UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS I
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE
LINGUAGENS
SIMONE CRUZ DE OLIVEIRA
HUMOR, PRODUÇÃO E CIRCULAÇÃO DE SENTIDOS NO DISCURSO
PUBLICITÁRIO DE PROPAGANDAS DITAS IMPUBLICÁVEIS.
SALVADOR – BAHIA
2013
SIMONE CRUZ DE OLIVEIRA
HUMOR, PRODUÇÃO E CIRCULAÇÃO DE SENTIDOS NO DISCURSO
PUBLICITÁRIO DE PROPAGANDAS DITAS IMPUBLICÁVEIS.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Estudo de Linguagens, Departamento de Ciências Humanas da
Universidade do Estado da Bahia – UNEB, como requisito para
obtenção do grau de Mestre em Estudo de Linguagens.
ORIENTADOR: Prof. Dr. Gilberto Nazareno Telles Sobral
SALVADOR-BAHIA
2013
FICHA CATALOGRÁFICA
Sistema de Bibliotecas da UNEB
Bibliotecária: Jacira Almeida Mendes – CRB: 5/592
Oliveira, Simone Cruz de
Humor, produção e circulação de sentidos no discurso publicitário de propagandas
proibidas / Simone Cruz de Oliveira . – Salvador, 2013.
90f. .
Orientador: Gilberto Nazareno Telles Sobral.
Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Ciências
Humanas. Campus I. 2013.
Contém referências.
1.
1. Análise do discurso. 2. Propaganda. 3. Publicidade. 4. Humor, sátira, etc. I. Sobral,
Gilberto Nazareno Telles. II. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências
Humanas.
CDD: 401.41
SIMONE CRUZ DE OLIVEIRA
HUMOR E PROCESSOS DE APROPRIAÇÃO E RESSIGNIFICAÇÃO DO DISCURSO
PUBLICITÁRIO EM PROPAGANDAS PROIBIDAS.
Dissertação apresentada como requisito para obtenção do grau
de Mestra em Estudo de Linguagens, submetido ao Programa de
Pós-Graduação em Estudo de Linguagens, Departamento de
Ciências Humanas da Universidade do Estado da Bahia –
UNEB, Campus I. Área de concentração: Análise do Discurso.
Salvador, _____ de ___________________ de 2013.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________
Prof. Dr. Gilberto Nazareno Telles Sobral (Orientador)
Universidade do Estado da Bahia- UNEB
____________________________________________________________
Profa. Dra. Norma Suely da Silva Pereira Universidade Federal da Bahia – UFBA
Profa. Dra. Jaciara Ornélia Nogueira de Oliveira. Universidade do Estado da Bahia- UNEB
Ao Louco (O Bobo), que inspirou este trabalho.
AGRADECIMENTO
Expresso aqui a minha profunda gratidão a todas as pessoas que generosamente contribuíram
de alguma forma para que este trabalho fosse concretizado.
Sou grata.
O riso é eterno, a vida é eterna, a celebração
continua. Os atores mudam, mas o drama
continua.
As ondas mudam, mas o oceano continua. Você
dá risadas, você muda, e uma outra pessoa vai
rir, mas a risada continua. Você celebra, uma
outra pessoa celebra, mas a celebração continua.
Osho.
RESUMO
Este trabalho analisa o discurso de dezessete propagandas retiradas do site Desencannes, um
espaço destinado à veiculação de propagandas consideradas impublicáveis. Tem como
referencial teórico a Análise de discurso de linha francesa filiada a Michel Pêcheux, além de
teorias a respeito do humor e do riso e autores que apresentam e caracterizam o discurso
publicitário. Discorre sobre o discurso publicitário com o intuito de compreender-lhe o modo
de funcionamento e produção de sentidos. A fim de embasar as análises, mobiliza conceitos
de Análise do discurso como Memória discursiva, Ideologia, Fragmentação do sujeito e
Formação discursiva. Completa o aporte teórico com contribuições de autores como Freud,
Bakhtin, Propp e Possenti a respeito do riso, do humor e de seu modo de funcionamento.
Relaciona os discursos publicitário e do humor e riso a fim de apreender o modo de
funcionamento e produção de sentidos das propagandas analisadas. Busca estabelecer as
semelhanças e os possíveis pontos de ruptura entre as propagandas impublicáveis presentes
neste trabalho e propagandas efetivamente veiculadas pertencentes à formação discursiva do
discurso publicitário. Contribui para o entendimento de como a ideologia e o inconsciente
operam na sustentação dos sentidos produzidos pelos sujeitos ao mesmo tempo que lhe
obscurecem a percepção do princípio de repetibilidade, sem os quais os discursos não se
produziriam. Demonstra que muito do que o sujeito acredita ter criado é, na verdade, um
retorno aos dizeres que já estavam disponíveis,porém esquecidos.
Palavras-chave: Propagandas impublicáveis, humor, Análise de discurso.
RESUMÉ
Ce travail analyse le discours de dix-sept publicités du Desencannes, espace destiné à
vehiculer des publicités considerées interdites. Son référentiel théorique, d’axe français, est
basé sur l’Analyse du discours de Michel Pêcheux, et aux théories sur l’humeur et le rire, bien
que sur des auteurs qui présentent et cacartérisent le discours publicitaire. Il raisonne sur le
discours publicitaire, avec le but de comprendre son fonctionnement et sa production de sens.
Afin de donner du support aux analyses, le travail mobylise des concepts d’Analyse du
discurs comme mémoire discurssive, l’Idéologie, la Fragmentation du sujet et la Formation
discurssive. L’apport théorique est conclu avec la contribution des auteurs comme Freud,
Bakhtin, Propp et Possenti sur le rire, l’humeur et leur façon de fontionner, et la production de
sens des publicités analysées. Il cherche à établir les ressemblances et les possibles points de
rupture entre les publicités interdites qui sont présentées dans ce travail, et des publicités qui
ont été éfectivement diffusée qui appartiennent à la formation discurssive du discours
publicitaire. Il contribue pour comprendre de quelle façon l’idéologie et l’inconscient opèrent
dans la soutenance des sens produits par des sujets, au même temps qu’ils obscurcissent la
perception du principe de repetibilité, sans lesquels les discours ne se produiraient pas. Il
montre que, beaucoup de ce que le sujet croit avoir crée, est, en fait, un rétour aux paroles qui
étaeint déjà disponibles, mais qui étaient oubliées.
Mots-Clés: Publicités interdites, humeur, analyse du discours.
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO....................................................................................................12
2
O DISCURSO PUBLICITÁRIO........................................................................15
2.1
O DISCURSO PUBLICITÁRIO E O DESENCANNES..........................................
2.2
BREVE INCURSÃO PELO DESENCANNES...................................................22
2.3
O DISCURSO PUBLICITÁRIO E O SUJEITO PUBLICITÁRIO DO
DESENCANNES............................................................................................................24
3
ANÁLISE DO DISCURSO.................................................................................26
3.1
ANÁLISE DO DISCURSO PECHEUTIANA AO LONGO DE TRÊS ÉPOCAS26
3.2
O PAPEL DA IDEOLOGIA...................................................................................29
3.3
O PAPEL DO INCONSCIENTE...........................................................................31
3.4
OS ESQUECIMENTOS: A ARTICULAÇÃO ENTRE IDEOLOGIA E
INCONSCIENTE NA CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO................................................32
3.5
INTERDISCURSO, MEMÓRIA DISCURSIVA E PRÉ CONSTRUÍDO...........34
3.6
DO PROCESSO DE FRAGMENTAÇÃO DO SUJEITO.....................................37
4
O ESTUDO DO RISO.........................................................................................52
4.1
DO CÔMICO E DO RISÍVEL..............................................................................53
4.2
HUMOR E INTERDIÇÃO...................................................................................58
4.3
TEMAS PARA A OBTENÇÃO DO RISO............................................................72
4.4
DOS MECANISMOS DE PRODUÇÃO DO RISO..............................................77
4.5
DOS HUMORES DA LÍNGUA...........................................................................79
5
CONCLUSÃO......................................................................................................86
REFERÊNCIAS...................................................................................................88
11
1 INTRODUÇÃO
O ato de rir, em nossa sociedade, é cercado de alguma cerimônia e possui um quê de
ritualístico. Há momentos e lugares apropriados para rir assim como há situações e espaços
em que o riso é pouco tolerado. O riso também pode assumir os mais diversos sentidos: pode
ser uma tentativa de dissipar a tensão no ambiente, a expressão de um estado de espírito
alegre ou mesmo uma forma de reprimir um comportamento inapropriado por parte de um
membro de um grupo. O riso e o humor já foram tratados como tema de grande importância,
merecedores de estudo na academia, mas também já foi elencado entre os temas de menor
relevância e de pouco valor para merecer estudo sério.
