objeto social” volte-se
para a prestação de serviços educacionais, passou a ter a natureza mercantil, nos exatos termos desse ordenamento. 2. Correto o indeferimento
da inicial, quando verificado não ser a impetrante regida pelo Decreto-lei nº
2.397, de 21 de dezembro de 1987, destinado à argüir a ilegalidade do ato
de autoridade, consistente na exigência da COFINS, nos moldes do artigo
56 da Lei 9.430. 3. Apelação improvida. Apelação Cível — 276909; relatora
Eliana Marcelo, TRF 3ª Região, julgado em 28.06.2007.
RECURSO ESPECIAL. —SOCIEDADE ANÔNIMA — PEDIDO DE
DISSOLUÇÃO INTEGRAL — SENTENÇA QUE DECRETA DISSOLUÇÃO PARCIAL E DETERMINA A APURAÇÃO DE HAVERES.—
JULGAMENTO EXTRA PETITA — INEXISTÊNCIA.— Não é extra petita a sentença que decreta a dissolução parcial da sociedade anônima quando
o autor pede sua dissolução integral. II — PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA
DO AUTOR. CONTROVÉRSIA. DEFINIÇÃO POSTERGADA À FASE
DE LIQUIDAÇÃO DA SENTENÇA. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME
DA ALEGADA ILEGITIMIDADE ATIVA. 1. A Lei 6.404/76 exige que o
pedido de dissolução da sociedade parta de quem detém pelo menos 5% do
capital social. 2. Se o percentual da participação societária do autor é controvertido nos autos e sua definição foi remetida para a fase de liquidação da sentença, é impossível, em recurso especial, apreciar a alegação de ilegitimidade
ativa. III — SOCIEDADE ANÔNIMA. DISSOLUÇÃO PARCIAL. POSSIBILIDADE JURÍDICA.REQUISITOS. 1. Normalmente não se decreta
dissolução parcial de sociedade anônima: a Lei das S/A prevê formas especí-
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
ficas de retirada —voluntária ou não — do acionista dissidente. 2. Essa possibilidade é manifesta, quando a sociedade, embora formalmente anônima,
funciona de fato como entidade familiar, em tudo semelhante à sociedade
por cotas de responsabilidade limitada. IV — APURAÇÃO DE HAVERES
DO ACIONISTA DISSIDENTE. SIMPLES REEMBOLSO REJEITADO
NO ACÓRDÃO RECORRIDO. FUNDAMENTO NÃO ATACADO.
SÚMULA 283/STF.— Não merece exame a questão decidida pelo acórdão
recorrido com base em mais de um fundamento suficiente, se todos eles não
foram atacados especificamente no recurso especial. REsp 507490; relator
Humberto Gomes de Barros, 3ª Turma do STJ, julgado em 19.09.2006.
G) QUESTÕES DE CONCURSO
(28º Exame de Ordem OAB-RJ) 35 — Assinale a resposta correta:
a. A companhia terá o capital dividido em ações, e a responsabilidade
dos acionistas será sempre ilimitada;
b. A sociedade anônima não pode ter fim lucrativo;
c. A contribuição do sócio para o capital social na limitada pode consistir em prestação de serviços;
d. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita
ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela
integralização do capital social.
(24º Exame de Ordem OAB-RJ) 50 — Não é uma característica da sociedade anônima:
a. Capital social dividido em ações, respondendo os acionistas pelo
preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas
b. Independentemente de seu objeto social, a sociedade anônima é
sempre mercantil
c. A sociedade anônima pode exercer a sua atividade sob firma ou
razão social, da qual só farão parte os nomes dos sócios diretores ou
gerentes
d. A assembleia geral ordinária e a assembleia geral extraordinária são
órgãos de deliberação da sociedade anônima
(11º Exame de Ordem OAB-RJ) 23 — Assinale a resposta correta:
a. O estatuto não precisa definir o objeto social de forma clara, o que
pode ser feito pelo regimento interno da companhia;
b. A sociedade anônima tem o seu capital dividido em ações, e os acionistas respondem solidariamente até a importância total do capital social;
c. A companhia não pode ter por objeto participar de outras sociedades;
FGV DIREITO RIO
23
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
d. Qualquer que seja o objeto, a sociedade anônima é mercantil e se
rege pelas leis e usos do comércio.
(11º Exame de Ordem OAB-RJ) 25 — As características da sociedade
anônima são:
a. O capital dividido em ações e a responsabilidade dos acionistas limitada ao preço de emissão das ações;
b. O capital dividido em ações e a responsabilidade dos sócios até o
valor do total do capital social;
c. O capital social dividido em quotas;
d. O capital social dividido em ações ou debêntures, e a responsabilidade dos sócios até o valor do capital social.
(3º Exame de Ordem OAB-RJ) 25 — Ação é:
a. A parte mínima em que se divide o capital;
b. A parte do lucro atribuída a cada acionista;
c. Um título de crédito próprio;
d. Título representativo de empréstimo tomado pela SA.
(1º Exame de Ordem OAB-RJ) 26 — As duas formas de constituição da
sociedade anônima são:
a. Aberta ou fechada;
b. Simultânea ou sucessiva;
c. Por ações ou por cotas;
d. Pública ou privada.
No que tange à sociedade anônima, analise as proposições abaixo e assinale a alternativa correta (TJ-SC — 2013 — Juiz)
I. As sociedades anônimas classificam-se em dois tipos distintos: sociedade
anônima de capital aberto e sociedade anônima de capital fechado. Distinguem-se conforme os valores mobiliários de sua emissão estejam ou não admitidos à negociação em bolsa ou no mercado de balcão.
II. Uma sociedade anônima de capital aberto deve obrigatoriamente emitir debêntures.
III. Em havendo inadimplemento do acionista, a sociedade anônima poderá promover contra ele e os que forem solidariamente responsáveis, processo de execução para cobrar as importâncias devidas, servindo como título
extrajudicial o boletim de subscrição e o aviso de chamada.
FGV DIREITO RIO
24
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
IV. O acionista controlador de uma sociedade anônima somente pode ser
pessoa física.
a.
b.
c.
d.
e.
Somente as proposições I e III estão corretas.
Somente as proposições II e III estão corretas.
Somente as proposições I, III e IV estão corretas.
Somente as proposições III e IV estão corretas..
Nenhuma das alternativas.
Assinale a opção correta a respeito das sociedades anônimas. (TJ-BA —
2012 — Juiz)
a. O valor de emissão da ação não pode coincidir com o valor do capital divido pelo número de ações, e não há impedimento, em se tratando de ações com ou sem valor nominal, a que lhes seja aplicado
deságio ou acrescido ágio.
b. Conversão é a operação pela qual as ações de determinada classe
ou espécie são transformadas em ações de outra classe ou espécie
mediante previsão estatutária, podendo as ações preferenciais ser
transformadas em ações ordinárias, assim como as ordinárias em
preferenciais, desde que se obedeça à limitação legal de três quartos
das ações emitidas.
c. O capital social da companhia é intangível, ou seja, os acionistas
não podem receber, a título de restituição ou dividendos, os recursos aportados à sociedade sob a rubrica de capitalização, não
prevendo a Lei das Sociedades por Ações capital social mínimo para
a constituição da sociedade anônima, fato que a torna compatível
com os pequenos negócios.
d. As debêntures subordinadas gozam de garantia e contêm cláusula
de subordinação aos credores da companhia, o que implica, no caso
de liquidação da companhia, preferência dos debenturistas em relação aos demais credores para o ressarcimento do valor aplicado.
e. Pode ser objeto da sociedade anônima qualquer empresa de fim
lucrativo não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes;
contudo, caso venha a explorar atividade tipicamente de natureza
civil, como é o caso da comercialização de bens imóveis, não será a
sociedade anônima considerada sociedade empresarial.
H) GLOSSÁRIO
CISÃO: Operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes,
FGV DIREITO RIO
25
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão.
CVM: Comissão de Valores Mobiliários. Agência reguladora do mercado
de capitais, responsável pela fiscalização e autorização de atuação de sociedades no mercado financeiro.
DEBÊNTURE: é um título de crédito representativo de empréstimo que uma
companhia emite junto a terceiros e que assegura a seus detentores direito
contra a emissora, nas condições constantes da escritura de emissão.
SOCIEDADES COLIGADAS: Sociedade de cujo capital outra sociedade participa com dez por cento ou mais do capital, sem controlá-la
SOCIEDADES CONTROLADAS: 1) Sociedade de cujo capital outra sociedade
possua a maioria dos votos nas deliberações dos cotistas ou da assembleia
geral e o poder de eleger a maioria dos administradores; ou 2) sociedade cujo
controle esteja em poder de outra, mediante ações ou quotas possuídas por
sociedades ou sociedades por esta já controladas (Fonte: www.bovespa.com.
br).
PARTICIPAÇÃO ACIONÁRIA PULVERIZADA: participação de múltiplos acionistas
numa sociedade anônima por meio de aquisição de ações que não perfazem
um poder acionário majoritário, de forma a gerar “companhias sem dono” e
multiplicar a capacidade de investimentos.
TÍTULOS DE CRÉDITO: papéis representativos de uma obrigação e emitidos
de conformidade com a legislação específica de cada tipo ou espécie. Exemplos: cheque, nota promissória, duplicata etc.
FGV DIREITO RIO
26
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
AULAS 3 E 4: COMPANHIA ABERTA E FECHADA. MERCADO DE
VALORES MOBILIÁRIOS. COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS.
NOÇÕES GERAIS.
F) MATERIAL DE LEITURA
Leitura Básica
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. Vol. 2. 6ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2003, pp. 69-79.
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. 2. 23ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2003, pp. 31-44.
Leitura complementar
TRINDADE, Marcelo F. “O papel da CVM e o mercado de capitais no Brasil”. IN: Fusões e Aquisições: aspectos jurídicos e econômicos”. São Paulo: IOB,
2002, pp. 296-329.
G) ROTEIRO DE AULA
Na aula passada, vimos algumas noções gerais e características próprias das
sociedades anônimas. Também identificamos a importância estratégica, do
ponto de vista econômico, social e político, da constituição de uma sociedade
anônima quando comparada com a sociedade limitada.
Agora, passaremos ao exame mais detido da Sociedade Anônima, seu conceito, suas classificações e tipos, bem como sua forma de constituição.
Nesse sentido, inicialmente indaga-se: Qual o Conceito de S.A.?
De acordo com Fabio Ulhoa Coelho, a sociedade anônima “é a sociedade
empresária com capital social dividido em ações, na qual os sócios, chamados
acionistas, respondem pelas obrigações sociais até o limite do preço de emissão
das ações que possuem.”38 Modesto Carvalhosa possui mesmo entendimento
acerca da S.A., e acrescenta que as ações possuem livre negociabilidade, o que
reforça a característica da S.A. de ser uma sociedade de capitais39.
Há ainda peculiaridades específicas — as quais serão estudadas ao longo
no nosso curso40 — caso se esteja tratando de companhias abertas ou fechadas. Vale assinalar que o artigo 4º da Lei das S.A. distingue as sociedades
anônimas de capital aberto ou fechado, nos seguintes termos:
38.
Fabio Ulhoa Coelho — Curso de Direito Comercial, p. 28.
39.
Modesto Carvalhosa — Comentários
à Lei de Sociedades Anônimas. 5ª ed.
Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 5.
40.
Por exemplo, nas aulas 6 e 7 estudaremos os valores mobiliários; nas aulas
10 e 11, o funcionamento do controle
acionário; e na aula 18, os procedimentos para transformação, incorporação,
fusão e cisão das sociedades anônimas.
FGV DIREITO RIO
27
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
“Art. 4º Para os efeitos desta Lei, a companhia é aberta ou fechada
conforme os valores mobiliários de sua emissão estejam ou não admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários”.
Em termos iniciais, companhia aberta é aquela cujos valores mobiliários
estejam admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários (bolsa de
valores ou mercado de balcão); fechada, ao invés disso, é a que não conta com
essa admissão. O professor Tavares Borba conclui que a companhia aberta
se encontra sujeita a normas mais rígidas, a publicidade mais acentuada e a
constante fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM)41.
Em relação ao tratamento jurídico que é dado a um ou outro tipo de
sociedade, apontam Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, co-autores do anteprojeto da Lei das S.A.:
“Os mecanismos básicos do funcionamento interno das companhias
abertas e fechadas são os mesmos, mas, nas relações com o público, as
companhias abertas assumem obrigações relevantes e específicas com
os participantes dos mercados de valores mobiliários, e o público em
geral”42.
O conceito de valores mobiliários e as suas noções gerais serão estudados,
de modo pormenorizado, nas aulas 6 e 7. Nesse momento, importa apenas
compreender que os valores mobiliários “são instrumentos de captação de
recursos, para o financiamento da empresa, explorada pela sociedade anônima que os emite, e representam, para quem os subscreve ou adquire, uma
alternativa de financiamento”43.
As vantagens presentes na abertura de capital de determinada sociedade
anônima decorrem da análise inicial de sua viabilidade. A abertura de capital é recomendável apenas quando existam objetivos bem delimitados e
um projeto para seu alcance. Dentre outros benefícios, podemos destacar as
seguintes vantagens que geralmente podem ser encontradas na abertura do
capital de uma companhia44:
1. A abertura de capital amplia a base para se captar recursos, já que
existe o oferecimento público em bolsa de ações de emissão da sociedade para aquisição e investimento do público em geral. Ao mesmo
tempo, amplia-se o potencial de crescimento da sociedade, na medida
em que se permite, em tese, um maior aporte financeiro para o financiamento de projetos e outros objetivos buscados pela sociedade.
Ainda, a abertura de capital é a alternativa mais adequada para o
financiamento dos objetivos da sociedade se comparada aos financia-
41.
José Edwaldo Tavares Borba. Direito
Societário. 11ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
42.
Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, A Lei das S.A. 3ª ed. Vol.
I. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 84.
43.
Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito
comercial. Vol. 2. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 136. São exemplos de
valores mobiliários as ações, já tratadas
superficialmente na aula passada.
44.
Informações baseadas no site da
Comissão de Valores Mobiliários (www.
cvm.org.br).
FGV DIREITO RIO
28
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
mentos bancários (contratos de mútuo a juros, por exemplo) que têm
um custo altíssimo.
2. A abertura de capital permite uma maior liquidez patrimonial,
garantindo uma capacidade de posicionamento estratégico maior. Isso
se deve à diluição do risco empresarial e, ao mesmo tempo, à valorização da participação acionária.
3. A abertura de capital permite uma maior exposição da reputação
e da marca da companhia no mercado, podendo gerar um incremento
da imagem institucional e reforçando sua capacidade de negociar. Isso
é possível graças à transparência necessária para a abertura de capital. A
companhia deve informar, de forma clara e precisa, as suas condições
de operação, o que permite aos investidores conhecer a sociedade e
confiar em sua posição no mercado. Nessa linha, o status de companhia
aberta tende a facilitar, também, as associações internacionais.
4. A abertura de capital leva à aceleração da profissionalização da
companhia. Inicialmente, esse processo é conseqüência das disposições
legais, dada a eleição de conselheiros representantes dos novos acionistas
e a exigência da figura do Diretor de Relações com Investidores (DRI).
Por outro lado, há desvantagens na constituição de uma companhia aberta, dentre as quais podemos destacar:
1. Os custos associados ao processo de abertura de capital, à remuneração do capital dos novos acionistas (política de dividendos) e à
administração de um sistema de informações específico para o controle
da propriedade da empresa.
2. A necessidade de atendimento a normas mais específicas e rigorosas, no que tange aos procedimentos e princípios contábeis, de auditoria, e divulgação de demonstrações financeiras.
Nota-se, assim, que a vocação original e principal da sociedade anônima
— de representar um instrumento eficaz para a captação de recursos junto ao
público investidor, permitindo uma maior capitalização da sociedade — se
revela nas companhias abertas, uma vez que às sociedades anônimas de capital fechado não se faculta a oferta ou distribuição de títulos ao público em
geral45,46. E é exatamente nesse aspecto que reside a mais relevante distinção
entre as companhias abertas e fechadas, nas palavras de Alfredo Lamy Filho e
José Luiz Bulhões Pedreira:
45.
Nos termos do parágrafo 1º do artigo 3º da Instrução CVM nº 400, de 29
de dezembro de 2003, “considera-se
como público em geral uma classe,
categoria ou grupo de pessoas, ainda
que individualizadas nesta qualidade,
ressalvados aqueles que tenham prévia
relação comercial, creditícia, societária
ou trabalhista, estreita e habitual, com
a emissora”. Ainda, conforme estabelece o artigo 3º da aludida norma: “Art. 3º
São atos de distribuição pública a venda, promessa de venda, oferta à venda
ou subscrição, assim como a aceitação
de pedido de venda ou subscrição de
valores mobiliários, de que conste
qualquer um dos seguintes elementos:
I — a utilização de listas ou boletins de
venda ou subscrição, folhetos, prospectos ou anúncios, destinados ao público,
por qualquer meio ou forma; II — a
procura, no todo ou em parte, de subscritores ou adquirentes indeterminados
para os valores mobiliários, mesmo
que realizada através de comunicações
padronizadas endereçadas a destinatários individualmente identificados, por
meio de empregados, representantes,
agentes ou quaisquer pessoas naturais
ou jurídicas, integrantes ou não do
sistema de distribuição de valores mobiliários, ou, ainda, se em desconformidade com o previsto nesta Instrução, a
consulta sobre a viabilidade da oferta
ou a coleta de intenções de investimento junto a subscritores ou adquirentes
indeterminados; III — a negociação
feita em loja, escritório ou estabelecimento aberto ao público, destinada,
no todo ou em parte, a subscritores
ou adquirentes indeterminados; ou IV
— a utilização de publicidade, oral ou
escrita, cartas, anúncios, avisos, especialmente através de meios de comunicação de massa ou eletrônicos (páginas
ou documentos na rede mundial ou
outras redes abertas de computadores
e correio eletrônico), entendendo-se
como tal qualquer forma de comunicação dirigida ao público em geral com o
fim de promover, diretamente ou através de terceiros que atuem por conta do
ofertante ou da emissora, a subscrição
ou alienação de valores mobiliários”.
46.
São, contudo, muito mais numerosas
no Brasil as sociedades anônimas de
capital fechado. Isso se deve a um fato
histórico: a constituição originalmente
familiar das sociedades anônimas e a
proteção dos acionistas da ingerência
externa de algum acionista fora do
âmbito de conhecimento e confiança
dos demais.
FGV DIREITO RIO
29
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
47.
“Com efeito, a diferença mais importante entre a companhia fechada e a aberta é que esta, além das relações (internas) com os investidores
do mercado que são seus acionistas, mantém — pelo fato de participar
do mercado como emissora de valores mobiliários negociados mediante oferta pública — relações com todos os investidores do mercado —
inclusive os que não são titulares de valores de sua emissão, mas apenas
adquirentes em potencial desses valores”47.
Em face dessas diferenças estruturais e visando à proteção do público investidor, a legislação — não só no Brasil, mas também em escala mundial —
dispensa às companhias abertas uma regulamentação mais rígida, impondo
determinadas obrigações e exigências que, em regra, não se aplicam às sociedades anônimas de capital fechado.
Nesse sentido, a Lei nº 6.385, de 07 de dezembro de 1976, criou no Brasil
a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”), autarquia federal vinculada ao
Ministério da Fazenda, e regulou o mercado de valores mobiliários, o qual
pode ser dividido em primário e secundário. O mercado primário destina-se à colocação original dos títulos emitidos pelas sociedades, ao passo que
o mercado secundário caracteriza-se pela revenda desses títulos pelos seus
adquirentes, dando liquidez e circulação aos valores mobiliários.
O professor José Edwaldo Tavares Borba defende que a “a atuação da
CVM encontra-se restrita às companhias abertas, pois somente estas podem
recorrer ao mercado, sendo, portanto, ilegítima toda e qualquer ingerência
sua em companhias fechadas. Ressalva-se o caso específico das sociedades
beneficiárias de incentivos fiscais, que, mesmo sendo fechadas, observadas
algumas exceções, encontram-se sujeitas a um registro especial na CVM, determinado pela Instrução nº 265/97”48.
Dentre outras atribuições da CVM — como, por exemplo, os seus poderes normativo49 e sancionador50 —, destacam-se a fiscalização e inspeção
das companhias abertas e das atividades e serviços do mercado de valores
mobiliários51, sendo importante notar que “somente os valores mobiliários de
emissão de companhia registrada na Comissão de Valores Mobiliários podem
ser negociados no mercado de valores mobiliários”52.
A CVM também desempenha função consultiva, que é exercida junto
aos agentes do mercado e investidores, por meio dos chamados “pareceres de
orientação”, os quais devem limitar-se às questões concernentes às matérias
de competência da própria CVM, abrangendo apenas problemas de mercados ou sujeitos a sua regulamentação. Essa função consultiva pode ser interpretada pela leitura do art. 13, da Lei nº 6.385/76, que prevê a existência, na
CVM, de serviço com atividade consultiva e de orientação.
Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, A Lei das S.A. 3ª ed. Vol.
I. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 84.
48.
José Edwaldo Tavares Borba. Direito
Societário. 11ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 171.
49.
A esse respeito, dentre outros dispositivos legais, pode-se destacar o artigo
8º, inciso I, da Lei nº 6.385/76, transcrito abaixo.
50.
Consoante determina o artigo 11 da
Lei nº 6.385/76: “Art. 11. A Comissão de
Valores Mobiliários poderá impor aos
infratores das normas desta Lei, da lei
de sociedades por ações, das suas resoluções, bem como de outras normas
legais cujo cumprimento lhe incumba
fiscalizar, as seguintes penalidades:
I —advertência; II — multa; III —
suspensão do exercício do cargo de
administrador ou de conselheiro fiscal
de companhia aberta, de entidade do
sistema de distribuição ou de outras
entidades que dependam de autorização ou registro na Comissão de Valores
Mobiliários; IV — inabilitação temporária, até o máximo de vinte anos,
para o exercício dos cargos referidos
no inciso anterior; V — suspensão da
autorização ou registro para o exercício
das atividades de que trata esta Lei; VI
— cassação de autorização ou registro,
para o exercício das atividades de que
trata esta Lei; VII — proibição temporária, até o máximo de vinte anos, de
praticar determinadas atividades ou
operações, para os integrantes do sistema de distribuição ou de outras entidades que dependam de autorização
ou registro na Comissão de Valores Mobiliários; VIII — proibição temporária,
até o máximo de dez anos, de atuar, direta ou indiretamente, em uma ou mais
modalidades de operação no mercado
de valores mobiliários”.
51.
Dispõe o artigo 8º da referida lei:
“Art. 8º Compete à Comissão de Valores
Mobiliários: I — regulamentar, com
observância da política definida pelo
Conselho Monetário Nacional, as matérias expressamente previstas nesta
Lei e na lei de sociedades por ações; II
— administrar os registros instituídos
por esta Lei; III — fiscalizar permanentemente as atividades e os serviços do
mercado de valores mobiliários, de que
trata o Art. 1º, bem como a veiculação
de informações relativas ao mercado, às
pessoas que dele participem, e aos valores nele negociados; IV — propor ao
Conselho Monetário Nacional a eventual fixação de limites máximos de preço,
comissões, emolumentos e quaisquer
outras vantagens cobradas pelos intermediários do mercado; V — fiscalizar
e inspecionar as companhias abertas
dada prioridade às que não apresentem
lucro em balanço ou às que deixem de
pagar o dividendo mínimo obrigatório”.
FGV DIREITO RIO
30
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
Cumpre assinalar que, caso se pretenda fazer com que uma companhia
fechada se torne uma companhia aberta — em outras palavras, realizar uma
“abertura de capital” —, deverão ser observadas as normas editadas pela CVM
para esse fim53, já que “nenhuma distribuição pública de valores mobiliários
será efetivada no mercado sem prévio registro na Comissão de Valores Mobiliários”54. Em contrapartida, a companhia pode deliberar pelo fechamento de
capital, conforme se visualiza abaixo:
Processo de Fechamento de Capital — OPA
Como ressaltado, a Companhia, por intermédio da convocação de uma
AGE (Assembléia Geral Extraordinária), pode deliberar sobre o processo de
“fechamento de capital”, no qual uma companhia aberta passa a ser uma
companhia fechada — também se submete a um procedimento específico,
o qual se encontra previsto no parágrafo 4º do artigo 4º da Lei das S.A.55 e
regulado pela Instrução CVM nº 361, de 05 de março de 2002. Esse procedimento é denominado de OPA — oferta pública de aquisição de ações.
A principal exigência para o cancelamento do registro da companhia na
CVM e o fechamento de seu capital, de acordo com a Instrução aludida, diz
respeito ao acolhimento por parte de, no mínimo, 2/3 das ações em circulação, seja da oferta pública de aquisição de ações a ser promovida pelo acionista controlador ou pela própria companhia, seja da proposta de cancelamento
do registro, não computadas as ações dos que não se habilitarem para o leilão
da oferta pública. Tal exigência não se sobreleva a outras que devem ser observadas pela companhia ao longo da realização da OPA.
Cumpre ressaltar que os princípios gerais aplicáveis à OPA, de acordo
com o art. 4º da Instrução 361/02 são os seguintes: (i) a OPA deve ser destinada aos titulares de ações da mesma espécie e classe daquelas que sejam seu
objeto, sem distinção; (ii) tratamento equitativo aos destinatários da OPA;
(iii) registro prévio da OPA na CVM; (iv) lançamento da OPA por preço
uniforme, salvo as exceções previstas no inciso V do art. 4º da Instrução; (v)
intermediação da OPA por sociedade corretora ou distribuidora de títulos e
valores mobiliários ou instituição financeira com carteira de investimento;
(vi) a OPA deve ser acompanhada do laudo de avaliação; (vii) realização da
OPA em leilão na bolsa de valores ou em entidade de mercado de balcão organizado; e (viii) a OPA deve ser imutável e irrevogável, após a publicação do
edital, salvo as hipóteses previstas no art. 5º da Instrução.
Tais exigências confirmam o poder fiscalizatório da CVM em prezar pelo
bom funcionamento do mercado de capitais, além de proteger seus investidores. Por fim, a CVM pode, a qualquer tempo, suspender a OPA, caso
verifique alguma irregularidade sanável, ao passo que pode cancelá-la se observado vício insanável na operação.
52.
Artigo 4º, parágrafo 1º, da Lei das
S.A.
53.
A esse respeito, veja-se a Instrução
CVM nº 400, de 29 de dezembro de
2003, a qual dispõe sobre as ofertas
públicas de distribuição de valores
mobiliários, nos mercados primário ou
secundário.
54.
Artigo 4º, parágrafo 2º, da Lei das
S.A.
55.
“§ 4º O registro de companhia aberta
para negociação de ações no mercado
somente poderá ser cancelado se a
companhia emissora de ações, o acionista controlador ou a sociedade que
a controle, direta ou indiretamente,
formular oferta pública para adquirir
a totalidade das ações em circulação
no mercado, por preço justo, ao menos
igual ao valor de avaliação da companhia, apurado com base nos critérios,
adotados de forma isolada ou combinada, de patrimônio líquido contábil,
de patrimônio líquido avaliado a preço
de mercado, de fluxo de caixa descontado, de comparação por múltiplos, de
cotação das ações no mercado de valores mobiliários, ou com base em outro
critério aceito pela Comissão de Valores
Mobiliários, assegurada a revisão do
valor da oferta, em conformidade com
o disposto no art. 4º-A.”. Adicionalmente, o parágrafo 5º do mesmo dispositivo
estabelece que “Terminado o prazo da
oferta pública fixado na regulamentação expedida pela Comissão de Valores
Mobiliários, se remanescerem em
circulação menos de 5% (cinco por
cento) do total das ações emitidas pela
companhia, a assembléia-geral poderá
deliberar o resgate dessas ações pelo
valor da oferta de que trata o § 4º, desde que deposite em estabelecimento
bancário autorizado pela Comissão de
Valores Mobiliários, à disposição dos
seus titulares, o valor de resgate, não se
aplicando, nesse caso, o disposto no §
6º do art. 44”.
FGV DIREITO RIO
31
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
H) TEXTOS DE APOIO
1. A Bolsa muda de patamar e qualidade, com os novos setores
“São Paulo, 9 de Novembro de 2006 — O volume de ofertas públicas de
ações atingiu R$ 24,4 bilhões este ano, volume que já é recorde no período
pós-Plano Real e representa mais que o dobro do emitido no ano passado.
Apesar da turbulência que derrubou as bolsas de valores internacionais no
segundo trimestre — estendendo-se ao Brasil —, o movimento crescente de
ofertas, verificado a partir do final de 2003, não chegou a ser interrompido.
Entre abril e junho, o ritmo ficou mais lento, mas as empresas continuaram obtendo sucesso com a venda de suas ações. Foi o caso da operação do
Banco do Brasil que, no mês de junho, em plena turbulência, obteve R$ 1,9
bilhão com a venda de ações, até então a maior realizada em 2006. Até o final
de outubro, a maior captação foi a da Cesp, de R$ 3 bilhões.
Este ano, até agora, 35 empresas realizaram ofertas públicas de ações, sendo que a maioria delas abriu o capital. A conjuntura internacional, de crescimento econômico e farta liquidez, impulsionou esse desempenho — cerca
de 80% dos papéis foram comprados por investidores estrangeiros. Mas a
modernização da regulamentação e principalmente a criação dos níveis de
governança corporativa pela Bovespa tiveram papel determinante nesse conjunto de atrações.
Com tudo isso, o mercado mudou de patamar e de qualidade. Das novas
empresas da bolsa, a maioria entrou no Novo Mercado (o mais elevado nível
de governança), que obriga as companhias a terem apenas ações ordinárias
(com direito de participação no controle) e tag along de 100%.
Além disso, a bolsa ganhou novos setores como o de construção e incorporação, que já conta com sete companhias listadas, entre elas Gafisa, Rossi,
Company e Abyara. Outras cinco já pediram registro e estão na fila. O setor
de construção e incorporação deve ser para a bolsa o que foi o de telecomunicações — por mais de uma década líder em valorização, volume e liquidez.
Outros setores, antes ausentes da bolsa, também aumentaram a opção dos
investidores: internet, saúde, seguros, laboratórios de análises clínicas, informática. Essa diversificação atrai novos investimentos, puxando mais crescimento”56.
2. “20/10/2006 — Apetite por crescimento
O dinamismo da Bolsa neste ano revela novo perfil e aptidões das candidatas
ao pregão
O mercado de capitais brasileiro deve viver neste último quarto do ano
um movimento muito intenso, comparável ao de 1996, quando as privatizações o inundaram com papéis novos. A marca dos R$ 100 bilhões em lança-
56.
Publicado em 09 de novembro de
2006, na Gazeta Mercantil (Finanças &
Mercados — Pág. 1).
FGV DIREITO RIO
32
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
mentos das várias modalidades virtualmente foi rompida no mês passado, se
somados os registros concedidos no ano pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) — R$ 82,6 bilhões — e as ofertas em análise. Especialmente no
mercado acionário, até setembro, foram registradas 48 emissões, entre ações,
certificados e bônus, no valor total de R$ 22,8 bilhões.
Exame preparatório
As candidatas mais fortes à abertura de capital são aquelas das quais o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é sócio e as
apadrinhadas pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vinculada ao
Ministério de Ciência e Tecnologia. Entre as companhias que passaram pelo
Fórum Brasil de Abertura de Capitais, promovido pelas duas entidades em
parceria com a Bovespa, encontram-se Datasul, Lupatech, Microsiga, CSU
e Company — todas atualmente de capital aberto. Esse fórum, que consiste
em montar periodicamente apresentações de novas empresas a investidores e
analistas, funciona desde 2002.
A Lupatech, que participou da iniciativa em novembro daquele ano, é um
dos casos de sucesso da Finep. Parceira da agência oficial desde 1993, recebeu
dela apoio para três projetos, um financiamento total de aproximadamente
R$ 6 milhões. Líder nacional no fornecimento de válvulas industriais para o
setor de petróleo e gás, a Lupatech iniciou em maio deste ano seu vôo solo,
ao abrir capital e entrar no Novo Mercado.
Após a oferta de ações que a capitalizou com R$ 452,7 milhões, a companhia comprou todas as quotas da Metalúrgica Ipê Limitada (Mipel-SP), de
forte marca e presença no segmento de válvulas industriais de bronze. Em
seguida, arrematou também a totalidade das ações da Itasa, empresa sediada
na Argentina, dona de destacada tecnologia de fundição de ligas especiais
com alta resistência a corrosão, usadas principalmente em aplicações para o
setor de petróleo e gás. Outra medida de crescimento foi a produção de uma
nova linha de válvulas em aço, carbono e inox, mediante investimento de R$
11,5 milhões.
Motivações semelhantes
Desempenho como esse naturalmente incentiva outros empreendedores
que têm projetos similares de crescimento a seguir a trilha até o mercado
de capitais. É o caso da Memphis, fabricante de produtos de higiene; da
produtora de autopeças Controil; da Teikon, que atua na área de tecnologia
e da DBA, exportadora de serviços de tecnologia de informação. As quatro
preparam-se pacientemente para abrirem o capital a médio prazo de forma a
ampliar a capacidade instalada, realizar aquisições e atingir novos mercados.
A Memphis, quinta maior fabricante de sabonetes do Brasil, com produção anual de 113 milhões de unidades e receita de R$ 98 milhões, traçou
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plano ambicioso, ao fixar como objetivo o crescimento da receita em 17%
ao ano a partir de 2007. Calcula que isso custará um investimento na casa de
R$ 15 milhões nos próximos anos, sem contar eventuais aquisições. “Neste
segundo cenário, a empresa pode crescer 30% ao ano”, afirma Clóvis Dinis
Cortesia, diretor de Vendas e Marketing. Os projetos envolvem a ampliação
da atual linha de cosméticos e de produtos de higiene pessoal e o lançamento
de novos produtos, além do aumento da produção de marcas tradicionais
da empresa. “A partir de janeiro, o consumidor vai se deparar com os novos
produtos que já estão sendo desenvolvidos”, garante Cortesia.
Para tocar tudo isso está sendo considerada uma expansão física que multiplicará por cinco as instalações atuais: os dois pavilhões que abrigam a fábrica, sediada no município de Portão, RS, poderão chegar a dez. “A velocidade
de crescimento dependerá da concretização das previsões de aumento das
vendas”, pondera o executivo. “Se a aceitação do público for maior do que
esperamos, naturalmente ampliaremos de forma mais rápida.”
Para apoiar a expansão projetada, a Memphis se volta para um mercado
altamente promissor, que cresce a taxas chinesas e não dá mostras de perder
o fôlego: o brasileiro. Filho dileto do Plano Real, o segmento de higiene
pessoal, perfumaria e cosméticos simplesmente dobrou entre o início e o fim
da década de 1990: saiu de US$ 1,7 bilhão, em 1992 para US$ 3,4 bilhões
em 2000, cometendo alguns exageros no caminho, como os US$ 4,3 bilhões
cravados em 1998. Cresce agora ao redor dos 9% ao ano. “É um mercado em
alta expansão e focado em marcas tradicionais”, anima-se Cortesia.
A opção pelo mercado interno não significa virar inteiramente as costas
às exportações. A Memphis vende atualmente para Panamá, Bolívia, Chile, Uruguai e Paraguai o correspondente a 1,5% do faturamento total; nos
próximos cinco anos, pretende ampliar a participação para 5%, agregando
Argentina e Peru ao cadastro de clientes.
Governança na mira
Com projeto tão ambicioso quanto o da Memphis, a Controil espera quadruplicar, em 2010, o faturamento bruto do ano passado, de R$ 80 milhões,
ou seja, crescer 24% ao ano. No mercado de reposição de freios hidráulicos
pretende atingir a clientela primária, as montadoras de veículos. Outro objetivo é aumentar a participação das exportações no faturamento, dos 4,2%
atuais para 15% também em 2010.
“O investimento necessário para aumentar a capacidade instalada e otimizar a produção é da ordem de R$ 100 milhões”, tem na ponta do lápis
Gilso Gotardo, superintendente da empresa. Inicialmente é preciso melhorar
os testes de qualificação, de forma a modernizar o processo produtivo com
absorção de novas tecnologias que resultem na redução de custos.
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Essa será uma segunda mudança de patamar para a companhia. Entre
1997 e 1998 a Controil tocara um projeto de expansão com o qual o faturamento cresceu 19,4%. “Passamos por novas contratações e qualificação. O
objetivo agora é crescer ainda mais. Queremos expandir e qualificar a empresa. Hoje temos 500 empregados diretos; vamos criar mais 300 vagas”, destaca
Gotardo
No passado, a fonte de financiamento foi o BNDES. O diretor diz que
pode voltar a bater na porta do banco, mas considera também o mercado
acionário.
Há quem já faça tais preparativos dentro da própria casa. A Teikon, por
exemplo, que pretende ampliar os negócios para turbinar sua receita, de R$
34,3 milhões em 2005, contratou auditoria e conselheiros independentes
para se enquadrar em padrões elevados de governança. A DBA criou uma diretoria de Relações com Investidores convencida de que a Bolsa é o caminho
para conduzi-la em boas condições no processo de consolidação em seu setor
de atuação.
Pragmatismo
A afluência de empresas à Bolsa realça cada vez mais a principal transformação pela qual passou o mercado de capitais: a troca da quantidade pela
qualidade. No momento em que foi mais populosa, 1998, a Bovespa tinha
599 empresas no pregão; hoje, tem 387. O valor de mercado delas, porém,
era de R$ 194,4 bilhões (US$ 160,9 bilhões) e agora chega a R$ 1,25 trilhão
(US$ 568,5 bilhões) ou seja, cravou um aumento de 543% em real e de
264,5% em dólar.
Por sonoro que pareça, tal aumento ainda não é o ideal. “O mercado de
capitais brasileiro ainda é pequeno na comparação com o tamanho da nossa
economia”, lembra Fernando Alves, da Price. Tem razão. O tamanho da Bolsa brasileira — medido pelo valor de mercado das empresas — não chega aos
60% do Produto Interno Bruto (PIB); nas economias capitalistas avançadas
até ultrapassa os 100%. É preciso levar em conta no entanto que, há dez
anos, aquela relação era de 28%. E que hoje todos os indícios apontam para
um crescimento sustentado do mercado”57.