A publicidade, no cenário brasileiro, passa por situação semelhante. Em uma
sociedade cada vez mais voltada para o consumo, a divulgação de produtos, serviços e
conceitos é constante e muito requisitada. Por outro lado, ser publicitário, fazer publicidade
nem sempre é tido como algo sério e de valor. Basta ver a quantidade de títulos (obras)
disponíveis que se propõem a revelar as ditas mentiras que a publicidade conta e que buscam
denunciar os jogos de sedução que a sustentam. Como se vê, riso e publicidade não são
exatamente os temas mais solenes que poderiam ser trabalhados em uma pesquisa acadêmica.
Neste trabalho, a despeito de todos esses aparentes obstáculos, nos propomos a
analisar propagandas que tem como principal característica e objetivo a produção de humor e
riso. Mais do que isso: os anúncios aqui apresentados para análise não possuem preocupação
alguma em zelar pela imagem das marcas comerciais dos produtos que anunciam. São
propagandas que se propõem impublicáveis, porque, segundo seus idealizadores, não seriam
aceitas para ser veiculadas formalmente. Desse modo, esses anúncios encontraram outro
espaço para entrar em circulação: a internet, mais precisamente, o sítio eletrônico
Desencannes. Nosso trabalho consiste em analisar esses anúncios, demonstrar o modo de
funcionamento do discurso que veiculam e investigar em que medida eles se distanciam do
discurso publicitário com o qual elas parecem confrontar-se. Dito de outro modo, buscamos
compreender se o discurso veiculado por essas peças se distanciam de tal modo daquilo que é
considerado aceitável pelo discurso publicitário a ponto de haver uma ruptura com este de
modo que tais anúncios não mais pudessem ser considerados pertencentes à esfera do discurso
da publicidade. Também consideramos aqui a possibilidade de essas pretendidas inovações do
Desencannes produzirem uma entrada de novos saberes que antes não eram possíveis para o
discurso publicitário.
A fim de atingir tais objetivos, fazemos uso do dispositivo teórico da Análise do
12
discurso francesa filiada a Michel Pêcheux. Mobilizamos conceitos como Formação
Ideológica, Formação discursiva, Interdiscurso, Memória discursiva, Sujeito e fragmentação
do sujeito dentre outros. Buscamos explicitar e compreender o discurso publicitário, bem
como os mecanismos para produzir o humor por meio de temas subterrâneos. Os referidos
temas, conforme apresentamos neste trabalho, costumam abordar questões como morte,
defeitos físicos e assuntos ligados à sexualidade e determinadas funções fisiológicas humanas.
Abordamos os conceitos e principais características dos discursos da publicidade e do humor,
a fim de compreender como eles concorrem para a formação dos sentidos das peças aqui
apresentadas
O corpus selecionado para análise foi extraído de um universo composto pelo sítio
eletrônico oficial do Desencannes, o blogue Desenblogue, e o livro As impublicáveis pérolas
da propaganda: agora publicadas, que contém peças selecionadas pelos idealizadores do
sítio eletrônico. Considerando que o humor é tido atualmente como um espaço privilegiado de
trânsito de discursos que não seriam aceitos em outras instâncias discursivas, nos propusemos
a selecionar peças que tematizem os de que falam autores que estudam o humor e o riso,
como Possenti (1998). Tal foi o critério aqui empregado para a seleção do corpus.
Este trabalho está dividido em três seções além desta introdução, da conclusão e das
referências. Na primeira seção, apresentamos o discurso publicitário e suas principais
características e modo de funcionamento. Ademais, apresentamos uma descrição o sítio
eletrônico Desencannes bem como os demais suportes (um livro e um blogue) de onde foram
selecionados os anúncios que compõem o corpus deste estudo. O sítio eletrônico denomina as
suas peças de pérolas, termo que igualmente utilizamos durante o trabalho a fim de referir às
peças analisadas.
Na segunda seção, tratamos da análise do discurso e seus principais conceitos.
Iniciamos por um breve histórico da disciplina e adentramos pelos conceitos que compõem o
dispositivo de nossa análise. Para tal, utilizamos como referência autores como Pêcheux,
Brait, Orlandi, Althusser, Haroche, Maldidier bem como outros teóricos e pesquisadores que
possam contribuir para a compreensão do modo de funcionamento do discurso estudado.
Na terceiro e última seção, apresentamos os principais conceitos e características do
discurso humorístico e do riso: por que se ri, de que se ri e quais os mecanismos para
obtenção do humor e do riso. Para isso, mobilizamos conceitos propostos por autores como
Bergson, Propp, Freud e Possenti.
Por fim, apresentamos uma breve conclusão em que demonstramos de que modo o
aporte teórico da Análise do discurso, bem como a compreensão do modo de funcionamento
13
dos discursos que se pautam no humor e no riso contribuíram para a realização das análises e
ao entendimento obtido por meio do trabalho de análise.
14
2 O DISCURSO PUBLICITÁRIO
Para produzir significados, o discurso publicitário muitas vezes se utiliza de recursos
como a ambiguidade e as variadas possibilidades de sentido que um dado dizer pode assumir.
Através da condensação da mensagem e do duplo ou múltiplo sentido, o anúncio publicitário
produz determinados efeitos, que vão desde o despertar do riso, por meio do humor, até a
mobilização do sujeito para aderir à determinada marca ou conceito, ou simplesmente
consumir um produto. Nesta seção, buscaremos caracterizar o discurso publicitário e
descrever o que seriam os seus principais objetivos e estratégias para alcançá-los.
Quando tratamos de discurso publicitário, frequentemente, nos vemos diante dos
termos publicidade e propaganda que, de um modo geral, são utilizados indistintamente no
Brasil. Contudo, essas palavras não foram sempre tratadas como equivalentes e vamos,
portanto, iniciar esse percurso pela esfera do discurso publicitário esclarecendo as
semelhanças e distinções entre elas.
O termo publicidade deriva do latim publicius (característica do que é público). Já o
termo propaganda é proveniente do latim propagare, produzir algo por mergulho (do latim,
pangere; mergulhar, plantar). Nesse caso, o sentido seria o de implantar uma ideia ou crença
em uma mente. Ademais, o termo propagar era comumente utilizado para fazer referência à
disseminação da fé católica, como nos mostra Chiachiri (2010).
Desse modo, inicialmente, o termo propaganda é usado no Brasil para referir-se à
difusão de ideias, valores e crenças sejam políticos, sejam religiosos ou institucionais. No
entanto, o uso do termo propaganda acabou por se estender também aos anúncios com
motivações financeiras, ao passo que o termo publicidade também seguiu sendo utilizado de
modo que, atualmente, os dois termos podem ser utilizados para tratar tanto de anúncios em
que figuram marcas comerciais, como os que serão apresentados nesta pesquisa, como de
outros tipos de anúncios. Sendo assim, quando utilizados neste texto, os dois termos deverão
ser compreendidos como sinônimos.
Cumpre-nos agora esclarecer o que compreendemos por publicidade e quais seus
modos de operação para efeitos das análises presentes neste trabalho.
Para Senna (2003, p. 119), a publicidade pode ser entendida como “um conjunto de
ações que objetivam esclarecer, divulgar, informar, persuadir, convencer, cativar ou conduzir
o objeto-alvo a que ela se destina a um comportamento pré-identificado”. Significa dizer que
a publicidade trabalha com os afetos, objetiva despertar desejos e emoções.
A respeito do modo de operação desse discurso, o autor acrescenta:
15
A publicidade trabalha no nível da psicologia individual, estabelecendo
relações únicas mesmo quando fala para a multidão absoluta (…). Além
disso, somos individualistas a ponto de acreditar que somos únicos e
especiais, merecedores de atenção e investimento (…) a publicidade assume,
assim, duas funções distintas em momentos diferentes. Inicialmente, gerando
expectativas positivas sobre o produto ou marca e, depois, confortando,
sustentando e renovando atitudes de consumo (SENNA, 2007, p.35).