D) CASO
Caso do avestruz — Grupo Avestruz Máster
Por força de denúncias que lhe foram feitas, a CVM obteve cópia de anúncio publicitário veiculado em canais de televisão em que o presidente do
“Grupo Avestruz Máster”, sociedade limitada, anuncia, dentre outras informações, que “nos últimos meses a CVM — Comissão de Valores Mobiliários
57.
Disponível em http://revistarazao.
uol.com.br/textos.asp?codigo=10736.
Acesso em 10 de novembro de 2006.
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vem inspecionando e acompanhando todas as nossas negociações, mesmo que as
negociações não sejam por ela regulamentadas”.
Além disto, a referida peça publicitária informa que a Avestruz Máster
“está se adequando às deliberações finais da CVM, cujas orientações vêm ao encontro de nossas metas”.
O texto utilizado pela Avestruz Máster induz explicitamente o público à
impressão oposta, de que a CVM “vem inspecionando e acompanhando todas
as nossas negociações”, o que é absolutamente falso, dado que a CVM vem
apenas buscando alertar tal empresa de que sua captação de recursos financeiros, da maneira como vinha sendo feita, pode caracterizar exercício ilegal
de distribuição pública de valores mobiliários, tanto que já há inquérito administrativo instaurado nesta autarquia.
Assim sendo, a CVM alerta ao público em geral que determinou à Avestruz Máster que interrompesse imediatamente a veiculação da peça publicitária antes referida, e se abstivesse de utilizar o nome da CVM em qualquer
modalidade de publicidade, salvo para nelas incluir, como determinado pelo
inciso II, alínea (d), da Deliberação CVM 473, de 01/12/2004, em destaque,
o alerta de que a “Avestruz Máster e os investimentos por ela ofertados não são
regulados ou fiscalizados pela CVM”.
A Avestruz Máster não é registrada na CVM, seus negócios não são fiscalizados por esta autarquia, nem tampouco são auditados por auditor independente registrado na CVM.
Pergunta-se:
1) Qual o papel realizado pela CVM neste caso?
2) Tratando-se de sociedade limitada, existe legitimidade da atuação da
CVM?
3) Qual a sanção que poderia ser aplicada pela CVM neste caso?
4) Os investidores da Avestruz Máster podem responsabilizar a CVM pelas eventuais perdas de seus investimentos?
E) JURISPRUDÊNCIA
TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. COMISSÃO DE VALORES
MOBILIÁRIOS — CVM. COBRANÇA DE TAXA DE FISCALIZAÇÃO.
NÃO CABIMENTO. SUSPENSÃO DA NEGOCIAÇÃO DAS AÇÕES
DA EMBARGANTE NA BOLSA DE VALORES E DO REGISTRO
DE COMPANHIA. ADOÇÃO DA TÉCNICA DA FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. 1. Apelação interposta pela CVM em face de
sentença que julgou procedente o pedido formulado nos embargos à execução, para cancelar as CDA’s que embasaram a execução fiscal nº 1363069.2006.4.05.8300. 2. Adoção da chamada fundamentação per relationem,
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após a devida análise dos autos, tendo em vista que a compreensão deste
Relator sobre a questão litigiosa guarda perfeita sintonia com a apresentada
pelo Juízo de Primeiro Grau, motivo pelo qual se transcreve, como razão de
decidir, nesta esfera recursal, a fundamentação da sentença (itens 3 a 5). 3.
“[...] as atividades da CVM são reguladas pela Lei n. 6.385/76, com as alterações dadas pela Lei n. 10.303/2001. O art. 1º da norma citada prevê que
serão “disciplinadas e fiscalizadas” pela CVM diversas atividades, entre elas
a auditoria de “companhias abertas” (inciso VII do dispositivo). Já o art. 8º,
inciso V, da norma de regência reforça a competência para a fiscalização das
companhias abertas.” 4. “Ocorre, entretanto, que o embargante comprovou
que a CVM suspendeu a negociação das suas ações na bolsa de valores no
ano de 1995, pela incorporação da companhia pelo Banco Bandeirantes S/A
(fl. 94), de forma que não seria mais viável a fiscalização pela CVM ante a
perda do critério de companhia aberta.” 5. “Como as multas cobradas na
execução fiscal são do ano de 2002, evidentemente não são devidas tanto pela
suspensão da negociação das ações ocorrida em 1995, como pela suspensão
do registro de companhia fiscalizada ocorrida no ano de 2003.” 6. Apelação
desprovida.
Apelação Cível 557167, de relatoria do Desembargador Federal Francisco
Cavalcanti, TRF 5. Julgado datado de 16/05/2013.
Decisões da CVM
PEDIDO DE REGISTRO DE OPA COM ADOÇÃO DE PROCEDIMENTO DIFERENCIADO — EXCELSIOR ALIMENTOS S.A. —
PROC. RJ2012/8019 (ATA DA REUNIÃO DO COLEGIADO Nº 24
DE 25.06.2013) Reg. nº 8719/13 Relator: SRE/GER-1
Trata-se de pedido apresentado pela Marfrig Alimentos S.A. (“Ofertante”)
de registro de oferta pública de aquisição de ações (“OPA”) por alienação do
controle de Excelsior Alimentos S.A. (“Companhia”), com adoção de procedimento diferenciado, nos termos do art. 34 da Instrução CVM 361/02
(“Instrução”).
A Ofertante solicita a dispensa dos seguintes requisitos da Instrução:
(i) realização de leilão em bolsa de valores (inciso VII do art. 4º da Instrução); (ii) contratação de instituição intermediária da OPA (inciso IV
do art. 4º da Instrução); (iii) publicação de instrumento de OPA em forma de edital em jornal de grande circulação utilizado pela Companhia
(arts. 10 e 11 da Instrução).
A Superintendência de Registro de Valores Mobiliários — SRE manifestou-se favorável ao pedido, tendo em vista que: (i) aplica-se ao caso concreto
o disposto no inciso II do § 1º do art. 34 da Instrução; (ii) o procedimento
diferenciado proposto atende ao princípio previsto no inciso II do art. 4º da
Instrução; (iii) os custos incorridos no rito ordinário da OPA são elevados
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quando comparados ao seu valor total; (iv) a presente oferta guarda proporção com as características observadas em outros precedentes da Autarquia; e
(v) a ausência de prejuízo para os destinatários da oferta.
O Colegiado, com base na manifestação da área técnica, consubstanciada
no Memo/SRE/GER-1/N° 30/2013, e, ainda, tendo em vista os precedentes
já autorizados, deliberou conceder as dispensas pleiteadas.
RECLAMAÇÃO ACERCA DE CANCELAMENTO DE REGISTRO
DE COMPANHIA ABERTA — MARCELO AVANCINI NETO —
PROC. RJ2010/6915 (ATA DA REUNIÃO DO COLEGIADO Nº 16
DE 30.04.2013) Reg. nº 5561/07 Relator: DOZ
Trata-se de processo instaurado em razão de reclamação apresentada no
âmbito do Processo Administrativo Sancionador RJ 2007/13030 (“PAS”),
que foi instaurado para apurar a responsabilidade da administração da Empresa de Embalagens Metálicas Ltda. (“MMSA”) e de seu controlador, na
transformação da natureza jurídica da MMSA para sociedade limitada. Na
reclamação, a Multiplic Empreendimentos e Comércio Ltda. (“Multiplic”),
na qualidade de debenturista da MMSA, depois de fazer uma série de considerações sobre as debêntures e sobre a reorganização societária por que passou a MMSA, requereu que fossem juntados vários documentos e que fosse
intimada sobre todos os atos relacionados ao PAS.
O Relator Otavio Yazbek sugere o arquivamento do processo, por entender que os interesses de todos os envolvidos foram devidamente respeitados,
destacando que (i) em reunião de 27.12.11 foi aprovado termo de compromisso apresentado por todos os acusados no âmbito do PAS; (ii) como condição para a celebração deste termo de compromisso, a MMSA comprovou que
celebrou, com os detentores de todas as debêntures, acordo judicial para o
pagamento dos valores devidos; (iii) uma das obrigações assumidas no termo
de compromisso envolvia o oferecimento, a todos os acionistas preferencialistas da MMSA, da opção de vender suas ações a fim de reparar eventuais
danos a tais acionistas por possíveis prejuízos causados; e (iv) em reunião de
19.03.13, foi atestado o cumprimento do termo de compromisso em questão.
O Colegiado, por unanimidade, acompanhando o voto apresentado pelo
Relator Otavio Yazbek, deliberou o arquivamento do Proc. RJ2010/6915.
AUTORIZAÇÃO PARA NEGOCIAÇÃO PRIVADA DE AÇÕES —
ENERGIA SÃO PAULO FIA — BNY MELLON — PROC.RJ2013/0869
(ATA DA REUNIÃO DO COLEGIADO DE 22.03.2013) Reg. nº 8614/13
Relator: SIN/GIF
Trata-se de pedido de autorização formulado pela BNY Mellon Serviços
Financeiros DTVM S.A., nos termos do art. 64, inciso VI, da Instrução
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CVM 409/04, bem como no disposto no §4º do art. 118 da Lei 6.404/76,
para que o Energia São Paulo Fundo de Investimento em Ações (“Fundo”)
adquira ações de emissão da CPFL Energia S.A. que se encontram impedidas
para negociação em bolsa ou mercado de balcão organizado.
O assunto havia sido originalmente submetido ao Colegiado na reunião
de 12.03.13, tendo o Colegiado então decidido solicitar manifestação da Superintendência Nacional de Previdência Complementar — PREVIC, uma
vez que os cotistas do Fundo são Entidades Fechadas de Previdência Complementar.
Diante da manifestação favorável da PREVIC, o Colegiado unanimemente deliberou dispensar a observância do art. 64, inciso VI, da Instrução CVM
409/04 e autorizar a operação pretendida. Em sua decisão, o Colegiado
destacou as circunstâncias específicas do caso que motivaram a sua decisão, em especial (1) o reduzido número de cotistas do Fundo, todos
qualificados, (2) a aprovação da operação em assembleia, e (3) as razões
apresentadas para justificar o preço estabelecido para a aquisição das
ações pelo Fundo ser superior ao preço de mercado do ativo.
F) QUESTÕES DE CONCURSO
(6º Exame de Ordem OAB-RJ) 23 — A venda ao público de ações emitidas pela S.A., depende de autorização:
a. Da Bolsa de Valores;
b. Do Banco Central;
c. Da C.V.M.;
d. Do Conselho Fiscal da S.A.
(3º Exame de Ordem OAB-RJ) 27 — Diz-se sociedade de capital aberto
aquela que:
a. Foi constituída mediante subscrição pública;
b. Possui ações de várias espécies e formas;
c. Tem suas ações negociadas em bolsa;
d. É de capital autorizado.
(122º Exame de Ordem OAB-SP) 50 — O mercado de capitais primário:
(A) abrange operação de compra e venda de ação, ou seja, a negociação
feita pelo dono de uma participação societária.
(B) não admite emissão pública de valores mobiliários, nem sua alienação.
(C) visa à alienação de uma ação, transferindo-a do patrimônio do primeiro acionista para o do segundo.
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(D) compreende as operações de subscrição de ações e de outros valores mobiliários, sendo um negócio entre a companhia emissora e o
investidor.
(CESPE — Analista ECB — 2011) A sociedade anônima é uma sociedade simples, devendo, nesse caso, ser registrada no registro civil das pessoas
jurídicas.
( ) Certo
( ) Errado
(TCE/ES — CESPE — 2009) A respeito da sociedade anônima aberta e
das regras que lhe são aplicáveis, assinale a opção correta.
A. A venda de ações para aumento de capital exige que o capital social
esteja integralizado.
B. Em regra, não há responsabilidade solidária entre os administradores.
C. O estatuto não pode eliminar o direito de preferência para subscrição de ações.
D. Se o representante age nos limites da lei e do contrato social, terá
responsabilidade limitada.
E. A subscrição do capital social é, em regra, retratável.
G) GLOSSÁRIO
GOVERNANÇA CORPORATIVA: é o sistema pelo qual as sociedades são dirigidas e monitoradas, envolvendo os relacionamentos entre Acionistas/Sócios,
Conselho de Administração, Diretoria, Auditoria Independente e Conselho
Fiscal. As boas práticas de governança corporativa têm a finalidade de aumentar o valor da sociedade, facilitar seu acesso ao capital e contribuir para a
sua perenidade (Fonte: www.ibgc.org.br).
MERCADO PRIMÁRIO: Colocação de títulos resultantes de novas emissões.
As companhias podem utilizar o mercado primário para captar os recursos necessários ao financiamento de suas atividades (Fonte: www.bovespa.com.br).
MERCADO SECUNDÁRIO: Negociação de ativos, títulos e valores mobiliários
em mercados organizados, onde investidores compram e vendem em busca
de lucratividade e liquidez, transferindo, entre si, os títulos anteriormente
adquiridos no mercado primário (Fonte: www.bovespa.com.br).
NOVO MERCADO: segmento de listagem da Bolsa de Valores de São Paulo destinado à negociação de ações emitidas por companhias que se comprometem, voluntariamente, com a adoção de certas práticas de governança
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
corporativa e disclosure adicionais em relação ao que é exigido pela legislação
(Fonte: www.bovespa.com.br).
OFERTA PÚBLICA DE AÇÕES: Distribuição de títulos e valores mobiliários
junto ao público investidor e colocação junto ao público de determinado número de ações de emissão de uma companhia (Fonte: www.bovespa.com.br).
TAG ALONG: Uma das modalidades de tag along é previsto na legislação
brasileira (Lei das S.A., Artigo 254-A) e assegura que a alienação, direta ou
indireta, do controle acionário de uma companhia aberta somente poderá
ocorrer sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o acionista adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das demais ações ordinárias,
de modo a assegurar a seus detentores o preço mínimo de 80% do valor pago
pelas ações integrantes do bloco de controle. Configura-se, assim, como um
importante instrumento de proteção dos interesses dos acionistas minoritários (Fonte: www.bovespa.com.br).
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AULAS 5 E 6: AÇÕES E OUTROS VALORES MOBILIÁRIOS.
I) MATERIAL DE LEITURA
Leitura Básica
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. Vol. 2. 6ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2003, pp. 136-155.
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 2º vol. 24ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2006, pp. 73-105.
Leitura complementar
EIZIRIK, Nelson. “Os valores mobiliários na nova Lei das S.A.”. In Revista
de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros, n. 124, pp. 72-79.
J) ROTEIRO DE AULA
B.1) VALORES MOBILIÁRIOS: INTRODUÇÃO
Na última aula, analisamos as particularidades relativas ao capital social de
uma companhia. Observamos, ainda, que a sociedade anônima possui duas
alternativas principais no que tange à obtenção de recursos para o desenvolvimento de sua atividade econômica, quais sejam, (i) contrair financiamento
junto a terceiros, principalmente instituições financeiras ou (ii) buscar recursos adicionais dos sócios ou de investidores no mercado de capitais.
Em regra, a segunda hipótese se viabiliza pela emissão dos chamados valores mobiliários, que são títulos emitidos pelas companhias — sejam abertas
ou fechadas — para a captação de recursos e financiamento da companhia58.
Desse modo, valores mobiliários são instrumentos de captação de recursos
pelas companhias e representam, para que os subscreve ou adquire, um investimento. Via de regra, os recursos obtidos pela disponibilização dos valores mobiliários no mercado são mais baratos, tendo em vista que a taxa de
remuneração é menor.
A Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, enumera as diversas espécies
de valores mobiliários, nos seguintes termos:
58.
Na definição de Fabio Ulhoa Coelho:
“Valores mobiliários são instrumentos
de captação de recursos pelas sociedades anônimas emissoras e representam, para quem os subscreve ou
adquire, um investimento” (Fábio Ulhoa
Coelho, Curso de direito comercial. Vol. 2.
6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 137).
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
“Art. 2º São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:
I — as ações, debêntures e bônus de subscrição;
II — os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramento relativos aos valores mobiliários referidos no inciso II;
III — os certificados de depósito de valores mobiliários;
IV — as cédulas de debêntures;
V — as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou
de clubes de investimento em quaisquer ativos;
VI — as notas comerciais;
VII — os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos
ativos subjacentes sejam valores mobiliários;
VIII — outros contratos derivativos, independentemente dos ativos
subjacentes; e
IX — quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou
contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação,
de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de
serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de
terceiros.
§ 1º Excluem-se do regime desta Lei:
I — os títulos da dívida pública federal, estadual ou municipal;
II — os títulos cambiais de responsabilidade de instituição financeira, exceto as debêntures”.
O professor Fábio Ulhoa faz uma diferenciação em função do valor mobiliário emitido, distinguindo entre capitalização e a securitização59. Na primeira, a companhia emite ações, e o investidor que as subscreve torna-se
sócia dela, com o consequente aumento do patrimônio acionário; na outra,
são emitidos os demais tipos de valores mobiliários, e o investidor passa a
titularizar, perante a companhia emissora, alguns direitos, variáveis conforme
o valor subscrito. Com efeito, dependendo da espécie subscrita, o investidor
pode, por exemplo, se tornar acionista da companhia ou, então, passar a deter outros direitos perante a companhia emissora, não se confundindo com
os direitos assegurados aos acionistas.
Apesar do extenso rol acima apresentado, as principais espécies de valores
mobiliários emitidas pela sociedade anônima são (i) ações, (ii) debêntures,
(iii) partes beneficiárias, e (iv) bônus de subscrição. Vale destacar que o tipo
de valor mobiliário emitido apresenta relevantes conseqüências práticas.
59.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito
Comercial — vol. 02. São Paulo: Saraiva, 2006.
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
B.2) AÇÕES
O conceito e algumas peculiaridades das ações já foram exploradas na
Aula 3, quando do estudo das características principais das sociedades anônimas. Neste tópico, pretende-se explorar as demais classificações das ações e
sua relevância prática.
Conforme mencionado, a ação representa uma fração do capital social de
uma sociedade anônima, por meio da qual se atribui ao seu titular a qualidade de acionista60. Cumpre fazer uma distinção prática: o capital social não se
confunde com o patrimônio da sociedade. Capital é consignado no estatuto,
formado pelas ações, ao passo que patrimônio é a universalidade de bens de
uma sociedade em certo momento, sujeito às flutuações da vida e do desenvolvimento da companhia61.
A ação, como foi apresentada ao longo dessa apostila, investe o proprietário no estado de sócio, do qual resultam direitos e deveres perante a sociedade. A relação entre o acionista e a ação é de direito real — trata-se de direito
de propriedade, ao passo que alguns autores tentam encará-la como títulos de
crédito (a exemplo de Tullio Ascarelli).
Existem vários critérios para classificação das ações de emissão de uma
companhia. Inicialmente, cabe assinalar que as ações podem ter ou não valor
nominal, conforme dispuser o estatuto de cada sociedade anônima. De um
modo geral, cada ação tem um valor ideal, resultado da divisão do capital
social pelo número de ações emitidas. Se este valor é declarado estatutariamente, tem-se uma ação com valor nominal. Caso contrário, está-se diante
de uma ação sem valor nominal. Sobre o tema, Rubens Requião afirma:
“Note-se, porém, que ao se dizer que a ação ’não tem valor nominal’, não se quer significar que ela não tenha, ou não represente, um
valor correspondente à fração do capital social. Ela representa uma fração do capital social e, portanto, possui efetivamente um valor. Apenas
não se expressa nominalmente, no seu texto, um valor. Consultando-se o estatuto, saber-se-á que o capital social foi dividido em frações, e
qual o valor relativo a essa fração tendo em vista a quantidade de ações
emitidas”62.
Na prática empresarial, difundiu-se a adoção da ação sem valor nominal,
tendo em vista a simplificação que tal opção representa na operacionalização
de sociedades com grande número de acionistas. Isso porque a ausência do
valor nominal das ações dispensa a constante atualização de tal informação
nos documentos das companhias, além de permitir uma maior flexibilidade
nos aumentos de capital social da companhia. Portanto, a ausência de valor
nominal permite trazer o preço de emissão dessas ações para a realidade do
60.
Artigo 11 da Lei das S.A.: “O estatuto
fixará o número das ações em que se
divide o capital social e estabelecerá se
as ações terão, ou não, valor nominal”.
61.
Conforme comentado por Tavares
Borba, “o capital representa um dado
da maior importância na sociedade
anônima, pois, além de significar uma
medida do desempenho social — apenas é lucrativa a sociedade cujo patrimônio líquido excede o capital social,
dependendo a distribuição de dividendos da existência desse excesso —,
serve para definir o sistema de forças
dentro da sociedade — a posição de
cada acionista e o seu número de votos
decorre da parcela do capital (número
de ações) de que é titular”. In: BORBA,
José Edwaldo Tavares. Direito Societário.
Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
62.
Rubens Requião. Curso de direito
comercial. 2º vol. 24ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2006, p. 76.
FGV DIREITO RIO
44
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
mercado, de modo a viabilizar o lançamento e colocação do pretendido aumento de capital.
Com efeito, nas companhias cujas ações possuem valor nominal, a Lei
das S.A. veda a emissão de ações por preço inferior ao seu valor nominal63,
embora seja expressamente admitida a possibilidade de emissão de ações com
preço de emissão superior ao valor nominal64.
Uma das principais formas de classificação das ações gira em torno de suas
diferentes espécies. Embora a Lei das S.A. estabeleça três espécies diversas —
ações ordinárias, preferenciais e de fruição65 —, interessa-nos, tendo em vista
a sua importância prática, apontar as características gerais aplicáveis às ações
ordinárias e às ações preferenciais.
As ações ordinárias são aquelas que conferem ao acionista os direitos de
um sócio comum. Não possuem, em regra, vantagens ou restrições no que
tange aos direitos e deveres normalmente atribuídos aos acionistas da sociedade anônima. Desta forma, em geral faz-se desnecessária a previsão estatutária de suas prerrogativas, já que estas decorrem diretamente da lei.
Deve-se notar, entretanto, que a Lei das S.A. faculta às companhias fechadas — observados certos requisitos legais — terem diversas classes de ações
ordinárias. Em tal hipótese, o estatuto social poderá estabelecer diferentes
direitos para cada classe66, dentro dos limites estabelecidos no artigo 16 do
referido diploma legal67.
Em visão contraposta, as ações ordinárias, pela sua própria natureza, não
comportam a subdivisão em classes. Tavares Borba acentua que a lei atual, ao
permitir na companhia fechada, classes diversas de ordinárias, incorreu em
grave contra-senso, pois abalou a condição de padrão que estava reservada à
ação ordinária. Tudo que se quer alcançar com as classes de ordinárias seria
alcançável com a preferencial68.
Já as ações preferenciais conferem necessariamente aos seus titulares alguma espécie de vantagem relativamente às ações ordinárias, embora o seu
direito de voto possa ser limitado ou excluído69. Faculta-se a cada companhia,
seja aberta ou fechada, ter uma ou mais classes de ações preferenciais, bem
como simplesmente não emitir tal espécie de ações.
As vantagens deverão ser definidas pelo estatuto social da companhia
emissora, podendo constituir, no mínimo, na prioridade na distribuição de
dividendos ou no reembolso do capital, ou, ainda, na acumulação de tais
vantagens70. Outras preferências ou vantagens podem ser atribuídas aos acionistas titulares de ações preferenciais, desde que estabelecidas de forma precisa no estatuto da companhia71. Deve-se frisar que a ação com dividendo
prioritário não faz jus a uma renda
Cumpre ressaltar que a Lei nº 10.303/01 alterou, de modo substancial, o
regime de preferências e vantagens patrimoniais concedidas aos titulares de
ações preferenciais sem direito de voto, ou com voto restrito, criando uma
63.
Assim dispõe o referido dispositivo
legal: “Art. 13. É vedada a emissão de
ações por preço inferior ao seu valor
nominal. § 1º A infração do disposto
neste artigo importará nulidade do
ato ou operação e responsabilidade dos
infratores, sem prejuízo da ação penal
que no caso couber”.
64.
Trata-se, nesse caso, de hipótese de
ágio. Nos termos do parágrafo 2º do artigo 13 da Lei das S.A., “A contribuição
do subscritor que ultrapassar o valor
nominal constituirá reserva do capital
(art. 182, § 1º)”. Mesmo no caso das
companhias com ações sem valor nominal, uma parte do preço de emissão
também pode se destinar à reserva de
capital, consoante dispõe o parágrafo
único do artigo 14 da lei societária: “O
preço de emissão pode ser fixado com
parte destinada à formação de reserva
de capital; na emissão de ações preferenciais com prioridade no reembolso
do capital, somente a parcela que
ultrapassar o valor de reembolso poderá ter essa destinação”. As reservas e
suas destinações serão analisadas mais
adiante em nosso curso.
65.
Consoante assevera Rubens Requião,
as ações de fruição são “as que resultam, se assim dispuser o estatuto ou
determinar a assembléia geral extraordinária, da amortização das ações
comuns ou preferenciais”. Em breve
resumo, a amortização pode ser entendida como a antecipação de valores que
caberiam às ações em caso de liquidação da companhia. A respeito das ações
de fruição, veja-se o disposto no artigo
44, parágrafo 5º da Lei das S.A.: “§ 5º
As ações integralmente amortizadas
poderão ser substituídas por ações de
fruição, com as restrições fixadas pelo
estatuto ou pela assembléia geral que
deliberar a amortização; em qualquer
caso, ocorrendo liquidação da companhia, as ações amortizadas só concorrerão ao acervo líquido depois de
assegurado às ações não amortizadas
valor igual ao da amortização, corrigido
monetariamente”.
66.
É importante ressaltar que, nos termos do parágrafo 1º do artigo 109 da
Lei das S.A., “as ações de cada classe
conferirão iguais direitos aos seus titulares”.
67.
“Art. 16. As ações ordinárias de companhia fechada poderão ser de classes
diversas, em função de: I — conversibilidade em ações preferenciais; II —
exigência de nacionalidade brasileira
do acionista; ou III — direito de voto
em separado para o preenchimento
de determinados cargos de órgãos
administrativos. Parágrafo único. A
alteração do estatuto na parte em que
regula a diversidade de classes, se não
for expressamente prevista, e regulada,
requererá a concordância de todos os
titulares das ações atingidas”.
FGV DIREITO RIO
45
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
distinção de tratamento para as ações preferenciais negociadas no mercado de
valores mobiliários e para as ações preferenciais não negociadas.
Nessa mesma linha, a reforma de Lei das S.A. promovida em 2001 acrescentou o § 7º ao art. 17, que diz respeito à ação preferencial de classe especial,
criada pelas companhias objeto de desestatização (chamadas de Golden Shares). A criação dessas ações já era prevista no Programa Nacional de Desestatização (Lei nº 8.031/90), e tem por característica a titularidade exclusiva
do ente que vinha controlando a estatal e o poder de veto às deliberações da
assembleia geral nas matérias que forem especificadas.
Quanto à circulação das ações, predomina nas sociedades anônimas o
princípio da sua livre transmissibilidade. Em outras palavras, a companhia,
em regra, não interfere na negociação das ações, a qual pode ser feita livremente pelos acionistas. Tavares Borba acresce que:
“a regra na sociedade anônima é a livre circulação das ações. Essa
regra, na companhia aberta, é absoluta, sendo nula qualquer disposição
estatutária que se proponha a limitar ou restringir as transferências de
ações, ressalvados, naturalmente, os pequenos períodos de suspensão
desses serviços, a que se reporta o art. 37.”72
Esse princípio, no entanto, pode sofrer limitações, tanto na companhia
fechada quanto na companhia aberta. Com relação às companhias fechadas,
o artigo 36 da Lei das S.A. permite que os estatutos estabeleçam limites à circulação de ações, desde que tais restrições não impeçam sua negociação nem
tampouco sujeitem o acionista ao arbítrio da administração da sociedade ou,
ainda, da maioria dos acionistas73.
Adicionalmente, pode haver restrições à circulação das ações estabelecidas
em acordos de acionistas, os quais podem abranger tanto companhias abertas
quanto fechadas. Os acordos de acionistas serão estudados mais adiante em
nosso curso.
Cabe assinalar, ainda, que o alienante de ações não integralizadas, durante
dois anos contados da transmissão, responde solidariamente com o adquirente pela correspondente integralização, nos termos do artigo 108 da Lei
das S.A74.
Ainda a respeito da circulação das ações, cumpre ressaltar que, em regra, as
sociedades anônimas, por determinação legal75, não podem negociar com as
próprias ações, sendo este ato autorizado somente em hipóteses excepcionais.
Dentre as situações de negociação permitidas por lei, a sociedade anônima
pode adquirir ações de sua própria emissão para permanência em tesouraria
ou cancelamento, desde que utilize, no pagamento de tais ações, os recursos
contabilizados como lucros e reservas, restando inalterado o capital social.
68.
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar,
2008, p. 237.
69.
O parágrafo 2º do artigo 15 da lei societária dispõe que “o número de ações
preferenciais sem direito a voto, ou
sujeitas a restrição no exercício desse
direito, não pode ultrapassar 50% (cinqüenta por cento) do total das ações
emitidas”.
70.
Ainda a respeito das vantagens atribuídas às ações preferenciais, importa
destacar o disposto no parágrafo 1º do
artigo 17 da Lei das S.A.: “§ 1º Independentemente do direito de receber ou
não o valor de reembolso do capital
com prêmio ou sem ele, as ações preferenciais sem direito de voto ou com
restrição ao exercício deste direito,
somente serão admitidas à negociação
no mercado de valores mobiliários se a
elas for atribuída pelo menos uma das
seguintes preferências ou vantagens:
I — direito de participar do dividendo a ser distribuído, correspondente
a, pelo menos, 25% (vinte e cinco por
cento) do lucro líquido do exercício, calculado na forma do art. 202, de acordo
com o seguinte critério: a) prioridade
no recebimento dos dividendos mencionados neste inciso correspondente
a, no mínimo, 3% (três por cento) do
valor do patrimônio líquido da ação; e
b) direito de participar dos lucros distribuídos em igualdade de condições
com as ordinárias, depois de a estas
assegurado dividendo igual ao mínimo
prioritário estabelecido em conformidade com a alínea a; ou
II — direito ao recebimento de dividendo, por ação preferencial, pelo menos 10% (dez por cento) maior do que o
atribuído a cada ação ordinária; ou
III — direito de serem incluídas na
oferta pública de alienação de controle,
nas condições previstas no art. 254-A,
assegurado o dividendo pelo menos
igual ao das ações ordinárias”.
71.
Nesse sentido, o artigo 17, parágrafo 2º da Lei das S.A. estabelece que
“deverão constar do estatuto, com
precisão e minúcia, outras preferências
ou vantagens que sejam atribuídas aos
acionistas sem direito a voto, ou com
voto restrito, além das previstas neste
artigo”.
72.
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar,
2008, p. 251.
73.
“Art. 36. O estatuto da companhia
fechada pode impor limitações à circulação das ações nominativas, contanto que regule minuciosamente tais
limitações e não impeça a negociação,
nem sujeite o acionista ao arbítrio dos
órgãos de administração da companhia
ou da maioria dos acionistas. Parágrafo
único. A limitação à circulação criada
por alteração estatutária somente se
FGV DIREITO RIO
46
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
Vale ressaltar que as ações mantidas em tesouraria não possuem direito a
voto, nem tampouco a recebimento de dividendos. No caso das companhias
abertas, a aquisição das próprias ações deverá ainda obedecer as normas editadas pela Comissão de Valores Mobiliários — CVM.
Outras modalidades relevantes de negociação com as próprias ações admitidas em lei são as hipóteses de operações de resgate, reembolso ou amortização de ações, reguladas pelos artigos 44 e 45 da Lei das S.A.
Em breve resumo, o resgate representa a recuperação da ação pela sociedade, que as retira definitivamente de circulação, podendo ocorrer, como conseqüência, a redução ou não do capital social ou a elevação do valor nominal
das demais ações. Tavares Borba acrescenta que o resgate e a amortização, que
subentendem a existência de lucros ou reservas livres, decorrem de autorização estatutária ou de assembleia geral, enquanto o reembolso é uma prerrogativa do acionista, a ser exercida nas hipóteses em que a lei lhe assegura o
direito de recesso ou retirada76.
A amortização, por sua vez, consiste no pagamento parcial ou total do
valor da ação a título de antecipação daquilo que o acionista receberia na
liquidação da sociedade. Neste caso, o acionista não se retira necessariamente
da sociedade, haja vista a possibilidade de criação de ações de fruição.
Por fim, o reembolso de ações corresponde ao direito conferido ao acionista dissidente da assembleia geral de receber da companhia o valor de suas
ações. Trata-se do chamado direito de recesso, o qual será analisado de forma
mais detida mais adiante no nosso curso.
B.3) DEBÊNTURES
As debêntures são valores mobiliários que conferem aos seus titulares direito de crédito perante a companhia, de acordo com as condições estabelecidas na escritura de emissão e, se houver, no certificado77. Podem, assim,
ser utilizadas como importante mecanismo de financiamento de uma companhia, tanto aberta quanto fechada. A IN CVM 404/04 disciplina sobre o
procedimento simplificado de registro e padrões de cláusulas e condições que
devem ser adotados nas escrituras de emissão de debêntures destinadas a negociação em segmento especial de bolsas de valores ou entidades do mercado
de balcão organizado.
Nesse sentido, as debêntures podem propiciar à sociedade anônima recursos de longo prazo, os quais podem ser destinados, por exemplo, a financiamentos de investimentos fixos. Adicionalmente, as debêntures podem
atender às necessidades do capital de giro da companhia, sendo colocadas ou
retiradas do mercado conforme as exigências do seu fluxo de caixa. Tavares
Borba acrescenta que o campo de aplicação das debentures situa-se, preferen-
aplicará às ações cujos titulares com
ela expressamente concordarem, mediante pedido de averbação no livro de
“Registro de Ações Nominativas””.
74.
“Art. 108. Ainda quando negociadas
as ações, os alienantes continuarão
responsáveis, solidariamente com os
adquirentes, pelo pagamento das prestações que faltarem para integralizar as
ações transferidas. Parágrafo único. Tal
responsabilidade cessará, em relação
a cada alienante, no fim de 2 (dois)
anos a contar da data da transferência
das ações”.
75.
“Art. 30. A companhia não poderá negociar com as próprias ações. § 1º Nessa
proibição não se compreendem: a) as
operações de resgate, reembolso ou
amortização previstas em lei; b) a aquisição, para permanência em tesouraria
ou cancelamento, desde que até o valor
do saldo de lucros ou reservas, exceto a
legal, e sem diminuição do capital social, ou por doação; c) a alienação das
ações adquiridas nos termos da alínea b
e mantidas em tesouraria; d) a compra
quando, resolvida a redução do capital
mediante restituição, em dinheiro, de
parte do valor das ações, o preço destas
em bolsa for inferior ou igual à importância que deve ser restituída”.
76.
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar,
2008, p. 275.
77.
“Art. 52. A companhia poderá emitir
debêntures que conferirão aos seus
titulares direito de crédito contra ela,
nas condições constantes da escritura
de emissão e, se houver, do certificado.”
FGV DIREITO RIO
47
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
cialmente, no âmbito dos empréstimos de longo prazo, destinados à implantação ou expansão de projetos empresariais em geral. Por ser uma alternativa
aos empréstimos bancários, as taxas de juros das debêntures flutuam, via de
rega, muito abaixo das praticadas pelas instituições financeiras, e as condições
gerais da operação são normalmente mais flexíveis78.
Sobre as características da emissão de debêntures, José Edwaldo Tavares
Borba acentua:
“As debêntures, ao contrário, não configuram capital próprio da sociedade. A companhia, ao emiti-las, contrai uma dívida, colocando,
dessarte, diante de uma obrigação que figura no seu passivo exigível. A
debênture, em princípio tem data de vencimento determinada e confere a seu titular, salvo em caso de taxa variável ou mera participação nos
lucros, uma renda fixa — o juro —, a qual independe do desempenho
da sociedade, sendo, por isso, exigível, quer haja lucro, quer haja prejuízo”79.
Ainda, as debêntures podem eventualmente ser conversíveis em ações,
conforme especificado na escritura de emissão80. Uma vez efetuada a conversão das debêntures, seus titulares tornam-se acionistas da sociedade. Os direitos e deveres dos titulares das debêntures estão consagrados na Escritura de
Emissão, que também estipula o agente fiduciário, figura comum no Direito
Americano, e introduzida no Brasil pela Lei das S.A.
O agente fiduciário é o representante da comunhão de debenturistas perante a companhia emissora, e deve agir como se fora ele o próprio titular,
competindo-lhe proteger os interesses dos debenturistas, elaborar relatório
anual para ciência destes, determinar medidas judiciais contra a companhia,
declarar vencidos antecipadamente os títulos na hipótese de inadimplência,
promover excussão de garantias, requerer a falência da emitente e tomar toda
e qualquer providência que considere necessária à tutela dos interesses dos
debenturistas 81.
Por ser um título fracionado, a debênture possibilita a subdivisão da emissão pretendida em inúmeros títulos, os quais compõem uma série única de
debêntures ou grupo de séries. Cumpre ressaltar que uma nova emissão somente poderá ser efetuada depois de colocadas todas as debêntures da emissão anterior. Cada série será composta por debêntures necessariamente iguais,
conforme dicção do art. 53 p. único, sendo que a regra é a da igualdade
dentro da série, mas não entre as séries.
Sobre as garantias de emissão das debêntures, deve-se aduzir que apresentam garantia real ou flutuante, e subordinada, como também a debênture
quirografária. No regime anterior à Lei das S.A., a debênture gozava sempre
de um privilégio geral, o qual, por conseguinte, era-lhe essencial.
78.
BORBA, José Edwaldo Tavares. Das
Debêntures. Rio de Janeiro: Renovar,
2005.
79.
José Edwaldo Tavares Borba, Direito
Societário, 9ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 266.
80.
“Art. 57. A debênture poderá ser
conversível em ações nas condições
constantes da escritura de emissão, que
especificará: I — as bases da conversão, seja em número de ações em que
poderá ser convertida cada debênture,
seja como relação entre o valor nominal da debênture e o preço de emissão
das ações; II — a espécie e a classe das
ações em que poderá ser convertida;
III — o prazo ou época para o exercício
do direito à conversão; IV — as demais
condições a que a conversão acaso fique sujeita”.
81.
BORBA, José Edwaldo Tavares. Das
Debêntures. Rio de Janeiro: Renovar,
2005.