De acordo com Mussalim (1996), o sujeito publicitário goza de uma certa margem de
autonomia, pois se apresenta como sujeito instrumentalizado que dispõe de ferramentas para
seduzir e mobilizar o sujeito consumidor para o consumo. E ele o faz por meio de
mecanismos que promovem o silenciamento de outros sentidos, impondo ao sujeito
consumidor a assunção de uma determinada conduta como forma de adquirir uma imagem
positiva de si.
A respeito do modo de operar da publicidade, Chiachiri (2010, p. 8) acrescenta que
todos fazem parte das modernas sociedades de consumo, nas quais impera o
já conhecido diagnóstico marxista do fetichismo da mercadoria. Não há
como escapar, mesmo que se queira, da força que a publicidade exerce sobre
as pessoas. Seduzir, falar ao nosso inconsciente, criar hábitos, despertar os
desejos e até mudar o modo de agir de uma sociedade são papéis intrínsecos
à força publicitária.
No intuito de mobilizar o público alvo, a publicidade faz uso das mais variadas
estratégias em seus anúncios: som, cor, luz, imagem – estática ou dinâmica - são algumas
delas. As estratégias de elaboração da forma bem como o manejo de diversos tipos de
linguagem que sugerem o despertar das funções sensoriais, gustativa, olfativa e
principalmente a visual são o modo mais eficaz de alcançar os objetivos da mensagem
publicitária. Chiachiri (2010, p.13) observa que
no manejo destas linguagens, acredita-se que trabalhar a forma para um
conteúdo de caráter mais emocional possibilita que a mensagem seja
transmitida por uma via sugestiva. Para gerar a adesão do receptor, a
publicidade introduz, além do próprio produto, algo muito ais importante do
que ele, a saber, ícones que fisgam o desejo: formas e sentimentos(visuais,
sonoros táteis, viscerais...). São esses ícones que se responsabilizam pela
rede de sugestões de sentido que a mensagem publicitária é capaz de
produzir no receptor.
Essa rede de sugestões oferecidas ao consumidor costuma, inclusive, fazer com que o
produto vendido seja negligenciado. Assim, em vez de cigarros, o consumidor compra status,
no lugar do apartamento, vende-se (e compra-se) a promessa de uma vida feliz em família,
por exemplo. Isso se dá, porque, de acordo com Chiachiri (2010, p.14), “nas peças
16
publicitárias, o que aparece em predominância é a coisa que se dá a entender, a insinuação”.
Dentre as estratégias de elaboração da forma, um dos meios mais profícuos de criação
de anúncios publicitário é a montagem. Esse recurso consiste na utilização de duas ou mais
imagens, ou fragmentos de imagens ou ainda na junção de uma imagem e um texto verbal
com vistas de gerar uma nova imagem e compor, assim, um novo sentido. A pérola seguinte,
de número 1, faz uso deste recurso.
Fig. 1: Desencannes, 2011.
A peça traz uma cena de um filme, inicialmente uma imagem dinâmica, que é
transformada em uma imagem estática. Nela, temos o personagem Gollum da trilogia de
filmes O senhor dos anéis. No canto inferior direito do anúncio, podemos ver a imagem de
três pacotes de papel higiênico da marca comercial Personal. Centralizado, no alto do
anúncio, lemos a frase “Personal, desde 1971 limpando o seu precioso anel”.
O personagem presente no anúncio é um ser solitário que encontra, no decorrer da
trama, um anel de poder, ao qual se sente profundamente ligado. Gollum refere-se ao anel que
sempre carrega consigo como o precioso.
O slogan,
frase escolhida para resumir o
posicionamento de uma marca ou fixar um valor que a ele se pretende atribuir, unido às
17
imagens do filme e do produto anunciado, provoca a sugestão que orienta para um novo
sentido, como referido por Chiachiri (2010). Aliado a isso, concorre também para o efeito
sugestivo a referência ao formato circular do anel que coincide com a anatomia do ânus, parte
exterior do sistema excretor humano. Como nos mostra Possenti (1998), as funções excretoras
são um dos temas mais recorrentes em piadas e outros textos com finalidade humorística.
De um modo geral, a área de publicidade orienta as suas ações com vistas a aumentar
o consumo, seja de bens, serviços ou conceitos. Assim, uma empresa ou instituição que deseje
expandir seu campo de ação fará uso dos recursos da publicidade para fortalecer ou fixar um
vínculo positivo entre a marca comercial e o público-alvo.
Séguéla (2004, p.244) destaca a importância de uma reinvenção do fazer publicitário
para o século XXI. Em seu texto, o autor busca estabelecer uma espécie de ética para
publicidade do novo século que deve ser atrelada à criatividade e mudanças constantes da
atualidade. Para isso, propõe que a nova geração de publicitários, com ênfase nos
profissionais brasileiros, busque adquirir o que chama de as sete virtudes capitais dessa nova
publicidade: recusar o gigantismo; dar a alma; mudar a vida; adquirir moral; render-se à
instantaneidade; criar a fusão e cultivar o multiculturalismo.
Das sete bases para um novo modo de fazer publicidade, acreditamos ser relevante,
para a realização deste trabalho, destacar três delas: mudar a vida, render-se à instantaneidade
e adquirir moral. Entendemos que esses três pontos sejam de especial relevância porque neles
encontramos um possível ponto de ruptura entre a publicidade com fins claramente
comerciais e aquela proposta pelo Desencannes. Buscaremos, neste trabalho, estabelecer em
que medida os conflitos entre as peças do sítio eletrônico e o que se propõe no discurso
publicitário promove (ou não) o surgimento de uma nova esfera discursiva. Em outras
palavras, as pérolas do Desencannes são parte do discurso publicitário ou de fato, como
propõem os idealizadores do projeto, instauram uma ruptura tal que faz surgir um novo
campo discursivo?
Ao propor mudar a vida, Séguéla (2004, p.246) observa que não há mais espaço para o
consumo de produtos em série. O consumo passa a ser orientado por uma vontade de
produtos personalizados. Caberia, então, à publicidade não a espetaculização do fútil, mas a
demonstração das vantagens da vida. “O tempo não pode mais retardar a informação”
(SÉGUÉLA, 2004, p. 248). Com esse dizer, o autor aponta a necessidade de a publicidade
acompanhar a tendência dos demais meios de comunicação. A publicidade deveria, então,
reagir aos acontecimentos no instante em que eles são produzidos. Não haveria mais espaço
ou direito à lentidão. A interatividade e a expansão da internet e da Web 2.0 seriam indícios
18
de que o fazer publicitário deveria se adaptar o quanto antes à necessidade de rapidez. Com
efeito, é comum ver informações de produtos e serviços chegarem aos diversos media especialmente na internet - sem que os anúncios oficiais de divulgação tenham sido
devidamente lançados/publicados.
A aquisição de moral é um dos pontos mais destacados por Séguéla (2004, p.247). De
acordo com o autor, não haveria condições de sobrevivência para as marcas que não se
comprometessem com os grandes combates sociais do momento. A publicidade, que antes se
calcava apenas no valor de uso (o sabão que lava mais branco, por exemplo) e integrou o
conceito de valor de imagem (o sabão que lava mais branco e deixa você mais bonita), agora
terá de se comprometer a lavar de forma mais ecológica, protegendo o meio ambiente.
A publicidade brasileira recebe boas recomendações de Séguéla (2004, p.12). Para o
autor, enquanto a publicidade inglesa parte da mente para tocar o coração – é mais intelectual
- e a americana parte do coração para atingir os bolsos – numa orientação mais pragmática -,
a publicidade brasileira vai do coração ao coração: “sem máscaras, sem artifícios e sem
rodeios, nutrida pela sensualidade de seu povo. Spots que sambam com sexo e coração”
(SÉGUÉLA, 2004, p.13). A inventividade e a espontaneidade dos publicitários brasileiros
seriam, para o autor, o fôlego para a reinvenção do fazer publicitário. A maior das virtudes da
publicidade brasileira estaria no apetite de publicidade de dar vontade de ter vontade. Os
grandes nomes da publicidade no Brasil se destacariam pelo apreço pela imaginação e pela
criatividade.
Mas importa pensar onde estariam os limites para esse desprendimento e para essa
inventividade, bem como qual seria o lugar das virtudes exaltadas por Séguéla (2004).
Pretendemos observar se é possível por em circulação ideias, spots (mensagens publicitárias
de rádio), slogans em que se valorize a ideia pela ideia livre de julgamentos e sanções. Os
criadores do sítio eletrônico Desencannes (2011) defendem que sim. Mas vejamos o que
motivou a criação de um espaço como esse, em que, aparentemente, tudo é permitido, sem
censuras.
2.1 O discurso publicitário e o Desencannes
Ao discorrer sobre o que seria uma boa ideia para um anúncio publicitário, Marx
(2007, p.11) declara que
quem vive num ambiente da Publicidade sabe que as boas ideias não são
19
exatamente as que vemos nas mídias, as veiculadas. As boas são aquelas que
o cliente não aprova por serem muito diferentes, extrovertidas, sarcásticas. E
as melhores são aquelas que o atendimento se nega terminantemente a levar
ao cliente.
Como se pode perceber, a possibilidade de expressar livremente as ideias para a
divulgação de um produto não é assim tão grande. Mas há meios de fazer com que essas
peças publicitárias circulem e mesmo com que sejam premiadas. No início dos anos 2000,
alguns anúncios foram alvo de suspeita por estarem em desacordo com os possíveis interesses
das marcas comerciais que representavam. Assim, descobriu-se que no festival de Cannes
alguns anúncios chamados ghost ou fantasmas estavam sendo exibidos. Os brasileiros são
apontados como especialistas nesse tipo de anúncio (WENTZ, [2001] 2011).
As chamadas propagandas fantasmas surgem do desejo dos criativos, profissionais
encarregados do processo de criação nas agências de publicidade, de concorrerem nas
premiações aliado à dificuldade já citada de aprovação de algumas ideias pelos clientes,
donos ou representantes das marcas comerciais (CANNES LIONS, 2011). Desse modo,
passaram a circular pelo Festival de Cannes peças que habitualmente não seriam postas em
circulação nos meios midiáticos.
Tal situação ocasiona alguns conflitos: os concorrentes de peças publicitárias
efetivamente encomendadas por empresas comerciais passaram a protestar frente à descoberta
de que algumas das peças vencedoras tratam-se, na realidade, de anúncios fantasmas. Um dos
argumentos é de que essas peças e seus respectivos criadores dispõem de mais liberdade e
menos coerções, o que torna injusta a disputa com aqueles que necessitam respeitar as
instruções dos clientes e preservar ao máximo a imagem da marca que representam.
O resultado de tamanho desconforto foi a proibição expressa de divulgação e,
consequentemente, da premiação de anúncios fantasmas no Festival de Cannes. No entanto,
isso não tem sido suficiente para conter o envio de tais anúncios, de modo que alguns deles
têm se infiltrado no festival e inclusive recebido prêmios:
The1 problem is prevalent enough that Cannes Jury President Bob Isherwood
has written to warn this year's Lions judges for the festival beginning June
18 that it is their duty to denounce any scam ads entered by agencies from
their respective countries. (...)Last year two Lion statuettes were sent back
from his native country because the winning ads had never run, and a third
1O problema é tão acentuado que o presidente do Júri de Cannes escreveu aos juízes do Leão do festival que
começa em 18 de junho para adverti-los do dever de delatar todos os anúncios embusteiros que ingressarem por
agências de seus respectivos países. (…) Duas estatuetas do Leão foram devolvidas ano passado por seu país
natal porque os anúncios ganhadores nunca haviam sido veiculados e um terceiro vencedor suspeito foi
investigado pelo festival (tradução livre nossa).
20
dubious winner was investigated by the festival.(WENTZ,2001)
Reprimendas como a precedente são um dos motivos da criação de um lugar para
divulgar as peças recusadas pelos clientes e pelos festivais. Dessa necessidade de fazer
transitar essas ideias consideradas mais arrojadas, surgem, então, sítios eletrônicos
especializados em propagandas comercialmente impublicáveis (agora publicadas), dos quais o
Desencannes é o mais destacado no Brasil. Vale ressaltar os sentidos evocados pelo nome
escolhido para o sítio eletrônico: Desencannes. O prefixo des- é bastante produtivo em língua
portuguesa, pois pode indicar separação, transformação, intensidade, ação contrária, negação,
privação, afastamento (CARDOSO, 2011). Em Desencannes, temos a junção do prefixo descom o nome Cannes, possivelmente uma referência ao Festival de Cannes. Podemos dizer que
o sítio eletrônico atesta em seu título a motivação de sua existência: foram expulsos de
Cannes, estão fora do festival de Cannes. Por outro lado, se conservamos a pronúncia
francesa, temos ainda outro sentido produzido – desencane- numa referência ao verbo
desencanar. O verbo desencanar é usado no Brasil, dentre outras acepções, como gíria e tem o
sentido de despreocupar-se, não tratar um dado tema com seriedade. Assim, temos um outro
sentido trabalhando em perfeita conformidade com o discurso do sítio eletrônico.
Como já se comentou, um dos principais traços das pérolas é o não compromisso com
a imagem das marcas por elas apropriadas: são “peças publicitárias sem compromisso com o
resultado, com o socialmente aceitável, com policies de marcas ou adequação ao público-alvo.
O que vale é a ideia pela ideia” (Marx, 2007, p.9). Assim, iremos analisar como essa abertura
aliada ao discurso do humor faz produzir e circular os sentidos.
2.2 Breve incursão pelo Desencannes
O crescente acesso às novas tecnologias, conforme se tem demonstrado em pesquisas
como a realizada por empresas como Instituto Brasileiro de Opinião e Estatística, o
Ibope/NetRatings (ABRIL,2008), permite que os usuários da internet não apenas presenciem
a rápida e constante circulação de peças publicitárias e dos sentidos por elas produzidos, como
também que participem do processo de escritura desses discursos e da produção de novos
sentidos. O sítio eletrônico Desencannes ilustra bem essa dinâmica. Nele, são divulgadas
propagandas que lançam mão dos mesmos meios que o discurso publicitário: exploram o
caráter polifônico e ambíguo da linguagem e, muitas vezes, dialogam explicitamente com
outros discursos já veiculados. Os criadores das peças se apropriam das principais marcas
21
famosas e reelaboram seu discurso a fim de produzir e fazer circular novos sentidos.
É curioso observar que, embora muitas das pérolas tragam a logomarca de produtos
disponíveis no mercado, parece não haver nesses anúncios intenção alguma de promover as
marcas que ali aparecem. Com efeito, muitas das referidas peças veiculam discursos e
sentidos aos quais as marcas comerciais utilizadas provavelmente não desejariam ver suas
respectivas imagens associadas.
O Desencannes é um projeto desenvolvido por um grupo de publicitários. A respeito
da proposta do sítio eletrônico, pode-se ler no link Manifesto Desencanne”:
Durante o processo de criação de uma campanha, muitas vezes acabam
surgindo ideias absurdas que nunca foram e nunca poderiam ser veiculadas.
(…) No Desencannes, são essas as peças que valem. Um espaço para
exposição de ideias que na maior parte das vezes ficam restritas aos criativos
da agência (Desencannes, 2011).
Os organizadores do sítio eletrônico afirmam não haver preocupação com a
mobilização para o consumo. De acordo com eles, “o que importa é a ideia pela ideia”
(Desencannes, 2011). É importante observar, no entanto, que, em se tratando de discurso
publicitário, os indivíduos não são interpelados em sujeitos apenas para consumir produtos,
mas também, senão principalmente, para consumir ideias e valores. E nesse aspecto, o sítio
eletrônico parece ter sido bem sucedido. Em 2007, foi lançado o livro As impublicáveis
pérolas da propaganda: agora publicadas. A mudança do suporte em que as peças
publicitárias são vinculadas pode ser reveladora. Afinal, como publicar o impublicável?
Pretendemos demonstrar como diferentes épocas e diferentes espaços propiciam o surgimento
e aceitação de discursos e sentidos diversos: a circulação de sentidos que seria improvável em
dados tempos ou mesmos determinados espaços ou suportes, pode tornar-se perfeitamente
possível em outros.
Os autores do sítio eletrônico, no intuito de evitar desvios dos objetivos ali propostos,
apresentam um esclarecimento do que é uma pérola que pode vir a figurar no Desencannes:
Pérola é uma ideia que se desgarrou do brífingue mas que você não tem
coragem de jogar fora. É impublicável, não vai nem pro atendimento, mas
até o cliente dá risada. Mas para ser uma pérola não pode ser ideia fraca.
Essa não funciona em lugar nenhum (Desencannes, 2011).
Navegando pelo sítio eletrônico, pode-se ver, à esquerda, os seguintes botões: Quem
22
somos, Pérolas, O festival, Envie sua pérola, Desenblogue, Processe-nos, FAQ yourself. Por
meio do botão O que somos, é possível ter acesso ao Manifesto do Desencannes. Nesse
espaço, são apresentados os motivos que levaram à criação do sítio eletrônico.