FGV DIREITO RIO
48
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
A Lei das S.A. estabeleceu o limite de emissão das debêntures de acordo
com o valor do patrimônio líquido da empresa. Tavares Borba e Mota de
Souza criticam esse critério, ao rebater que o capital social não é um indicador de consistência econômica da companhia, ao contrário, um mero
dado formal e contábil. Desse modo, Tavares Borba acentua que ao ocorrer
a emissão das debêntures com garantia real, o limite constituído pelo capital
social poderá ser ultrapassado até alcançar 80% do valor dos bens gravados,
próprios ou de terceiros.
Importa ressaltar, por fim, que a lei societária prevê a figura da assembleia
de debenturistas, na qual deverão ser aprovadas eventuais modificações das
condições das debêntures82.
B.4) PARTES BENEFICIÁRIAS
As partes beneficiárias são valores mobiliários que asseguram ao seu titular
direito de participação nos lucros líquidos anuais da companhia83.
Tais títulos distinguem-se das ações, já que não representam parcelas do
capital social, e, também, das debêntures, vez que não possuem natureza de
reembolso, mas tão-somente de crédito eventual, pendente da efetiva aferição
de lucro no exercício. As partes beneficiárias de uma companhia serão todas
absolutamente iguais quanto aos direitos que conferem, constituindo assim
uma classe única.
As partes beneficiárias podem ter, a curto prazo, a função de financiar a
companhia, conforme salienta Fabio Ulhoa Coelho:
“A primeira função das partes beneficiárias é a captação de recursos. A companhia emite-as para aliená-las a investidores interessados
na rentabilidade proporcionada pela participação nos seus resultados
líquidos. Nesse caso, ela recebe dos investidores o pagamento do preço
atribuído ao valor mobiliário — o qual comporá obrigatoriamente a
reserva de capital — e torna-se devedora eventual do valor correspondente a parte de seus lucros”84.
Adicionalmente, a lei permite que as partes beneficiárias assumam função
de caráter remuneratório, na hipótese, por exemplo, de serem atribuídas a
fundadores, acionistas ou terceiros, como contraprestação por serviços prestados à companhia85, notadamente fechada. As partes beneficiárias devem
ter um prazo de duração, o qual não ultrapassará dez anos para as que forem
atribuídas gratuitamente, salvo as entidades de empregados.
Ressalte-se, contudo, que a emissão de partes beneficiárias sofre diversas
restrições, tal qual a impossibilidade de a companhia se comprometer a pagar
82.
Nos termos do artigo 71 da Lei das
S.A., “os titulares de debêntures da
mesma emissão ou série podem, a
qualquer tempo, reunir-se em assembléia a fim de deliberar sobre matéria
de interesse da comunhão dos debenturistas”.
83.
“Art. 46. § 1º As partes beneficiárias
conferirão aos seus titulares direito de
crédito eventual contra a companhia,
consistente na participação nos lucros
anuais (art. 190)”.
84.
Fábio Ulhoa Coelho, Curso de direito
comercial. Vol. 2. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 151.
85.
“Art. 47. As partes beneficiárias poderão ser alienadas pela companhia, nas
condições determinadas pelo estatuto
ou pela assembléia geral, ou atribuídas
a fundadores, acionistas ou terceiros,
como remuneração de serviços prestados à companhia”.
FGV DIREITO RIO
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
aos seus titulares valor superior a 10% (dez por cento) de seus lucros86. Ainda,
nos termos do parágrafo único do artigo 47 da Lei das S.A.87, é proibida a
emissão de partes beneficiárias por companhias abertas.
Por fim, ao estatuto social é dado convencionar a conversão das partes
beneficiárias em ações, mediante a capitalização da reserva para tanto criada.
Para que isso aconteça, impõe-se a prévia acumulação, no fundo de reserva,
de recursos suficientes para atender ao preço de emissão das ações. Do contrário, o capital estaria sendo vazado. As cláusulas de conversibilidade em
ações acarreta a incidência das normas sobre direito de preferência, as quais
somente se aplicam nas hipóteses de alienação onerosa.
B.5) BÔNUS DE SUBSCRIÇÃO
Nos termos do parágrafo único do artigo 75 da Lei das S.A., “os bônus de
subscrição conferirão aos seus titulares, nas condições constantes do certificado, direito de subscrever ações do capital social (...)”. Cada bônus permitirá
a subscrição de tantas ações quantas estiverem indicadas no respectivo certificado, mediante o pagamento do preço convencionado.
Os bônus de subscrição são títulos negociáveis, podendo ser emitidos pelas companhias a título gratuito ou oneroso. Para evitar que os acionistas da
companhia possam ser prejudicados na emissão dos bônus de subscrição, a
lei os confere o direito de preferência na subscrição dos próprios bônus de
subscrição88.
Apenas as sociedades cujos estatutos contenham autorização para aumento de capital poderão emitir bônus de subscrição, ao passo que a emissão deve
se situar dentro dos limites do capital autorizado, de acordo com os termos
do art. 75 da Lei das S.A. Desse modo, a companhia deve proceder a uma
reserva de ações, dentro do capital autorizado, para fazer face ao eventual
exercício do direito de subscrição, somente liberando o saldo dessa reserva
após o término do prazo de validade dos bônus.
86.
“Art. 46. § 2º A participação atribuída
às partes beneficiárias, inclusive para
formação de reserva para resgate, se
houver, não ultrapassará um décimo
dos lucros”.
87.
“Art. 47. (...) Parágrafo único. É vedado às companhias abertas emitir partes
beneficiárias”.
88.
“Art. 77. Os bônus de subscrição serão
alienados pela companhia ou por ela
atribuídos, como vantagem adicional,
aos subscritores de emissões de suas
ações ou debêntures. Parágrafo único.
Os acionistas da companhia gozarão,
nos termos dos artigos 171 e 172, de
preferência para subscrever a emissão
de bônus”.
FGV DIREITO RIO
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
-K) TEXTOS DE APOIO
1. “Vale diz que oferta de debêntures somará R$ 5,5 bilhões
Valor Online
08/12/2006
SÃO PAULO — O Conselho de Administração da Companhia Vale do
Rio Doce (CVRD) confirmou que será de R$ 5,5 bilhões sua emissão de
debêntures simples e não-conversíveis em ações. A cifra foi ratificada em processo de coleta de intenções de investimento (“bookbuilding”) realizado hoje.
Conforme esclareceu a Vale, a operação será dividida em duas séries, sendo que a primeira contempla uma oferta de 150 mil debêntures ao preço
unitário de R$ 10 mil e com vencimento em 20 de novembro de 2010. A
segunda série prevê o lançamento de 400 mil debêntures, também ao valor
de R$ 10 mil e com resgate em 20 de novembro de 2013.
As debêntures ofertadas na primeira série pagarão remuneração correspondente a 101,75% da variação acumulada do Certificado de Depósito Interbancário (CDI). Já a segunda série pagará a oscilação do CDI mais uma
taxa de 0,25% ao ano.
A oferta ainda está precisa do registro da Comissão de Valores Mobiliários
(CVM).
2. “Net começa a amortizar 5ª emissão de debêntures a partir de 27 de
dezembro
Valor Online
05/12/2006
SÃO PAULO — A Net Serviços de Comunicação pretende amortizar o
saldo total de sua quinta emissão de debêntures, cuja amortização inicial estava prevista para 2008, a partir do dia 27 de dezembro deste ano. Os recursos
virão de uma nova emissão para alongar o perfil da dívida.
A quinta emissão, de R$ 650 milhões, foi feita em setembro do ano passado e é hoje o único endividamento da Net. A companhia, entretanto, preferiu aproveitar o momento favorável do mercado para uma nova emissão, de
R$ 580 milhões, além de ter captado US$ 150 milhões em uma emissão de
bônus perpétuos.
Segundo comunicado enviado hoje à Comissão de Valores Mobiliários
(CVM), a amortização total da quinta emissão está condicionada à efetiva
realização do novo programa de títulos.
Francisco Valim, presidente da Net, informou aos jornalistas no final de
outubro que a melhora dos índices de avaliação da companhia junto às agên-
FGV DIREITO RIO
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
cias de classificação de risco vai permitir que ela refinancie a dívida com
maior prazo e menor custo.
O momento mais favorável à captação também vai permitir que a operadora amplie o programa de investimentos em 2007. A Net informou que,
além dos R$ 350 milhões que pretendia investir na aquisição de novos clientes, vai destinar outros R$ 300 milhões para ampliar a cobertura bidirecional
de sua rede de cabos. Dos atuais 2,8 milhões de domicílios que hoje têm a
cobertura da rede bidirecional da Net, o número passará a 4,5 milhões residências. A empresa precisa dos cabos bidirecionais para oferecer internet em
banda larga na sua rede, além da distribuição de programas de TV paga.
A agência Moody´s, por exemplo, colocou os ratings da Net em revisão
para possível elevação depois que a empresa anunciou a intenção da Net de
adquirir o controle da Vivax, feito no início de outubro e que ainda depende
de autorização da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel)”.
3. CVM suspende oferta de debêntures da Comgás por até 30 dias
Revista Exame — 16/06/2013
Rio de Janeiro — A superintendência de registro de valores mobiliários
da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) suspendeu a oferta pública de
distribuição de emissão de debêntures da Comgás, informou a autarquia em
comunicado nesta quinta-feira.
“Esta decisão (...)foi tomada devido à publicação, em 12 de junho, de
matérias jornalísticas, com declarações sobre a oferta proferidas pelo diretor
da emissora”, informou a CVM. A suspensão poderá ser revogada se a irregularidade for corrigida, segundo a autarquia.
Na quarta-feira, o diretor-presidente da empresa Luis Henrique Guimarães, disse que a distribuidora de gás natural canalizado retomou a operação
de emissão de debêntures em infraestrutura, que havia sido interrompida em
abril, e que agora estimava que poderia levantar até 520 milhões de reais.
L) CASOS
Caso Companhia Vale do Rio Doce
De janeiro a setembro de 2006, a CVRD faturou mais de R$ 30 bilhões
e lucrou mais de R$ 100 bilhões, respondendo sozinha por mais de 20% do
saldo da balança comercial brasileira.
A Companhia Vale do Rio Doce é uma empresa de capacidade global,
tendo atividades exploradas em inúmeros países. Desde a sua privatização
em 1997, a CVRD vem crescendo exponencialmente, tendo desenvolvido
FGV DIREITO RIO
52
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
anualmente aquisições de outras companhias que exploram setores correlatos
à atividade da companhia (exploração de minério de ferro).
Uma das últimas aquisições — e a mais importante do ponto de vista
estratégico — foi da companhia canadense de exploração de níquel, Inco.
Em decorrência desta aquisição, a CVRD lançou recentemente no mercado de valores mobiliários proposta para um pacote de operações de captação
de recursos.
Esta captação de recursos tem como objetivo o alongamento de uma dívida de US$ 17,6 bilhões contraída em empréstimo-ponte de dois anos junto
a bancos europeus, para pagar a aquisição à vista da companhia canadense
Inco.
A rolagem do empréstimo-ponte deverá ser feita num prazo mínimo de
10 anos.
Pergunta-se:
1) Qual o instrumento adequado para a captação destes recursos extras?
2) Qual a vantagem para a realização destas específicas operações de captação?
M) JURISPRUDÊNCIA
“TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. DEBÊNTURES DA ELETROBRÁS. RECUSA.
1. (...)
2. Debêntures são valores mobiliários emitidos pelas S/A representativos
de empréstimo que uma companhia faz junto a terceiros e que assegura a
seus detentores direito contra a emissora, direito esse fixado na escritura da
emissão. Considerando que o seu valor de mercado decorre de livre negociação, não há falar-se em ‘plena liquidez’, típica dos títulos cotáveis embolsa.
Dessa forma, ausente o requisito de ‘caução idônea’ na obrigação ao portador
apresentada, não restando atendido o requisito expressamente exigido pelo
disposto no art. 11, II, da Lei 6.830/80.
3. O valor de mercado das debêntures decorre da livre negociação entre
comprador/vencedor, como simples decorrência das leis de oferta e procura,
sendo desinfluente o valor de face que ostentam, por isso que não se coaduna
com a expressão econômica ‘facilmente aferível’ ou ‘plena liquidez’, típicas
dos títulos cotáveis em bolsa.
4. Recurso especial improvido” (STJ, 1ª T, REsp 608223/RS, Rel. Min.
Luiz Fux, j. 07.10.2004, v.u., DJ 25.10.2004, p. 237).
“DEBÊNTURE. ASSEMBLEIA GERAL. INEFICÁCIA DA CLÁUSULA. IMPROCEDÊNCIA DA NULIDADE. Ação constitutiva negativa. Assembleia de debenturistas. Alteração de cláusula. Decisão unânime.
FGV DIREITO RIO
53
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
Indivisibilidade da decisão. Não pode a Companhia pretender a ineficácia
do expresso no ‘caput’ da cláusula 13, que convencionou a prorrogação do
prazo de vencimento para recompra de debêntures, e, simultaneamente, a
nulidade de obrigação ínsita no parágrafo único da referida cláusula, que
conferiu à emissora a obrigação de recompra das debêntures no prazo original se assim desejarem os debenturistas, tanto que a referida cláusula, no seu
todo, não encerra qualquer ilegalidade. Apelo provido” (TJRJ, 9a CC, AC
1999.001.09967, Rel. Des. Laerson Mauro, j. 03.11.1999, v.u.).
N) QUESTÕES DE CONCURSO
(25º Exame de Ordem OAB-RJ) 50 — Quais são as garantias da debênture:
a. Subordinativa aos demais credores da companhia e real;
b. Real e flutuante;
c. Preferencial e juros;
d. Flutuante e subordinativa aos demais credores da companhia
(Prova 23º Exame de Ordem OAB-RJ) 5 — Quais as garantias que a debênture pode ter? Justifique a resposta.
(Prova 23º Exame de Ordem OAB-RJ) 23 — Assinale a alternativa correta, levando-se em consideração o que dispõe a Lei 6.404/76:
a. as ações preferenciais jamais possibilitam o direito de voto ao acionista preferencialista;
b. as ações preferenciais sem direito de voto adquirirão o exercício
desse direito se a companhia, pelo prazo previsto no estatuto, não
superior a 5 (cinco) exercícios consecutivos, deixar de pagar os dividendos fixos ou mínimos a que fizerem jus, direito que conservarão
até o pagamento, se tais dividendos não forem cumulativos, ou até
que sejam pagos os cumulativos em atraso;
c. as ações preferenciais sem direito de voto adquirirão o exercício
desse direito se a companhia, pelo prazo previsto no estatuto, não
superior a 3 (três) exercícios consecutivos, deixar de pagar os dividendos fixos ou mínimos;
d. as ações preferenciais que adquirirem o direito de voto, de nenhum
modo perderão essa qualidade.
(14º Exame de Ordem OAB-RJ) 3 — Carlos Carvalho pretende adquirir
debêntures de uma companhia aberta. Para tal, indaga sobre as garantias que
esses títulos oferecem ao debenturista.
FGV DIREITO RIO
54
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
(9º Exame de Ordem OAB-RJ) 5 — O que são valores mobiliários? Fundamente a resposta.
(9º Exame de Ordem OAB-RJ) 25 — As ações, nas sociedades anônimas,
em relação à forma de circulação, podem ser:
a. Ao portador e endossáveis;
b. Somente nominativas;
c. Nominativas, endossáveis ou ao portador;
d. Endossáveis ou ao portador.
(130º Exame de Ordem/SP) 46 — São as seguintes as possíveis características das ações em que se divide o capital social de uma sociedade anônima:
(A) nominativas ou ao portador, com ou sem valor nominal, ordinárias,
preferenciais ou de fruição.
(B) ao portador, com ou sem valor nominal, ordinárias ou preferenciais.
(C) nominativas ou ao portador, com valor nominal, ordinárias ou preferenciais.
(D) nominativas, com ou sem valor nominal, ordinárias, preferenciais ou de fruição.
(129º Exame de Ordem/SP) 48 — Assinale a afirmativa verdadeira. As
debêntures emitidas por uma sociedade anônima conferem aos seus titulares
direitos de crédito contra elas, nas condições:
(A) estabelecidas em lei.
(B) constantes da escritura de emissão e, se houver, do certificado.
(C) estabelecidas pelo Banco Central.
(D) negociadas entre o seu titular e a companhia.
(128º Exame de Ordem/SP) 43 — A ação de uma sociedade por ações
(A) deverá, obrigatoriamente, ter valor nominal.
(B) pode ou não ter valor nominal.
(C) só terá valor nominal, quando subscrita e integralizada em moeda
corrente nacional.
(D) só terá valor nominal, quando subscrita e integralizada em moeda
corrente nacional e, concomitantemente, for objeto de emissão do
respectivo certificado.
(123º Exame de Ordem/SP) 43 — Os valores mobiliários que não representam parcelas do capital social e que conferem a seu titular direito de
participação nos lucros da sociedade anônima denominam-se:
FGV DIREITO RIO
55
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
(A) bônus de subscrição.
(B) debêntures.
(C) warrants.
(D) partes beneficiárias.
(110º Exame de Ordem/SP) 19 — Numa sociedade anônima, as ações
classificam-se em:
1. ordinárias ou preferenciais e em nominativas ou ao portador, aquelas registradas em nome de seus proprietários nos livros da sociedade, estas transferíveis por mera tradição.
2. ordinárias, preferenciais ou de fruição e todas elas são nominativas,
uma vez que não mais se permitem títulos ao portador, inclusive
ações.
3. ordinárias, preferenciais, escriturais, debêntures e partes beneficiárias, todas elas podendo ser nominativas, endossáveis ou ao portador.
4. preferenciais escriturais, preferenciais nominativas, debêntures conversíveis, debêntures simples, partes beneficiárias comuns e partes
beneficiárias resgatáveis, todas obrigatoriamente nominativas, mas
endossáveis.
(110º Exame de Ordem/SP) 20 — Preferenciais são as ações de sociedade
anônima em que:
1. o estatuto outorga determinados privilégios patrimoniais em relação às ações ordinárias, podendo, em contrapartida, deixar de conferir-lhes o direito de voto ou restringi-lo.
2. o contrato social confere direito ao recebimento de certificados de
ações negociáveis, podendo, em contrapartida, determinar que somente detentores de ações ordinárias possam ser proprietários de
ações preferenciais, ou mesmo limitar o direito de voto às matérias
de competência dos Conselhos Fiscal e de Administração.
3. a lei impõe direito de voto ilimitado, podendo a assembleia, se o
estatuto assim o determinar, exigir que para o exercício desse direito
de voto, o sócio seja proprietário de um número mínimo de ações.
4. a lei contempla direito de voto e direito à percepção de vantagens
patrimoniais, sendo estas determinadas, definidas e especificadas no
estatuto social.
FGV DIREITO RIO
56
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
O) GLOSSÁRIO
AÇÃO DE FRUIÇÃO: São as ações atribuídas aos acionistas cujas ações foram
totalmente amortizadas, nos termos do artigo 44, parágrafo 5º da Lei das
S.A. Por meio da amortização, o acionista recebe, de forma antecipada, os
valores a que faria jus no momento da liquidação da companhia.
ACORDO DE ACIONISTAS: O acordo de acionistas é o instrumento utilizado
para disciplinar muitos interesses dos acionistas. Disciplinado no artigo 118
da Lei das S.A., este tipo de acordo é um contrato “parassocial”, pois é distinto dos documentos societários da companhia, como estatuto social e atas de
assembleias. Seu regramento jurídico é aquele dos contratos civis e comerciais
em geral, apesar de ter diversos reflexos no campo societário. Enquanto no
estatuto social estão presentes as regras que disciplinam a sociedade e às quais
ela própria e todos os sócios estão sujeitos, no acordo de acionistas os sócios
procuram regular seus interesses individuais em face da sociedade. Apesar de
ser um contrato entre um determinado grupo de acionistas, o acordo traz
obrigações para a sociedade e reflexos para sócios que não são signatários,
desde que observados certos requisitos legais (Fonte: Celso A. Barbi Filho.
“Acordo de acionistas: panorama atual do instituto no Direito Brasileiro e
propostas para a reforma de sua disciplina legal”. IN: RDM vol. 121, janeiro-março 2001 pp.31-55).
EMPRÉSTIMO PONTE: empréstimo concedido em antecipação aos recursos
de uma outra transação.
FGV DIREITO RIO
57
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
AULA 7: ACIONISTAS E ACIONISTA CONTROLADOR: NOÇÕES
GERAIS; DIREITOS E OBRIGAÇÕES; PODER DE CONTROLE; ACORDOS
DE ACIONISTAS
A) MATERIAL DE LEITURA
Leitura Básica
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v. 2. 6. ed. São Paulo:
Saraiva, 2003. pp. 272-324.
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial, v. 2. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. pp. 135-163.
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 11. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008. pp. 345-363.
SIQUEIRA, Carlos Augusto Junqueira de. Transferência do Controle Acionário: interpretação e valor. Niterói: FMF Editora, 2004.
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. São
Paulo: Saraiva, 2011.
Leitura complementar
COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima. 4.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. pp. 51-103.
FRANÇA, Erasmo Valladão A. e Novaes. “Acionista controlador — impedimento ao direito de voto (comentários ao inquérito administrativo CVM
nº TA/RJ2001/4977)”. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro, São Paulo, Malheiros, n. 125, jan./mar. 2002, pp. 139-172.
WALD, Arnoldo. A reforma da lei das sociedades anônimas: os direitos dos
minoritários na nova Lei das S.A. In: LOBO, Jorge (Coord.). Reforma da Lei
das Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro: Forense, 2002. pp. 219-247.
FGV DIREITO RIO
58
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
B) ROTEIRO DE AULA
ACIONISTAS: DIREITOS E OBRIGAÇÕES
Nas aulas anteriores, estudamos os principais valores mobiliários que podem ser emitidos pelas sociedades anônimas. Naquela oportunidade, destacamos a importância das ações, uma vez que essa espécie de valor mobiliário
é necessariamente emitida por qualquer companhia. Após termos fixado estes
conceitos, cabe tratarmos, em linhas gerais, do tratamento legislativo dado
aos detentores das ações, assim como das relações de poder existentes no âmbito das sociedades anônimas.
É intuitiva a noção de que o acionista é o titular de ações de emissão de
determinada sociedade. Da mesma forma, percebe-se que são do interesse
do acionista — em diferentes gradações, de acordo com seu perfil89 — o
desenvolvimento e a prosperidade da companhia, podendo ser esta um instrumento de renda permanente, de lucros imediatos ou, então, de poder e
influência social.
Ao passar a ser titular de participação acionária, o acionista passa a gozar
de uma série de direitos, os quais podem se apresentar de forma essencial ou
não-essencial, conforme sejam inerentes à condição de titular de participação
acionária ou não.
Os direitos essenciais dos acionistas não podem ser afastados nem pelo
estatuto nem pela assembleia geral. Conforme dispõe o artigo 109 da Lei das
S.A., os direitos essenciais dos acionistas são: (i) participar dos lucros sociais;
(ii) participar do acervo da companhia, em caso de liquidação; (iii) fiscalizar
a gestão dos negócios sociais; (iv) ter preferência para a subscrição de ações,
partes beneficiárias conversíveis em ações, debêntures conversíveis em ações
e bônus de subscrição; e (v) retirar-se da sociedade nos casos previstos em lei.
Nesse contexto, percebe-se que o direito de voto dos acionistas nas assembleias gerais da companhia não é considerado um direito essencial, uma vez
que a lei faculta, em certos casos, a possibilidade de o estatuto restringi-lo90.
Tal fato se realça com o fortalecimento do fenômeno de dispersão acionária,
em que o acionista, cada vez mais preocupado com a renda de suas ações,
perde o interesse nos processos decisórios da companhia.
Sobre a limitação do direito de voto nas deliberações sociais de uma companhia, José Edwaldo Tavares Borba afirma:
“No silêncio do estatuto, todas as ações terão direito de voto, inclusive as preferenciais. Permite-se, no entanto (art. 111), que o estatuto
retire às ações preferenciais, ou a uma classe destas, o direito de voto, ou
89.
Sobre os diferentes perfis dos acionistas, afirma Rubens Requião: “Com efeito, em nosso mercado identificamos
exatamente, hoje em dia, essas espécies de acionistas, classificados conforme suas pretensões: o acionista-rendeiro pretende das ações apenas uma
renda permanente, objetivando em sua
carteira acionária a constituição de um
patrimônio rentável. [...] O acionista-especulador mais se preocupa com os
pregões da bolsa, onde pretende lucros
imediatos, pouco se importando em
usufruir dividendos ou direitos, pois
visa apenas aos resultados de sua especulação. O acionista-empresário não se
preocupa senão com a prosperidade da
empresa que lhe dá poder e, sobretudo,
influência social. Este último é o gênio
da empresa moderna e pretende manter, a todo custo, a posição de controle,
vale dizer, de domínio da companhia”
(Curso de direito comercial, v. 2. 23. ed.
São Paulo: Saraiva, 2003. p. 136).
90.
É o caso, por exemplo, do art. 110, §
1º, e do art. 111, ambos da Lei das S.A.
FGV DIREITO RIO
59
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
ainda que, embora admitindo-o, faça-o com restrições, estabelecendo
matérias ou situações em que essas ações não votarão”91.
Ocorre que a propriedade das ações não assegura apenas direitos aos acionistas. Com efeito, todos os titulares de ações de emissão de uma companhia
possuem diversas e relevantes obrigações. Entre as obrigações dos acionistas
estipuladas em lei ou no estatuto social, destaca-se aquela referente à integralização das próprias ações. De acordo com o artigo 106 da Lei das S.A., “o acionista é obrigado a realizar, nas condições previstas no estatuto ou no boletim
de subscrição, a prestação correspondente às ações subscritas ou adquiridas”.
O acionista que não cumprir com tais obrigações financeiras fica constituído em mora, de pleno direito, sujeitando-se ao pagamento de juros, correção
monetária e da multa que o estatuto determinar, além das sanções previstas
em lei92. Adicionalmente, os acionistas têm o dever de exercer o direito de voto
no interesse da companhia, consoante estabelece o artigo 115 da Lei das S.A.93
91.
José Edwaldo Tavares Borba. Direito societário. 10. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2007. p. 347. No entanto, as
ações preferenciais sem direito a voto
adquirem o exercício desse direito se a
companhia deixar de pagar aos seus titulares os dividendos fixos ou mínimos
no prazo previsto no estatuto, não superior a 3 (três) exercícios consecutivos,
consoante previsto no art. 111, § 1º, da
Lei das S.A.
92.
O artigo 107 da Lei das S.A. estabelece que, “verificada a mora do acionista,
a companhia pode, à sua escolha:
I — promover contra o acionista, e
os que com ele forem solidariamente
responsáveis (artigo 108), processo de
execução para cobrar as importâncias
devidas, servindo o boletim de subscrição e o aviso de chamada como título
extrajudicial nos termos do Código de
Processo Civil; ou II — mandar vender
as ações em bolsa de valores, por conta
e risco do acionista”.
93.
ACIONISTA CONTROLADOR
Além das obrigações que vinculam, de forma indiscriminada, todos os
acionistas da companhia, o legislador estabeleceu — uma vez que são precisamente os detentores do poder de controle que possuem os mais eficientes
meios e mecanismos legais para dirigir os rumos das atividades das sociedades
— certos deveres dirigidos especificamente ao acionista controlador. Desse
modo, o controle é um fenômeno de poder, na medida em que controla
uma companhia quem detém o poder de comandá-la, escolhendo os seus
administradores e definindo os rumos tomados pela companhia. Poder deve
ser efetivamente, pois quem tem a maioria das ações e não a utiliza é sócio
majoritário, mas não é controlador.
Note-se, assim, que a definição do acionista controlador não é posta por
razões meramente teóricas ou por preciosismos formais, conduzindo, em verdade, a conseqüências práticas importantes. De fato, a conceituação de determinada pessoa como controlador de uma sociedade acarreta um sem-número
de deveres e responsabilidades, gerando, por conseguinte, a incidência de
diversas normas jurídicas94.
Ao contrário de outros sistemas legislativos95, a Lei das S.A. inovou ao
introduzir uma definição de acionista controlador, nos termos a seguir elencados. Tavares Borba faz uma ponderação de que a Lei das S.A. superou a
ilusão de uma assembleia geral democrática, destacando a figura do acionista
controlador:
“Art. 115. O acionista deve exercer o
direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o voto
exercido com o fim de causar dano
à companhia ou a outros acionistas,
ou de obter, para si ou para outrem,
vantagem a que não faz jus e de que
resulte, ou possa resultar, prejuízo para
a companhia ou para outros acionistas.
§ 1º O acionista não poderá votar
nas deliberações da assembléia geral
relativas ao laudo de avaliação de
bens com que concorrer para a formação do capital social e à aprovação de
suas contas como administrador, nem
em quaisquer outras que puderem
beneficiá-lo de modo particular, ou em
que tiver interesse conflitante com o da
companhia.
§ 2º Se todos os subscritores forem
condôminos de bem com que concorreram para a formação do capital social,
poderão aprovar o laudo, sem prejuízo
da responsabilidade de que trata o § 6o
do art. 8º.
§ 3º O acionista responde pelos danos causados pelo exercício abusivo do
direito de voto, ainda que seu voto não
haja prevalecido.
§ 4º A deliberação tomada em decorrência do voto de acionista que tem
interesse conflitante com o da companhia é anulável; o acionista responderá
pelos danos causados e será obrigado a
transferir para a companhia as vantagens que tiver auferido”.
94.
A esse respeito, além das disposições
da Lei das S.A., cabe ressaltar o disposto
(i) no art. 2º, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei nº 5.452/1943); (ii) no art. 28, §
2º, do Código de Defesa do Consumidor
(Lei nº 8.078/199); e (iii) no art. 13,
parágrafo único, da Lei nº 8.620/1993.
95.
Conforme aponta, por todos, Fran
Martins (Comentários à lei das socieda-
FGV DIREITO RIO
60
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
“Art. 116 Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou
jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob
controle comum, que:
a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o
poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e
b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e
orientar o funcionamento dos órgãos da companhia”.
Apesar do mérito de introduzir a questão, a disposição legal acima transcrita tem merecido críticas de notável corrente doutrinária. Com efeito, uma
interpretação literal da previsão legal — na qual ambos os requisitos apontados nas alíneas do artigo 116 seriam imprescindíveis para a caracterização de
determinada pessoa como controlador — restringiria ao extremo o conceito
de controle, ocasionando a diminuição do raio de incidência de normas dirigidas ao exercício do poder de controle.
Fora algumas críticas pontuais, expõe-se o ponto crucial no reconhecimento de que o controle é um fenômeno fático e, por tal razão, não
pode ser verificado de forma apriorística96. Ao contrário, deve ser aferido
casuisticamente, de acordo com os elementos dados na realidade fática. O
acionista controlador detém o bloco de controle, o qual é definido pelo
conjunto de ações usado pelo acionista ou grupo deles para assegurar a
preponderância de sua vontade na vida societária da companhia. Esse bloco
pode alterar-se com frequência, sendo diminuído em um dia e aumentado
em outro. Se o seu titular permanecer o mesmo, não terá ocorrido alteração
no controle da companhia.
Cumpre observar que, diante da possibilidade de se emitir ações sem direito a voto até o limite de 50% (cinqüenta por cento) do total das ações
emitidas por uma companhia97, verifica-se a desvinculação entre a quantidade de ações detidas por um acionista e o exercício do poder de controle em
determinada companhia98.
Com efeito, considerando que, em regra, o poder de controle é exercido
a partir das ações com direito a voto, pode-se entender que, em tese, não há
necessária identificação entre o acionista controlador e o detentor de participação superior à metade do capital social de uma sociedade.
Por exemplo, em uma companhia na qual 50% das ações emitidas são
preferenciais sem direito de voto, o acionista ABC — detentor de ações ordinárias representativas de 25,00001% do capital social total da sociedade
anônima — será, em regra, o acionista controlador, apesar de 74,99999%
das ações serem de propriedade de outros acionistas.
Isso porque se adota, nas sociedades anônimas, o princípio majoritário
como o critério mais democrático para a coexistência de interesses diver-
des anônimas, v. 2, t. I. Rio de Janeiro:
Forense, 1978. p. 87).
96.
Criticando o referido dispositivo
legal, afirma Ricardo Ferreira de Macedo: “Todavia, os parâmetros fáticos
eleitos pelo legislador podem ou não
conduzir o operador do direito ao fato
que se pretendeu disciplinar, o fato do
controle, cabendo ao intérprete, assim, reconhecer a insuficiência desses
parâmetros, quando essa insuficiência
sobrevier. Os elementos identificados
pelo legislador de 1976 como supostamente determinantes do efeito fático
controle podem, em confronto com
outros fatos, não conduzir a esse efeito,
tornando-se irrelevantes à sua identificação. Dessarte, é imperativo que se
reconheça que o substrato das normas
de balizamento do controle não está
situado nos fatos que dão ensejo à sua
configuração (sejam os fatos pressupostos pelo legislador, sejam quaisquer
outros), mas, sim, no controle enquanto efeito, i.e., na possibilidade de
imposição da vontade de um sujeito na
condução de uma empresa” (Controle
não societário. Rio de Janeiro: Renovar,
2004. p. 177).
97.
Art. 15, § 2º, da Lei das S.A.
98.
Consoante assevera Rubens Requião:
“Hoje, na sociedade moderna, nem
todos os acionistas têm direito a voto,
e o conceito de ‘maioria’ se refere ao
volume das ações com voto. Como a
imensa maioria dos acionistas detém
ações sem voto [...] bem de ver que a
maioria absoluta da sociedade não tem
acesso, sequer, às disputas do controle”.
(Curso de direito comercial, v. 2. 23. ed.
São Paulo: Saraiva, 2003. p. 137).
FGV DIREITO RIO
61
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
gentes na condução dos negócios sociais. Sobre a adoção de tal princípio no
âmbito das sociedades anônimas, vale mencionar a lição de Fábio Konder
Comparato:
“(...) efetivamente, companhias há que contam com centenas de milhares de acionistas. Nessas condições, seria totalmente desarrazoado
aceitar a regra contratual do consentimento unânime, nas deliberações
sociais. Em todas as legislações, estabeleceu-se o princípio majoritário,
notadamente em matéria de sociedade por ações. Mas por que a maioria deve comandar? Parte-se, sem dúvida, do postulado de que a sociedade existe no interesse dos sócios, e como ninguém, em princípio, está
investido da prerrogativa de decidir pelos interesses alheios, prevalece
sempre a vontade do maior número, julgando cada qual segundo o seu
próprio interesse”99.
Outro ponto ressaltado por Tavares Borba diz respeito que a permanência
do poder de controle não se apóia, necessariamente, na maioria do capital
votante, referindo-se o texto legal à “maioria dos votos nas deliberações da
assembleia geral”. O que indica a maioria nas assembleias é a própria história
dessas, em função do comparecimento que normalmente se verifica. O nível
de presença mostrará a maioria necessária e, consequentemente, o titular do
poder de controle.
Baseada na clássica lição de Adolf Berle e Gardiner Means100 — a qual se
ampara na referida ideia de separação entre propriedade de ações e controle —,
a doutrina costuma apontar que o controle pode ser exercido de forma externa
— na qual o exercício se dá por mecanismos diversos da propriedade de valores
mobiliários, o qual pode até concomitantemente se verificar101 — ou interna,
decorrente, direta ou indiretamente, da participação societária, subdividida em
controle totalitário, majoritário, minoritário (também denominado majoritário eventual) ou gerencial102.
Em breve resumo, o controle totalitário caracteriza-se pela concentração
da quase totalidade das ações com direito a voto na propriedade de uma única pessoa, física ou jurídica103. Já o controle majoritário é exercido por quem
é titular de mais da metade das ações com direito a voto, seja isoladamente
ou em conjunto (como ocorre, por exemplo, na hipótese de celebração de um
acordo de acionistas que regule o exercício do direito de voto ou do poder de
controle, conforme será analisado a seguir).
Em geral, manifesta-se o controle minoritário, por sua vez, nas companhias
abertas em que há alta dispersão acionária, verificando-se o conseqüente absenteísmo dos acionistas nas assembleias. Em tais casos, determinado acionista —
ou grupo de acionistas reunidos — representa a maioria nas assembleias, embora possa deter apenas parcela minoritária do capital votante da companhia.
99.
COMPARATO, Fábio Konder. O poder
de controle na sociedade anônima. 4.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 60.
100.
BERLE, Adolf A.; MEANS, Gardiner
C. A moderna sociedade anônima e a
propriedade privada. São Paulo: Abril
Cultural, 1984.
101.
Acerca do controle externo, José
Edwaldo Tavares Borba afirma: “O controle externo caberia a entidades estranhas ao capital social, basicamente
credores da sociedade ou dos acionistas
com o poder de influir em certas deliberações da sociedade” (Direito societário.
10. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
p. 335).
102.
O tema é amplamente desenvolvido
na famosa obra de Fábio Konder Comparato (O poder de controle da sociedade
anônima. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2005. pp. 51 e seguintes).
103.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito
comercial, v. 2. 6. ed. São Paulo: Saraiva,
2003. p. 276.
FGV DIREITO RIO
62
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
Por fim, a doutrina aponta o controle gerencial como uma modalidade de
exercício do poder de controle. Apesar de bastante difundido em países com
um desenvolvido mercado de capitais, o controle gerencial ainda não apresenta relevância prática no Brasil. Tal forma de controle caracteriza-se por
ser exercida por administradores que, através de procurações, se perpetuam
na direção da sociedade, diante do elevado grau de dispersão das ações no
mercado. Abaixo, segue o quadro resumido dos diferentes tipos de controle:
Controle Majoritário
Acionista reúne metade + 1 das ações,
com o domínio da companhia
Controle Minoritário
Alto grau de dispersão acionária
Controle Concentrado (Gerencial)
Deriva de acordo de acionistas
Controle Difuso (externo)
Não possui controlador definido, o
voto é exercido pela AG.
Expostas, em linhas gerais, as características e modalidades do poder de
controle em uma sociedade anônima, faz-se necessário destacar algumas responsabilidades inerentes ao papel do acionista controlador. A questão da responsabilidade será tratada, de modo mais detalhado, em aula específica.
Conforme já aludido, a Lei das S.A. sujeita o acionista a um conjunto de
direitos e obrigações. Do mesmo modo, ao acionista controlador é dispensado
um tratamento legislativo mais rígido com o objetivo de se equilibrarem as relações de poder na companhia e imputarem responsabilidades ao controlador
que não atuar em consonância com os interesses da sociedade, dos acionistas
em geral, dos empregados ou da comunidade em que a companhia atua104.
Sobre a condição do controlador e seu exercício irregular, Fábio Ulhoa
Coelho acentua:
“O acionista que controla a sociedade anônima usufrui de uma condição privilegiada relativamente aos demais. Como titular da maioria
dos votos manifestados em assembleia geral, ele escolhe os administradores, fixa a remuneração destes, altera o estatuto em muitas partes
(...). Essa condição privilegiada, e o seu completo desfrute, nada têm de
irregular. Pelo contrário, são a legítima decorrência dos direitos que o
controlador titulariza. (...) A lei, contudo, reconhecendo a importância
de acionistas dos mais variados perfis para o pleno desenvolvimento da
empresa, e preocupada com o equilíbrio das relações de poder no interior da companhia, imputa ao controlador responsabilidades por danos
causados com abuso de poder”105.
Nessa linha, o parágrafo 1º do artigo 117 da Lei das S.A. enumera, de
forma meramente exemplificativa, algumas hipóteses em que o acionista con-
104.
A Lei das S.A. estabelece, em seu
art. 116, o princípio da função social
da empresa. Em resumo, tal princípio
consagra o entendimento de que, além
de atender aos objetivos dos acionistas,
o acionista controlador deve se preocupar também em dirigir a companhia
para a realização dos interesses dos
empregados e da comunidade em que
atua. Note-se que o princípio da função social da empresa é um dos que
conduzem os códigos de Governança
Corporativa. A esse respeito, Jorge Lobo
define governança corporativa como “o
conjunto de normas, consuetudinárias
e escritas, de cunho jurídico e ético, que
regulam os deveres de cuidado, diligência, lealdade, informação e não intervir
em qualquer operação em que tiver
interesse conflitante com o da companhia, e respectivas responsabilidades, e
que disciplinam o exercício das funções,
atribuições e poderes dos membros
do conselho de administração, da diretoria executiva e do conselho fiscal
e dos auditores externos, em especial
de companhias de capital aberto, e o
relacionamento entre si e com a própria
sociedade, seus acionistas e o mercado
em geral” (artigo disponível em www.
migalhas.com.br).
105.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito
comercial, v. 2. 6. ed. São Paulo: Saraiva,
2003. p. 283.
FGV DIREITO RIO
63
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
trolador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de
poder106.
Ressalte-se, ainda, que a lei prevê outras normas de proteção à minoria,
visando a resguardar o grupo minoritário de acionistas que não participa
ativamente dos processos decisórios da companhia. Assim, além dos direitos
essenciais dos acionistas já mencionados, os acionistas minoritários contam
com outros instrumentos de atuação, tais como: (i) poder de convocar a
assembleia geral em algumas hipóteses; (ii) direito de requerer a instalação
do conselho fiscal; (iii) prerrogativa de exigir a exibição integral dos livros da
companhia; e (iv) direito ao dividendo obrigatório.
ACORDOS DE ACIONISTAS
As relações de poder entre os acionistas podem ser reguladas através de um
acordo de acionistas cujo objetivo principal, em regra, é a estabilização das respectivas posições acionárias. A esse respeito, Fábio Ulhoa Coelho acrescenta:
“No Brasil, os acionistas interessados em estabilizar relações de poder no interior da companhia podem negociar obrigações recíprocas
que garantam certa permanência nas posições. (...) Os acionistas que
detêm juntos o controle da companhia podem contratar, por exemplo,
que todos votarão em determinadas pessoas para os cargos da diretoria;
ou que se reunirão, previamente à assembleia, para definir, por maioria,
o voto que todos irão manifestar no conclave. Podem, por outro lado,
contratar que ninguém alienará suas ações a determinados investidores, para evitar o fortalecimento de outras posições acionárias; ou que
concederão uns aos outros direito de preferência, em igualdade de condições, se decidirem alienar suas participações”107.
Desta forma, acordo de acionistas é um instrumento jurídico que possibilita a convergência dos interesses dos acionistas de uma companhia, no
sentido de possibilitar o exercício dos direitos provenientes da condição de
acionista, especialmente aqueles relacionados aos seus direitos políticos perante a Companhia e patrimoniais sobre suas ações. A Lei das S.A. traz a
previsão do acordo de acionistas em seu art. 118, possibilitando a compra e
venda de ações e o exercício do direito de voto ou do poder de controle da
companhia108.
Por possuir natureza contratual, o acordo é um contrato disciplinado pelas
normas comuns de validade e eficácia dos negócios jurídicos privados. Deve
observar, inclusive, os requisitos de validade e eficácia previstos no art. 104
do CC/02, e pode ser celebrado por prazo determinado ou indeterminado.
106.
“Art. 117. O acionista controlador
responde pelos danos causados por
atos praticados com abuso de poder. §
1º São modalidades de exercício abusivo de poder: a) orientar a companhia
para fim estranho ao objeto social ou
lesivo ao interesse nacional, ou levá-la
a favorecer outra sociedade, brasileira
ou estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas minoritários nos
lucros ou no acervo da companhia, ou
da economia nacional; b) promover a liquidação de companhia próspera, ou a
transformação, incorporação, fusão ou
cisão da companhia, com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem
indevida, em prejuízo dos demais acionistas, dos que trabalham na empresa
ou dos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia; c) promover alteração estatutária, emissão
de valores mobiliários ou adoção de políticas ou decisões que não tenham por
fim o interesse da companhia e visem
a causar prejuízo a acionistas minoritários, aos que trabalham na empresa ou
aos investidores em valores mobiliários
emitidos pela companhia; d) eleger administrador ou fiscal que sabe inapto,
moral ou tecnicamente; e) induzir, ou
tentar induzir, administrador ou fiscal
a praticar ato ilegal, ou, descumprindo
seus deveres definidos nesta Lei e no
estatuto, promover, contra o interesse
da companhia, sua ratificação pela
assembléia-geral; f) contratar com a
companhia, diretamente ou através de
outrem, ou de sociedade na qual tenha
interesse, em condições de favorecimento ou não equitativas; g) aprovar
ou fazer aprovar contas irregulares de
administradores, por favorecimento
pessoal, ou deixar de apurar denúncia
que saiba ou devesse saber procedente, ou que justifique fundada suspeita
de irregularidade; h) subscrever ações,
para os fins do disposto no art. 170,
com a realização em bens estranhos ao
objeto social da companhia”.
107.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito
comercial, v. 2. 6. ed. São Paulo: Saraiva,
2003. p. 314.
108.
“Art. 118. Os acordos de acionistas,
sobre a compra e venda de suas ações,
preferência para adquiri-las, exercício do direito a voto, ou do poder de
controle deverão ser observados pela
companhia quando arquivados na sua
sede”.
FGV DIREITO RIO
64
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
O acordo de acionistas também pode ser utilizado nas Sociedades Limitadas
cujo contrato social preveja a regência supletiva da Lei das S.A., tal como
dispõe o parágrafo único, do artigo 1.053, do CC/02.
A eficácia do acordo de acionistas perante terceiros, cuja regra encontra-se disposta no parágrafo primeiro, do art. 118, da Lei das S.A., a seguir:
“as obrigações ou ônus decorrentes desses acordos somente serão oponíveis
a terceiros, depois de averbados nos livros de registro e nos certificados das
ações, se emitidos”. Sendo assim, o acordo de acionistas deverá ser arquivado
na sede da companhia, gerando eficácia erga omnes.
Em linhas gerais, o acordo de compra e venda de ações equivale a uma
promessa de contratar; o acordo de preferência acarreta a obrigação de não
alienar a terceiro sem previamente afrontar os signatários do contrato. O
acordo de acionistas destinado a disciplinar o direito de voto é o que ganha
maior importância, em face da influência que poderá exercer sobre a definição do poder de controle.
Ao incluir o exercício comum do poder de controle, a Lei nº 10.303/01
instituiu o acordo de voto em bloco (pooling agreement), por meio do qual
os acionistas convenentes deliberam majoritariamente, em reunião prévia, a
direção dos votos que serão dados pelas ações do bloco de controle nas assembleias. O leading case do acordo de voto em bloco se deu em 1897, no caso
Smith v. San Francisco & N.P.Ry. Co.
No momento da assembleia, o presidente deve recusar o voto contra o
acordo, fazendo-o como membro do órgão da sociedade. O voto a ser recusado é aquele que, de forma clara e frontal, viola o acordo arquivado na sede
da sociedade. Tavares Borba defende que se a matéria for contravertida, ou se
envolver problemas interpretativos, o presidente da assembleia fica engessado, ao passo que cabe ao Poder Judiciário dirimir as controvérsias. A crítica
que se pode fazer diz respeito à eventual morosidade diante da celeridade do
mundo negocial, que exige decisões rápidas.
Por fim, o p. único do art. 116 da Lei das S.A. institui o dever fiduciário
do controlador, singular ou comum (o qual deriva do controle de acionistas), cujo poder de governar autonomamente a companhia corresponde ao
dever de fazê-lo visando à realização do objeto social. O dever fiduciário dos
controladores decorre de sua situação jurídica de poder dispor dos bens da
companhia como um proprietário. Em outras palavras: os controladores têm
o poder de governar a sociedade autonomamente, sem o concurso dos minoritários para a formação, a declaração e a consecução/implementação da
vontade social. Desse modo, subsiste o caráter permanente do exercício de
controle, conforme ressaltado no item antecedente.
FGV DIREITO RIO
65
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
TAG ALONG
O tag along é um mecanismo previsto na Lei das S.A. e foi introduzido
pela Lei nº 10.303/01, que acrescentou o art. 254-A na legislação. O instituto tem por objetivo proteger os acionistas minoritários diante da transferência do controle de determinada companhia. A citada lei não restaurou o
princípio do tratamento igualitário contido originalmente no art. 254 da Lei
nº 6.404/76, mas consagrou o princípio do valor diferenciado de ações da
mesma espécie, obrigando a oferta pública em se tratando de alienação do
controle acionário.
O tag along assegura que a alienação, direta ou indireta, do controle acionário de uma companhia aberta somente poderá ocorrer sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o acionista adquirente se obrigue a fazer oferta
pública de aquisição das demais ações ordinárias, de modo a assegurar a seus
detentores o preço mínimo de 80% do valor pago pelas ações integrantes do
bloco de controle. A IN 361/02, em seus arts. 29 e 30, disciplina a OPA por
alienação do controle.
Em termos didáticos, pressuponha que um acionista ou terceiro ofereçam
100 reais por ação do bloco de controle. Ao se perfazer a compra, é necessário
que esse acionista ou terceiro realizem uma OPA, ofertando, no mínimo, 80
reais por ação dos minoritários, que têm a liberdade de alienar ou não suas
ações. A não alienação das ações da companhia por parte dos minoritários
pode representar uma estratégia de médio/longo prazo.
Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, autores do anteprojeto
da Lei das S.A., manifestaram-se sobre o tema:
“Toda a controvérsia reside em saber se os acionistas minoritários
têm ou não direito de venderem suas ações ao mesmo comprador e nas
mesmas condições de preço, sempre que o acionista controlador alienar
as suas ações. O Projeto adota normas destinadas a evitar que a alienação do controle da companhia possa se processar com prejuízo dos demais acionistas, especialmente no caso em que esse controle é adquirido por sociedade que, em seguida, incorpora a controlada. Não define,
porém, em todos e qualquer caso, um direito dos demais acionistas de
participarem do preço da venda das ações de propriedade do acionista
controlador (...). O espírito do Projeto é levar ao extremo a defesa dos
interesses do acionista minoritário mas não ao ponto de permitir, sob
esse pretexto, a destruição do instituto da sociedade anônima”109.
Autores clássicos como Nelson Eizirik e Modesto Carvalhosa assinalam
que, antes do advento da Lei nº 10.303/01, prevalecia a denominada “Lei
Kandir” (em homenagem Deputado Antonio Kandir), a qual configurava
109.
FILHO, Alfredo Lamy; PEDREIRA, José
Luiz Bulhões. Anteprojeto à Lei das Sociedades Anônimas.
FGV DIREITO RIO
66
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
um retrocesso no direito societário brasileiro, na medida em que eliminava a
oferta pública obrigatória de aquisição de ações dos minoritários.
O art. 254-A da Lei das S.A. atribui, portanto, ao bloco de controle uma
mais-valia, permitindo que as ações que o integram recebam um preço superior ao das ações dos minoritários, por ocasião de sua alienação. Desse
modo, o dispositivo coloca que a oferta pública é obrigatória por ocasião da
alienação do controle de qualquer companhia aberta, independentemente de
quais valores mobiliários de sua emissão sejam objeto de negociação pública.
Os destinatários da oferta pública de que trata o art. 254-A da Lei das S.A.
são todos os titulares de ações com direito de voto que não integram o bloco
de controle. Os acionistas que detêm ações preferenciais, com direito de voto,
igualmente são contemplados pela OPA.
Modesto Carvalhosa assinala que dois são os elementos fundamentais para
que se caracterize a alienação do controle acionário, quais sejam: 1) que da
operação, em seu conjunto e de uma só vez ou por etapas, resulte a presença
de um novo acionista controlador ou de um grupo de controle (art. 118); 2)
e que a transferência do controle, não importa a sua modalidade, apresente
um caráter oneroso, ou seja, que algum momento o antigo controlador ou
participante do bloco de controle receba alguma remuneração, inclusive por
permuta, pela transferência de suas ações ou valores mobiliários conversíveis
em ações.
A obrigatoriedade da oferta pública já foi comentada no tópico, mas alienação do controle acionário é juridicamente instrumentalizada mediante um
contrato de cessão de ações que compõem o bloco de controle. Trata-se de
um contrato de compra e venda de ações, cujo ajuste é de natureza civil.
Por fim, dúvidas são suscitadas quando o controle é exercido por um grupo
de acionistas cujas ações se encontram vinculadas por acordo de acionistas,
não havendo nenhum que, individualmente, detenha o poder de controle.
Nesse caso, ocorrendo transferências de posições acionárias dentro do acordo
de acionistas ou entre pessoas que constituem o bloco de controle, não há
alienação do controle para efeitos do art. 254-A da Lei das S.A., uma vez que
a operação, mesmo que onerosa, não resultará o surgimento de um acionista
controlador. No caso, pode eventualmente ocorrer uma troca de posições
dentro de um bloco de controle (art. 118) que não caracteriza a alienação do
controle acionário.
FGV DIREITO RIO
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
C) TEXTOS DE APOIO
Casino leva à arbitragem suposto conflito de interesse de Abilio Diniz
Fonte: Estado de São Paulo, 01.05.2013
O Casino, controlador do Grupo Pão de Açúcar (GPA), entrou nesta
quarta-feira com um novo pedido de arbitragem contra o sócio Abilio Diniz.
No documento enviado à Câmara de Comércio Internacional, os franceses
questionam a existência de conflito no acúmulo de funções por parte de Diniz, já que ele agora preside os conselhos de administração do GPA e da BRF,
um dos maiores fornecedores da varejista.
O grupo francês alega que a presença do empresário brasileiro em postos
de poder nas duas empresas viola o acordo de acionistas e a lei brasileira.
“Nenhum acordo privado pode ferir a lei e, nesse caso, a lei das S.A. proíbe
que um conselheiro exerça o cargo se ficar configurado conflito de interesse”,
explica uma fonte próxima ao Casino.
Além disso, os franceses também pediram à câmara de arbitragem a confirmação de que eles “podem tomar as medidas necessárias para proteger os
interesses do GPA em conformidade com o acordo de acionistas”. Com isso,
caso a decisão dos árbitros seja de que há conflito de interesse, o Casino poderia pedir a destituição de Abilio Diniz do conselho de administração do
Pão de Açúcar.
Isso já poderia ser feito hoje, de forma arbitrária, contrariando o acordo de
acionistas, que dá a Abilio Diniz o direito de presidir o conselho do Pão de
Açúcar. Os franceses chegaram a cogitar essa possibilidade, segundo fontes,
mas a descartaram porque o caso provavelmente seria levado à Justiça e viraria uma guerra de liminares.
Na câmara de arbitragem, o processo pode levar de um a dois anos para ser
concluído. Para acelerar a decisão, o Casino optou por não iniciar um novo
processo (que demandaria a escolha de árbitros por ambos os lados e outras
burocracias). Em vez disso, fez uma espécie de “adendo” a um pedido de arbitragem feito pelo próprio Diniz em dezembro do ano passado.
Na ocasião, depois de ter várias propostas recusadas pelo conselho de administração do Pão de Açúcar, Abilio recorreu à arbitragem com o objetivo
de evitar o esvaziamento de sua atual função no GPA. Vinte dias depois,
vazou no mercado a informação que Abilio estaria negociando um acordo
para se tornar presidente do conselho da BRF. Ele foi eleito para o cargo no
dia 9 de abril.
Desde que se tornou público o interesse de Diniz em substituir Nildemar
Secches no conselho da fabricante de alimentos, o representante do Casino
no GPA, Arnaud Strasser, manifestou-se por duas vezes contrário ao acúmulo
de funções do empresário durante as assembleias do Pão de Açúcar e da Wi-
FGV DIREITO RIO
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
lkes, holding que controla a varejista e na qual Casino e Diniz têm participação. Strasser pediu ao empresário que renunciasse ao cargo no GPA.
Conflito. A resposta de Abilio Diniz ao Casino tem sido de que não há
conflito de interesse. Foi o que ele voltou a afirmar nesta quarta-feira, por
meio da assessoria de imprensa, em relação ao pedido de arbitragem. Fontes
próximas ao empresário dizem ter se surpreendido com a atitude do Casino. Elas esperavam que os franceses adotassem outra estratégia e recorressem
direto à Justiça. Para as fontes ligadas a Abilio, os representantes do Casino
devem ter avaliado que teriam mais chances de usar o argumento de conflito
de interesse na câmara de arbitragem.
Na câmara de arbitragem, a vitória do Casino seria mais fácil, mas não é
garantida, já que não há jurisprudência. Os casos que se aproximam deste
imbróglio envolvem conselheiros comuns em empresas concorrentes, o que
não é o caso de Pão de Açúcar e BRF.
A primeira vez que o Casino pediu arbitragem contra Diniz foi em 2011,
após informações de que o Pão de Açúcar estaria negociando uma fusão o
Carrefour sem seu aval.
“Abilio Diniz fecha acordo com Casino e deixa o Grupo Pão de Açúcar”
Fonte: O Globo, 06.09.2013
O empresário Abilio Diniz chegou nesta sexta-feira (6) a um acordo com
o grupo francês Casino e anunciou sua renúncia à presidência do conselho
de administração do Grupo Pão de Açúcar (GPA), empresa fundada por seu
pai em 1948.
“Estou feliz de pôr fim a esses dois anos de luta”, afirmou o empresário,
em pronunciamento em São Paulo. “Renuncio à presidência e aos meus poderes lá”, acrescentou.
“Na véspera do dia que simboliza a liberdade do Brasil, eu também abraço
a minha liberdade para continuar perseguindo os meus sonhos”, completou.
O acordo sela o fim do conflito com o Casino como também a saída de
Abilio do Pão de Açúcar, que já era controlado pelo grupo francês desde
junho de 2012. A partir de agora, o empresário será apenas acionista, sem
direitos políticos na empresa.
O Casino cobrava a saída de Abilio da presidência do conselho do GPA
desde que o empresário também passou a acumular a presidência do conselho
da BRF — um dos maiores fornecedores do Pão de Açúcar. Os termos do
acordo feito com o Casino em 2005 garantia que o empresário permanecesse
no cargo mesmo depois da transferência do controle do grupo aos franceses.
Por várias vezes durante a entrevista, Abilio disse que os últimos anos não
foram fáceis ao se referir à disputa com o Casino. “Os últimos dois anos não
foram fáceis e, hoje, com alegria, encontramos uma solução suficientemente
FGV DIREITO RIO
69
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
boa para todos”, disse, agradecendo à família por tê-lo “aguentado” nestes
dois anos “que não foram prazerosos”.
Abílio lembrou ainda que ele comunica a renúncia exatamente 65 anos
depois de seu pai, Valentim dos Santos Diniz, fundar o Pão de Açúcar, em 7
de setembro de 1948.
Termos do acordo
Foi decidido que Abílio trocará as ações ordinárias que tem na Wilkes,
holding controladora do GPA, e receberá ações preferenciais, as negociadas
em bolsa, na razão de 1 para 1. Com isso, o empresário passará a ter cerca de
9% das ações preferenciais do Grupo Pão de Açúcar — aquelas que não dão
direito a voto — juntando com os cerca de 2% de ações ordinárias que ele
tinha anteriormente ao negócio.
Em fato relevante, o GPA informou que o Casino trocará 19,375 milhões
de ações preferenciais do Pão de Açúcar pela mesma quantidade de ordinárias
emitidas pela Wilkes detidas por Abilio.
O empresário destacou que considera o investimento no Pão de Açúcar
“excelente” e que não planeja novas vendas de ações preferenciais.
Em comunicado conjunto, Abilio e Jean-Charles Naouri, presidente do
Casino, afirmaram que decidiram “terminar suas disputas e concluir sua parceria de maneira benéfica para ambos, de forma que cada um possa livremente seguir em frente e perseguir novas oportunidades”.
Pelos termos, o acordo Wilkes deixa de existir e os conselheiros Luiz Fernando Figueiredo e Modesto Carvalhosa também renunciam ao conselho de
administração do Pão de Açúcar.
As duas partes também decidiram encerrar todos os litígios que têm entre
si. Abilio afirmou, porém, que o acordo não foi motivado por temores em
relação ao Cade impedir a atuação dele ao mesmo tempo na presidência dos
conselhos do Pão de Açúcar e da BRF. O motivo de ter ocorrido neste momento, disse, foi o de terem conseguido um acordo.
Entenda o caso
A saída de Abilio da presidência do Conselho do Pão de Açúcar põe fim a
uma conturbada relação do empresário com o Casino. As relações do brasileiro com o grupo francês se deteriorou desde que o empresário tentou uma
fusão do Pão de Açúcar com o Carrefour no Brasil em 2011.
O Casino conseguiu, porém, barrar a iniciativa de Abilio. O conselho
de administração do grupo francês rejeitou a oferta de fusão e o BNDES
não confirmou o apoio, o que impediu o avanço do projeto de fusão. Na
ocasião, o Casino argumentou que a fusão teria o objetivo de impedir que
o grupo assumisse o controle do Pão de Açúcar, como previa o acordo assinado em 2005.
FGV DIREITO RIO
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
As desavenças entre as duas partes se agravaram neste ano, quando o empresário foi eleito para ser a presidência do conselho da BRF, uma das maiores
companhias de alimentos do Brasil e que tem o Pão de Açúcar como seu
principal distribuidor de produtos no mercado interno.
Após transferir o controle da varejista ao Casino, no ano passado, Abilio
reduziu de forma significativa sua presença no capital da varejista. Em apenas
três leilões de venda de ações preferenciais em seu portfólio desde o fim de
2012, ele embolsou mais de R$ 2,5 bilhões.
Íntegra do comunicado conjunto de Abilio Diniz e Jean-Charles Naouri:
“Movidos pelo sentimento de respeito mútuo, Abilio Diniz, Presidente do
Conselho do Grupo Pão de Açúcar, e Jean-Charles Naouri, Presidente do Conselho do Grupo Casino, decidem terminar suas disputas e concluir sua parceria de
maneira benéfica para ambos, de forma que cada um possa livremente seguir em
frente e perseguir novas oportunidades.
Esse é um momento importante na história de negócios no Brasil, sendo que há
exatamente 65 anos — em 7 de setembro de 1948 — a família Diniz fundava
o Grupo Pão de Açúcar, a maior empresa de distribuição do Brasil.
Abilio Diniz deseja muito sucesso ao Sr. Naouri e ao Grupo Casino. Ele expressa
seus desejos mais sinceros para que o Grupo Pão de Açúcar continue crescendo com
suas pessoas, sua cultura e seus valores, contribuindo para o desenvolvimento do país.
Jean-Charles Naouri expressa sua gratidão pelas muitas contribuições do Sr.
Diniz e de sua família, e deseja muito sucesso em seus projetos futuros. Sr. Naouri
espera continuar estimulando o crescimento do GPA em benefício de seus consumidores, funcionários, acionistas e da sociedade brasileira.”
Íntegra de carta lida por Abilio:
“Em 7 de setembro de 1948 meu pai, Valentim dos Santos Diniz, fundou
o Pão de Açúcar. Desde então dediquei a minha vida à construção deste sonho.
Hoje, exatos 65 anos depois, encerro um importante ciclo dessa história de sucesso
para a empresa, para a nossa família e para mim.
É com emoção que renuncio à presidência do Conselho do Grupo Pão de Açúcar. Tenho comigo sentimentos de gratidão, felicidade, realização, respeito e orgulho por essa empresa, por essa gente e por esse país.
Na véspera do dia que simboliza a liberdade do Brasil, eu também abraço
a minha liberdade para continuar perseguindo os meus sonhos. Como costumo
dizer, quero hoje ser melhor do que ontem e, amanhã, melhor do que hoje.
No Pão de Açúcar sempre buscamos a eficiência, o crescimento e o êxito, com
muito trabalho e dedicação, e assim construímos uma empresa única, admirada
no Brasil e no mundo. Perseguimos sempre a felicidade e não é à toa que o Pão de
Açúcar tem como slogan “Lugar de Gente Feliz”.
FGV DIREITO RIO
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
Levo comigo os desafios, as conquistas, as derrotas, as vitórias e, acima de tudo,
os aprendizados. É claro que num momento como esse também sinto tristeza;
tristeza pela saudade que terei da empresa, das pessoas, das lojas e dos símbolos
que tanto amo.
Mas assim é a vida. É preciso ter sabedoria para aceitar as mudanças. É preciso se reinventar e ir em frente. Seguirei a minha vida empresarial fazendo aquilo
que sempre fiz, com coragem, correção, alegria e determinação, descobrindo e
aceitando novos desafios. Peço a Deus que continue me dando saúde e iluminando o meu caminho, assim como o de vocês.
Agradeço a todos que compartilharam comigo esse sonho, a começar pelos meus
pais, Valentim e Floripes, meus irmãos, minha mulher, Geyze, meus filhos Ana
Maria, João Paulo, Adriana, Pedro Paulo, Rafaela e Miguel, e aos que, ao longo
desses 65 anos, trabalharam e colaboraram com o Pão de Açúcar — são milhares
de pessoas que dedicaram suas vidas para fazer dessa empresa realmente um lugar
de gente feliz. Agradeço também a todos os consumidores e parceiros que acreditaram em mim e no Pão de Açúcar, mesmo nos momentos mais desafiadores da
nossa história.
Sinto-me realizado por liderar o Grupo Pão de Açúcar por todos esses anos.
Sinto que contribuí com o meu trabalho e a minha liderança e deixar esse legado
me faz muito feliz.
Os últimos dois anos não foram fáceis e, hoje, com alegria, encontramos uma
solução suficientemente boa para todos.
Desejo ao Grupo Casino e aos acionistas do Pão de Açúcar sucesso na condução
dessa empresa, que ela continue crescendo com a sua gente, a sua cultura e os seus
valores, contribuindo para o desenvolvimento do nosso país e sendo sempre um
lugar de gente feliz.”
“Justiça impede voto do Previ e do BNDES em assembleia da Telemar
Decisão toma como base o artigo da Lei das S/A, que trata do abuso do direito
de voto e conflito de interesses.
Agência Estado. O Tribunal de Justiça do Rio concedeu nesta quinta-feira
(23/11) liminar que impede o voto do Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que participam do bloco de controle da Telemar, nas
assembleias de acionistas que vão decidir a reestruturação do grupo, marcadas para hoje e segunda-feira (27/11). A decisão toma como base o artigo 115
da Lei das S/A, que trata do abuso do direito de voto e conflito de interesses.
No dia 7 de novembro, o fundo Polo Norte, da gestora de recursos Polo
Capital, entrou com uma ação contra a Telemar alegando abuso de poder do
controlador, por causa da grande diferença de preços entre as ações ordinárias
e preferenciais da empresa embutida na reestruturação societária. Em linhas
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
gerais, o objetivo das mudanças é simplificar a estrutura acionária da Telemar,
hoje formada por três empresas e seis diferentes classes de ação, que ficariam
juntas numa única empresa. Para fazer a troca, os controladores estipularam
uma cotação para cada tipo de papel que provocou reação irritada dos minoritários”.
(Exame Online, Daniela Milanese, 24.11.2006)
D) JURISPRUDÊNCIA
“DIREITO COMERCIAL. SOCIEDADE ANÔNIMA. ACIONISTA
CONTROLADOR. Em tese, é suscetível de configurar a situação de acionista controlador a existência de grupo de pessoas vinculadas sob controle comum, bastando que um ou alguns de seus integrantes detenham a titularidade
dos direitos de sócio de tal ordem que garanta ao grupo a supremacia nas deliberações da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores
da companhia. Questão de fato a ser deslindada na oportunidade da prolação
da sentença. Alegação de negativa de vigência dos arts. 116 e 118 da Lei das
Sociedades Anônimas e do art. 3. do C.P.C. repelida. Recursos Especiais não
conhecidos” (STJ, 4ª Turma, REsp 784/RJ, Rel. Min. Barros Monteiro, j.
24.10.1989, v.u., DJ 20.11.1989, p. 17.296 e RSTJ, v. 6, p. 422).
“SOCIEDADE ANÔNIMA. ACORDO DE ACIONISTAS. RESOLUÇÃO COM BASE NA QUEBRA DA AFFECTIO SOCIETATIS E
DO DEVER DE LEALDADE E COOPERAÇÃO ENTRE OS CONVENENTES. POSSIBILIDADE JURÍDICA. INCIDÊNCIA DOS ENUNCIADOS NOS 5 e 7 DA SÚMULA/STJ QUANTO À ILEGITIMIDADE
ATIVA DA RECORRIDA. INOCORRÊNCIA DE DECISÃO EXTRA
PETITA. MATÉRIA NÃO DEBATIDA NA APELAÇÃO. ACÓRDÃO
QUE NÃO PADECE DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. RECURSO
NÃO CONHECIDO.
I — Admissível a resolução do acordo de acionistas por inadimplemento
das partes, ou de inexecução em geral, bem como pela quebra da affectio
societatis, com suporte na teoria geral das obrigações, não constituindo impedimento para tal pretensão a possibilidade de execução específica das obrigações constantes do acordo, prevista no art. 118, § 3º da Lei 6.404/76.
II — Estando a questão da ilegitimidade ativa da autora do pedido de
resolução contratual fundamentada na falta de cumprimento de cláusulas do
acordo quanto à anuência dos demais convenentes, que o acórdão recorrido
tem por expressamente manifestada nos documentos que analisou, não é viável o seu reexame em sede de Recurso Especial com a incidência dos enunciados nos 5 e 7 da súmula deste Tribunal.
FGV DIREITO RIO
73
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
III — Contendo a inicial pedido de resolução do acordo de acionistas e de
seus aditivos e constando do dispositivo da sentença que é julgado procedente esse pedido, ‘tendo por resolvidos o acordo de acionistas consubstanciado
no instrumento original de fls. 14 e seus aditivos’, não há que argumentar-se
com nulidade da decisão por ser extra petita. Questão sobre a qual, ademais operou-se a preclusão, uma vez não agitada nas razões da apelação. (...)”
(STJ, 4ª Turma, REsp 388423/RS, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira,
j. 13.05.2003, v.u., DJ 04.08.2003, p. 308).
“DIREITO SOCIETÁRIO. ACORDO DE ACIONISTAS. [...] Acordo
de acionistas sujeito a condição suspensiva. Sua validade. Obrigatoriedade
de averbação pela companhia, que não pode exercer juízo de valor quanto
ao seu conteúdo. O fato de alguns convenentes serem acionistas indiretos
mas sob condição resolutiva, qual seja, de desconstituição da controladora,
implemento da condição, que os tomarão diretos, perdendo aquele status
e ganhando outro, não impede o seu arquivamento. Prática de ato judicial de conservação, visando o conhecimento de terceiros, que não poderão
alegar o desconhecimento do referido acordo (art. 130 do Código Civil).
Preliminar de nulidade repelida, Recurso desprovido” (TJRJ, 18ª CC, AC
2004.001.05257, Rel. Des. Carlos Eduardo Passos, j. 06.04.2004).
“AÇÃO CAUTELAR. DECISÃO QUE DEFERE PARCIALMENTE
LIMINAR PARA REVIGORAR ACORDO DE ACIONISTAS JÁ RESILIDO PELO DECURSO DO TEMPO. ALEGAÇÃO DE VÍCIO DE VONTADE. CASSAÇÃO DA LIMINAR. AGRAVO REGIMENTAL. Não pode
o Judiciário, sem relevante razão de direito, e prova de prejuízo irrecuperável,
ou de difícil reparação, intervir em acordo de acionistas, revigorando o já
resilido ou estabelecendo regras, pena de ofensa a princÍpio constitucional
consubstanciado nos artigos 5º, caput e inciso XXII, da Carta Magna de 88.
Improvimento do primeiro e provimento parcial do segundo agravo, ficando
prejudicado o agravo regimental” (TJRJ, 9ª CC, AI 2000.002.09024, Rel.
Des. Jorge Magalhães, j. 12.09.2000).
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO QUE, EM DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE ANÔNIMA FECHADA, ANTECIPA TUTELA,
CONTRARIANDO ACORDO DE ACIONISTA.
1. Os acordos de acionistas, sobretudo quanto ao sagrado direito de voto,
deverão ser observados pela companhia, quando arquivados em sua sede (art.
118, da Lei 6.404/76);
2. Não pode validamente o magistrado, em concessão de tutela antecipada,
pena de abuso de poder, autorizar o contrário do que resulta do acordo, sob o
fundamento de objetivar mais uma oportunidade extrajudicial, de se compo-
FGV DIREITO RIO
74
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
rem os acionistas. Agravo provido” (TJRJ, 9ª CC, AI 1998.002.06291, Rel.
Des. Jorge Magalhães, j. 13.10.1998).
“CONTRATO. ACORDO DE ACIONISTAS. INTERPRETAÇÃO DE
ACORDO. DESCUMPRIMENTO. Contrato. Interpretação. Acordo de
acionistas. Intenção das partes contratantes. Regras de hermenêutica contratual. Segundo os critérios da hermenêutica contratual, segundo a Lei Civil, bem
como a Lei Comercial, nas convenções, deve-se indagar, de preferência, qual
foi a vontade comum das partes contratantes, em vez de prender-se ao sentido
literal das expressões contratadas, considerando-se as manifestações volitivas
do ato, mediante análise lógica e razoável. [...] Recursos improvidos” (TJRJ, 6ª
CC, AC 1997.001.02467, Rel. Des. Luiz Zveiter, j. 10.06.1997, v.u.).
“SOCIEDADE ANÔNIMA.
I — Sociedades de capital aberto do ‘Grupo Real’. Ação ajuizada por acionistas e substitutos processuais das empresas do conglomerado, objetivando
a indenização da diferença entre honorários, participações e verbas de representação efetivamente recebidas, pelo administrador e controlador das companhias e a importância que deveria ter recebido, considerando-se o valor do
mercado.
II — Improcedência da ação em grau de embargos infringentes para restabelecer-se a sentença de 1. grau que considerara desnecessária a produção de
provas oral e pericial, ante os elementos já constantes dos autos.
III — Recurso extraordinário que vislumbra ofensa aos artigos 117, parágrafo 1º, alíneas ‘c’ e ‘f ’, e 152 das Leis das Sociedades Anônimas e 130, 332
e 333, inciso I, do C.P.C., além de divergência jurisprudencial, propugnando
pela produção das provas oportunamente requeridas.
IV — Insubsistência da prejudicial de coisa julgada suscitada pelos recorridos. o pedido formulado no recurso extremo é, precisamente, o da anulação
da sentença, em face do julgamento antecipado da lide.
V — Provas requeridas desnecessárias para os efeitos pretendidos, porquanto visam não a infirmar a política lesiva aos interesses das companhias, mas
sim a demonstrar as disparidades das remunerações individuais dos diretores.
Falta de legitimidade dos recorrentes para postularem em juízo quanto a estes.
VI — Inexistência de violação dos dispositivos legais apontados e falta de
comprovação do dissídio jurisprudencial (art. 322 do RISTF). RE não conhecido pelas alíneas ‘a’ e ‘d’ do permissivo constitucional” (STF, 2ª Turma,
RE 108650, Rel. Min. Célio Borja, j. 21.08.1987, v.u., DJ 25.09.1987, p.
20.415).
“SOCIEDADE COMERCIAL. ANÔNIMA. Anulação de deliberação
para aumento de capital. Ação movida por acionistas minoritários, questio-
FGV DIREITO RIO
75
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
nando a legalidade dos critérios adotados pela administração da sociedade.
Impossibilidade. Falta de legítimo interesse processual. Ausência de comprovação de abuso ou desvio de poder da controladora e de dolo, culpa, ou, ainda, intuito de prejudicar a minoria da administradora. Pedido de indenização
bem rejeitado. Cerceamento de prova inocorrente. Embargos infringentes
desacolhidos” (TJSP, 2ª CDPri, EI 83.319-4/1-02, Rel. Des. J. Roberto Bedran, j. 26.09.2000).
E) QUESTÕES DE CONCURSO
(21º Exame de Ordem OAB-RJ)
3 — Pode-se dizer que o direito de voto seja um dos direitos essenciais do
acionista?
Questão (CESPE — 2012 — AGU)
O número de ações preferenciais sem direito a voto ou sujeitas a restrições
no exercício desse direito não pode ultrapassar 50% do total das ações emitidas pela sociedade anônima.
( ) Certo ( ) Errado
FGV DIREITO RIO
76
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
AULAS 8 E 9: ÓRGÃOS ADMINISTRATIVOS: ADMINISTRAÇÃO.
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO E DIRETORIA: CARACTERÍSTICAS,
COMPOSIÇÃO, FUNCIONAMENTO E COMPETÊNCIA. DEVERES E
RESPONSABILIDADES DOS ADMINISTRADORES.
A) MATERIAL DE LEITURA
Leitura Básica
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial, v. 2. São Paulo: Saraiva,
2003. pp. 190-222.