Em Pérolas, o internauta pode escolher entre diversas categorias, tais como mídia
impressa, rádio e mídia alternativa, aos quais tipos de anúncios deseja ter acesso. Clicando no
botão Festival, pode-se conhecer os concursos organizados para eleger as melhores pérolas.
Estão disponíveis links para os festivais dos anos dois mil e seis, dois mil e sete e dois mil e
nove. O visitante poderá ter acesso às pérolas eleitas pelo júri popular, do qual qualquer
indivíduo com acesso à internet pode fazer parte.
O botão seguinte, Envie sua pérola, conduz a um espaço em que o visitante poderá
inscrever uma peça de criação própria que deseje ver publicada no Desencannes. Importa
ressaltar que neste espaço uma das características do hipertexto sobressai, a interatividade. O
sujeito que envia seu trabalho para o sítio eletrônico torna-se parte do processo de construção
dos sentidos vinculados ali e passará pelo julgamento dos demais usuários do sítio eletrônico,
que avaliarão seu trabalho, bem como apontarão as cópias ali presentes. É comum ver
plagiadores serem denunciados.
Por meio do botão Desenblogue, o internauta é redirecionado para o blogue do
endereço eletrônico principal. Nesse espaço, estão as pérolas que passam por uma seleção
menos rigorosa que a do endereço eletrônico principal e que, se forem bem avaliadas pelos
visitantes, poderão ser publicadas também no Desencannes. Os motivos da não aceitação das
pérolas no sítio eletrônico principal são variados:
Ideias que já foram usadas, ideias que já estão batidas no sítio eletrônico,
produtos inventados, imagens de campanhas verdadeiras, estilo escrachado
demais, obras do demônio, não entendemos, etc, etc, etc. Mas aqui
publicamos uma segunda seleção, muito mais livre dessas peças. Entram
todas as pérolas com algo de especial (ou não) (Desencannes, 2011).
Ao clicar no botão seguinte, Processe-nos, o internauta é conduzido a um espaço
em que o usuário que tenha se sentido injustiçado pela não publicação de uma pérola
impagável enviada pode reclamar sem ter de “afogar o Judiciário com lides insinceras”
(Desencannes, 2011). O tempo de espera é bastante variável: dura até que o usuário se dê
conta de que o link em questão trata-se de mais uma piada. Como vemos, a ironia sustenta não
apenas o discurso veiculado pelas pérolas, mas o projeto de um modo geral.
O último botão, o FAQ Yourself, é o espaço para perguntas frequentes. Lá, é possível
ler as perguntas e respostas já enviadas e enviar novos questionamentos. Uma breve passagem
23
por essa página permite perceber que, salvo algumas pequenas exceções, trata-se de mais um
espaço aproveitado para produzir humor:
10 - Como eu faço para processá-los?
Entre no menu Processe-nos e leia com atenção as instruções. Depois clique
em Processar e aguarde. Você pode também escolher o método tradicional.
Pagar um advogado e entrar com uma ação criminal. Mas até a sentença ser
proferida, nós já saímos do ar.
11 - Cliquei em Processar mas parece que nada acontece.
Desculpe-nos. Realmente estávamos com problemas na sessão (sic)
processe-nos. Mas já está resolvido. Por favor, tente novamente.
12 - Parece que ainda está com problemas.
Isto não é uma pergunta. (Desencannes, 2011)
2.3 O discurso publicitário e o sujeito-publicitário do Desencannes
Nesta seção, reiteramos a natureza do conflito que se instaurou entre o sujeito
discursivo das pérolas do Desencannes e aquele comumente presente (que responde mais
harmoniosamente) no conjunto de enunciados sócio-historicamente que se relacionam à
unidade enunciativa do discurso publicitário. Para isso, iniciamos demonstrando como se
instaurou tal tensão.
Qual seria é a posição desse sujeito do discurso frente às possibilidades de dizer do
discurso publicitário? A tensão é tal a ponto de provocar uma desidentificação e um
rompimento com esse discurso? Ou podemos dizer que tais embates são travados no interior
de uma mesma esfera discursiva por diferentes posicionamentos do sujeito publicitário?
Defendemos, neste trabalho, que o sujeito discursivo que fala por meio das pérolas do
Desencannes se rebela contra as regras que determinam o poder dizer do sujeito publicitário e,
por esse motivo, desafia algumas bases do discurso publicitário: criar uma imagem positiva da
marca, um vínculo afetivo com o público-alvo, engajar-se em causas sociais etc. No entanto,
cabe observarmos que esse sujeito não goza de total liberdade para transgredir, ele está
também assujeitado às coerções sociais que lhe limitam o dizer em alguns momentos. A fim
de manobrar tais limitações, o sujeito dessas pérolas se utiliza de estratégias, que
demonstramos e analisamos neste trabalho.
24
3 A ANÁLISE DO DISCURSO
3.1 A análise do discurso pêcheutiana ao longo de três épocas
A análise do discurso francesa (AD) filiada a Michel Pêcheux tem, de acordo com
Maldidier (1994, p. 15), dupla paternidade: sua fundação é atribuída ao linguista Jean Dubois
e ao filósofo Michel Pêcheux. Entre os anos de 1968 e 1970, J. Dubois e M. Pêcheux
elaboram separadamente as bases para o que mais tarde seria conhecido como Análise do
Discurso. Linguista e filósofo compartilham de um espaço comum: o do marxismo e da
política. Apesar dessa semelhança, os autores delineiam suas reflexões a respeito da nova
disciplina através de olhares diversos: Dubois pensa a fundação da AD como parte de uma
sequência: a passagem do estudo das palavras, com a lexicologia, para o estudo do enunciado
é vista como natural e proporcionada pelo curso que a Linguística, que então se firmava como
ciência piloto na área de Humanas, proporcionava. Pêcheux, por seu lado, via o surgimento da
AD como uma mudança de terreno, uma “ruptura epistemológica com a ideologia que domina
nas ciências humanas (especialmente a psicologia)” (MALDIDIER, 1994, p.19).
Neste trabalho, seguimos o percurso e o rumo tomados pela AD proposta por Pêcheux.
O gesto de fundação da AD pecheutiana está na publicação de 1969:
Por uma análise automática do discurso anunciava um programa teórico e
prático. (…) uma disciplina se achava instituída, uma 'disciplina transversal',
que tentava pensar sua autonomia recusando uma relação de aplicação (da
linguística a um outro domínio) e uma integração pura e simples à
linguística. (…) o objeto do discurso é pensado ao mesmo tempo que o
dispositivo constituído para a análise. (…) A AAD69 demonstrava uma
vontade de formalização que podia parecer provocadora na época: “a
máquina discursiva” (M. Pêcheux utilizou essa expressão para designar seu
dispositivo de 1969) (MALDIDIER, 1994, p.20).
No primeiro momento da AD (AD-1), os discursos analisados vêm de condições de
produção mais estáveis, menos polêmicas, em que não há conflitos acentuados entre
diferentes posições ideológicas. Nesse momento, como se viu acima, impera a noção de
máquina discursiva. As análises de então consideram cada processo discursivo como gerado
por uma máquina discursiva idêntica a si e fechada em si mesma (MUSSALIM, 2003, p.
118) . As análises na AD-1 são realizadas por etapas que consistem na seleção de um corpus
fechado, análise linguística, análise discursiva e, por fim, demonstração de que as relações de
sinonímia e paráfrase são decorrentes de uma mesma estrutura geradora do processo
discursivo.
25
Nesse primeiro momento, dencontramos a Análise Automática do Discurso, a que
chamamos de AAD69, o conceito de condições de produção começa a se fazer presente. É
utilizado para referir o exterior que determina o discurso. Nesse ponto, o conceito é ainda
inspirado na noção de “circunstâncias” do discurso, conceito vindo do marxismo e também
utilizado em psicologia social.
A proposta inicial é a de criação de uma teoria do discurso postulada como teoria geral
da produção dos sentidos. Não há a pretensão de substituir a teoria da ideologia ou a teoria do
inconsciente, mas de intervir no campo dessas teorias. A AD se pretende, assim, uma
disciplina de entremeio.