TOLEDO, Paulo F. C. Salles de. “Modificações introduzidas na lei das sociedades por ações, quanto à disciplina da administração das companhias”
In: LOBO, Jorge (Coord.) Reforma da Lei das Sociedades Anônimas. Rio de
Janeiro: Forense, 2002. pp. 423-452.
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar,
2008.
Leitura complementar
LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A lei das S.A., v. I.
Rio de Janeiro: Renovar, 1996. pp. 240-243.
MARTINS, Henrique Cordeiro; RODRIGUES, Suzana Braga. Atributos e
papéis dos conselhos de administração das empresas brasileiras. Revista de
Administração de Empresas, v. 45, nov./dez. 2005. Disponível em www.rae.
com.br/raeespecial/index.cfm?FuseAction=Artigo&ID=3517&Secao=ARTI
GOS&Volume=45&numero=0&Ano=2005.
B) ROTEIRO DE AULA
ADMINISTRAÇÃO: NOÇÕES GERAIS
Os órgãos administrativos são os que conferem concretude à companhia,
com o intuito de executar o objeto social disposto em seu respectivo contrato
social. O Professor Fábio Ulhôa Coelho faz uma ponderação sobre o desdobramento da sociedade anônima em órgãos, já que do ponto de vista da administração, a estruturação da companhia em órgãos se relaciona à adequada
FGV DIREITO RIO
77
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
divisão do trabalho, à racionalidade do fluxo de informações, à agilidade do
processo decisório. Sob o prisma do direito, a criação dos órgãos tem importância para o atendimento de formalidades ligadas à validade e eficácia dos
atos da sociedade.
Dois são os órgãos decisórios, quais sejam o conselho de administração e a
diretoria. Em linhas introdutórias, o conselho de administração tem funções
deliberativas e de ordenação interna, ao passo que a diretoria exerce atribuições efetivamente executivas, que são de competência absoluta e indelegável.
A diretoria constitui órgão indispensável, ao passo que o Conselho de Administração é optativo, salvo com relação às companhias abertas e às de capital
autorizado, por força do disposto do art. 138 §2º da Lei das S.A. Em termos
gerais, administrar significa:
“Dirigir recursos humanos, financeiros e materiais, reunidos em
unidades organizadas, dinâmicas e capazes de alcançar os objetivos da
organização e, ao mesmo tempo, proporcionar satisfação àqueles que
obtêm o produto/serviço e àqueles que executam o trabalho.
Numa organização empresarial capitalista, três objetivos principais
procuram ser alcançados: a satisfação do consumidor com o produto/
serviço produzido pela empresa, o lucro obtido na comercialização da
produção ou com o serviço prestado, e a remuneração para todos que
executaram o trabalho (funcionários, empregados).
Os administradores de todas as hierarquias de uma empresa/organização devem buscar o alcance desses três objetivos de maneira eficiente
e eficaz, atendendo às expectativas de todos os envolvidos dentro e fora
da organização. O administrador de qualquer escalão planeja, organiza,
dirige e controla todos os recursos necessários, desde financeiros, humanos até máquinas e equipamentos”110.
O funcionamento de toda sociedade ou instituição requer organização. O
problema da administração nas sociedades anônimas é evidentemente complexo, na medida em que impõe a necessária distribuição de poderes gerenciais entre grupos ou pessoas que terão como encargo buscar a consecução do
objetivo social. Procura o direito brasileiro disciplinar os núcleos de poderes
sociais, ficando a administração das companhias ao encargo da Diretoria e,
conforme o caso, também do Conselho de Administração, objetos de nossas
aulas. Segundo assinala Rubens Requião:
“(...) dispõe o art. 138 [da Lei das S.A.] que a administração da
companhia competirá, conforme dispuser o estatuto, ao conselho de
administração e à diretoria, ou somente à diretoria. Esse preceito deixa,
com efeito, a opção aos acionistas de adotarem qualquer dos dois tipos
110.
Citação retirada do site http://www.
geocities.com/Athens/Atlantis/7763/
concadm.htm.
FGV DIREITO RIO
78
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
de administração da sociedade: ou o clássico, existente na lei revogada,
ou o moderno, em que a administração se divide em conselho e diretoria”111.
Administrador será tanto um membro do Conselho de Administração
quanto um membro da Diretoria. Mas enquanto o Conselho exerce funções
deliberativas e de ordem interna, a Diretoria em regra exerce funções executivas, que são de sua competência exclusiva. Antes de analisarmos especificamente a composição, funcionamento e regras específicas para cada um dos
órgãos mencionados, vejamos as regras gerais atinentes a ambos.
NORMAS COMUNS AOS ADMINISTRADORES: REQUISITOS E
IMPEDIMENTOS; INVESTIDURA E TÉRMINO DA GESTÃO
A primeira regra referente à administração diz respeito a quem está autorizado a gerir uma sociedade anônima. A administração de uma companhia
só pode ser atribuída, por meio de voto, a pessoas físicas, e não a pessoas jurídicas112. Este impedimento deve-se mais a uma questão de tradição jurídica
do que a um verdadeiro obstáculo lógico, pois, na realidade, tanto as pessoas
físicas quanto as jurídicas possuem os atributos jurídicos da personalidade e
capacidade civil, o que, em tese, seria o primeiro requisito para tornar uma
pessoa elegível para um dos órgãos de administração da sociedade.
Ainda em relação às proibições, não podem ser eleitas para os cargos de
administração as pessoas que tenham algum impedimento estabelecido em
lei, ou tenham sido condenadas por crime falimentar, de prevaricação, peita
ou suborno, concussão, peculato, contra a economia popular, a fé pública ou
a propriedade, ou a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a
cargos públicos113.
Adicionalmente, impede-se também a eleição de administradores que
ocupem cargo em outra sociedade considerada concorrente, ou ainda, que
tenha interesses conflitantes ao da sociedade, tendo em vista o resguardo ao
dever de sigilo inerente ao cargo de administrador. Cumpre observar que estes impedimentos relacionam-se a uma das principais qualidades que se quer
e se exige de um administrador, qual seja, uma reputação ilibada.
Em relação à investidura dos administradores, o procedimento, tanto para
os cargos da Diretoria quanto para aqueles do Conselho de Administração, é
semelhante. Os conselheiros e diretores, após sua eleição por meio de voto —
seja na Assembleia-Geral (para os conselheiros e, também, para os diretores
nas sociedades anônimas em que não há Conselho de Administração), seja
no Conselho de Administração (para os diretores nas companhias em que se
adota o modelo bipartido de administração) —, são investidos no cargo por
111.
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito
comercial. São Paulo: Saraiva, 2005. pp.
198-199.
112.
Art. 146 da Lei das S.A.
113.
Art. 147, § 1º, da Lei das S.A.
FGV DIREITO RIO
79
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
meio da assinatura do livro correspondente (Atas de Reuniões do Conselho
de Administração, se houver, ou Atas de Reuniões da Diretoria), que deve
ser realizada no prazo de até 30 dias após a nomeação, sob pena de tornar-se
ineficaz.
Uma vez nomeados, os membros do Conselho de Administração e os Diretores realizam suas funções dentro do prazo de gestão estabelecido pelo
estatuto. Contudo, em regra são permitidos à Assembleia e ao Conselho a
destituição e substituição dos nomeados a qualquer tempo, independente de
motivação.
DEVERES E RESPONSABILIDADES: DEVERES DE DILIGÊNCIA, DE
LEALDADE E DE INFORMAR. CONFLITO DE INTERESSES.
Ainda no âmbito das normas gerais aplicáveis tanto aos diretores quanto
aos membros do Conselho de Administração, importa observar que os administradores das sociedades anônimas possuem uma série de deveres decorrentes da atribuição de poderes inerentes à sua função de direção do objetivo
social da empresa. O interesse fundamental ao qual se aplica o administrador
é o da própria empresa, a cujos fins ele serve, ainda que tenha sido eleito por
um grupo determinado de acionistas. Com efeito, o administrador deve exercer suas atribuições no interesse da companhia, satisfazendo as exigências do
bem público e da função social da empresa.
O processo de tomada de decisão deve cumprir o dever de diligência e
lealdade, que na visão da CVM, traduz-se (i) na decisão informada; (ii) na
decisão refletida e (iii) decisão desinteressada. Esses requisitos foram expressamente colocados no Processo Administrativo Sancionador nº 2005/1443,
de relatoria do Diretor Pedro Oliva Marcilio de Sousa (em 21.03.2006)114.
Em contrapartida, na tradição jurídica do common law, o standard of care,
diligence and judgment indica a responsabilidade não apenas por atos, mas
também por omissão (negligência do administrador). O grau de negligência
capaz de levar à responsabilização de um administrador depende do respectivo nível de cuidado e diligência devido em cada caso específico. A regra em
inglês, de acordo com Ballantine, é “the more fair and satisfactory rule is that
degree of care and diligence which an ordinarily prudent director could reasonably be expected to exercise in a like position under similar circumstances”115.
Diante de tais considerações, devemos destacar o dever de diligência, o
dever de lealdade e, ainda, o dever de informar, comentados abaixo:
O dever de diligência, previsto no artigo 153 da Lei das S.A., determina que o administrador deve desempenhar suas funções com o cuidado e a
diligência esperados de um homem probo, embora tal critério possa ser de
difícil aferição prática. Esse dever de diligência trata-se, no entendimento
114.
De acordo com a CVM, “considerações sobre o mérito das decisões de negócio, em geral, extrapolam o papel do
regulador, em sua tarefa de revisão da
legalidade dos atos dos administradores de companhia aberta. O regulador
deve evitar que sua eventual avaliação seja fator que influencie a análise
sobre a legalidade da atuação dos
administradores, pois, pode observar
as decisões tomadas por eles em condições de certa forma mais favoráveis,
e sem dúvida bastante distintas das
que enfrente o gestor na hora de fazer
escolhas. O gestor de companhia lida
com restrições de tempo e de recursos
que o levam a dedicar mais ou menos
tempo a certas decisões, a realizar
estudos mais ou menos aprofundados
em cada caso, e isso faz parte de suas
responsabilidades. Além disso, ele certamente dispõe de dados que não estão
disponíveis para o regulador, os quais
considera em suas decisões. Mas é tudo
vantagem, que não seria justo permitir
que fosse usada em prejuízo dos administradores”. (PAS CVM 2005/0097)
115.
BALLANTINE, Henry. Ballantine
Corporation. New York: Callaghan &
CO, 1946.
FGV DIREITO RIO
80
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
de Modesto Carvalhosa, de um conceito abstrato que não implica um comportamento determinado, mas padrão de comportamento, como se referia o
antigo Código Comercial, em seu art. 142 (ora revogado pelo art. 2.045 do
Código Civil de 2002). André Tunc assevera que “incumbe ao administrador
o dever de respeitar os limites da personalidade moral da sociedade, bem
como de seus poderes”, configurando o dever de diligência116.
Já o dever de lealdade — estabelecido no artigo 155 da lei societária — é
consequência natural da atribuição do poder de direção atribuído ao administrador. Pela imputação do dever de lealdade, fica o administrador impedido, por exemplo, de:
“usar em benefício próprio ou de outra pessoa, com ou sem prejuízo
para a sociedade, as oportunidades comerciais de que tenha conhecimento em razão do exercício de seu cargo; omitir-se no exercício ou
proteção de direitos da companhia, ou, visando à obtenção de vantagem, deixar de aproveitar oportunidade de negócios de interesse da
companhia; adquirir, para revenda com lucro, bem ou direito que sabe
necessário à companhia, ou que esta pretenda adquirir”117.
O que caracteriza o dever de lealdade — sempre no âmbito do dever fiduciário — é que a configuração do dano à companhia não é um requisito
essencial para a responsabilização do administrador que falta à observância
desse princípio. A simples conduta desleal, em si, basta para a configuração
da responsabilidade administrativa sancionável, segundo entendimento da
CVM. Isto porque a inobservância do dever de lealdade não pode ser reparada com a mera compensação de eventuais danos daí decorrentes, na medida
em que constitui quebra de confiança, que não convalesce ou se substitui
materialmente (Parecer de Orientação CVM nº 35, de 01.09.2008).
Corolário do dever de lealdade encontra-se na proteção contra o chamado
“insider trading”, configurado pela utilização, em benefício próprio ou de
terceiros, de informações confidenciais da companhia. Nessa linha, o dever
de lealdade abarca também o dever de sigilo, a significar que o administrador
deve guardar para si qualquer informação que tenha obtido por conta de sua
posição privilegiada que possa ser de utilidade para concorrentes ou que possa, uma vez a informação divulgada, trazer prejuízos para a sociedade.
A violação do dever de lealdade pode ocorrer, por exemplo, em hipótese
de conflito de interesses que eventualmente surgir entre o administrador e a
companhia. Segundo Eizirik:
“haverá conflito substancial de interesse ou conflito de interesses
stricto sensu, quando o voto é utilizado como desvio de finalidade, para
promover interesses incompatíveis do acionista com o objeto social.
116.
TUNC, André. Le Droit Américan de
Sociétés Anonymes. Paris, 1985.
117.
EIZIRIK, Nelson. Deveres dos administradores de S.A. Conflito de interesses. Diretor de S.A. indicado para
conselho de companhia concorrente.
In: Temas de direito societário. Rio de
Janeiro: Renovar, 2005. p. 69.
FGV DIREITO RIO
81
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
Caracteriza-se o desvio de finalidade quando o acionista, embora observando as formalidades do voto e não cometendo violação alguma
expressa em lei ou no estatuto, exerce esse direito com uma finalidade
diversa daquela para a qual lhe foi por lei conferido”118.
Ao mesmo tempo, o administrador de companhia aberta tem a obrigação de divulgar, tanto à sociedade quanto ao público, quaisquer situações
relevantes a respeito da vida da sociedade que possam interferir no mercado.
Trata-se do dever de informar. Tavares Borba complementa que o dever de
informar não conflita com o dever de sigilo, porquanto com este evita-se o
vazamento da notícia para pessoas específicas, e com aquele estimula-se a sua
difusão para todos. Assim,
“estando o administrador na posse de informação relevante, sua
obrigação fundamental é revelá-la ao público, em obediência ao princípio fundamental do “disclosure”. É possível, porém, que tal informação
possa pôr em risco interesse legítimo da companhia (artigo 157, parágrafo 5º). Nesse caso, enquanto a informação não for publicamente
divulgada, o “insider” está proibido de utilizá-la em proveito próprio,
comprando ou vendendo valores mobiliários da companhia, ou recomendando a terceiros que o façam”119.
Se houver algum dano gerado pela conduta do administrador, é ele civilmente responsável pelos prejuízos que causar quando atuar com dolo ou
culpa, sendo importante destacar que o administrador não responde por atos
regulares de gestão. Vale notar que a responsabilidade do administrador é
subjetiva, devendo o prejudicado provar o dano, a conduta ilegal e culposa
do administrador e o nexo de causalidade entre esta conduta e o dano.
TEORIA DO BUSINESS JUDGMENT RULE
Com base nas informações citadas, as quais descrevem os deveres dos administradores perante a companhia, o direito norte-americano desenvolveu
a teoria do business judgment rule, com a finalidade de proteger a discricionariedade das decisões tomadas pelos administradores quando do exercício de
sua função. Nesse sentido, o instituto consiste em um conjunto de decisões
referentes ao controle do poder judiciário sobre as deliberações dos administradores, tendo em vista a presunção de regularidade dos seus atos.
O instituto teve sua origem no julgamento do caso Otis & Co. v. Pennsylvania R. Co., 61 F. Supp. 905 (D.C. Pa. 1945) nos Estados Unidos, por
meio do qual a Corte Federal americana determinou que erros cometidos
118.
Idem, p. 72.
119.
Idem, pp. 69-70. A respeito da divulgação de informações, a CVM editou a
Instrução Normativa nº 358, de 03 de
janeiro de 2002.
FGV DIREITO RIO
82
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
no exercício das atribuições de um administrador, sobretudo, no se refere ao
julgamento de um negócio, não o sujeita à responsabilidade por negligência
perante os acionistas.
A regra tem como objetivo evitar que os tribunais e os próprios sócios
substituam os administradores arbitrariamente, de acordo com seus interesses e necessidades. Assim sendo, o administrador, dentro dos limites da lei
e do estatuto social, é garantida a liberdade para decidir sobre a oportunidade e a conveniência de seus atos, considerando-se a priori os interesses da
sociedade. O processo de tomada de decisões é muito emblemático para a
continuidade da companhia, e a atividade empresarial está sujeita aos riscos
inerentes ao negócio, motivo pela qual é dada uma certa discricionariedade
ao administrador.
Cabe destacar, entretanto, que a teoria do business judgment rule não possui um conteúdo de obrigações e princípios delimitado e nem tampouco se
situa codificado de maneira uniforme no sistema jurídico americano. Observa-se um conjunto de precedentes que tem por finalidade de identificar
alguns parâmetros para a aplicação da teoria, a partir do julgamento de ações
de responsabilidade dos administradores face sua obrigação de agir de boa-fé
e em cumprimento aos deveres de diligência (duty of care) e lealdade (duty of
loyalty) com os acionistas.
Embora esses deveres corroborem a presunção de que os administradores estavam bem informados ao tomarem suas decisões, é possível afastar tal
presunção comprovada a grave negligência (gross negligence) de sua conduta.
Desse modo, no caso Smith v. Van Gorkom a Corte de Delaware, por três
votos contra dois, decidiu que os administradores não haviam se informado
adequadamente a respeito da proposta de compra da companhia, nem realizaram maiores diligências sobre o negócio, tendo concluído que estes agiram
com grave negligência, não fazendo jus à proteção oferecida pelo business
judgment rule.
Por fim, pode-se concluir que comprovado o devido cuidado e a boa-fé aplicada no exercício das funções desempenhadas pelo administrador visando à consecução do objeto social e os interesses da companhia, este não pode ser responsabilizado pelo insucesso de sua decisão ou por erros de julgamento e de valoração
de um negócio, estando, portanto, protegido pelo business judgment rule.
O dever de transparência e informação também se coloca de maneira clara na teoria do business judgment rule. No caso Ovitz v. Disney, julgado em
2006 pela Corte de Delaware, o executivo Michael Ovitz foi contrato pela
empresa para exercer a cargo de Presidente da Disney por um período de 5
anos. Os acionistas da companhia ingressaram com uma ação questionando
o desempenho do Presidente da Disney, entendendo não ser devido o pagamento da multa indenizatória de US$ 130 milhões, firmada em seu contrato
de trabalho (golden parachute), quando da sua demissão.
FGV DIREITO RIO
83
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
Entretanto, a Corte de Delaware não acatou o pedido, sob o argumento
de que não houve violação aos princípios conexos ao business judgment rule,
ressaltando que o Delaware Corporation Law [Section 102 (b) (7)] permite a
inclusão nos estatutos sociais de uma cláusula limitando a responsabilidade
dos administradores por atos praticados com violação do dever de diligência
em ações ou omissões sem boa-fé.
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO: CARACTERÍSTICAS, COMPOSIÇÃO
(VOTO MÚLTIPLO), FUNCIONAMENTO E COMPETÊNCIA
O Conselho de Administração, disciplinado pelos artigos 138 e seguintes
da Lei das S.A., é um órgão colegiado, eleito pela Assembleia Geral, cuja
existência é obrigatória nas companhias abertas, nas sociedades de economia
mista e nas companhias com capital autorizado, sendo facultativas nas demais companhias fechadas.
É ele um órgão intermediário entre a Assembleia Geral e a Diretoria. Formando um órgão colegiado, reúnem-se os conselheiros de maneira periódica,
a fim de orientar os negócios da companhia, bem como para acompanhar e
fiscalizar a atuação dos diretores. A Lei nº 10.303/01 trouxe diversas inovações
na disciplina do Conselho de Administração, introduzindo alterações nos arts.
140, 141, 142, 146 e 147 da Lei das S.A., sendo as mais relevantes aquelas
atinentes à composição do órgão e à forma de eleição de seus membros.
Nas companhias abertas a obrigatoriedade do conselho de administração
fundamenta-se na necessidade de conciliar os interesses dos acionistas controladores com os dos minoritários. De outro lado, nas companhias fechadas, a facultatividade seria justificada pela tendência de profissionalização da
administração. Como regra geral, os conselheiros são eleitos pela assembleia
geral ordinária, por maioria absoluta de votos (art. 132).
Os membros do Conselho de Administração — que será sempre composto por no mínimo 03 (três) acionistas, residentes ou não no Brasil120 —
atuam sempre conjuntamente, sendo suas deliberações realizadas em nome
do órgão e sem atribuição individual de cada membro. Modesto Carvalhosa
assinala que a adoção paulatina do regime de governança governativa tem se
traduzido na escolha de conselheiros independentes, e que tenham experiência no setor de atuação da companhia. O próprio segmento do Novo Mercado da BM&F Bovespa traz regras específicas de governança, relacionadas à
transparência e à fiscalização por parte do conselho de administração.
Note-se que os membros do Conselho de Administração, diferentemente
do que ocorre com os diretores, não representam a sociedade perante terceiros — não podendo, portanto, assumir direitos e obrigações —, nem exercem atribuições de natureza executiva, mas simplesmente estabelecem, em
120.
A Medida Provisória nº 1.958,
de 2000 (convertida na Lei nº
10.194/2001) eliminou o requisito
de residência no país do membro do
Conselho de Administração, desconsiderando assim o disposto no art. 5º
da Constituição Federak de 1988, que
assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país o direito ao
trabalho e à propriedade.
FGV DIREITO RIO
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
conjunto, a orientação geral dos negócios da companhia, elegendo e destituindo os diretores e fiscalizando sua atuação. Carvalhosa assevera que o
conselho de administração, sendo órgão da companhia, não possui personalidade jurídica, não havendo responsabilidade perante terceiros. Daí que, em
relação à atribuição de responsabilidades:
“a) enquanto a responsabilidade dos diretores é individual, os membros do Conselho de Administração, cuja vontade somente pode ser manifestada de forma coletiva, têm uma responsabilidade coletiva e solidária;
b) nas decisões do Conselho de Administração, a responsabilidade
será sempre de todos os membros, salvo se os discordantes fizerem consignar sua divergência em ata de reunião do órgão;
c) os membros do Conselho de Administração não são responsáveis
pelos atos ilegais praticados pelos diretores e que não chegam a seu conhecimento, salvo se forem coniventes, se negligenciarem em descobri-los, ou se, deles tendo conhecimento, deixarem de agir para impedir a
sua prática (...)”121.
Tem-se, assim, que a deliberação do órgão colegiado vincula todos os seus
membros, mesmo aqueles discordantes ou que não compareceram à sessão
deliberativa.
Uma das principais vantagens da organização administrativa por meio de
um Conselho de Administração é que se permite maiores agilidade e especialização na tomada de decisões estratégicas da companhia. Em regra, o controlador tem o poder de eleger todos os conselheiros, na medida em que a eleição
é realizada através de voto em bloco, isto é, “o grupo que tiver a preferência
da maioria da assembleia torna-se vitorioso, daí decorrendo o preenchimento
de todos os cargos do conselho pelos integrantes de uma mesma facção”.122
Cumpre observar, no entanto, que a Lei das S.A. outorga aos minoritários
a possibilidade de, através de seu voto, estarem representados no órgão. Uma
das formas previstas em lei para permitir a representação dos minoritários é
por meio do chamado voto múltiplo, o que permite a associação de votos de
acordo com o número de ações pertencentes a cada acionista. Em exemplo
trazido por Tavares Borba:
“Se o capital se divide em 10.000 ações e são seis os cargos a preencher, cada ação dará direito a seis votos, assim distribuídos entre os
acionistas:
Acionista A — 5.100 ações = 30.600 votos
Acionista B — 2.500 ações = 15.000 votos
Acionista C — 2.400 ações = 14.400 votos
Total = 60.000 votos
121.
EIZIRIK, Nelson. Deveres dos administradores de S.A. Conflito de interesses. Diretor de S.A. indicado para
conselho de companhia concorrente.
In: Temas de direito societário. Rio de
Janeiro: Renovar, 2005. pp. 69-70.
122.
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. Rio de Janeiro: Renovar,
2007. p. 407.
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
Ora, como temos um total de 60.000 votos e são seis os cargos a
preencher, o acionista que tiver 10.000 votos contará, seguramente,
com a eleição de um membro do conselho, desde que concentre todos esses votos em um só nome. No exemplo apresentado, “B” e “C”
poderiam eleger cada um o seu conselheiro, restando quatro para o
controlador”123.
A adoção do processo de voto múltiplo, contudo, depende de requerimento formulado até 48 horas antes da assembleia que elegerá os membros
do Conselho.
Ainda de acordo com Tavares Borba:
“o voto múltiplo é uma espécie de voto repartido, uma vez que cada
ação, por esse processo, passa a dispor de tantos votos quantos sejam os
cargos a preencher, correspondendo, porém, cada voto a um só cargo e
não a uma chapa (todos os cargos), como no processo normal. Faculta-se, então, ao acionista a prerrogativa de concentrar todos os seus votos
em um só candidato ou de dispersá-los entre vários”124.
O voto múltiplo tem, portanto, o mérito de impedir que o controlador
eleja a maioria dos membros do Conselho, permitindo aos minoritários sua
representação no órgão. A importância desta representação é evidente: se o
Conselho de Administração é órgão que estabelece e vela pelos rumos negociais da empresa, o fato de um grupo de minoritários estar representado
permite que a ele seja dada a possibilidade de influenciar e participar de sua
direção, sempre no interesse da companhia.
DIRETORIA: CARACTERÍSTICAS, COMPOSIÇÃO, FUNCIONAMENTO E
COMPETÊNCIA
Conforme já aludido, enquanto o Conselho de Administração cumpre
uma função de orientação de negócios da empresa, a Diretoria é o seu órgão
executivo, cabendo a ela a representação da companhia perante terceiros, na
forma estabelecida estatutariamente. Os diretores vivem o dia a dia da companhia, pois lhes compete a direção da sociedade, em todos os planos: desenvolvimento dos negócios, comando dos empregados, conquista de mercados,
adoção de novas técnicas, programação financeira, concessão de crédito, dentre outras funções.
A diretoria é composta por dois ou mais diretores, acionistas ou não da
companhia, residentes no Brasil, eleitos e destituíveis a qualquer momento pela Assembleia Geral ou pelo Conselho de Administração, conforme o
123.
Idem, p. 408.
124.
Idem, p. 408.
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
caso. Esta forma de nomeação, todavia, não significa o engessamento das
funções atribuídas aos diretores. Estes têm liberdade para agir, executando
os direcionamentos negociais traçados pelo Conselho de Administração ou
pela Assembleia Geral, sem que para tanto exista uma fiscalização prévia e
autorizativa destes atos, desde que em conformidade com o disposto em lei,
no estatuto e em eventual acordo de acionistas devidamente arquivado na
sede da companhia.
Se assim não fosse, haveria uma verdadeira paralisação da atividade empresarial, que acabaria por esbarrar em entraves excessivamente burocráticos.
Portanto, a diretoria não é órgão coletivo permanente, na medida em que os
diretores têm poderes e funções individuais de administração.
Diferentemente do que ocorre com o Conselho de Administração, cuja
atuação é colegiada, em regra os Diretores atuam isoladamente, de acordo
com suas atribuições e poderes determinados pelo estatuto da companhia, o
qual, no entanto, pode prever a necessidade de atuação conjunta dos diretores para certos atos ou, ainda, que determinadas decisões, de competência da
Diretoria, sejam tomadas em reunião125.
Cumpre ressaltar que alguns atos de competência da diretoria poderão exigir, por força de disposição estatutária, a prévia aprovação dos diretores, em
reunião para a qual o próprio estatuto estabelecerá livremente o quórum de
instalação e o quórum de deliberação. Tavares Borba também assinala que os
poderes dos diretores são indelegáveis, não cabendo, por conseguinte, transferi-los a terceiros. No entanto, a sociedade poderá constituir procuradores,
os quais representarão a própria sociedade e não os diretores que firmaram o
instrumento.
REMUNERAÇÃO DO ADMINISTRADOR
De acordo com o artigo 152 da Lei das S.A., compete à Assembleia Geral
a fixação da remuneração dos administradores, buscando equilíbrio entre o
serviço efetivamente prestado e a remuneração ofertada. Cumpre observar
que a atual redação de tal dispositivo legal determina a necessidade de se
fixar um valor global ou individual desta remuneração, bem como eventuais
benefícios126.
A ideia é equilibrar os interesses individuais dos membros com o interesse
geral da sociedade, o que justifica a importância da transparência do montante destinado à remuneração dos administradores.
Ao estipular o valor a ser pago a título de remuneração dos administradores, os acionistas deverão considerar o tipo de serviço a ser prestado pelo indivíduo em questão, bem como a qualidade do mesmo e o tempo despendido
no exercício das suas funções.
125.
Art. 143, § 2º, da Lei das S.A.
126.
“Art. 152. A assembleia-geral fixará
o montante global ou individual da
remuneração dos administradores, inclusive benefícios de qualquer natureza
e verbas de representação, tendo em
conta suas responsabilidades, o tempo
dedicado às suas funções, sua competência e reputação profissional e o valor
dos seus serviços no mercado”.
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
C) ESTUDO DE CASO
A Companhia X é controlada por acordo de voto, conforme Acordo de
Acionistas celebrado entre os Grupos A, B, C e D. A participação de cada
um dos acionistas controladores no capital votante da Companhia X é assim
distribuída:
— Grupo A — 28%
— Grupo B — 28%
— Grupo C — 28%
— Grupo D — 12%
A posição acionária do Grupo B está sendo transferida para a Companhia
Y. A Companhia Y, contudo, é concorrente da Companhia X. A Companhia
Y passará a ser titular de ações representativas de 28% do capital votante da
Companhia X, estando obrigada a aderir ao Acordo de Acionistas pré-existente — em virtude de disposição expressa no referido acordo de acionistas
— e, por conseguinte, ao grupo de controle.
Passando a pertencer ao grupo de controle em virtude do acordo de voto,
a Companhia Y poderá indicar três dos dez membros do Conselho de Administração da Companhia X. Os três nomes indicados são de membros da
Diretoria da Companhia Y.
Pergunta-se:
(i) existem impedimentos que podem ser alegados para a nomeação
dos membros do Conselho de Administração da Companhia X pela
Companhia Y?
(ii) em caso positivo, estes impedimentos referem-se a que tipo de situação?
D) DECISÃO DA CVM NO PROCESSO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR
ACERCA DOS DEVERES DOS ADMINISTRADORES
Processo Administrativo Sancionador CVM n.º 24/06
Acusado: Ricardo Augusto de Oliveira Sacramento
Assunto: Responsabilidade de administrador por descumprimento do dever de diligência
Relator: Diretor Otavio Yazbek
Data: 18.02.2013
Observação: alguns trechos do voto foram suprimidos, tendo em vista de
conferir objetividade ao argumento trazido pela CVM.
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
Voto
1. O que está em discussão, no presente caso, é se algumas falhas encontradas pela comissão de inquérito nos procedimentos de autorização de despesas publicitárias da Telemig podem caracterizar o descumprimento, pelo
acusado, do seu dever de “empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e
diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos
seus próprios negócios” (art. 153 da Lei n.º 6.404/1976), mais especificamente
com relação à constituição de controles internos adequados.
2. Considerando este objeto, procurarei demonstrar, antes de mais
nada, que o acusado era, na qualidade de diretor superintendente da Telemig,
responsável pelas atividades relacionadas ao departamento de marketing da
Companhia.
3. E, para chegar a esta conclusão, parece-me necessário referir, ainda
que brevemente, o sistema de distribuição de competências criado pela lei
acionária e, mais precisamente, as duas estratégias que se adota na definição
das atribuições e dos poderes dos órgãos sociais. No caso do conselho de
administração, a lei claramente define, no art. 1421, as suas competências,
deixando espaço para que o estatuto social fixe novos poderes. O mesmo
vale para a assembleia geral, que tem competência para deliberar sobre certas
matérias previstas no art. 1222 e em outros dispositivos espalhados pela lei.
4. Mas, se isto se aplica ao conselho de administração e à assembleia, o
mesmo não pode ser dito com relação à diretoria. Veja-se que, com relação
a este órgão, o ponto de partida da lei é outro: o §1º do art. 1383 e o art.
1444 atribuem aos diretores poderes bastante amplos, limitados apenas pelos
poderes dos demais órgãos (inclusive por conta do art. 1395) e — como não
podia deixar de ser — pelo objeto social da companhia.
5. Trata-se, portanto, de uma competência extremamente ampla, que,
vale lembrar, pode ser reduzida pelo estatuto e por deliberação do conselho
de administração — nos termos dos artigos 142, II6, e 143, IV7, da Lei n.º
6.404/1976.
6. Assim é que, na ausência de cláusula estatutária e de deliberação do
conselho de administração discriminando aquele amplo poder entre os diretores (estatutários) da companhia, cada um desses diretores permanece, em
princípio, responsável por toda a atividade executiva e de representação da
companhia.
7. E, analisando especificamente o estatuto da Telemig à época dos fatos que serviram de base para a acusação (fls. 17.351-17.362), assim como
as deliberações do conselho de administração (fls. 17.392-17.396, 17.39717.400, 17.401-17.402 e 17.405-17.406), salta aos olhos a amplitude dos
poderes do diretor presidente e do diretor superintendente (competentes,
respectivamente, pela “execução da política, das diretrizes e das atividades relacionadas ao objeto social da Companhia, conforme especificado pelo Conselho
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de Administração” e por “Estabelecer e propor diretrizes e estratégias de negócios
para a Companhia, responsabilizando-se pela obtenção dos resultados específicos
da Companhia, conforme especificado pelo Conselho de Administração”).
8. Ao lado desses elementos, havia, ainda, o fato de, à época que o acusado desempenhava o cargo de diretor superintendente, a organização interna
da Telemig estabelecer que a área de marketing — que não contava com um
diretor estatutário — estava sob a sua responsabilidade8. De acordo com a
acusação, ele era o único diretor estatutário responsável pela área de marketing da Companhia e, a meu ver, não parece que haja um único elemento a
contradizer essa assunção.
9. Até se poderia questionar se a falta de qualquer dos procedimentos
aptos a delimitar, nos termos da lei acionária, a responsabilidade dos diretores não acarretaria, também, a responsabilidade do diretor presidente sob a
área de marketing9, mas, quanto ao acusado, não me parece haver dúvida. A
abrangência da redação estatutária, associada à falta de delimitação por parte
do conselho e ao organograma da Telemig à época, parece-me mais do que
suficiente para atestar sua responsabilidade sobre a área de marketing. Aliás,
tanto isso parece certo que nem mesmo a defesa chega a sugerir algo diferente, tendo, na verdade, reconhecido o fato.
10. O que ocorria era, na verdade, um certo distanciamento do acusado
do dia-a-dia do setor, que era conduzido por funcionários a ele subordinados.
Esta prática, nos dias de hoje, tende a ser bastante comum, ainda mais nos
casos de companhias, como a Telemig, que têm um porte bastante grande e
contam com um reduzido número de diretores estatutários.
11. E, se é verdade que se reconhece esta realidade e se aceita uma espécie
de transferência dos poderes para a prática de atos executivos, isto não significa que os diretores (estatutários) deixem de ser responsáveis. Pelo contrário,
continuam a sê-lo, mas, exatamente porque deixam de atuar diretamente, o
cuidado e a diligência que envolvem suas atividades passam a exigir que estes
diretores fiscalizem/monitorem os seus subordinados. Em outras palavras,
quando os atos são praticados diretamente, o art. 153 impõe que as decisões correspondentes sejam todas tomadas de forma diligente; ao passo que,
quando os atos são praticados por subordinados do diretor, cabe a este fiscalizar/monitorar aqueles que, na prática, os realizam, a fim de que eles atuem
com a diligência e a lealdade esperadas.
12. Assim, quando os diretores não tomam diretamente decisões negociais, eles devem se assegurar que a Companhia conta com um sistema de
controle que represente aquele que um homem ativo e probo constituiria
se estivesse na administração dos seus próprios negócios. Este sistema (que
pode adotar uma infinidade de formas) deve servir para proporcionar razoável segurança de que os atos praticados pelos subordinados serão, ao menos,
praticados de forma diligente e com lealdade.
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
13. Considerando que é precisamente com essa dimensão do dever de diligência que estamos lidando no presente caso, parece-me que as preliminares
suscitadas pela defesa perdem sua consistência. Com efeito, o que motivou as
alegações de inépcia da peça acusatória parece ser a inexistência de elementos
nos autos evidenciando (i) a participação direta do acusado nos procedimentos — reputados deficientes — de aprovação de notas fiscais; assim como
(ii) de qualquer “sinal de alerta” que devesse provocá-lo a supervisionar mais
incisivamente a atuação dos funcionários do setor.
14. Ora, à luz do que já se expôs, tais elementos probatórios, em uma
acusação focada na adequação de determinado sistema de controles internos,
tornam-se desnecessários. Ao revés, em situações como a presente, faz-se necessário demonstrar, num primeiro momento, a competência do diretor sobre determinado setor para, na sequência, abordar os elementos que apontam
para a adequação ou a inadequação dos controles internos implementados na
companhia. E, pelo menos em tese, ambas estas etapas foram cumpridas pela
acusação.
15. Destaco, ademais, que as ponderações mais diretamente relacionadas
à nota fiscal n.º 30.877, são igualmente descabidas. Ao afirmar que seria
incongruente condenar o acusado por algo que se verificou quando ele não
mais era responsável pela área de marketing, a defesa ignora, de forma ainda
despropositada, que o objeto do presente processo é o descumprimento do
dever de diligência no que envolve a não constituição de controles internos
adequados e que o possível problema no sistema de controles internos não
surgiu depois da renúncia do acusado. Pelo contrário, a proximidade no tempo (menos de quinze dias)11 seria mais do que suficiente para comprovar que,
se o problema existia, deveria ter sido por conta da falta de diligência do acusado durante o tempo em que ele foi diretor superintendente que permitiu
essa falha se verificar.
16. Já no que toca o mérito da acusação, um dos pilares da defesa é o
de que a atuação do acusado à frente da supervisão do setor de marketing,
se analisada pelo prisma da business-judgment rule, não destoaria do padrão
de diligência exigido dos administradores de companhias abertas, posto que
sempre se deu de maneira informada, refletida e desinteressada.
17. Embora compreenda a busca do acusado pela proteção oferecida pela
referida regra, penso que ela desconsidera não só características importantes
do processo de evolução ou, melhor dizendo, de construção do dever de diligência no sistema norte-americano (onde surgiu a business-judgment rule),
como também ignora certas particularidades do regime da responsabilidade
dos administradores de companhias no Brasil.
18. Como já tive oportunidade de afirmar no voto que proferi no Processo Administrativo Sancionador CVM n.º 19/05 (julgado em 15.12.2009),
consolidou-se nos Estados Unidos o entendimento de que o conteúdo do
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dever de diligência possui duas naturezas distintas: uma de cunho negocial,
sujeita ao teste da business-judgment rule; e outra de natureza fiscalizatória, sujeita a uma análise de razoabilidade e de adequação. Isto significa que, mesmo
no sistema norte-americano, e por diversas razões12, o cumprimento do dever
de constituir controles internos adequados e eficientes não se confunde com
a tomada de decisões protegidas pela business-judgment rule.
19. O mesmo ocorre no direito brasileiro. Veja-se que, conforme a sua
formulação mais comum, e a despeito de possíveis críticas sobre a sua “tropicalização”13, a business-judgment rule blinda as decisões negociais tomadas
de maneira informada, desinteressada e refletida. No entanto, os autores nacionais que se debruçaram sobre o conteúdo do dever de diligência vislumbraram, no conceito aberto do art. 153, a presença de uma série de outros
comportamentos, dentre os quais destaco, para os fins do presente processo,
o dever de vigilância e o dever de investigar14.
20. Assim, fica clara a impropriedade da tentativa de equiparação, sem
maiores cuidados, do padrão de comportamento da business-judgment rule ao
presente caso. Se não por outro motivo porque, ao proceder dessa maneira,
ignora-se que o dever de diligência não se resume ao dever de tomar decisões
negociais diligentes, envolvendo, também, toda uma dimensão voltada à supervisão das atividades da companhia, à qual não se aplicam os mesmos parâmetros (i.e., se se trata de decisões tomadas de maneira informada, refletida
e desinteressada).
21. Essa interpretação, é bom salientar, em nada inova ou contraria os
precedentes da CVM. Não se está negando a aplicabilidade, ao direito brasileiro, da racionalidade subjacente à business-judgment rule, presente tanto na
doutrina quanto nas decisões norte-americanas e mesmo naquelas tomadas
por esta autarquia. O exercício feito acima pretende, apenas, distinguir com
maior clareza as hipóteses em que se deve aplicar esta racionalidade (ainda
que com alguns temperamentos) de outras cujo reexame reclama ponderações de ordem distinta15.
22. E o presente caso é uma delas. Aqui estamos tratando com algo diferente de uma decisão negocial — decisões sobre controles internos são decisões organizacionais de outra ordem.
23. Em casos como esse, mais do que uma ênfase no procedimento, a
apuração da conduta dos administradores, ao que me parece, deve passar pela
análise concreta da forma pela qual se “procedimentalizaram” as atividades
dentro da sociedade. Há que se avaliar se os procedimentos criam uma razoável segurança para as atividades da companhia e, para que isto aconteça, é
necessário verificar se a “procedimentalização” dos controles internos é razoável e adequada16. No presente voto, e dado o enfoque proposto pela acusação,
me concentrarei na verificação de falhas sistemáticas ou totais.
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24. Um exemplo de falha total foi objeto do Processo Administrativo
Sancionador CVM n.º 18/2008 (julgado em 15.12.2010), no qual se constatou que as pessoas responsáveis pelos controles do setor financeiro eram
subordinadas ao mesmo diretor que era responsável pela realização das operações, não havendo, ademais, qualquer canal de comunicação alternativo entre esses profissionais e o comitê financeiro ou, ainda, entre esses profissionais
e o conselho de administração17. Desse quadro, inferiu-se a responsabilidade
dos membros do conselho de administração, que faltaram com o seu dever
de fiscalizar as atividades dos diretores, nos termos do art. 142, III, da Lei n.º
6.404/197618.
25. Mas, se este sistema existia, será que se pode afastar, de pronto, a hipótese de falha sistemática ou total dos controles do sistema de marketing da
Telemig?
26. A resposta me parece ser negativa, pois uma análise como esta envolve, também, a avaliação da eventual impropriedade ou inadequação do sistema ou, mais especificamente, da sua capacidade ou incapacidade de servir
como efetivo indutor para que a contratação dos serviços de marketing fosse
realizada de forma diligente e leal pelos integrantes do setor de marketing.
27. A este respeito, o primeiro ponto para o qual gostaria de chamar atenção é o do procedimento relacionado à aprovação da nota fiscal n.º 30.877.
Veja-se que, segundo a Telemig (fls. 11.147-11.148), esta nota foi aprovada
“sob a forma de adiantamento” e sem seguir o escalonamento porque “havia
urgência na divulgação das informações”, já que, se assim não se procedesse,
haveria o risco de a Telemig vir a responder na esfera administrativa e civil
pela não divulgação exigida pela Anatel.
28. Vale lembrar que esse foi o principal argumento utilizado pelos acusados no Processo Administrativo Sancionador n.º 19/05 (que abordou a
responsabilidade dos diretores da Brasil Telecom S.A. pela aprovação de notas
fiscais emitidas pelas Agências) e, da mesma forma como, naquela oportunidade, o então diretor Eliseu Martins desconstruiu a urgência, parece-me
que, no caso da nota n.º 30.877, quando ela foi enviada para pagamento, a
veiculação já havia sido feita pelas rádios. Assim, se a veiculação já havia sido
realizada (inclusive porque, pelas regras da Anatel, ela deveria acontecer até o
final de julho), a urgência no pagamento (que se deu em agosto), se existia,
definitivamente não estava associada à possibilidade de a Telemig ser responsabilizada administrativa e civilmente pela não divulgação.
29. De toda forma, mesmo que aceitássemos o argumento da urgência
na aprovação, nada afasta a conclusão de que o procedimento para aprovação
não foi respeitado: ignorou-se não só a necessidade de um analista verificar a
regularidade da nota e o cumprimento dos serviços, como também o sistema
escalonado de alçadas.
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30. A mesma conclusão vale para o outro argumento, baseado na confiança e nos custos, utilizado para justificar a flexibilização do procedimento
de aprovação das notas fiscais ora investigadas. Veja-se que o procedimento
descrito pela Companhia era rígido, sem nenhuma relativização para as notas
emitidas pelas agências com quem a Companhia mantinha uma relação de
confiança, ou ainda para aprovações urgentes.
31. E, se já me parece bastante arriscado permitir que os casos excepcionais sejam tratados quando da sua ocorrência (pois, nesses momentos, é
muito provável que não se cogite das possíveis repercussões negativas), ainda
mais problemático é que, analisando-se exclusivamente o episódio do pagamento da nota fiscal n.º 30.877, parece ser plausível a conclusão de que não
havia qualquer controle com relação ao descumprimento do procedimento
estabelecido pela própria Companhia.
32. Se esta conclusão fosse mesmo inevitável (ou mesmo altamente provável), entendo que estaríamos diante de um segundo exemplo de falha total
dos controles internos, a se somar àquela que se constatou no já referido
Processo Administrativo Sancionador CVM n.º 18/2008 e a caracterizar a
responsabilidade administrativa do acusado. Explico.
33. Constituir controles internos adequados não é, em hipótese alguma,
estabelecer um procedimento cujo respeito dependa exclusivamente da diligência e da lealdade das pessoas envolvidas. Por essa razão, não são adequados
modelos de controles construídos essencialmente sobre a confiança depositada nos funcionários da companhia, sem qualquer tipo de “controle sobre os
controles”.
34. É necessário que haja algo a mais; é necessário que os processos/sistemas criem certa impessoalidade na condução dos negócios e que, de alguma
forma, eles reforcem a tendência à sua observância. Afinal, se não fosse assim,
tais processos/sistemas não trariam real contrapartida aos custos que representariam às companhias, pois não chegariam nem perto de evitar, até onde é
possível, que a imagem e o patrimônio das companhias em questão ficassem
vulneráveis a falhas de alguns indivíduos envolvidos na sua gestão.
35. Assim, se estivéssemos diante de uma prova ou de indícios a indicar,
de maneira suficientemente robusta, que os processos/sistemas estabelecidos
para o departamento de marketing da Telemig à época dos fatos apurados
dependiam exclusivamente da diligência e da lealdade das pessoas envolvidas,
o acusado não só poderia, como deveria ser condenado por não “empregar,
no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo
costuma empregar na administração dos seus próprios negócios” (art. 153 da Lei
n.º 6.404/1976).
36. Por esses motivos, entendo que imputar responsabilidade ao acusado,
neste caso, seria temerário. Os elementos constantes dos autos não me parecem suficientes para indicar que o acusado descumpriu com o seu dever de
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diligência no que concerne a constituição de controles internos adequados no
departamento de marketing da Telemig.
[Alguns trechos do voto foram suprimidos tendo em vista a eventuais digressões]
37. Assim, e independentemente dos motivos que levaram a essa diferença24, o fato é que uma tal incongruência parece-me mais do que suficiente
para despertar a atenção de um administrador diligente que, a partir de uma
constatação como esta, certamente suspeitaria que as análises realizadas pelos
auditores não se aplicariam, em larga medida, aos procedimentos adotados
pelo departamento de marketing da Telemig. E essa dúvida, a meu ver, é
suficiente para afastar a utilidade dos relatórios preparados pelos auditores
independentes para fins de avaliação do cumprimento do dever de diligência
do acusado.
38. De qualquer maneira, proponho, por todo o exposto, a absolvição do
acusado.
E) TEXTOS DE APOIO
Ex-Paper Chief Gets 15-Year Term in Fraud
The former chief executive of American Tissue, Mehdi Gabayzadeh, was
sentenced yesterday to 15 years in prison for organizing a fraud that cost
banks and investors almost $300 million when the paper manufacturer
collapsed.
Judge Joanna Seybert of Federal District Court in Central Islip, N.Y., who
sentenced Mr. Gabayzadeh, also ordered him to pay $65 million. Mr. Gabayzadeh was convicted of eight criminal charges, including conspiracy and
wire fraud, after a 10-week trial last year.
This case involved a massive corporate fraud and breach of trust that led
to the bankruptcy of a major corporation, hundreds of millions of dollars
in losses to lenders and investors and the elimination of jobs for thousands
of former employees,’ Roslynn R. Mauskopf, a United States attorney in
Brooklyn, said in a statement.
Prosecutors said Mr. Gabayzadeh, 61, inflated American Tissue’s accounts
receivable and net income in an effort to defraud both a group of banks that
loaned the company $145 million and the purchasers of $165 million in
bonds from American Tissue, based in Hauppauge, N.Y”127.
(Bloomberg News, 26.09.2006)
127.
Disponível em http://www.nytimes.
com/2006/09/26/business/26tissue.
html. Acesso em: out. 2006.
FGV DIREITO RIO
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
E) JURISPRUDÊNCIA
“SOCIEDADE ANÔNIMA — Contas do exercício findo de parte dos
administradores e apresentação dos demonstrativos financeiros — Questão
sobre indispensabilidade, ou não, de parecer do conselho de administração
antes da assembleia geral ordinária se pronunciar a respeito — Distinção de
entendimento quando se trata de sociedade fechada ou de companhia aberta
— Artigos 122, 132, 142, 138, parágrafo 2º, e 139, da Lei n. 6.404, de 15
de dezembro de 1.976 — Ação proposta por sociedade fechada para impedir
realização de assembleia geral ordinária com ordem do dia com previsão para
discussão e aprovação de contas, quando o conselho de administração não
havia se manifestado previamente — Concessão de medida de antecipação
de tutela, todavia, o que levou a empresa a convocar o conselho de administração e a designar nova data para a assembleia geral ordinária, que examinou
e decidiu sobre as contas do exercício anterior — Fato novo que implicava no
reconhecimento de falta de interesse dos autores para a causa — Honorários
advocatícios e custas a serem pagos, porém, pelos autores, que perderiam a
ação (C.P.C., artigo 20) — Provimento ao recurso dos autores, em parte,
somente para afastar do julgamento o reconhecimento de terem agido com
má-fé, pelo que aplicada na sentença multa e operada condenação no pagamento de indenização” (TJSP, 4ª CDPri, AC 326.434-4/2-00, Rel. Des. J. G.
Jacobina Rabello, j. 01.04.2004).
“EMPRESARIAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA. LEI
DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS. Pleito deduzido por empresa acionista
minoritária de outra. Em litisconsórcio com dois membros do conselho fiscal
desta última, para que lhes seja permitido participar das reuniões do conselho de administração sempre que entenderem necessário e receberem toda
e qualquer informação que solicitarem. Tutela antecipatória deferida e cassada em agravo de instrumento. Sentença de ilegitimidade ativa da 1.º apelante e de improcedência em relação aos demais. Participação dos membros
do conselho fiscal nas reuniões do conselho de administração caracterizada
como poder-dever limitado às situações previstas no art. 163, § 3.º, da Lei
6.404/76. Inexistência do pretendido caráter absoluto do direito à presença
nas reuniões ou do pedido de qualquer informação, sob pena de instalar-se conflito entre os órgãos societários. Manifestação de perda do interesse
processual dos 2.º e 3.º apelantes, em decorrência de não fazerem mais parte
do conselho fiscal da ré. Preclusão lógica em relação ao seu apelo. Ilegitimidade ativa da apelante que se confirma, não possuindo a mesma legitimação
ordinária ou extraordinária para litigar pelo suposto direito dos conselheiros
fiscais. Litígio que se mostra decorrente da falta de representatividade da 1.º
apelante no conselho de administração da apelada aplicação dos princípios
FGV DIREITO RIO
96
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
da instrumentalidade do processo e das formas. Improvimento do apelo”
(TJRJ, 3a CC, AC 2003.001.17119, Rel. Des. Luiz Fernando de Carvalho,
j. 02.03.2004).
“Sociedade anônima — Destituição de diretor-presidente em reunião do
conselho de administração da companhia — Ação movida buscando sustar
a eficácia dessa medida. Ausência de prova inequívoca da verossimilhança da
ilicitude alegada, com referência ao conteúdo da deliberação — Matéria dependente de instrução probatória aprofundada — Irrelevância do fato de não
constar esse tema da ordem do dia — Reunião do conselho administrativo e
não de assembleia geral — Diretor destituível a qualquer tempo, nos termos
do artigo 143, da Lei 6.404/76 — Observância, no essencial, da simetria e
equilíbrio, no conselho, entre os grupos integrantes da companhia, com a
imediata eleição de outro diretor presidente, indicado, porém, também, pela
acionista majoritária. Representação — Diretores faltantes cujas procurações
e delegações de voto foram rejeitadas, sucessivamente — Semelhança desses
institutos, dotados da mesma finalidade — Inadmissibilidade da outorga de
poderes genéricos — Necessidade de que específicos e direcionados a determinados atos — Artigo 144, parágrafo único, da Lei 6.404/76 — Falta de
autenticidade das assinaturas de um mandante e delegante, a invalidar os
instrumentos — Artigo 1.289, § 3º, do Código Civil — Redação complexa
de cláusula contratual (4.2), sobre a necessidade, ou não, de prévia notificação, quando representados os conselheiros através de procuração, a obstar,
também, nesse ângulo, o preenchimento do requisito da ‘prova inequívoca’.
Recurso improvido” (TJSP, 5ª CDPri, AI 245.186-4/0, Rel. Des. Marcus
Andrade, j. 27.06.2002).
“MEDIDA CAUTELAR — EXIBIÇÃO DE LIVROS E DOCUMENTOS — SOCIEDADE ANÔNIMA — POSTULAÇÃO FORMULADA
POR MEMBRO DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO — LIMINAR DEFERIDA — FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA
CARACTERIZADOS — RECURSO DESPROVIDO. Persegue o requerente a tutela de outra. Em litisconsórcio com dois membros do conselho
fiscal desta última, para que lhes seja permitido participar das reuniões do
conselho de, na qualidade de integrante de órgão da administração (Conselho) hierarquicamente superior ao órgão executivo (diretoria), examinar atos,
documentos e registros contábeis da sociedade. Esse direito, como claramente se pode verificar, não está no art. 105, da Lei nº 6.404/76, e, sim, no art.
142, da mesma lei, como decorrência dos poderes atribuídos ao órgão de
administração ao qual integra, independentemente da existência ou de fundada suspeita de graves irregularidades praticadas pela diretoria, pressuposto
absolutamente inexigível para o órgão superior da administração societária,
FGV DIREITO RIO
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
cujo poder fiscalizatório é permanente. Na medida em que o exercício desse
direito é cerceado pelo próprio órgão ao qual pertence o agravado ou pelo
órgão executivo, há sempre um prejuízo irreparável, porquanto prejudica a
regularidade do próprio exercício da função, que, eletivo, tem prazo certo de
duração. Assim, não é porque tivesse o agravado esperado mais de sete meses
após ter recebido a resposta negativa da diretoria em lhe prestar esclarecimentos que tenha desaparecido o perigo de dano, ou este não tenha existido”
(TJSP, 9ª CDPri, AI 236.907-4/0, Rel. Des. Ruiter Oliva, j. 30.04.2002,
ROTJESP 258/314).
“SOCIEDADE ANÔNIMA. CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO.
NULIDADE PARCIAL DE ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA. MEDIDA CAUTELAR. MEDIDA LIMINAR CONCEDIDA. ART.
804. C.P.C. DESCUMPRIMENTO. AGRAVO PROVIDO. Sociedade
anônima. Conselho de administração. Assembleia geral extraordinária convocada para deliberar sobre a destituição de dois conselheiros e eventual eleição de outros dois em lugar dos destituídos. Voto múltiplo. Possibilidade.
Conseqüente destituição dos demais conselheiros e eleição dos novos. Presidência do conselho de administração. Eleição pelos seus próprios membros,
se o contrário não dispuser o estatuto social da companhia. Destituição do
presidente do conselho de administração, sob a justificativa de deliberação da
assembleia geral de ajuizar ação de responsabilidade contra ele. Matéria que
não estava incluída na ordem do dia do edital de convocação, impossibilitando defesa. Razões invocadas que não guardam pertinência com as contempladas na Lei das Sociedades Anônimas. Liminar concedida em medida cautelar
afrontando o disposto no art. 804 do C.P.C. e confirmando o afastamento do
presidente do conselho de administração. Agravo provido” (TJRJ, 17a CC,
AI 2001.002.08605, Rel. Des. Fabrício Bandeira Filho, j. 05.09.2001, v.u.).
“APELAÇÃO — Sentença de improcedência em ação movida por acionistas visando anular deliberação tomada pelo conselho de administração.
Conselheira que, por não ser acionista, não poderia ser eleita conselheira —
Vício sanado por deliberação da assembleia geral — Argüição de nulidade
consubstanciada na ocorrência de abuso no direito de votar — Inadmissibilidade — Matéria que só poderia ser suscitada pela sociedade anônima —
Recurso improvido” (TJSP, 10ª CDPri, AC 102.974-4/2-00, Rel. Des. Ruy
Camilo, j. 08.08.2000).
“REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. CONTRATO. SOCIEDADE
ANÔNIMA. INTERESSE DE DIRETOR.
— Incide a regra do art. 156, parágrafo 1, da Lei 6.404/76 (S/A). Sobre o
contrato celebrado com representante comercial, no interesse de um de seus
FGV DIREITO RIO
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
diretores, contendo cláusulas inusuais e lesivas aos interesses da representada,
entre elas a da determinação de prazo longo de dez anos e previsão de indenização correspondente ao total das comissões devidas pelo tempo restante, em
caso de rescisão do contrato.
— Extinção do contrato e redução da indenização.
— Restabelecimento da sentença que julgara procedente em parte a ação
e a reconvenção, e dera pela precedência da cautelar.
— Recurso conhecido em parte e em parte provido” (STJ, 4ª Turma,
REsp 156076/PR, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 05.05.1998, v.u., DJ
29.06.1998, p. 201).
“No silêncio dos estatutos compete a qualquer diretor o desempenho dos
atos atinentes ao funcionamento da sociedade. Ainda que nem todos os administradores da sociedade hajam diretamente concorrido para prática de ato
irregular ou ilícito, serão eles civil e solidariamente responsáveis sempre que
por omissão de seus deveres não o tenham evitado. Recurso extraordinário
inadmitido. Agravo improvido” (STF, 2ª Turma, AI 30934/SP, Rel. Min.
Ribeiro da Costa, j. 05.11.1963, v.u., DJ 04.12.1963).
“Os atos dos diretores de sociedade anônima fora de seus poderes, não
são nulos, mas considerados inexistentes. Mas, se confirmados, o negócio se
torna eficaz” (STF, 1ª Turma, RE 30632/RJ, Rel. Min. Candido Motta, j.
25.04.1957, v.u., DJ 16.05.1957).
F) QUESTÕES DE CONCURSO
(Prova 29º Exame de Ordem OAB-RJ)
3 — Em que situação o acionista pode utilizar o voto múltiplo e como
este se processa? Fundamente com o dispositivo legal aplicável.
(Prova 27º Exame de Ordem OAB-RJ)
43 — O Conselho de Administração, como órgão das Sociedades Anônimas, é obrigatório:
a. Nas companhias abertas, nas sociedades de capital autorizado e nas sociedades empresárias
b. Nos grupos de sociedades, nas companhias fechadas e nas sociedades de
capital autorizado
c. Nas sociedades de economia mista, nos grupos de sociedades e nas companhias abertas
d. Nas sociedades de capital autorizado, nas companhias abertas e nas
sociedades de economia mista
FGV DIREITO RIO
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
(Prova 26º Exame de Ordem OAB-RJ)
1 — Tiago Gomes, diretor da Companhia Paulista de Tecidos, procura
seu advogado, indagando o seguinte: “É possível ajuizar ação de responsabilidade civil contra os administradores da companhia, apesar de a assembleia
geral ter aprovado, sem reservas, as demonstrações financeiras e as contas dos
administradores?” Dê seu parecer a respeito, indicando os dispositivos legais
aplicáveis.
(Prova: 24º Exame de Ordem OAB-RJ)
2 — Asclepíades, Hermínia e Cibele são diretores e únicos acionistas da
CIA. De Transportes Modernos, que não possui ações admitidas à negociação no mercado de valores mobiliários. Pergunta-se: Poderão os citados administradores votar, como acionistas, o relatório da administração sobre os
negócios sociais e os principais fatos administrativos do exercício findo na
Assembleia Geral Ordinária? Responda, justificando o seu entendimento e
indicando o dispositivo legal adequado.
(Prova 24º Exame de Ordem OAB-RJ)
3 — O estatuto da Cia. de Frutas Amargas criou o Conselho Executivo,
delegando a esse Órgão atribuições legais de seu Conselho de Administração.
Frente a lei, é válida, ou não, essa disposição estatutária? Responda, mencionando o dispositivo legal pertinente.
(Prova 21º Exame de Ordem OAB-RJ)
1 — Na Companhia Altavista — Construtora e Incorporadora, reuniu-se
a Assembleia Geral Extraordinária às 14h do dia 22 de janeiro de 2003, tendo sido convocada para deliberar sobre a seguinte. Ordem do Dia: “Exame,
discussão e deliberação acerca da Denúncia do Conselho Fiscal n° 02/2002,
versando sobre atos e fatos recentes”. Instalada a Assembleia nos termos da
lei, os acionistas, após examinarem os termos da Denúncia do Conselho
Fiscal n° 02/2002 e outros documentos, por maioria deliberaram destituir
imediatamente dois Membros do Conselho de Administração. Encerrada a
Assembleia, o Diretor-Presidente da Companhia na mesma tarde lhe telefona
e pede seu parecer jurídico sobre quais providências devem ser em seguida
adotadas, inclusive perguntando-lhe se é de fato necessário ou urgente preencher essas duas vagas surgidas no Conselho de Administração.
Responda à consulta por meio de uma carta-parecer, sabendo-se que: (a)
os Membros destituídos haviam sido eleitos pelo sistema de voto múltiplo;
(b) os fatos pelos quais foram destituídos causaram alto prejuízo à empresa e
envolviam ilícito penal; (c) o Conselho de Administração é estatutariamente
composto de onze membros; (d) a companhia é aberta.
FGV DIREITO RIO
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
(Prova 19º Exame de Ordem OAB-RJ)
24 — Assinale a alternativa CORRETA sobre a sociedade por ações:
a. A Assembleia Geral dos Acionistas e a Diretoria são órgãos dispensáveis, se o acionista controlador tiver todas as atividades da sociedade sob seu
controle;
b. Inexiste qualquer solidariedade entre o subscritor que houver contribuído para a formação do Capital Social com bens ou direitos, e os peritos
avaliadores que houverem feito a respectiva avaliação;
c. O Conselho de Administração é órgão obrigatório, ainda que a sociedade seja fechada e independa de autorização para funcionar;
d. Algumas das publicações determinadas pela lei de regência devem ser
promovidas com antecedência em relação a certos eventos societários, e outras devem ser promovidas subseqüentemente aos eventos.
(Prova 18º Exame de Ordem OAB-RJ)
1 — Na Companhia de Navegação Fluvial da Amazônia, empresa privada,
o Diretor Financeiro Josemar Almeida, em colusão com o Diretor-Presidente
Pedro Paulo Lopes Mancuso, adquiriu, agindo como representante legal da
empresa e sob a justificativa de que esta necessitava ampliar suas instalações
construindo estaleiros de reparo, cinco terrenos em região pantanosa componente de área de preservação ambiental. A aquisição foi feita pelo preço
certo e irreajustável de R$ 1.200.000,00, pago à vista. Um grupo de sócios
da empresa, após desenvolver sindicâncias privadas, verificou que os terrenos
pertenciam à mãe de Josemar, e que haviam sido adquiridos por preço equivalente ao décuplo da avaliação feita por empresa especializada, avaliação essa
que datava de antes da publicação do Decreto que havia transformado a área
em zona de preservação ambienta!. Notificados por esse grupo de sócios para
prestar contas de seus atos, já que o orçamento de capital não contemplava investimento congênere no exercício social em curso, ambos os administradores
ignoraram o questionamento. Nem sequer se justificaram, porque entendiam
que apenas necessitavam prestar contas à assembleia geral que os havia eleito.
O grupo de sócios, à vista da omissão dos administradores em responder, houve por bem questioná-los sobre esse mesmo tema, durante a assembleia geral
extraordinária convocada para o mês seguinte, e de cuja ordem do dia apenas
constava a apreciação da renúncia do Diretor de Controle, Edmar Florestan
de Albuquerque. Durante a assembleia, esse mesmo grupo de sócios, que detém no Capital Social um percentual equivalente a 9%, expondo aos demais
sócios a conduta dos dois administradores e insatisfeito com as frágeis explicações dadas, propôs a respectiva destituição, que contou com a concordância
da maioria dos presentes, tendo então sido eleitos três novos administradores
para a empresa, e autorizadas as medidas judiciais necessárias ao ressarcimento
FGV DIREITO RIO
101
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
à empresa, dos valores indevidamente utilizados pelos Diretores destituídos.
Você foi procurado em seu escritório de advocacia pelo novo Diretor Presidente, no dia 10 de julho de 2002, exatamente dois meses após a deliberação
assemblear, e foi contratado para adotar as medidas cabíveis. Elabore a petição
inicial da ação, embasando-a na legislação societária em vigor e datando-a;
não se esqueça dos demais aspectos técnicos atinentes ao contencioso judicial.
(Prova 18º Exame de Ordem OAB-RJ)
26 — Assinale a afirmativa FALSA sobre os administradores das sociedades por ações abertas:
a. Eles têm que cuidar unicamente do intuito da sociedade, para que esta
distribua sempre bons dividendos aos seus acionistas;
b. Eles têm os deveres de atuar com diligência e lealdade, e de prestar informações ao mercado em geral;
c. Eles não devem agir como empregados, mas sim como representantes
legais das empresas;
d. Eles devem ser atentos e cuidadosos, pois pode ocorrer que, em determinados momentos, eles tenham interesses pessoais conflitantes com os da
própria sociedade.
(Prova 15º Exame de Ordem OAB-RJ)
2 — Sandra Célia Gentil irritou-se por razões pessoais com uma prima Ana
Regina Teixeira, diretora-presidente da Petropolitana — Importações e Exportações S.A, quando ambas, acionistas da empresa, estavam presentes à Assembleia
Geral Ordinária dos Acionistas, Sandra Célia procurou então seu advogado, a
quem expressou sua intenção de, na qualidade de acionista controladora, propor
aos demais sócios a destituição de Ana Regina do cargo que ocupa na administração, e a expulsão da mesma da sociedade, pois, segundo disse, “ela passara a
ser sua inimiga”. Como seu advogado, responda fundamentadamente à dupla
consulta: opine quanto à possibilidade de destituição e quanto à de expulsão.
(Prova 11º Exame de Ordem OAB-RJ)
5 — Daniel Gomes, acionista e Presidente do Conselho de Administração
da construtora Internacional de Engenharia S/A quer adotar o sistema do
voto múltiplo na eleição dos membros deste órgão societário. Assim, indaga
sobre o funcionamento desse sistema de votação, perguntando, ainda, sobre
a distinção entre voto múltiplo e voto plural.
(Prova 10º Exame de Ordem OAB-RJ)
5 — José Alexandre, presidente da Companhia Industrial Fluminense,
pretende saber se, como acionista, pode votar na Assembleia Geral que examinará as suas contas como administrador.
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
G) GLOSSÁRIO
Concussão: Art. 316, Código Penal — Exigir, para si ou para outrem,
direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas
em razão dela, vantagem indevida.
Conselho Fiscal: Órgão que fiscaliza a situação financeira da empresa.
Peculato: Art. 312, Código Penal — Apropriar-se o funcionário público
de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de
que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou
alheio.
Prevaricação: Art. 319, Código Penal — Retardar ou deixar de praticar,
indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei,
para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.
Responsabilidade civil subjetiva: obrigação de indenizar danos gerados
por conta de conduta negligente, imprudente ou imperita de uma pessoa.
Subsidiária integral: Sociedade anônima cujo capital pertence integralmente a outra sociedade brasileira, nos termos do artigo 251 da Lei das S.A.
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
AULAS 12 E 13: GOVERNANÇA CORPORATIVA
A) LEITURA BÁSICA
LOBO, Jorge (Coord.) Reforma da Lei das Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro: Forense, 2002. pp. 423-452.
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar,
2008.
WALD, Arnoldo. Revista de Direito Bancário e Mercado de Capitais. Editora
RT.
GARCIA, Felix Arthur. Governança Corporativa. Monografia apresentada no
Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 2005.
B) ROTEIRO DE AULA
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO: NOÇÕES INTRODUTÓRIAS E ORIGEM
Nos últimos anos, o tema da governança corporativa invadiu o universo
jurídico e econômico128, ensejando discussões abrangentes, objeto de uma
multidisciplinariedade de temas, como finanças, economia, ao mesmo tempo
que em propiciou o desenvolvimento da atividades acadêmicas e relevantes
reformas legislativas129.
Desse modo, o estudo da governança corporativa vai tratar do conjunto
de instrumentos de natureza pública e privada, que incluem leis, normativos
expedidos por órgãos reguladores, regulamentos internos das companhias e
práticas comerciais que organizam e comandam a relação, numa economia
de mercado, entre os controladores e administradores de uma empresa, de
um lado, e aqueles que nela investem recursos através da compra de valores
mobiliários por ela emitidos como, entre outros, os acionistas minoritários e
debenturistas.
Apesar de criticada por alguns por ser apenas um novo rótulo para o sistema de relacionamentos entre os acionistas e a administração da empresa130,
é inegável sua relevância prática131, tendo em vista que a adoção de boas
práticas de governança corporativa tem atraído a atenção dos investidores no
momento de direcionar suas aplicações no mercado de valores mobiliários 132.
Cumpre também ressaltar que a escassez de recursos públicos nos mercados
128.
Assim observam João Laudo de Camargo e Maria Isabel do Prado Bocater:
“[A governança corporativa] desperta
interesse, portanto, não apenas dentre
os estudiosos do Direito, mas também
entre os que se dedicam a outros campos, como Economia, Administração e
Finanças” (Conselho de administração:
seu funcionamento e participação de
membros indicados por acionistas minoritários e preferencialistas. In: LOBO,
Jorge (Coord.). Reforma da Lei das
Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro:
Forense, 2002; p. 387). Reconhecendo a
interdisciplinaridade da matéria, a doutrina ibérica aponta que “não se trata
[...] de um tema estritamente jurídico”
(SAN PEDRO, Luis Antonio Velasco. O
governo das sociedades cotadas (corporate governance) em Espanha: o “Relatório Olivencia”. Boletim da Faculdade
de Direito da Universidade de Coimbra, v.
75, p. 279-314, Coimbra, 1999, p. 279).
129.
À guisa de exemplo, podemos lembrar, no Brasil, a Lei nº 10.303/01, que
reformou a Lei das Sociedades Anônimas, e, no direito norte-americano, o
Sarbanes-Oxley Act. Ainda, no direito
italiano, data de fevereiro de 1998 o
Decreto Legislativo nº 58/98, que incrementou a proteção dos acionistas
minoritários (BIANCHI, Marcelo; ENRIQUES, Luca. Corporate Governance in
Italy after the 1998 Reform: What role
for institutional investors?. Quaderni di
Finanza, nº 43, Consob — Comissione
Nazionale per le Societá e la Borsa,
Janeiro 2001. Disponível em: http://
www.consob.it/index.htm.
Acesso
em: jul. 2002. p. 7). Vale lembrar que a
auto-regulação costuma ser a característica primordial da governança corporativa (nesse sentido, seja consentido
remeter, por todos, a SAN PEDRO, Luis
Antonio Velasco. Op. cit., p. 288). Em relação à utilização de mecanismos legais
para implemento de boas práticas de
governança, cumpre observar que “as
reformas legislativas para aumentar
os direitos dos minoritários geralmente
encontram sérios obstáculos políticos.
Reformas brancas, via mecanismos de
adesão voluntária por meio de contratos privados aparecem como uma
alternativa mais factível” (CARVALHO,
Antonio Gledson de. Efeitos da migração para os níveis de governança da
Bovespa. Disponível em: www.econ.
fea.usp.br/gledson/artigo.htm. Acesso
em: maio 2003).
130.
Nesse sentido, aponta-se a opinião
de Cláudio Oksenberg: “A recente discussão em torno das boas práticas de
governança corporativa nas sociedades
anônimas, embora pareça um tema
novo e inédito no Direito, não é nada
mais que uma roupagem diferente
dada a velhas discussões jurídicas em
torno do poder de controle e da administração nas sociedades anônimas.
Contudo, devido a diversos fatores sur-
FGV DIREITO RIO
104
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
de capitais na década de 90 (resultado da “década perdida”) ensejou um novo
modelo legislativo que fosse atrativo ao investimento privado, assegurando
também sua proteção.
De acordo com o professor Arnold Wald, a governança corporativa “significa o estabelecimento do Estado de Direito na sociedade anônima”, pois assegura a prevalência do interesse social sobre os eventuais interesses particulares
dos acionistas, sejam eles controladores, sejam representantes da maioria ou
minoria. Por meio do instituto da governança corporativa, cria-se a “democracia societária”, sistema de equilíbrio e separação de poderes, em oposição
ao regime anterior de onipotência e poder absoluto e discricionário do controlador ou grupo de controle. A governança corporativa também permite a
participação mais assertiva dos acionistas nos rumos e condução dos negócios
empresariais, fomentando os stakeholders.
As raízes da governança corporativa ligam-se à tradição anglo-saxônica,
notadamente na década de 1990, embora se possam verificar distinções entre
as abordagens da Inglaterra e dos Estados Unidos ao tema133. As razões são
autoexplicativas para o surgimento da governança corporativa nesses países,
devido ao dinamismo de seus mercados, atrelado aos escândalos financeiros
no seio das companhias.
Deve-se assinalar, em resumo, que não há uma completa convergência sobre a correta aplicação das práticas de governança nos mercados, entretanto,
pode-se afirmar que se baseiam nos princípios de transparência, independência e prestação de contas (accountability) como meio de atrair investimentos
e fomentar o mercado de capitais.
Evidenciou-se, assim, a necessidade de serem revistas as atribuições e as
responsabilidades dos administradores das companhias. Nesse cenário, surgiram diversos códigos ao redor do mundo com intuito de estudar e propagar
as práticas de boa governança corporativa134. Tais códigos, embora lhes falte
coercibilidade legal, vêm se tornando cada vez mais necessários para uma
atuação competitiva no mercado acionário globalizado, em face da pressão
exercida pelos investidores. No direito brasileiro, cita-se o “Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa”, editado pelo Instituto Brasileiro
de Governança Corporativa (IBGC).
No âmbito internacional, a governança corporativa é fomentada por algumas coalizões de países, a exemplo do G8 (hoje substituído pela preponderância econômica do G20), da OCDE (Organização para Cooperação
e Desenvolvimento Econômico), além dos órgãos financeiros criados pela
Conferência de Bretton Woods (1944), quais sejam o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, que tratam gestão mais transparente
das questões
Com efeito, não é simples a tarefa de delimitar o conceito da expressão
‘‘governança corporativa’’, tanto que ainda não se encontra uma noção jurídi-
gidos nas últimas décadas, esse tema
voltou a ser amplamente discutido,
de forma bastante salutar, no âmbito
das sociedades anônimas em todo o
mundo, em especial no que tange ao
cada dia mais importante mercado
de capitais” (Governança corporativa:
o poder de controle na sociedade
anônima. Monografia apresentada ao
Departamento de Direito da Pontifícia
Universidade Católica, Rio de Janeiro,
p. 6 — grifou-se). Em linhas análogas,
João Bosco Lodi, salientando o papel
reservado ao Conselho de Administração, define a governança corporativa
como “um novo nome para o sistema
de relacionamento entre acionistas,
auditores independentes e executivos
da empresa, liderado pelo Conselho de
Administração” (Op. cit., p. 9 — grifou-se).
131.
Paulo César Gonçalves Simões demonstra tal importância, nas seguintes
palavras: “Afirmam alguns que governança corporativa é apenas um novo
nome para designar um conceito que
se identifica com uma nova concepção
modernizada da affectio societatis,
ajustada à característica de mutabilidade da pessoa do acionista. É inegável,
entretanto, que esse movimento expressa uma nova dinâmica nas relações
societárias, que produz seus efeitos em
todo o mundo capitalista e merece,
portanto, uma denominação própria”
(Governança corporativa e o exercício
do voto nas S.A. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2003. p. xii).