Os estudos pecheutianos, de então, visam ao estudo não-subjetivo do sujeito. Desse
intento, surge a noção de máquina discursiva, que se apresenta como uma máquina de ler que
busca deslocar a leitura da subjetividade. Essa máquina discursiva, como salienta Maldidier
(2003, p.23), atua como um dispositivo que comporta duas fases: a primeira, manual,
apresenta o registro da superfície, a segunda, propriamente automática, consiste em desmontar
os encaixes sintáticos, reduzindo-os a enunciados de um número de lugares fixos.
Embora os escritos saussurianos já se façam presentes nas leituras de Michel Pêcheux,
a sua entrada definitiva no campo da linguística ainda está por vir. Mas, nesse momento,
pode-se perceber o desejo de se apropriar da linguística e da informática (no intento de fazer
análises livres de subjetividade) sem fazer delas meros instrumentos de aplicação. Apesar de
esta ser considerada uma fase ainda embrionária do que viria a ser a AD que conhecemos
hoje, “o essencial já está lá: o discurso não se dá na evidência desses encadeamentos; é
preciso desconstruir a discursividade para tentar apreendê-lo” (MALDIDIER, 2003, p.24, 25).
O conceito de formação discursiva (FD), proposto inicialmente por Foucault ([1969]
2008 ), irá produzir mudanças que darão início a uma nova fase da AD, a AD-2. A FD é então
vista como marcada por “regras de formação” que controlam os dizeres como forma de
delimitar e diferenciar o que é interno e o que é exterior. Nesse estágio, a AD-2 já se ocupa de
discursos menos estabilizados e mais polêmicos em que as condições de produção já se
mostram e são reconhecidas como heterogêneas (MUSSALIM, 2003, p. 119). Ainda nessa
fase, as FD são constituídas como espaços fechados e independentes que, apenas depois de
delineados, se relacionam entre si.
Mas será na terceira fase da AD, AD-3, com o desenvolvimento do conceito de
interdiscurso, que o conceito de formação discursiva será revisado.
A noção de Formação discursiva é tratada num primeiro momento no artigo de número
vinte e quatro da revista Langages. O conceito é assim apresentado:
26
As formações ideológicas assim definidas comportam necessariamente,
como um de seus componentes, uma ou várias formações discursivas
interligadas, que determinam o que pode e deve ser dito (articulado sob a
forma de uma arenga, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de
um programa, etc.) a partir de uma posição dada numa conjuntura dada: o
ponto essencial aqui é que não se trata apenas da natureza das palavras
empregadas, mas também (e sobretudo) de construções nas quais essas
palavras se combinam, na medida em que elas determinam a significação
que tomam essas palavras: como apontávamos no começo, as palavras
mudam de sentido segundo as posições ocupadas por aqueles que as
empregam. Podemos agora deixar claro: as palavras “mudam de sentido” ao
passar de uma formação discursiva a outra (HAROCHE; PÊCHEUX,
HENRY, [1971], 2011).
Mais tarde, Pêcheux ([1988], 2009) retoma o conceito de Formação Discursiva
entendida como aquilo que dentro de uma Formação Ideológica dada determina o que pode e
deve ser dito. E acrescenta:
O sentido de uma palavra, de uma expressão, de uma proposição etc. Não
existe “em si mesmo” (isto é, em sua relação transparente com a literalidade
do significante), mas, ao contrário, é determinado pelas posições ideológicas
que estão em jogo no processo sócio histórico no qual as palavras,
expressões e proposições são produzidas. Poderíamos resumir essa tese
dizendo: as palavras, expressões, proposições etc., mudam de sentido
segundo as posições sustentadas por aqueles que a empregam, o que quer
dizer que elas adquirem seu sentido em referência a essas posições, isto é,
em referência às formações ideológicas (no sentido mais acima) nas quais
essas posições se inscrevem (PÊCHEUX, [1988], 2009, p.148 grifo do
autor).
Orlandi (2009) acrescenta que é por meio da noção de Formação Discursiva que
podemos compreender como uma mesma palavra pode assumir diferentes sentidos. Esses
sentidos só podem ser apreendidos por meio do funcionamento discursivo. É assim que o
cigarro em determinadas condições sócio-histórico-ideológicas pode estar associado à
liberdade, modernidade e charme e em outras condições poderá ser representado e significado
como nocivo e prejudicial à saúde e à imagem do sujeito consumidor. Ainda a respeito da
noção de FD, Orlandi (1994, p.10) comenta:
Esta é uma noção formadora da análise do discurso, na França, seja para a
filosofia de Foucault seja para a proposta de análise de M. Pêcheux. Para
mim, é a noção que permite ultrapassar as posições estritas do estruturalismo
e guardar, no entanto, a perspectiva não conteudística, seja relativa ao
sentido, seja ao sujeito, seja à história. As formações discursivas, ao mesmo
tempo em que determinam uma posição, não a preenchem de sentido.
27
Afirmamos, acompanhando Indursky (2008), que o que ocorre no caso das peças que
compõem o corpus deste trabalho pode transitar entre o acontecimento enunciativo e o
acontecimento discursivo, movimentos discursivos que fazem emergir novos saberes, antes
impensados para a FD do discurso publicitário. Como veremos mais adiante, a contraidentificação produzida pelo sujeito discursivo deixa ver que a homogeneidade pretendida
pelo espaço do discurso publicitário, bem como por outros espaços discursivos, não é mais
que imaginária, ilusória (entendida aqui não com o sentido de engano, mas como efeito
necessário para a sustentação de um dado discurso e do sujeito). Isso acontece, como afirma
Indursky (2007, p.170), devido
à entrada de novos saberes, anteriormente alheios a um determinado domínio
de saber, produzindo a transformação/reconfiguração de uma FD. E isto
ocorre porque a FD é dotada de fronteiras bastante porosas que permitem a
entrada de saberes que lhe eram alheios em um determinado momento.
Para empreender este trabalho, nos fundamentaremos nos conceitos e pressupostos
teóricos da Análise do discurso de linha francesa pecheutiana (AD). Cremos que os conceitos
da AD estão mutuamente implicados e possuem uma história que não deve ser
desconsiderada.
O que podemos depreender disso é que, em Análise do discurso, os sentidos não estão
dados, eles são construídos no processo discursivo e estão sempre em movimento. Cabe à AD
demonstrar que, diferentemente do que o sujeito supõe, os sentidos não são evidentes, e as
palavras não significam do mesmo modo para pessoas, épocas e situações distintas. A ilusão
de transparência da linguagem está ligada à sensação que o sujeito experimenta de ser
completamente consciente do que faz e diz. Essa ilusão deve-se, em parte, aos efeitos da
ideologia e, em parte, aos efeitos da atuação do inconsciente, como veremos mais adiante.
3.2 O papel da ideologia
Nos estudos discursivos, a ideologia não é tomada no sentido estrito de ocultação da
realidade e das lutas de classe como propunha o marxismo. Antes, é considerada como um
elemento estruturante dos processos discursivos. A ideologia está presente no mais simples ato
de linguagem. As contribuições de Althusser (1970) são significativas para o desenvolvimento
desse conceito no seio da Análise do discurso pecheutiana. O autor realiza uma releitura de
Lacan e Marx a fim de desenvolver suas reflexões a respeito do conceito de ideologia. De
acordo com Althusser (1970), a ideologia interpela os indivíduos em sujeitos, ou seja,
28
convoca os indivíduos, do mesmo modo como o exército convoca civis a se tornarem
militares. E há meios de se fazer esse chamamento.
O autor reflete inicialmente sobre as acepções da palavra sujeito: aquele dotado de
uma subjetividade livre, que é autor e responsável por seus atos; e o indivíduo desprovido de
autonomia, sujeito a uma autoridade suprema e, portanto, desprovido de qualquer liberdade. A
partir dessa reflexão, compreende-se que
o indivíduo é interpelado como sujeito (livre) para que se submeta
livremente às ordens do Sujeito, portanto para que aceite (livremente) a sua
sujeição, portanto, 'Para que «realize sozinho» os gestos e os atos da sua
sujeição. Só existem sujeitos para e pela sua sujeição. É por isso que «andam
sozinhos» (ALTHUSSER ,1970, p. 113, Grifos do autor).
Assim, de acordo com Althusser (1970), a ideologia existe por sujeitos e para sujeitos.