132.
Tal efeito apresenta uma importância crescente em face da conjuntura econômica atual. De fato, “com o
advento da globalização, juntamente
com a política de altos juros praticada
em um passado recente pelo Federal Reserve e as sucessivas crises nos
mercados chamados ‘emergentes’, a
captação e a alavancagem de recursos
pelas empresas brasileiras no mercado
de capitais nacional têm se tornado
cada vez mais difíceis. Some-se a
esses fatores a concorrência exercida
pelas bolsas internacionais” (RIBEIRO,
Milton Nassau. Fundamentos e efeitos
jurídicos da governança corporativa
no Brasil. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro, São
Paulo, Malheiros, v. 127, jul./set. 2002,
p. 165, grifou-se). O processo de privatização implementado na última década
também incrementou a importância
dos investidores particulares. Nesse
sentido, preconiza Norma Parente: “O
Brasil, seguindo a tendência mundial,
já privatizou as grandes estatais e
abriu sua economia. Em conseqüência,
o Estado hoje pode se dedicar mais a
atender as necessidades sociais básicas,
como saúde e educação. Tais objetivos
não se coadunam com a transferência
de recursos públicos para o setor privado. Desse modo, só resta ao empresário
FGV DIREITO RIO
105
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
ca do termo135, apesar do esforço envidado pela doutrina. O conciso conceito
proposto pelo Cadbury Report — um dos importantes códigos de governança
corporativa — é talvez um dos que melhor traduz a abrangência do termo:
“Governança corporativa é o sistema pelo qual as sociedades são administradas e controladas”136.
De acordo com o manual editado pelo IBGC, governança corporativa
pode ser definida como:
“Governança Corporativa é o sistema que assegura aos sócios-proprietários o governo estratégico da empresa e a efetiva monitoração da
diretoria executiva. A relação entre propriedade e gestão se dá através
do conselho de administração, a auditoria independente e o conselho
fiscal, instrumentos fundamentais para o exercício do controle. A boa
Governança assegura aos sócios eqüidade, transparência, responsabilidade pelos resultados (accountability) e obediência às leis do país
(compliance). No passado recente, nas empresas privadas e familiares,
os acionistas eram gestores, confundindo em sua pessoa propriedade e
gestão. Com a profissionalização, a privatização, a globalização e o afastamento das famílias, a Governança Corporativa colocou o Conselho
entre a Propriedade e a Gestão.”
Trata-se de um olhar mais acentuado ao controle e direção dos negócios,
que, em última instância, ajuda a trazer novos investimentos, ao mesmo tempo em que atrai novos sócios, além dos mecanismos de poupança pública que
são utilizados para os investimentos nas empresas. Em última análise, a governança corporativa coaduna-se com o espírito normativo do art. 154 da Lei
das S.A., o qual define que a grande empresa deve observar, prioritariamente,
o tríplice interesse institucional, definido pelo: (i) capital — acionistas; (ii)
trabalho — empregados; (iii) sociedade — comunidade.
PRINCÍPIOS BÁSICOS DA GOVERNANÇA CORPORATIVA
• Transparência: é a obrigação de informar aos investidores e à sociedade as ações da companhia, como forma de controle. Como tratado
nesse trabalho, a CVM disciplina a divulgação de informações e uso
de fatos relevantes ao mercado por meio da Instrução Normativa nº
358/02.
• Equidade: tratamento justo dos stakeholders, como forma de assegurar sua participação nas decisões tomadas pela companhia.
• Accountability: prestação de contas pelos administradores por sua
atuação;
socorrer-se do mercado de capitais,
nos moldes dos países desenvolvidos”
(Principais inovações introduzidas pela
Lei nº 10.303, de 31 de outubro de
2001, à lei de sociedades por ações.
In: LOBO, Jorge (Coord.). Reforma da
Lei das Sociedades Anônimas. Rio de
Janeiro: Forense, 2002. p. 11). Sugere
Cláudio Oksenberg que “talvez a principal causa para a recente discussão em
torno da governança corporativa nas
sociedades anônimas seja a cada vez
mais marcante presença de investidores institucionais no mercado brasileiro.
Tanto os investidores institucionais estrangeiros, como fundos private equity
e venture capital, quanto os nacionais,
como as entidades fechadas de previdência privada (‘EFPP’), além de outros
fundos mútuos de investimento, são
responsáveis por uma soma significativa de recursos para serem investidos
em diversos segmentos da economia,
inclusive no mercado de valores mobiliários, inclusive nas companhias de
capital fechado” (op. cit., p. 54). Consoante estudo da empresa de consultoria
norte-americana McKinsey, “as privatizações, fusões, aquisições e as novas
gerações que assumem o comando de
empresas familiares estão forçando as
companhias brasileiras a mudar os padrões usuais de governança. O objetivo
é melhorar a capacidade estratégica
e ter maior acesso a investimentos e
às bolsas de valores” (PORTAL EXAME.
Empresas brasileiras querem governança, mas sem perder o controle, diz
McKinsey).
133.
Assim constata Paulo da Veiga
Monteiro: “Há distinções entre as
abordagens americana e britânica ao
tema. Enquanto nos EUA o foco está
nas relações entre acionistas, diretores e conselheiros, no Reino Unido
a abordagem é muito mais ampla.
No entendimento britânico, a Governança Corporativa deve harmonizar
não somente os interesses das partes
citadas, mas também de todas as
partes interessadas (stakeholders), aí
incluídos empregados, clientes, fornecedores, instituições financiadoras e a
comunidade diretamente afetada pelos
negócios da empresa. Esta ampliação
da noção do que sejam as melhores
práticas de gestão da empresa, está
ligada, inegavelmente, à crescente
exigência de responsabilidade social da
corporação, algo que vai muito além da
filantropia com interesses publicitários”
(E a governança corporativa?. Valor
Econômico, Rio de Janeiro, 25.03.2003).
134.
No Brasil, destacam-se o código
do Instituto Brasileiro de Governança
Corporativa — IBGC e a cartilha da Comissão de Valores Mobiliários — CVM.
135.
Nesse sentido, recorda Paulo César
Gonçalves Simões: “Não existe ainda
uma noção jurídica do termo ‘gover-
FGV DIREITO RIO
106
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
• Responsabilidade Corporativa: zelar pela sustentabilidade da organização, visando a sua longevidade, incorporando considerações de ordem social e ambiental nos negócios e operações;
CÓDIGOS DE MELHORES PRÁTICAS DA GOVERNANÇA CORPORATIVA
NO MUNDO
Com a evolução e a importância cada vez maior do estudo da governança
corporativa foram surgindo, inicialmente nos países com mercado de capitais
mais desenvolvidos, os “Códigos de Melhores Práticas de Governança Corporativa”.
O primeiro desses códigos surgiu no Reino Unido em 1992, como resultado da iniciativa da Bolsa de Valores de Londres (London Stock Exchange),
que criou o chamado comitê Cadbury (mencionado no tópico anterior) com
o objetivo de revisar certas práticas de governança corporativas relacionadas
a aspectos contábeis, que deu origem ao The Cadbury Report, publicado em
01.12.1992.
Devido à limitação dos temas tratados no relatório preparado pelo comitê
Cadbury, foram posteriormente instalados dois novos comitês: comitê Greenbury e comitê Hempel, abordando temas como a remuneração de executivos e
conselheiros e as atribuições e responsabilidades do Conselho de Administração.
Como exemplo de outros códigos voltados para a governança corporativa no
exterior podemos citar, entre outros, os seguintes: The OECD Report, publicado
abril de 1999, The NACD Report, relatório preparado pela National Association
of Corporate Directors e publicado em novembro de 1996, Euroshareholders Corporate Governance Guideline 2000, publicado pelo European shareholders Group
em fevereiro de 2000 e Global Share Voting Principles, publicado pela International Corporate Governance Network — ICGN em julho de 1998.
Vários investidores institucionais estrangeiros também passaram a criar
seus próprios códigos com regras de governança corporativa que devem ser
adotadas pelas empresas nas quais investem.
Um dos maiores e mais importantes Fundos de Pensão americanos, a
CALPERS — Califórnia Public Employees’ Retirement System, preparou um
documento denominado Corporate Governance Core Principles and Guidelines, com princípios básicos e regra de governança tais como: independência,
funcionamento e avaliação do Conselho de Administração, remuneração de
executivos e características dos diretores individuais e direito dos acionistas.
A CALPERS foi responsável por questionar a operação promovida pela Texaco na década de 1980, que determinou o resgate de ações, diminuindo a
participação nos lucros dos minoritários, em face de eventual perda do poder
de controle.
nança corporativa’, que designa, em
geral, uma tendência, ainda em plena
evolução nos mercados de capitais, de
melhorar as relações entre os agentes
da poupança pública, que circula nesses mercados, e os detentores do poder
nas empresas para onde é canalizada
essa poupança” (op. cit., p. 1).
136.
No original, “Corporate governance
is the system by which companies
are directed and controlled. Boards of
directors are responsible for the governance of their companies” (Cadbury
Report, section 2.5). Já na definição
do Instituto Brasileiro de Governança
Corporativa: “Governança corporativa é
o sistema pelo qual as sociedades são
dirigidas e monitoradas, envolvendo
os relacionamentos entre Acionistas/
Cotistas, Conselho de Administração,
Diretoria, Auditoria Independente e
Conselho Fiscal. As boas práticas de governança corporativa têm a finalidade
de aumentar o valor da sociedade, facilitar seu acesso ao capital e contribuir
para a sua perenidade” (disponível em:
www.ibgc.org.br).
FGV DIREITO RIO
107
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
Na mesma linha, a TIAA-CREF — Teachers Insurance and Annuity Association — College Retirement Equities Fund, por meio de seu Comitê de Governança Corporativa e Responsabilidade Social, edita regularmente um relatório denominado Policy Statement on Corporate Governance, periodicamente
atualizado, com regras de governança envolvendo o Conselho de Administração, direito dos acionistas, remuneração de executivos, o papel de conselheiros independentes tais como: auditores, firmas de advogados e bancos de
investimento, governança corporativa em companhias domiciliadas fora dos
EUA e questões relacionadas à responsabilidade social das companhias.
No Brasil, os principais investidores institucionais também têm adotado
códigos de melhores práticas de governança corporativa. A PREVI (Caixa de
Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil), maior fundo de pensão
do país, elaborou seu próprio Código e institui políticas de orientação para
seus representantes. As diretrizes do Código de Governança da PREVI são
as seguintes: (i) transparência, divulgação, responsabilidade; (ii) tratamento
equânime dos acionistas; (iii) direito dos acionistas e (iv) sustentabilidade.
Por sua vez, há mecanismos específicos de proteção aos acionistas, dentre os
quais destacamos as definições de acordo de acionistas e poison pills.
GOVERNANÇA CORPORATIVA E A LEI SARBANES-OXLEY NOS EUA
A Lei Sarbanes-Oxley é uma reação da legislação americana aos escândalos financeiros praticados por empresas como a Enron, WorldCom e a Xerox.
A lei foi promulgada em janeiro de 2002, nos Estados Unidos, e procurou
restaurar a credibilidade do mercado financeiro e de capitais diante desses
escândalos. Esta lei estabelece regras para governança corporativa relativas à
divulgação e à emissão de relatórios financeiros, ao mesmo tempo em que se
destina às empresas americanas, atingindo as companhias de capital aberto
com ações negociadas na Bolsa de Nova York (NYSE).
O ex-presidente da CVM, Luis Leonardo Cantidiano, afirma que:
“outro aspecto que chama nossa atenção é o fato de a Sarbanes-Oxley, uma lei federal, invadir o campo antes reservado às leis estaduais
ao instituir normas que dizem respeito à governança das ‘public companies’, fazendo com que a SEC também passe a ter uma competência
para interferir nessa esfera”137.
Em termos gerais, os objetivos elencados pela lei são:
• Coibir abusos, ampliando exigências de governança corporativa;
• Implementar mudanças efetivas e sustentáveis para recuperar a confiança dos investidores no mercado de capitais;
137.
CANTIDIANO, Luis Leonardo. Aspectos da Lei Sarbanes-Oxley. Revista RI,
junho de 2005.
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108
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
• Aumentar a transparência das informações geradas pelas empresas
e instituições do mercado de capitais (os investidores preocupam-se
com a forma como seus investimentos são gerenciados e como são
protegidos);
• Desencorajar afirmações dos executivos de que “não tinham conhecimento” das atividades duvidosas praticadas por suas companhias; e
• Participações não registradas nos livros contábeis.
EVOLUÇÃO DA GOVERNANÇA CORPORATIVA NO BRASIL
Alguns analistas observam que o modelo empresarial brasileiro encontra-se
em um momento de transição. De grandes oligopólios, empresas de controle
exclusivamente familiar e controle acionário definido e altamente concentrado, com acionistas minoritários, verifica-se que o Brasil está caminhando
para uma nova estrutura de empresa, marcada pela participação crescente de
investidores institucionais, fragmentação do controle acionário e pelo foco na
eficiência econômica e transparência de gestão.
Pelo exposto, a evolução da governança corporativa no Brasil está atrelada ao próprio desenvolvimento do mecanismo no âmbito internacional e
do processo de internacionalização das empresas. Desse modo, a abertura
e consequente modificação da estrutura societária fomentaram práticas de
governança nas companhias, com necessidade de definição mais clara de objetos e questões negociais, além da proteção dos investidores minoritários,
que poderiam ficar desguarnecidos face às mudanças abruptas na estrutura
da companhia.
Como resultado da necessidade de adoção das boas práticas de governança, em 1999 foi publicado o primeiro código sobre governança corporativa,
elaborado pelo IBGC. O código trouxe, inicialmente, informações sobre a
composição do Conselho de Administração, e a conduta esperada dos conselheiros e o tratamento com os acionistas minoritários.
Em 2002, na esteira de reforma da Lei das S.A., a CVM trouxe uma cartilha sobre governança corporativa, procurando se adequar à evolução das
práticas em outros países. Seu objetivo é orientar nas questões que podem
influenciar significativamente a relação entre administradores, conselheiros,
auditores independentes, acionistas controladores e acionistas minoritários,
além das contribuições práticas e operacionais que a CVM identificou ao
longo dos anos. Essas regras não têm caráter exaustivo, e foram observadas ao
longo dos anos com a atuação da autarquia, que propõem algumas diretrizes:
(i) Transparência: a CVM preconiza que assembleias gerais devam ser
realizadas em data e hora que não dificultem o acesso dos acionis-
FGV DIREITO RIO
109
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
tas. Ao mesmo tempo, o edital de convocação de AG deve conter
descrição precisa dos assuntos a serem tratados. O conselho deve
incluir na pauta matérias relevantes e oportunas sugeridas por acionistas minoritários, independentemente do percentual exigido por
lei para convocação de assembleias geral de acionistas.
A companhia deve tornar plenamente acessíveis a todos os acionistas quaisquer acordos de seus acionistas de que tenha conhecimento, bem como aqueles em que a companhia seja interveniente.
(ii) Processo de votação: o estatuto deve regular com clareza as exigências necessárias para voto e representação de acionistas em assembleias, tendo como objetivo facilitar a participação e votação.
(iii) Estrutura do Conselho de Administração: o conselho de administração deve atuar de forma a proteger o patrimônio da companhia,
perseguir a consecução de seu objeto social e orientar a diretoria a
fim de maximizar o retorno do investimento, agregando valor ao
empreendimento.
O conselho deve ter o maior número possível de membros independentes da administração da companhia, ao passo que o mandato de todos os conselheiros deve ser unificado, com prazo de gestão
de um ano, permitida a reeleição.
O conselho deve adotar um regimento com procedimentos sobre suas atribuições e periodicidade mínima das reuniões, além de
dispor sobre comitês especializados para analisar certas questões
em profundidade, notadamente relacionamento com o auditor e
operações entre partes relacionadas. O conselho de administração
deve fazer anualmente uma avaliação formal do desempenho do
executivo principal, ao passo que os conselheiros devem receber os
materiais para suas reuniões com antecedência compatível com o
grau de complexidade da matéria.
(iv) Preenchimento de cargos na companhia: os cargos de presidente
do conselho de administração e presidente da diretoria (executivo
principal) devem ser exercidos por pessoas diferentes. Essas questões são polêmicas, e têm certa resistência do empresariado, além
da regra colocada pelo segmento do Novo Mercado da Bovespa.
(v) Mecanismos de proteção aos acionistas minoritários: inclusão
de tag-along (foram esmiuçadas em aula específica), transações com
partes relacionadas.
FGV DIREITO RIO
110
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
(vi) Pagamento de dividendos: O estatuto da companhia deverá determinar que, se a assembleia geral não deliberar pelo pagamento dos
dividendos fixos ou mínimos às ações preferenciais ou a companhia
não pagá-los no prazo permitido por lei, tais ações adquirirão imediatamente o direito a voto. Se a companhia não pagar dividendos
por 03 anos, todas as ações preferenciais adquirirão direito de voto.
Outra contribuição significativa foi a adoção de níveis de governança corporativa na negociação de ações no âmbito da Bovespa. De acordo com a Bovespa, houve a criação do IGC (Índice de Ações com Governança Corporativa
Diferenciada), que tem por escopo medir o desempenho de uma carteira teórica
composta por ações de empresas que apresentem bons níveis de governança
corporativa. Tais empresas devem ser negociadas no Novo Mercado ou estar
classificadas nos Níveis 1 ou 2 da Bovespa.
Desse modo, além das regras disciplinadas pela Lei das S.A., os níveis
de negociação das ações da Bovespa devem observar determinadas regras de
governança corporativa, as quais podem ser visualizadas no quadro abaixo
(Fonte: BM&FBovespa, julho de 2013)
FGV DIREITO RIO
111
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
Um ponto interessante das companhias que participam do segmento
Novo Mercado da Bovespa diz respeito à adesão obrigatória às câmaras de arbitragem, prezando pela celeridade e especialização na apreciação de eventuais litígios societários. Atualmente, as práticas de governança corporativa são
estimuladas, com implementação cada vez mais constante de seus princípios
e regras nos estatutos da companhia.
ALGUNS EXEMPLOS DE BOAS PRÁTICAS DE GOVERNANÇA
CORPORATIVA
(i) É recomendável que a assembleia geral ordinária realize-se na data
mais próxima possível ao fim do exercício fiscal a que ela se refere;
(ii) A companhia deve tornar plenamente acessíveis a todos os acionistas quaisquer acordos de seus acionistas de que tenha conhecimento, bem como aqueles em que a companhia seja interveniente;
(iii) O conselho de administração deve ter de cinco a nove membros
tecnicamente qualificados, com pelo menos dois membros com experiência em finanças e responsabilidade de acompanhar mais detalhadamente as práticas contábeis adotadas. O conselho deve ter o
maior número possível de membros independentes da administração da companhia;
(iv) O conselho deve adotar um regimento com procedimentos sobre
suas atribuições e periodicidade mínima das reuniões, além de dispor sobre comitês especializados para analisar certas questões em
profundidade, notadamente relacionamento com o auditor e operações entre partes relacionadas;
(v) As decisões de alta relevância devem ser deliberadas pela maioria do
capital social, cabendo a cada ação um voto, independentemente de
classe ou espécie;
(vi) O conselho de administração deve se certificar de que as transações
entre partes relacionadas estão claramente refletidas nas demonstrações financeiras e foram feitas por escrito e em condições de mercado; e
(vii) O estatuto da companhia deve estabelecer que as divergências entre
acionistas e companhia ou entre acionistas controladores e acionistas minoritários serão solucionadas por arbitragem138.
QUESTÃO: GOVERNANÇA CORPORATIVA GERA VALOR AGREGADO ÀS
AÇÕES DA COMPANHIA?
138.
Recomendações da Comissão de
Valores Mobiliários — CVM sobre governança corporativa. In: www.cvm.
gov.br.
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112
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
Muito se discute quais são os propósitos da governança corporativa, e se
de fato, a implementação de regras tem impacto na geração de valor agregado
e negocial às ações cujas empresas adotam práticas de governança.
Em junho de 2000, a empresa de consultoria McKinsey & Co., em parceria com o Banco Mundial, conduziu uma pesquisa (“Investors Opinion
Survey”) junto a investidores, representando um total de carteira superior
a US$ 1.650 bilhões, destinada a detectar e medir eventuais acréscimos de
valor às companhias que adotassem boas práticas de governança corporativa.
Apurou-se, em termos empíricos, que os investidores pagariam entre 18%
e 28% a mais por ações de empresas que adotam melhores práticas de administração e transparência. Algumas outras das conclusões dessa pesquisa:
a) os direitos dos acionistas foram classificados como a questão mais importante de governança corporativa da América Latina;
b) três quartos dos investidores dizem que as práticas do Conselho de Administração são pelo menos tão importantes quanto a performance financeira
quando estão avaliando companhias para investimentos. Na América Latina,
quase metade dos investidores consultados considera que as práticas de conselho de administração são mais importantes que a performance financeira;
c) na América Latina e na Ásia, onde os relatórios financeiros são limitados e frequentemente de má qualidade, os investidores preferem não confiar
apenas em números. Eles acreditam que seus investimentos estarão mais bem
protegidos por companhias com boa governança que respeitem direitos dos
acionistas;
d) a qualidade da administração da companhia não raro é mais importante do que questões financeiras nas decisões sobre investimentos139.
Como exposto anteriormente, a tendência de evolução do mercado de
capitais impactou na adoção de práticas de governança corporativa. Fatores
como a globalização e necessidade de atração de investimentos formaram
um contexto importante para governança, como foi detectado pela pesquisa
“Panorama da Governança Corporativa do Brasil” conduzida em 2001 em
parceria da consultoria McKinsey com Korn Ferry International, onde são
enfocadas características da estrutura de propriedade e liderança das empresas
nacionais e a organização e as práticas dos Conselhos de Administração.
A pesquisa aponta, de maneira enfática, que as empresas nacionais, premidas por necessidades de financiamento e pelos desafios impostos pela competição em nível global, estão reformulando suas práticas de governança corporativa. O processo de internacionalização de algumas empresas brasileiras
também permitiu que houvesse a adoção paulatina de regras de governança
diante da possibilidade de captação de recursos no mercado internacional.
139.
Publicação Relações com Investidores nº 29 e 79.
FGV DIREITO RIO
113
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
JURISPRUDÊNCIA
Decisão do Colegiado da CVM
ALTERAÇÃO DA DELIBERAÇÃO CVM 498/2006 — COMITÊ
CONSULTIVO DE EDUCAÇÃO — PROC. RJ2006/0156
O Colegiado aprovou a proposta apresentada pela Superintendência de
Proteção e Orientação aos Investidores de alteração da Deliberação CVM
498/06, que criou o Comitê Consultivo de Educação. Tal alteração tem por
finalidade atualizar o rol das instituições integrantes do Comitê, contemplando a admissão da CETIP S.A. — Mercados Organizados e do Instituto
Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).
Aplicação da Cartilha de Governança Corporativa no julgado da CVM
PROCESSO CVM Nº RJ 2003/3718
Interessadas: Telesp S/A
Telefônica Data Brasil Holding S/A
Manifestação de Voto da Diretora Norma Jonssen Parente, 17 de junho de 2003.
I — Disposição Legal
2. O assunto está assim disciplinado no artigo 161 da Lei nº 6.404/76:
“Art. 161. A companhia terá um conselho fiscal e o estatuto disporá
sobre seu funcionamento, de modo permanente ou nos exercícios sociais em
que for instalado a pedido de acionistas.
§ 1º O conselho fiscal será composto de, no mínimo, 3 (três) e, no máximo, 5 (cinco) membros, e suplentes em igual número, acionistas ou não,
eleitos pela assembléia-geral.
§ 4º Na constituição do conselho fiscal serão observadas as seguintes
normas:
a) os titulares de ações preferenciais sem direito a voto, ou com voto
restrito, terão direito de eleger, em votação em separado, 1 (um) membro
e respectivo suplente; igual direito terão os acionistas minoritários, desde
que representem, em conjunto, 10% (dez por cento) ou mais das ações com
direito a voto;
b) ressalvado o disposto na alínea anterior, os demais acionistas com
direito a voto poderão eleger os membros efetivos e suplentes que, em qualquer caso, serão em número igual ao dos eleitos nos termos da alínea a,
mais um.”
II — Fundamentos
3. O Conselho Fiscal, apesar das críticas que freqüentemente recebe, vem
sendo mantido na legislação societária pois, como a própria Exposição de
Motivos do Projeto da Lei nº 6.404/76 reconhece, a existência de um sistema
de controle interno sobre a administração da companhia é muito importante
na diminuição dos riscos de uma gestão onipotente.
FGV DIREITO RIO
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
4. Observando-se o histórico do Conselho Fiscal, percebe-se que o órgão
começou a se desenvolver a partir do momento em que a administração da
companhia deixou de ser exercida por seus proprietários. Com isso, os proprietários da companhia, ou seja, seus acionistas, começaram a exigir mecanismos de controle mais eficientes sobre os atos daqueles que agora estavam
gerindo e administrando o seu patrimônio.
5. Desse modo, o Conselho Fiscal foi evoluindo e ganhando maior importância, bem como atribuições e obrigações mais complexas, tais como, (i)
o dever de fiscalizar os atos de gestão e a contabilidade da companhia, em
consonância com o direito essencial do acionista de fiscalização da gestão
dos negócios sociais, previsto no artigo 109, inciso III, da Lei de S/A; e (ii)
o dever de informar os erros, fraudes ou crimes que descobrirem aos órgãos
da administração e, se estes não tomarem providências, à Assembléia Geral.
6. A recente reforma da Lei das S/A, implementada pela Lei nº 10.303/01,
representou um significativo avanço no desenvolvimento do Conselho Fiscal,
na medida em que, consolidando a tendência doutrinária e jurisprudencial,
ampliou consideravelmente as hipóteses de atuação individual dos seus membros. No entanto, continuaram resguardadas pela lei societária situações em
que o Conselho Fiscal só pode atuar como um órgão colegiado, deliberando
por maioria.
7. Note-se, também, que o legislador, ao longo do tempo, manteve uma
especial preocupação em assegurar a proporcional representação do corpo
acionário da companhia na composição do Conselho Fiscal, de modo a conciliar a prevalência do princípio majoritário com a efetiva participação dos
minoritários no órgão.
9. O cuidado do legislador em assegurar a representatividade do minoritário no Conselho Fiscal se justifica. Conforme se percebe na prática societária,
infelizmente é comum a ocorrência de diversos abusos da maioria, de tal sorte
que os minoritários, muitas vezes, vêem seus direitos de representatividade
tolhidos em razão de uma interpretação equivocadamente extensiva do princípio majoritário.
10. Quando a Lei das S/A, em seu artigo 161, § 4º, alínea “b”, enuncia
que “os demais acionistas”, ou seja, os controladores, poderão eleger tantos
conselheiros quanto os minoritários e preferencialistas o fizerem mais um,
sem dúvida o que pretendeu foi assegurar a prevalência do princípio majoritário. E foi justamente por este motivo que não prosperou a proposta do
Deputado Luiz Carlos Hauly, no Projeto de Lei nº 3.115/97, que previa que
os acionistas minoritários poderiam eleger, em todos os casos, um conselheiro fiscal a mais do que os controladores.
III — Conclusões
14. A partir da análise dos casos apresentados, devo afirmar, destarte, que
a discrepância existente entre o número de conselheiros indicados pelos con-
FGV DIREITO RIO
115
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
troladores e o número indicado pelos minoritários não se coaduna com a
previsão legal que assegura aos acionistas majoritários apenas um conselheiro
a mais do que os minoritários e fere princípios da boa governança corporativa. De fato, essa situação representa um desvirtuamento da própria lógica do
Conselho Fiscal, visto que os controladores, que já indicam a maioria dos administradores, também indicariam a esmagadora maioria daqueles que iriam
fiscalizar os atos destes. Trata-se, no mínimo, de um contra-senso.
15. A Cartilha de Governança Corporativa da CVM manifesta a seguinte recomendação a respeito da composição do Conselho Fiscal:
“Os titulares de ações preferenciais e os titulares de ações ordinárias,
excluído o controlador, terão direito de eleger igual número de membros
eleitos pelo controlador. O controlador deve renunciar ao direito de eleger
sozinho o último membro (terceiro ou quinto membro), o qual deverá ser
eleito pela maioria do capital social, em assembléia na qual cada ação
corresponda a um voto, independente de sua espécie ou classe, incluindo as
ações do controlador.”
16. Nota-se que a Cartilha, quando menciona que o controlador “deve
renunciar ao direito de eleger sozinho o último membro (terceiro ou quinto membro)”, reputou adequada uma participação eqüitativa entre controladores e
minoritários. Parece claro que foi considerado como prática de boa governança que o controlador, ao invés de ter mais um membro no conselho,
deveria abrir mão deste direito e eleger o último conselheiro em um colégio
eleitoral à parte, do qual também fizessem parte os demais acionistas, com ou
sem direito de voto. Não é condizente com a almejada governança, portanto,
que o controlador indique três ou quatro membros no conselho fiscal e os
minoritários somente um.
17. Uma posição majoritária nesses moldes, além de, desnecessariamente,
elevar os custos da companhia, decorrente da remuneração de tantos conselheiros, fere o equilíbrio previsto na lei para a composição do conselho fiscal.
Ademais, pode enfraquecer o parecer ou a opinião do conselheiro eleito pelos
minoritários perante a Assembléia Geral, pois, em caso de dissidência, representaria apenas uma única e isolada voz frente ao restante do órgão, amplamente dominado pela maioria acionária.
18. Por exemplo, uma demonstração financeira aprovada por quatro conselheiros e rejeitada por apenas um (80% x 20% do Conselho Fiscal) ensejaria muito mais confiança por parte dos acionistas do que uma demonstração
aprovada por três conselheiros e rejeitada por dois (60% x 40%). De fato,
não restam dúvidas de que o acionista assumirá uma postura muito mais
cautelosa diante de um demonstrativo rejeitado por quase metade dos conselheiros fiscais do que quando estiver diante de um demonstrativo rejeitado
por apenas um dentre cinco conselheiros.
FGV DIREITO RIO
116
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
19. O que se busca afirmar, portanto, é que graus variados de maiorias
no Conselho Fiscal exercem, e isso é o mais importante, distintas influências
sobre a orientação de voto dos acionistas nas Assembléias Gerais.
20. Vislumbra-se, com isso, outra situação em que uma ampla posição
majoritária dos controladores prejudicaria a efetiva representatividade dos
minoritários no Conselho Fiscal, uma vez que ficaria ainda mais difícil para
estes conseguir vencer alguma deliberação colegiada do Conselho Fiscal.
22. Nessa mesma linha, Trajano de Miranda Valverde, chamando atenção
para a competência colegiada do Conselho Fiscal, expôs o que se segue:
“Tratando-se de um órgão colegial, claro é que a escolha do perito compete ao Conselho Fiscal por decisão da maioria de seus membros. Cada
fiscal não tem a faculdade de indicar o seu perito, ainda que represente, no
Conselho Fiscal, acionistas dissidentes ou preferenciais.”
23. Desse modo, permitindo-se que os controladores indiquem uma exagerada maioria para compor o Conselho Fiscal, a efetiva representatividade
dos minoritários no órgão, já bastante reduzida, restaria comprometida.
24. Devo, ainda, dizer que não concordo com o argumento de que a existência de três grupos distintos de controladores justificaria a eleição de um
conselheiro fiscal por cada um destes três grupos, mesmo tendo os minoritários indicado apenas um. Nos dizeres de Waldirio Bulgarelli, a reivindicação de participação no Conselho Fiscal de várias correntes acionárias, além
daquelas taxativamente previstas nas alíneas “a” e “b” do artigo 161, § 4º,
representa uma violação à “efetiva representação da minoria” e, até mesmo,
“fraudes e manobras do controlador para se assenhorar do órgão”.
25. O mais razoável, a meu ver, seria que esses três grupos controladores
indicassem, em comum acordo entre si, dois conselheiros, de modo a preservar uma vaga para os minoritários e, assim, manter o necessário equilíbrio no
Conselho Fiscal. Caso fizessem questão de três conselheiros, os controladores
deveriam abrir ao grupo de minoritários, ou aos preferencialistas que manifestaram interesse em eleger conselheiro, o direito de eleger um outro conselheiro. Considerando-se o majoritário no direito de eleger um conselheiro
a mais, nada mais justo do que assegurar aos demais acionistas o mesmo
direito. Só assim estará preservado o equilíbrio da participação da maioria e
minoria no Conselho Fiscal, como previsto na lei.
26. Ademais, o fato de estarem reservadas algumas competências individuais aos conselheiros não torna indiferente o tamanho da maioria que os
controladores terão no Conselho Fiscal, pois uma maioria exagerada, como
já foi dito, não só minaria a credibilidade das já restritas formas de manifestação individual dos conselheiros, mas também deixaria os minoritários em
manifesta desvantagem nos assuntos em que o Conselho Fiscal deve, por lei,
deliberar por maioria, como órgão colegiado.
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117
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
32. Cabe, ainda, mencionar que, com o acréscimo das funções do Conselho Fiscal em decorrência da promulgação da Sarbanes Oxley Act, ao menos
nas empresas brasileiras emissoras de ADR’s, haverá a necessidade de se estabelecer maior independência na escolha dos membros do Conselho Fiscal
em relação aos controladores e maior facilidade de acesso às informações das
companhias, além da necessidade de que o funcionamento do órgão seja
permanente, problemas esses que deverão ser solucionados até 31.07.2005.
Obs.: alguns trechos do voto foram suprimidos.
TEXTO DE APOIO
O valor da governança corporativa — Milton Gamez140
Empresas bem dirigidas já dominam os negócios
Qual é o efeito da adoção das melhores práticas de governança corporativa
no valor de uma empresa? Esta pergunta, por si só, vale bilhões de dólares
— que o digam os acionistas lesados pelas quebras escandalosas de corporações globais como a Enron e a WorldCom, no início da década. A resposta,
por sua vez, vale ainda mais: investidores do mundo todo demonstram um
apetite crescente por ações de companhias que, além de lucro e retorno sobre
o capital, asseguram respeito aos direitos dos acionistas minoritários e transparência nos atos e resultados da administração. Ao que tudo indica, a boa
governança está em alta e leva de carona os negócios e os preços das ações por
onde passa.
(...)
Causa e efeito — O desafio, por trás dos números, é estabelecer se existe de fato alguma relação de causa e efeito entre a adoção de boas práticas
— como um Conselho Fiscal independente, membros externos no Conselho de Administração, ações com direito a voto para todos os acionistas, tag
along, adesão à Câmara de Arbitragem — e o valor das empresas em Bolsa.
Estudos publicados nos últimos anos ainda não deram a palavra final, mas
sugerem que sim: a qualidade dos sistemas de decisão, fiscalização e solução
de conflitos societários das companhias tem reflexos positivos em seu valor
de mercado.
A principal premissa dos pesquisadores é que as empresas com boa governança são mais procuradas pelos investidores, o que resulta na redução do seu
custo de capital e na valorização de suas ações. Evidências nesse sentido foram levantadas por Leora Klaper e Inessa Love, em 2004, ao analisarem 374
grupos em 14 países emergentes, a partir de um índice criado pelo Credit
Lyonnais Securities Asia. Outros acadêmicos também notaram a correlação
140.
Disponível em: www.bovespa.com.
br/InstSites/RevistaBovespa/98/Capa.
shtml.
FGV DIREITO RIO
118
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
positiva da boa governança e o valor de mercado em países como Estados
Unidos, Suíça, Coréia do Sul, China e Brasil.
Executivos veteranos já sabem, por experiência, o que os estatísticos tentam
provar. “As empresas com melhor governança valem mais”, diz José Guimarães Monforte, presidente do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa
(IBGC) e conselheiro de companhias fechadas e abertas, dentre elas a Natura.
O presidente da Embraer, Maurício Botelho — que prepara a companhia
para a pulverização do capital no Novo Mercado, em maio — também não
tem dúvidas se os investidores premiam as empresas com boas práticas de
governança. “Certamente que sim”, afirma Botelho. De que forma? “Dando
maior liquidez às ações da companhia. Isso traz, por conseqüência, aumento
do preço das ações.”
Na prática, há efeitos importantes da governança que podem influenciar o
desempenho econômico de uma empresa e, conseqüentemente, suas cotações
em Bolsa. Segundo Alexandre di Miceli da Silveira, autor do livro Governança Corporativa e Estrutura de Propriedade (Saint Paul Institute of Finance,
2006), um sistema de governança corporativa eficiente pode gerar, além da
redução do custo de capital, um conjunto de benefícios internos que melhoram as perspectivas de fluxo de caixa da companhia. Dentre esses benefícios,
estão o aprimoramento do processo decisório da alta gestão e a separação
clara de papéis entre acionistas, conselheiros e executivos. Também ocorre
uma melhoria dos mecanismos de avaliação de desempenho e recompensa
dos executivos e uma diminuição da probabilidade de ocorrência de fraudes
e corrupção. E, ainda, a maior institucionalização e a melhor imagem da
companhia. Questões desse tipo são levadas em consideração pelos investidores de longo prazo, especialmente os institucionais, quando definem quanto
estão dispostos a pagar por uma determinada ação. O mercado, para formar
o preço, funciona como uma “máquina de prêmio-desconto”, explica Monforte. “O fator determinante é o risco do negócio. Conforme a percepção do
risco maior ou menor, o investidor estabelece descontos ou prêmios para as
ações de determinadas empresas”, afirma. “A governança bem instalada leva a
uma percepção de risco menor de expropriação por parte dos acionistas que
não são controladores ou não estão na gestão.” Daí a redução das taxas de
descontos e a ocorrência de prêmios nas ações das companhias bem avaliadas
pelo mercado.
No fundo, a empresa precisa construir uma relação de confiança com os
investidores e adotar mecanismos e processos de proteção dos seus direitos
para poder acessar o mercado de capitais com sucesso. A credibilidade vem
com o tempo e o exercício constante das práticas de boa governança com todos os públicos relacionados à companhia, defende o presidente da Embraer.
“Algumas empresas não respeitam nem os empregados, como vão respeitar os
acionistas?”, indaga Botelho. Nesse processo, a transparência é fundamental
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
para gerar confiança, avalia o executivo. “O respeito aos acionistas se traduz
com informações corretas, seguras, no tempo adequado e com base em processos que dão segurança com relação aos riscos que estão sendo assumidos
pela empresa.”
QUESTÕES DE CONCURSOS
1 — Segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa — IBGC,
governança corporativa é o sistema pelo qual as organizações são dirigidas,
monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre proprietários, Conselho de Administração, Diretoria e órgãos de controle. Nesse contexto, também aponta o IBGC os seguintes princípios básicos de governança
corporativa, todos passíveis de aproveitamento no âmbito do setor público,
exceto: (ESAF — 2012 — CGU — Analista de Controle)
a) Equidade.
b) Responsabilidade Corporativa.
c) Legalidade e Legitimidade.
d) Transparência.
e) Prestação de Contas (accountability).
2 — Com relação à abordagem sistêmica das organizações, o item abaixo:
(CESPE — 2010 — ANEEL — Analista Administrativo)
Todas as informações que influem nos processos decisórios das organizações devem ser de conhecimento exclusivo da governança corporativa.
( ) Certo ( ) Errado
3 — Os modelos de governança corporativa, especialmente os resultantes
da separação da propriedade e da gestão, conferem ao estabelecimento e ao
funcionamento de conselhos de administração um papel fundamental como
força interna de controle. Nessa perspectiva, afirma-se que o Conselho de
Administração é o guardião (CESGRANRIO — 2011 — Petrobrás — Contador Júnior)
a) do objeto social e do sistema de governança corporativa.
b) do orçamento e da estratégia empresarial.
c) da estratégia da empresa para os próximos anos.
d) das informações contábeis confidenciais.
e) das decisões de gestão corporativa da empresa.
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
4 — Um dos valores relevantes da Lei Sarbanes-Oxley, também aplicável ao conceito de Governança Corporativa, é o de Accountability. Um dos
principais fatores determinantes do Accountability é a possibilidade de: (CESGRANRIO — 2011 — Petrobrás — Contador Júnior)
a) resolver os conflitos de agenda.
b) constituir comitê de auditoria.
c) incluir as contingências no balanço patrimonial.
d) aprovar, através do conselho de administração, os planos de stock options.
e) evitar o deságio de governança.
5 — Governança tem sido um conceito cada vez mais utilizado no âmbito da administração pública, tendo seu sentido associado, particularmente,
à nova forma de atuação estatal, que substitui perspectivas gerencialistas e
burocráticas que se mostram insuficientes para lidar com a realidade contemporânea. Destaca-se, como característica dessa governança: (CESGRANRIO
— 2010 — BACEN — Analista do Banco Central)
a) a retomada do poder do Estado em definir e implementar políticas
públicas. b) o fortalecimento dos princípios de legalidade, impessoalidade e
moralidade na administração pública.
c) o uso de instrumentos com base na teoria da escolha pública e na teoria
da agência para configuração do aparelho de Estado.
d) um conjunto de práticas que segue a lógica da governança corporativa
adotada pelas empresas privadas.
e) um conjunto de reformas administrativas e de Estado que tem como
objeto a ação conjunta, compartilhada pelo Estado, pelas empresas e pela
sociedade civil.
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AULAS 14 E 15: TRANSFORMAÇÃO, INCORPORAÇÃO, FUSÃO E
CISÃO.
A) MATERIAL DE LEITURA
Leitura Básica
LAMY FILHO, Alfredo e BULHÕES PEDREIRA, José Luiz, “Capítulo
12”, In A Lei das S.A., Vol. II — Pareceres, Ed. Renovar, 2ª ed., pp. 538-607,
Rio de Janeiro.
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 8ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, pp. 479-492.
Leitura complementar
MATTAR FILHO, Paulo, “O Sistema de Proteção aos Credores nas Operações de Incorporação, Fusão e Cisão” in Reorganização societária (coord.
Rodrigo R. Monteiro de Castro e Leandro Santos de Aragão). São Paulo:
Quartier Latin, 2005. 309-333.
B) ROTEIRO DE AULA
1. CONCEITO DE REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
Chama-se reorganização societária a operação ou o conjunto de operações
utilizado pelas sociedades para reordenar sua estrutura, com o objetivo de
obter algum tipo de vantagem comparativa, tais como ganhos operacionais
ou isenções fiscais. A evolução do mundo empresarial implicou na concepção
de concentração empresarial e da reorganização societária, com o objetivo de
ter ganhos de economia de escala. O professor Oscar Barreto Filho, neste aspecto, assinala que “o emprego cada vez maior do maquinismo, a fabricação
em série, a utilização de processos técnicos mais aperfeiçoados, a necessidade
de capitais vultosos para os grandes empreendimentos, a ampliação dos mercados consumidores são outros tantos fatores que conduzem à concentração
de empresas, para melhor realização de seus fins”141.
Nessa mesma linha, Modesto Carvalhosa acentua que “nos anos 90, o
resultado do crescente acirramento da competição no plano global, característico do final do século XX e início do XXI, tem levado as empresas que
necessitam de escala para explorar suas atividades a adotar estratégias ativas
141.
BARRETO FILHO, Oscar. Teoria do
Estabelecimento Comercial: fundo de
comércio ou fazenda mercantil. São
Paulo: Saraiva, 1988.
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122
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
de concentração, reestruturação societária (fusão, incorporação, cisão), bem
como a formar alianças empresariais que resultem em gestão e produção mais
eficientes e competitivas”142.
No direito brasileiro, são quatro os principais tipos de instrumentos de
reorganização societária: transformação, incorporação, fusão e cisão. Cada
um destes será abordado individualmente, em breve trecho.
Enquanto a transformação envolve uma única sociedade, as operações de
incorporação, fusão e cisão são realizadas entre duas ou mais sociedades, que
podem inclusive ser de tipos diferentes, tais como limitadas e anônimas. O
requisito para que seja realizada qualquer destas reestruturações é o respeito
às previsões estatutárias ou contratuais das sociedades envolvidas, além da
natural observância às disposições legais.
Ressalte-se que, caso haja a participação de companhia aberta nessas operações, a eventual sociedade resultante deverá requerer seu registro junto à
Comissão de Valores Mobiliários, que realizará seu poder fiscalizatório e regulatório.
2. TIPOS DE REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
Conforme salientado, os principais tipos de reorganização societária previstos em nosso ordenamento são:
• a transformação,
• a cisão,
• a incorporação
• a fusão.
2.1. Transformação
A transformação é a operação pela qual a sociedade altera o seu tipo, sem
implicar sua dissolução ou liquidação. A sociedade mantém, portanto, a sua
personalidade jurídica, alterando-se somente o seu estatuto ou contrato para
fazer constar o novo tipo societário escolhido por seus sócios. Nesse ponto,
a transformação muda-lhe as características, mas não a individualidade, que
permanece a mesma, mantendo-se íntegros a pessoa jurídica, o quadro de
sócios, o patrimônio, os créditos e os débitos.
É possível que este tipo de reorganização seja mais utilizado a partir do advento do Código Civil de 2002, tendo em vista o aumento das formalidades
previstas no regime das sociedades limitadas, passando a optar-se pelo tipo
societário das sociedades anônimas. A opção pelo tipo societário de S.A. implica necessariamente a observância das regras colocadas pela CVM e registro
da companhia, conforme foram estudadas ao longo desse apostila.
142.
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 4º
volume. São Paulo: Saraiva, 2012.
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123
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
De qualquer maneira, a transformação é o tipo de reorganização societária
mais simples, tendo em vista a relativa facilidade de seu procedimento. De
acordo com Rubens Requião:
“por meio da transformação da sociedade torna-se possível, com a
modificação do ato constitutivo, imprimir-lhe outra tipicidade. Pode-se, como é comum, constituir uma sociedade “piloto” sob a forma
de sociedade limitada, como primeira etapa, que, depois de montada
em toda a sua estrutura legal, é transformada em sociedade anônima,
fechada ou aberta. Muitos consideram — e em certos casos assim é
— mais fácil e conveniente criar-se uma companhia, através de duas
etapas, usando-se o mecanismo da transformação.”143
Essa operação exige consenso unânime entre os sócios — pois se modifica
também a extensão da limitação da responsabilidade dos sócios e/ou acionistas — e deverá ser realizada de acordo com o regime de constituição do novo
tipo societário a ser adotado. Cumpre observar que a unanimidade pode ser
dispensada se originariamente prevista no ato constitutivo a possibilidade de
sua implementação, devendo-se destacar que, nesse caso, o sócio ou acionista
dissidente terá o direito de se retirar da sociedade.
Perceba-se que, consoante dispõe o art. 222 da Lei das S.A., a transformação não prejudicará os direitos dos credores da sociedade transformada. Estes
continuarão, até a quitação integral de seus créditos, com as mesmas garantias
que o tipo societário anterior lhes assegurava. Somente os créditos que surgirem após a transformação irão obedecer à disciplina do novo tipo societário.
Esta ressalva faz-se necessária tendo em vista que, conforme visto em nossas
aulas anteriores, as obrigações dos sócios de uma sociedade limitada podem
ser mais amplas que as dos acionistas de uma sociedade anônima, podendo,
assim, a transformação de uma sociedade limitada em anônima eventualmente servir como subterfúgio para a fuga de responsabilidades eventuais dos
sócios para com os credores da sociedade que se visa transformar.
Deve-se também ressaltar que a transformação poderá revestir a sociedade
de forma simples, como ressaltado por Modesto Carvalhosa, já que “será
simples pela mera adaptação ao novo tipo societário das cláusulas contratuais
ou estatutárias, na medida em que couberem, com os mesmos elementos de
capital, objeto social e quadro de sócios. Por outro lado, a transformação
poderá ser constitutiva, sem que, no entanto, se modifiquem em nenhum
aspecto sua natureza e função”144.
2.2. Incorporação
Nos termos do artigo 227 da Lei das S.A., a incorporação é a operação
societária pela qual uma ou mais sociedades (incorporadas), de tipos iguais
143.
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito
comercial, v. II. São Paulo: Saraiva,
2003. p. 254.
144.
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 4º
volume. São Paulo: Saraiva, 2012.
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124
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
ou diferentes, são absorvidas por outra (incorporadora), que lhes sucede em
todos os direitos e obrigações, devendo os órgãos competentes de todas as
sociedades envolvidas aprovar tal operação, consoante as regras próprias dos
seus respectivos tipos. Temos o que se convenciona chamar de “sucessão universal”. Entenda-se que:
“Da incorporação não surgirá nova sociedade, uma vez que a incorporadora irá suceder as suas incorporadas, permanecendo ela, incorporadora, com sua personalidade jurídica intacta. As incorporadas é que
serão extintas com a implementação da incorporação.”145
Essa operação envolve, em regra, o aumento do capital da sociedade incorporadora, posto que a mesma absorverá o patrimônio líquido da incorporada. O resultado final dessa operação é sempre uma única sociedade.
A incorporação acarreta a extinção da sociedade, sem que sobre ela se
apliquem os institutos da dissolução e da liquidação. A incorporação é causa
direta de extinção, por força do art. 219, II da Lei S.A. Na incorporação,
não há liquidação de obrigações e débitos previamente à extinção, pois as
obrigações da sociedade incorporada passam à incorporadora no estado contratual e extracontratual em que se encontravam no momento da consumação do negócio.
Portanto, a incorporação leva à sucessão universal, compreendendo
todos os direitos, obrigações e responsabilidades da incorporada pela incorporadora.
De acordo com a relação societária previamente existente entre a sociedade incorporadora e a incorporada, a operação pode ser classificada como
lateral, ascendente ou descendente.
Na incorporação lateral, por exemplo, a sociedade A — que não detém
qualquer participação societária na sociedade B — incorpora esta sociedade,
extinguindo-se a sociedade B e subsistindo a sociedade A, conforme a seguinte estrutura:
145.
Idem, p. 283.
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
Em tal situação, ocorre um aumento do capital da sociedade incorporadora, com a atribuição de ações de sua emissão aos acionistas da sociedade
incorporada, que é extinta.
Já na incorporação denominada ascendente, a sociedade incorporadora X
detém ações ou quotas representativas do capital social da sociedade Y, conforme descrito abaixo:
Em tal caso, o aumento do capital da incorporadora será realizado somente em valor correspondente ao percentual do capital da sociedade incorporada que é detido por seus demais acionistas, excluindo-se, portanto, a
participação detida pela sociedade incorporadora no capital da incorporada.
Haverá, assim, atribuição de ações de emissão da sociedade X (incorporadora) aos acionistas da sociedade Y (incorporada).
Por fim, na incorporação conhecida como descendente, ocorre, por exemplo, a incorporação da sociedade W pela sociedade Z, sendo que a sociedade
W detém participação societária na sociedade Z, conforme o exemplo abaixo:
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
Assim, em tal hipótese, as ações de emissão da sociedade incorporadora, inicialmente de propriedade da sociedade incorporada, são canceladas,
emitindo-se novas ações que são entregues aos acionistas da sociedade incorporada, a qual se extingue.
Note-se que a incorporação regulada no artigo 227 da Lei das S.A. difere
da chamada incorporação de ações, disciplinada no artigo 252 do mesmo
diploma legal..
Incorporação de ações
A incorporação de ações é a operação em que uma sociedade incorpora todas as ações de emissão de outra sociedade para transformá-la em subsidiária
integral, sem que tal sociedade seja extinta, conforme figura abaixo:
Note-se, assim, que a incorporação de ações — regulada no artigo 252
da Lei das S.A. — difere da incorporação prevista no artigo 227 da referida
lei, uma vez que, enquanto naquela a sociedade incorporada subsiste como
subsidiária integral, nesta, a sociedade incorporada é extinta.
Diversas são as funções da subsidiária integral, a exemplo da constituição
de sociedade de propósito específico (SPE) ou para concessão ou permissão
de serviços públicos, com a devida participação em procedimento licitatório.
Na incorporação de ações há o aumento do capital da sociedade incorporadora em valor correspondente ao valor das ações de emissão da sociedade a ser transformada em subsidiária integral que não sejam de propriedade
da sociedade incorporadora, com a conseqüente emissão de ações atribuídas
àqueles que originalmente detinham participação na sociedade incorporada.
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2.3. FUSÃO
A fusão é a operação pela qual duas sociedades, de tipos iguais ou diferentes, se extinguem, dando lugar a uma nova que as sucede em todos os
direitos e obrigações, conforme disposto no artigo 228 da Lei nº 6.404/76.
Vários são os fatores que levam as empresas a utilizar-se deste instituto, como
racionalização da produção, adoção de progressos tecnológicos, reorganizar a
estrutura e evitar práticas concorrenciais.
De forma exemplificativa, tem-se a seguinte estrutura:
Assim como na incorporação, a nova sociedade é sucessora universal das
sociedades extintas.
Note-se, no entanto, que, na prática, são raras as operações de fusão propriamente ditas, tendo em vista os inúmeros inconvenientes envolvidos na
sua implementação — como, por exemplo, a necessidade de se constituir
uma nova sociedade. Opta-se, assim, por estruturas societárias que permitam
que se alcance fins similares aos de uma fusão — como uma incorporação ou
um aumento de capital —, mas que não esbarram nas mesmas dificuldades.
Em termos contábeis, a assembleia geral de cada companhia interveniente, se aprovar o protocolo de fusão, deverá nomear os peritos que avaliarão
o patrimônio líquido das demais sociedades. Apresentados os laudos de avaliação, os administradores convocarão os sócios ou acionistas das sociedades
intervenientes para uma assembleia geral, onde tomarão conhecimentos dos
laudos e resolverão sobre a constituição definitiva da nova sociedade.
2.4. CISÃO
A cisão é a operação pela qual a sociedade anônima transfere a totalidade ou parcelas de seu patrimônio para uma ou mais sociedades, sendo que,
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
no primeiro caso, extingue-se a sociedade cindida, e, no segundo, mantém-se a sociedade parcialmente cindida. Em resumo, na cisão a sociedade se
fragmenta, divindo-se em duas ou mais parcelas. Essas parcelas patrimoniais
podem originar novas sociedades, como integrar-se em sociedades existentes.
Reiterando nossa conceituação, afirma Rubens Requião:
“A cisão é a operação na qual uma sociedade transfere, para uma ou
mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, parcelas
de seu patrimônio. Verificando-se a versão de todo o seu patrimônio,
a sociedade restará extinta, qualificando-se a cisão de total; sendo parcial, a sociedade não se extingue, ocorrendo a divisão de seu capital,
nominando-se o evento, nesse caso, de cisão parcial.”146
Se a cisão importar na completa transferência do patrimônio, a sociedade cindida se extinguirá; remanescendo uma parcela do patrimônio em seu
poder, preservada estará a primitiva sociedade, com o capital naturalmente
reduzido na proporção do patrimônio líquido transmitido.
3. DIREITO DE RECESSO
Com o advento da Lei nº 10.303/01 — a qual alterou diversos dispositivos da Lei das S.A. —, o direito de retirada dos acionistas de sociedades
anônimas, quando da aprovação de operações de reorganização societária,
sofreu significativas alterações.
Fusão da companhia, ou sua incorporação em outra: conforme estabelece
o artigo 137, II, da Lei das S.A., não terá direito de retirada o titular de ação
de espécie ou classe que tenha liquidez e dispersão no mercado.
Há liquidez quando a espécie ou classe de ação integre índice geral representativo de carteira de valores mobiliários admitido à negociação no mercado de valores mobiliários, no Brasil ou no exterior, definido pela CVM147.
Há dispersão quando o acionista controlador, a sociedade controladora
ou outras sociedades sob seu controle detiverem menos da metade das ações
daquela espécie ou classe148.
Cisão da companhia: somente haverá direito de retirada se a cisão implicar
mudança do objeto social, redução do dividendo obrigatório ou participação
em grupo de sociedades, nos termos do artigo 137, III, da Lei nº 6.404/76.
Conforme preconiza Modesto Carvalhosa, o direito de recesso origina-se
do reconhecimento legal da natureza contratual da companhia. O instituto
tem por objetivo tutelar o interesse do acionista individual que decide não
permanecer vinculado a uma sociedade, cujas transformações institucionais
(fusão, incorporação), que não lograram alcançar a sua concordância.
146.
Idem, p. 285.
147.
Art. 137, II, alínea a, da Lei das S.A.
148.
Art. 137, II, alínea b, da Lei das S.A.
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4. DIREITO DOS CREDORES
Os direitos dos credores das sociedades envolvidas em operações de incorporação, cisão ou fusão encontram-se protegidos pela Lei nº 6.404/76, variando de acordo com o tipo de operação societária. Assim, temos diferentes
direitos para os credores para os casos de incorporação e fusão, de um lado, e
para os casos de cisão, de outro.
4.1. Na incorporação e na fusão
No caso de incorporação ou fusão, os credores da sociedade têm o direito
de pleitear judicialmente a anulação da operação em questão, nos termos do
artigo 232 da Lei das S.A.
Esse direito, como não poderia deixar de ser, não pode tornar a sociedade
refém de um eventual credor de má-fé, razão pela qual a lei societária garante
à sociedade envolvida na operação o direito de consignar em pagamento ou
garantir a execução (para o caso de dívida ilíquida), permitindo a continuidade da operação.
4.2. Na cisão
Nos casos de cisão parcial, a cindida e as sociedades que absorverem parcela
de seu patrimônio respondem solidariamente pelas obrigações da primeira149.
Não obstante, a lei faculta às sociedades a possibilidade de estabelecer que as
sociedades que absorverem o patrimônio da cindida somente respondem pelas obrigações que lhes forem transferidas, sem solidariedade. No entanto, em
tal hipótese, cabe aos credores da sociedade originária o direito de oposição a
tal estipulação, devendo o mesmo ser manifestado no prazo de 90 (noventa)
dias da data da publicação da ata que deliberou a cisão150.
Por outro lado, nos casos de cisão com extinção da cindida (cisão total),
as sociedades que sobrevierem respondem solidariamente pelas obrigações
daquela, consoante estabelece o artigo 233 da Lei das S.A.
149.
Art. 233 da Lei das S.A.
150.
Art. 233, parágrafo único, da Lei
das S.A.
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
C) CASO: SATIPEX/DURATEX
Fatos da Operação:
• Satipel incorpora Duratex;
• Acionistas de Duratex receberão ações ordinárias de Satipel —
NM;
• Relação de Substituição: — 3,053 ação de Satipel por ação ordinária de Duratex detida pelo controlador; — 2,544 ação de Satipel
por ação ordinária detida pelos minoritários;
• Estatuto Social: ON e PN tinham direito a tag-along a 80%
• Relação de Substituição mais favorável que tag-along — prêmio
de apenas 16.63% controle (20% Art. 254-A).
• Relação de Substituição negociada por partes independentes.
• Ações da Duratex têm pouca liquidez.
• Nova companhia terá liquidez (free float) de 40% do capital.
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
COTAÇÃO DAS AÇÕES DE DURATEX X SATIPEL
60 pregões anteriores à
divulgação da operação
45 pregões anteriores á
divulgação da operação
30 pregões anteriores à
divulgação da operação
Ações ON da DURATEX
3,608493
3,5139094
3,4784874
Ações PN da DURATEX
3,0327513
2,9420382
2,9416232
Questionamentos:
O tratamento dos minoritários foi equitativo?
Há prêmio de controle na incorporação?
O controlador pode votar na age de incorporação da duratex?
D) TEXTO DE APOIO
Empresas cotadas em Bolsa aquecem os negócios
Ano eleitoral costuma ser sinônimo de arrefecimento no mercado de fusões e aquisições, mas, em 2006, a regra não prevaleceu. De janeiro a setembro, foram realizadas 386 transações desse tipo no País, 46% mais do que no
mesmo período de 2005 e quase igualando as 387 negociações do ano passado, segundo levantamento da consultoria PricewaterhouseCoopers. Outra
consultoria, a KPMG, também constatou esse aquecimento surpreendente,
estimando em 36% o crescimento dos negócios nos primeiros nove meses
do ano. As operações que mais cresceram (+200%) foram as compras de empresas estrangeiras por brasileiras (chamadas cross-border). E as previsões são
de uma nova temporada aquecida. “2007 deve ser o ano de apogeu do ciclo
de alta para essas transações”, prevê Cláudio Leoni Ramos, sócio da KPMG
Corporate Finance. Outro especialista, o advogado Juliano Battella Gotlib,
sócio do escritório Azevedo Sette, confirma: “As perspectivas para o próximo
ano são excepcionais”.
A expansão do mercado de capitais alavanca as fusões e aquisições. “A evolução do mercado de capitais foi fundamental para incentivar os negócios de
compra de empresas”, nota Raul Beer, sócio da área de Corporate Finance da
Pricewaterhouse. Houve, afirma, um salto qualitativo das companhias com
papéis negociados na Bovespa, suficiente para manter as transações aquecidas
em ano de eleições.
Empresas que fazem um lançamento inicial de ações (IPO), enfatiza Beer,
podem levantar recursos destinados a aquisições. “Esse é um movimento que
FGV DIREITO RIO
132
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
nunca vimos antes no Brasil, mas que ficou claro neste ano com vários exemplos, como o da Companhia de Concessões Rodoviárias (CCR) e da Totvs”.
Os números sustentam os argumentos de Beer: até meados de outubro, os
lançamentos de ações somaram cerca de R$ 27 bilhões e superaram em 60%
o total de 2005. Para isso, contribuiu muito a adoção de padrões contábeis
reconhecidos internacionalmente e o elevado nível de governança corporativa das empresas cotadas na Bovespa. Empresas com essas características têm,
ao mesmo tempo, mais capacidade de compra e são mais atrativas para investidores.
As fusões e aquisições são diversificadas, mas alguns segmentos se destacaram, como mineração, tecnologia de informação, usinas de açúcar e álcool,
construção e energia. Pelo critério de volume, o setor financeiro se destaca.
Segundo a Pricewaterhouse, os três maiores negócios realizados até setembro
foram desse segmento: a compra do Pactual pelo UBS por US$ 2,5 bilhões
e a aquisição, pelo Itaú, do BankBoston no Brasil, por US$ 2,2 bilhões e no
Chile e Uruguai, por US$ 1,1 bilhão. Essas transações somaram US$ 5,8
bilhões, mais que o dobro do total dos outros quatro maiores negócios em
volume no período, que acumularam US$ 2,78 bilhões — entre os quais
outra transação no segmento financeiro: a compra do American Express pelo
Bradesco, por US$ 490 milhões.
Os lucros favoreceram as aquisições. O balanço do terceiro trimestre mostrou que todo o ágio referente à compra do BankBoston foi pago com o lucro
de três meses do Itaú.
Pique em outubro — Em outubro, os números ganharam impulso com
a compra, pela Companhia Vale do Rio Doce, de 75,6% do capital da mineradora canadense Inco, segunda maior produtora de níquel do mundo. A
operação, estimada em US$ 17,2 bilhões, foi a maior feita por uma empresa
brasileira. A Vale tornou-se a segunda maior mineradora do mundo, atrás
somente da BHP Billiton. Também em outubro, a Companhia Siderúrgica
Nacional (CSN) anunciou a intenção de fundir-se com a norte-americana
Wheeling Pittsburgh para as operações nos Estados Unidos. A Wheeling tem
capacidade para produzir 2,8 milhões de toneladas de placas e 3,4 milhões de
toneladas de laminados a quente por ano, e seu valor de mercado é calculado
em US$ 291,6 milhões.
A evolução dos investimentos brasileiros no exterior é simbólica. Segundo o Banco Central, as empresas brasileiras tinham investimentos diretos
de US$ 79,2 bilhões, em 2005, contra US$ 69,1 bilhões, em 2004, e US$
49,6 bilhões, em 2001. É uma tendência, segundo os especialistas, fortalecida
pelo crescimento do mercado de capitais brasileiro. “Empresas com presença
na Bovespa conseguem captar recursos via emissão de ações e também têm
visibilidade e excelência administrativa”, afirma Cláudio Ramos, da KPMG.
“Essa situação permite que tenham força para crescer também via aquisições
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133
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
de empresas no exterior, como aconteceu este ano com Vale e Gerdau, entre
outras. Elas ganham força para investir valores expressivos, de olho no mercado externo, já que identificaram que em muitos casos a concorrência é mais
global do que local.”
O segundo semestre de 2006, segundo Ramos, foi o “período em que as
empresas brasileiras mais foram às compras no exterior”. Em outubro, a Gerdau Ameristeel, subsidiária da Gerdau nos Estados Unidos, fechou parceria
com a Pacific Coast Steel, ampliando sua presença no país. O grupo brasileiro
pagará US$ 104 milhões por participação majoritária na PCS, com a qual
reforçará sua atuação no mercado de corte e dobra de aço para construção.
Em setembro, a Vale já tinha anunciado associação com uma empresa da
China. Pelos estudos da KPMG, esse tipo de aquisição se expandiu também
entre empresas menos conhecidas do investidor, como a Forjas Taurus, que
comprou 49% da Taurusplast, que pertenciam à Contenedores Argentinos e
à italiana Triulzi.
As companhias brasileiras listadas na Bovespa destacam-se entre as mais
internacionalizadas, conforme ranking da Fundação Dom Cabral. A avaliação foi feita por sete itens referentes à presença externa. A líder é a Gerdau, a
Vale ocupa o terceiro lugar (sem levar em conta a compra da Inco), seguindo-se a Petrobras e a Marcopolo. Outras empresas do ranking são Embraer,
Sadia, Aracruz Papel e Celulose, Randon, Perdigão, Datasul e Braskem.
Outro levantamento, feito por consultorias e pelo jornal Valor, destaca
a importância das empresas listadas na Bovespa: houve 26 operações de fusão ou aquisição envolvendo companhias que ingressaram na Bovespa nos
últimos dois anos. Os negócios superaram R$ 5 bilhões. Além da CCR e
Totvs, entre as “novatas” na Bolsa que fizeram aquisições estão Dasa, Submarino, OHL, Cyrela, Cosan, Gafisa, Lupatech, ALL, GP Investments,
Brasilagro e Net.
Depois de optar pelo mercado de capitais, a Totvs deslanchou. Recebeu
recursos de um fundo de private equity e do BNDES e fez um lançamento de
ações. Levantou R$ 460 milhões e comprou a RM Sistemas. Outro exemplo
foi o da construtora Cyrela, cujas ações entraram em Bolsa em setembro de
2005: ela incorporou a RJZ, do Rio de Janeiro e firmou parcerias com seis
empresas.
O mercado brasileiro de fusões começa a entrar no ritmo aquecido da
economia global. Em 2006, serão superados os recordes do número e volume
de transações de 2000 (com 30.812 negócios, somando US$ 3,3 trilhões), segundo a KPMG, baseando-se nos dados do primeiro semestre (16.259 transações, no valor de US$ 1,96 trilhão).
Além do Brasil, destacaram-se a Índia, a China e a Rússia — onde a fusão
das russas Rusal e Sual com a suíça Glencore gerou a United Company Rusal, maior fabricante mundial de alumínio. A chinesa Lenovo investiu mais
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
de US$ 1 bilhão na compra da divisão de computadores pessoais da IBM e
tornou-se a terceira maior do mundo no segmento. Na siderurgia, a indiana
Tata Steel adquiriu a anglo-holandesa Corus e a Mittal Steel, maior do mundo, adquiriu a Arcelor, segunda no ranking, por US$ 31 bilhões.
Apesar do avanço já ocorrido, o Brasil tem espaço para crescer em fusões e
aquisições. Ganhou cinco posições em relação a 2005, mas ainda ocupa um
modesto 52º lugar numa mostra de 62 nações avaliadas pelo índice de nível
de globalização da consultoria A.T. Kearney. O mercado de capitais alavanca
a internacionalização. “A economia brasileira está num estágio em que é cada
vez mais difícil crescer organicamente, ou seja, instalar uma empresa cumprindo todos os passos do processo, como compra de terreno para instalar fábrica, aquisição de máquinas, etc.”, constata Beer. Uma Bolsa forte dá alento
às operações. Como observa Ramos, “temos empresas de alto nível e muitas
delas ganharam força com sua presença no mercado de capitais”.
(Fonte:http://www.bovespa.com.br/InstSites/RevistaBovespa/100/Fusoes.shtml)
E) JURISPRUDÊNCIA
“SOCIEDADE ANÔNIMA — CISÃO PARCIAL — RESPONSABILIDADE PERANTE OS CREDORES — MATÉRIA DE FATO — SÚMULA 7/STJ. Afirma o acórdão recorrido da ausência de prova da concretização
da alegada cisão entre a recorrente e a sociedade Sintagro S/A. Igualmente,
não há anuência expressa do credor com a transferência de seu crédito ou
repactuação da cédula rural pignoratícia e hipotecária, com a conseqüente
aplicação da regra do caput do artigo 233 da Lei nº 6.404/76, impondo a
solidariedade entre as sociedades cindida e cindenda. Logo, inviável o recurso
especial que pretende demonstrar violação aos seus termos, por incidência do
enunciado nº 7 da súmula desta Corte. Com ressalvas do relator quanto à terminologia, recurso especial não conhecido” (STJ, 3ª Turma, REsp 276.013/
MG, Rel. Min. Castro Filho, j. 16.05.2002, v.u., DJ 10.06.2002, p. 203).
“PROCESSUAL CIVIL E COMERCIAL — CISÃO PARCIAL DE SOCIEDADE — REPERCUSSÃO QUANTO AOS DIREITOS DO CREDOR — RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE A COMPANHIA
CINDIDA E AQUELAS QUE INCORPORARAM PARTE DO SEU
PATRIMÔNIO SOCIAL — ART. 233 DA LEI Nº 6.404/76 — INTELIGÊNCIA — LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ — CARACTERIZAÇÃO —
APLICAÇÃO DE MULTA — INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO
ART. 18 DO C.P.C..
FGV DIREITO RIO
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
I — Em se tratando de cisão parcial, nada pactuando as partes acerca da
responsabilidade das obrigações sociais em relação a terceiros, prevalece a
responsabilidade solidária prevista no caput do art. 233 da Lei nº 6.404/76,
restando afastada a aplicação do seu parágrafo único.
II — Sobrevindo conduta temerária capaz de tornar lesivo o exercício do
direito processual da parte, correta a imposição da sanção prevista no art. 18
do C.P.C..
III — Recurso especial não conhecido” (STJ, 3ª Turma, REsp 195.077/
SC, Rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 04.05.2000, v.u., DJ 26.06.2000, p. 158;
RT 782/218).
“SOCIEDADE POR AÇÕES. CISÃO DE SOCIEDADE ANÔNIMA.
CONFIGURAÇÃO. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA. PROSSEGUIMENTO
DA EXECUÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. CISÃO DE EMPRESA. TRANSFERÊNCIA DE ATIVO E PASSIVO. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA. Configura-se cisão o negócio jurídico pelo qual uma sociedade transfere parcelas de
seu patrimônio para outra sociedade criada a fim de prosseguir na exploração
de suas atividades comerciais. Não importa o nome dado pelas empresas envolvidas ao negócio jurídico, o que importa é a realidade fática e jurídica
criada por esse negócio, bem como a situação dos credores diante dessa nova
situação. Logo, a obrigação de responder por dívidas originárias de execuções
judiciais anteriores à cisão transferiu-se para o BANERJ S/A, pois é solidário
e absorve diretamente os efeitos dessa execução. Recurso não provido” (TJRJ,
8ª CC, AI 2003.002.13112, Rel. Des. Marco Aurélio Fróes, j. 04.11.2003).
“EMBARGOS INFRINGENTES — Ação de anulação de deliberação
tomada em assembleia — Transformação de sociedade anônima em sociedade por quotas de responsabilidade limitada — Pretensão de acionista no
sentido de obter anulação da deliberação da maioria — Impossibilidade de
acolhimento da pretensão, porque: a) não houve irregularidade nas deliberações das assembleias; b) a conduta posterior da embargante mostrou-se
incompatível com a sua inconformidade — Embargos rejeitados” (TJSP, 1ª
CDPri, EI 156.252-4/0-01, Rel. Des. Alexandre Germano, j. 13.02.2001).
FGV DIREITO RIO
136
ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
F) QUESTÕES DE CONCURSO
(30º Exame de Ordem OAB-RJ)
51 — “A operação pela qual uma ou mais sociedades anônimas são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações” é a
definição de qual dos institutos abaixo indicados:
a. Fusão;
b. Transformação;
c. Incorporação;
d. Cisão.
(27º Exame de Ordem OAB-RJ)
1 — A empresa Cia. Vale do Paraíba, sediada no Rio de Janeiro-RJ, de
capital fechado, deliberou em Assembleia Geral por sua cisão parcial no dia
10/01/2005, cuja publicação ocorreu em 10/05/2005. Foram regularmente
cumpridas as exigências dos artigos 224, 225 e 226 da Lei 6404/76 (Lei de SA),
bem como os artigos 1113 e 1114 da Lei 10406/2002 (Código Civil). A operação manteve a Cia. Vale do Paraíba e criou a Paraibinha Extração Ltda., tendo
esta absorvido 70% do patrimônio da companhia cindida. O ato de cisão estipulou que Paraibinha Extração Ltda. será responsável apenas pelas obrigações
havidas antes de 2003, restando as demais para a Cia. Vale do Paraíba.
Esteve em seu escritório, no dia 30/05/2005, o procurador da empresa
Tratores Martins Ltda., credora da companhia cindida em R$ 550.000,00
(quinhentos e cinqüenta mil reais), através de duplicata de compra e venda
mercantil, com vencimento em 20/09/2005. Este cliente entende que, por
conta da cisão, seu crédito ficou ameaçado, já que setenta por cento do patrimônio de sua devedora foi transferido a outra empresa, que por sua vez não
tem solidariedade com a Cia. Vale do Paraíba.
Como advogado da credora, prepare a peça pertinente ao caso apresentado.
(25º Exame de Ordem OAB-RJ)
48 — Assinale a alternativa correta:
a. Nas sociedades anônimas, o capital social poderá ser formado com contribuições em qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro,
desde que referida avaliação seja feita por 1 (um) perito, sendo vedada a contratação de empresa especializada para tal fim;
b. Concluída a operação de incorporação, a sociedade incorporada não se
extinguirá até que sejam satisfeitas todas as suas obrigações;
c. De acordo com o direito brasileiro, é expressamente vedada a cessão,
total ou parcial, da patente ou do pedido de patente;
d. A nota promissória é uma promessa de pagamento e deve conter como um
dos requisitos essenciais para sua validade o nome da pessoa a quem deve ser paga.
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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA
(5º Exame de Ordem OAB-RJ)
5 — Entre as modificações sociais, dizer em qual delas ocorre a transferência de parte do patrimônio de uma sociedade para outra já existente ou criada
especialmente para isso.
(27º Exame de Ordem OAB-RJ)
47 — Marque a alternativa CORRETA:
a. Na fusão é vedado aos sócios votar o laudo de avaliação do patrimônio
da sociedade de que façam parte.
b. Na fusão uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes
sucede em todos os direitos e obrigações.
c. Na fusão apenas os credores de dívidas líquidas e certas poderão promover judicialmente a anulação desta.
d. Na fusão não há a extinção das sociedades que se unem, permanecendo
estas com suas personalidades jurídicas independentes.
G) GLOSSÁRIO
Lançamento inicial de ações (IPO): primeiro lançamento de ações ao
público realizado por uma companhia.
Fundo de private equity: Modalidade de fundo de investimento que
compra participação acionária em sociedades.
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MÁRCIO SOUZA GUIMARÃES
Doutorando pela Université de Toulouse (Centre de Droit des Aff aires).
Mestre em Direito. Visiting scholar na Harvard Law School. Professor
visitante da Universidade de Toulouse. Professor de Direito Empresarial
da Graduação e Coordenador do Curso de Direito Societário e Mercado
de Capitais da Pós-Graduação da Escola de Direito Rio da FGV — Fundação Getúlio Vargas. Promotor de Justiça (RJ) titular da 1ª Promotoria
de Massas Falidas da Capital.
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FICHA TÉCNICA
Fundação Getulio Vargas
Carlos Ivan Simonsen Leal
PRESIDENTE
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Joaquim Falcão
DIRETOR
Sérgio Guerra
VICE-DIRETOR DE ENSINO, PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
Rodrigo Vianna
VICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO
Thiago Bottino do Amaral
COORDENADOR DA GRADUAÇÃO
André Pacheco Teixeira Mendes
COORDENADOR DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
Cristina Nacif Alves
COORDENADORA DE ENSINO
Marília Araújo
COORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUAÇÃO
Paula Spieler
COORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELAÇÕES INSTITUCIONAIS
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