Para esse autor, é a ideologia que representa as relações imaginárias dos indivíduos com suas
condições reais de existência. Ademais, a ideologia goza de uma existência material. O autor
acrescenta que a categoria de sujeito constitui a ideologia, e esse é um movimento que se dá
em duas direções: a categoria de sujeito constitui a ideologia ao mesmo tempo em que a
ideologia transforma os indivíduos em sujeitos. “É neste jogo de dupla constituição que
consiste o funcionamento de toda a ideologia, pois que a ideologia não é mais que o seu
próprio funcionamento nas formas materiais da existência deste funcionamento”
(ALTHUSSER, 1970, p.94). O autor acrescenta ainda:
A categoria de sujeito é uma 'evidência' primeira (as evidências são sempre
primeiras): é claro que eu e você somos sujeitos (livres, morais, etc.). Como
todas as evidências, incluindo as que fazem com que uma palavra 'designe
uma coisa' ou 'possua uma significação' (portanto incluindo as evidências
da 'transparência” da linguagem), esta 'evidência' de que eu e você somos
sujeitos – e que esse fato não constitui problema- é um efeito ideológico, o
efeito ideológico elementar. Aliás, é próprio da ideologia impor (sem o
parecer, pois que se trata de 'evidências' as evidências que não podemos
deixar de reconhecer, e perante as quais temos a inevitável reacção de
exclamarmos (em voz alta ou no 'silêncio da consciência'): 'é evidente!' É
isso! Não há dúvida! (ALTHUSSER, 1970, p.96).
A respeito da evidência do sujeito, Pêcheux ([1988], 2009, p.141, 142) salienta que
o que oculta essa evidência, como vemos agora, é o ato de que o sujeito é
desde sempre 'um indivíduo interpelado em sujeito' o que, para ficar no tom
do exemplo de Althusser, poderia ser ilustrado por essa injunção absurda que
as crianças se dirigem a modo de pilhéria: 'Senhor Fulano de Tal, o senhor
poderia me dizer o seu nome?”, injunção cujo aspecto lúcido mascara o
parentesco com a operação policial de distribuição-verificação das
identidades. E é exatamente disso que se trata: a 'evidência' da identidade
29
oculta que esta resulta de uma identificação-interpelação do sujeito, cuja
origem estranha é, contudo, 'estranhamente familiar'.
A esse processo ilusório de funcionamento da ideologia, Pêcheux ([1988], 2009)
atribui o nome de efeito Münchhausen, em uma alusão ao personagem homônimo, um barão,
que protagoniza cenas improváveis. Em um dos episódios narrados, o barão afirma ter
conseguido escapar de um pântano usando as mãos para suspender a si próprio pelos cabelos.
Aliado ao trabalho da ideologia, temos sobre o discurso e o sujeito o trabalho do
inconsciente.
3.3 O papel do inconsciente
A Análise do Discurso não opera com a concepção de sujeito psicológico, inteiramente
intencional e dono de seu dizer. Para a AD, ainda que pretenda evocar determinados sentidos e
vise a objetivos específicos, o sujeito não tem controle sobre os sentidos que seu discurso irá
produzir. Isso se dá, em parte, pela influência da ideologia que, como já observamos, joga
com a ilusão de unicidade do sujeito que ignora/desconhece sua condição de indivíduo
interpelado e instado a interpretar o mundo e suas relações discursivas de um dado lugar
social. Por outro lado, os sentidos escapam ao sujeito, porque este não é uno, mas
fragmentado e heterogêneo.
A noção de sujeito fragmentado, cujo dizer é atravessado por um dizer outro muitas
vezes completamente ignorado, é herança da psicanálise. Nos estudos freudianos, discute-se
ideia de que um dos três grandes golpes que a humanidade sofreu refere-se justamente à
concepção egoica: o homem descobriu que o ego não é senhor em sua própria casa, não tem
completa consciência de suas motivações, é influenciado por um espaço inacessível – uma
instância psíquica- sobre o qual não tem domínio e que lhe motiva as ações; o indivíduo é
falado antes mesmo de que tenha condições de tomar a palavra. Mas é com os estudos
lacanianos que vemos se desenvolver a questão da relação do inconsciente com a linguagem e
se oferecer uma compreensão do sujeito tal qual postulado pela AD: atravessado pelo
inconsciente e pela ideologia. Mariani (1998, 2001) observa:
A presença do pensamento de Lacan na argumentação althusseriana
representa o diálogo com um autor que retoma Freud para nele depreender o
que lá já estava formulado enquanto trabalho teórico. Lacan não reduz nem
se desvia do efeito subversivo produzido pela descoberta do inconsciente.
(…) Se Freud, em vários momentos da sua obra, como em A interpretação
dos sonhos e em O chiste e sua relação com o inconsciente, pôde apontar
para o fato de que, em relação ao inconsciente, tudo dependia da linguagem,
30
Lacan por outro lado, com o apoio na Linguística, pôde avançar na teoria a
partir de Freud e constituir o campo da psicanálise, marcado por alguns de
seus famosos aforismos, que transcrevo a seguir: “o inconsciente é
estruturado como uma linguagem”, “o inconsciente do sujeito é o discurso
do outro”, “todo ato falho é um discurso bem-sucedido”, “a lei do homem é
a lei da linguagem”.
O sujeito é, então, compreendido como efeito de linguagem, dividido, falado pelo
inconsciente, que manifesta um saber desconhecido e que não lhe é familiar. Mariani (2008)
assinala que Lacan e Pêcheux em seus trabalhos recusam o humanismo e o idealismo e
asseveram que o sujeito não é causa nem origem de seu dizer, ele se encontra inscrito no
simbólico para, assim, significar a si e ao seu discurso:
tal relação estabelecida com a realidade é da ordem do imaginário, algo que
se produz na entrada do sujeito no simbólico e o impede de perceber ou
reconhecer sua constituição pelo Outro, ou seja, o sujeito não percebe que se
encontra convocado a se colocar no simbólico, a partir de sua constituição
pelo próprio simbólico para dizer 'eu' e se referir a um mundo já simbolizado
(MARIANI, p.144)
São esses aspectos que produzem a divisão do sujeito e, consequentemente, de seu
discurso. Essa fragmentação irá materializar-se no discurso sob a forma dos esquecimentos
números um e dois.
3.4 Os esquecimentos: a articulação entre ideologia e inconsciente na constituição do
sujeito
O esquecimento número 1, também chamado de esquecimento ideológico, como
assinala Orlandi (2009), é responsável pela ilusão do sujeito de ser causa e origem daquilo
que diz. Diz respeito ao modo como o sujeito falante é afetado pela ideologia. É por esse
esquecimento que o sujeito ignora que aquilo que diz é determinado pela língua, histórica e
socialmente. O esquecimento número 1 é da ordem do inconsciente e consiste em:
que o sujeito falante não pode, por definição, se encontrar no exterior da
formação discursiva que o domina. Nesse sentido, o esquecimento n°1
remetia, por uma analogia com o recalque do inconsciente, a esse exterior,
na medida em que – como vimos- esse exterior determina a formação
discursiva em questão. (…) essa interpretação nos permitia dar conta da
impressão de realidade de seu pensamento para o sujeito-falante ('eu sei o
que estou dizendo', 'eu sei do que estou falando') (PÊCHEUX, [1988], 2009,
p.162).
É por meio do que Pêcheux ([1988], 2009) denominou esquecimentos que podemos
31
verificar o trabalho da ideologia e do inconsciente na construção das redes de sentidos do
discurso. É esse processo de esquecimento que torna possível todo dizer.
O esquecimento número dois consiste na seleção feita pelo sujeito do modo como
produzirá seu discurso: o sujeito, ao falar de um modo e não de outro, cria para si a
denominada ilusão referencial. Ao dizer o que diz, o sujeito crê que suas palavras só poderiam
ser ditas daquela maneira, no entanto, “ao longo de nosso dizer, formam-se famílias
parafrásticas que indicam que o dizer sempre podia ser outro” (ORLANDI, 2009, p. 35). É a
ilusão referencial a responsável pela impressão de realidade do pensamento: o sujeito crê
haver uma relação direta entre linguagem, pensamento e mundo, como se houvesse uma
relação natural entre as palavras e as coisas. É esse o chamado esquecimento enunciativo.
A respeito desse tipo de esquecimento Pêcheux ([1988], 2009, 161) observa:
Concordamos em chamar esquecimento n°2 ao 'esquecimento' pelo qual todo
sujeito-falante 'seleciona' no interior de uma formação discursiva que o
domina, isto é, no sistema de enunciados, formas e sequências que nela se
encontram em relação de paráfrase – um enunciado, forma ou sequência e
não outro, que, no entanto, está no campo daquilo que poderia reformulá-lo
na formação discursiva considerada (Grifos do autor).
Essa trama dos esquecimentos permite que o sujeito se inscreva na história, produza
seu discurso e o signifique. A relação com a ideologia e com esse mundo preexistente ao
sujeito determina o modo como o discurso será produzido. Para compreender como o discurso
do sujeito se inscreve em um mundo em que muitos outros discursos e sentidos já estão
presentes, alguns outros conceitos sobre os quais a AD se estrutura não podem deixar de ser
considerados.
3.5 Interdiscurso, memória discursiva e pré construído
A interdiscursividade pode ser entendida como a relação que um discurso mantém com
outros discursos. Para a AD, a interdiscursividade é condição de existência do discurso, isto é,
todo discurso é fruto do trabalho sobre outros discursos. O interdiscurso é, como mostra
Orlandi (2009, p.31),
o saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma
do pré-construído, o já- dito que está na base do dizível, sustentando cada
tomada da palavra. O interdiscurso disponibiliza dizeres que afetam o modo
como o sujeito significa em uma situação discursiva dada.
A existência desse já-dito que viabiliza todo dizer é, segundo a autora, fundamental
32
para entender o funcionamento do discurso e sua relação com a ideologia. O interdiscurso é
constituído por formulações que foram feitas e determinam o dizer, porém esse conjunto de
formulações já se encontra no esquecimento. Para que as palavras do sujeito façam sentido, é
necessário que elas já façam sentido, ou seja, é preciso que os dizeres formulados por um
sujeito específico em um momento determinado se apaguem da memória, entrem para o
anonimato e passem a fazer sentido nas palavras de um sujeito qualquer, como mostra Orlandi
(2009).
Para o interdiscurso, o esquecimento é um fator estruturante. O interdiscurso é da
esfera do saber discursivo, é a memória afetada pelo esquecimento.
De acordo com Pêcheux ([1988], 2009, p.154):
O interdiscurso enquanto discurso-transverso atravessa e põe em conexão
entre si os elementos discursivos constituídos pelo interdiscurso enquanto
pré-construído, que fornece, por assim dizer, a matéria-prima na qual o
sujeito se constitui como 'sujeito falante', com a formação discursiva que o
assujeita. Nesse sentido, pode-se bem dizer que o intradiscurso, enquanto 'fio
discurso' do sujeito, é, a rigor, um efeito do interdiscurso sobre si mesmo,
uma 'interioridade' inteiramente determinada como tal 'do exterior'
(Destaques do autor ).
Interdiscurso e pré-construído estão, assim, intimamente ligados. O trabalho na AD
pecheutiana, como visto no início desta seção, pode ser dividido em três épocas. Esse
constante retorno e reavaliação da teoria não significa que os conceitos sejam descartados,
mas que, ao revisitar o modelo de análise inicialmente proposto, Pêcheux e os estudiosos que
contribuíram para o desenvolvimento da AD atualizam e revisam tais conceitos, fazendo
modificações, seja por meio de retificações, seja por ampliação ou acréscimo de conceitos
oriundos de outras esferas do saber, como a história e a psicanálise, por exemplo. Assim, aos
conceitos de interdiscurso e pré-construído, soma-se a formulação do conceito de memória
discursiva, que, por sua vez, irá contribuir para que noção de formação discursiva seja
também repensada. Temos, então, uma relação de interdependência entre os conceitos de FD,
memória discursiva, pré-construído e interdiscurso. Vejamos os pontos de contato e as
diferenças existentes entre esses conceitos.
O interdiscurso, na perspectiva da AD pecheutiana, é compreendido como um espaço
em que residem todos os dizeres possíveis de ser enunciados por um dado sujeito. Significa
dizer que não há nada que tenha sido dito ou que possa vir a ser dito que, de algum modo, já
não figure nesse espaço. O interdiscurso é, então, um local de saturação: é o espaço em que
reside esse “todo “complexo com dominante” das formações discursivas” (PECHEUX, [1988]
33
2009, p. 149).
A noção pré-construído, por sua vez, como nos mostra Charadeau, foi
elaborada por Henry (1975) e desenvolvida posteriormente em Pêcheux
(1975) – é uma reformulação das teorias da pressuposição de Ducrot. O préconstruído pode ser entendido como a marca, no enunciado, de um discurso
anterior; portanto, ele se opõe àquilo que é construído no momento da
enunciação. Um sentimento de evidência se associa ao pré-construído,
porque ele foi “ e já dito” e porque esquecemos quem foi seu enunciador. Os
fenômenos que desencadeiam esse efeito discursivo estão ligados às
operações de encaixamento sintático (relativa, nominalização, adjetivo
deslocado etc).
O pré-construído, portanto, representa aquele sempre-lá, o já dito em um dado
discurso. Essa marca de anterioridade - de um dizer que fala em outro lugar- pode ser nãosabida pelo sujeito. Quer dizer, o sujeito poderá enunciar em seu discurso algo retirado do
interdiscurso e, no entanto, crer ainda assim estar na origem de seu dizer. Além desse aspecto,
o pré-construído, ao passar por uma dada formação discursiva, necessariamente, promoverá o
esquecimento de sentidos outros que não poderiam figurar na FD em que o sujeito do discurso
esteja inserido. Ao alinhar-se com uma FD específica, o sujeito “tende a absorver-esquecer o
interdiscurso no intradiscurso, isto é, ela simula o interdiscurso no intradiscurso, de modo que
o interdiscurso aparece como o puro 'já -dito' do intradiscurso, no qual ele se articula por 'coreferência'” (PECHEUX, 1988, 2009, p. 154).
A peça seguinte, de número 2, ilustra bem como se dá a passagem do pré-construído
por uma dada formação discursiva. No anúncio, temos a seguinte frase em caixa alta e fundo
branco: “Chegamos ao fundo do poço”. Logo abaixo, no canto inferior direito, pode-se ver a
logomarca da empresa Petrobras também em caixa alta.
34
Fig. 2: Desencannes, 2011.
Chegar ao fundo do poço é uma expressão que pode assumir diversos sentidos. Uma
vez que pertence ao interdiscurso, todas as possibilidades de sentido poderiam ser
consideradas. Um sentido bastante corrente para esta expressão, considerada uma espécie de
frase feita, seria o de chegar a uma situação limite em que não se vê saída; estar na situação
mais desfavorável e desesperadora que se poderia imaginar. No entanto, a esse sentido,
somam-se outros. Essa expressão poderia aparecer em algum dos gêneros textuais que
formam o discurso jornalístico, caso se estivesse falando de um resgate de uma pessoa ou
animal que tivesse caído em um poço. Na pérola de número 2, vemos ainda uma terceira
opção: perfurar poços em busca de petróleo, que é uma atividade típica desenvolvida pela
Petrobras, empresa especializada no ramo da exploração de petróleo e gás. Enquanto frasefeita (expressão idiomática), chegar ao fundo do poço poderia ser entendido como uma
situação desagradável. No entanto, na situação apresentada na pérola, estamos diante de um
ato bem sucedido. Essa interação entre essas duas possibilidades de leitura é o que permite
que o sentido deslize para a FD do discurso humorístico. A simples presença na frase, tal qual
a encontramos no interdiscurso, não seria suficiente para produzir humor. No entanto, o
acréscimo da logomarca, a presença do gênero peça publicitária em um sítio eletrônico como
o Desencannes são elementos que fazem com que determinados efeitos de sentido (humor e
riso) sejam privilegiados e até esperados. Mas o eco, por assim dizer, da frase feita tem um
papel fundamental para que se produza o efeito de humor. Assim que, enquanto préconstruído, a expressão chegar ao fundo do poço, possibilita o surgimento não de todos os
35
sentidos, mas apenas daqueles em concordância com a FD em que está inserida.
A memória discursiva, assim como a de pré-construído, se delineia na passagem por
uma FD. Somente depois de afetada pela ideologia e atrelada à materialidade discursiva sob a
forma de FD é que a memória discursiva se estabelece. Uma dada FD constitui um local de
memória que estabelece as condições de funcionamento do discurso e constitui um corpo
socio-histórico-social. Não se trata aqui de uma memória individual nem de uma memória
necessariamente atrelada a fatos históricos. A memória discursiva é ao mesmo tempo memória
de um grupo de sujeitos que comungam de uma dada visão de mundo, uma formação
ideológica, e que, portanto, se assujeitam a uma mesma FD. Como observa Fernandes (2008,
p.49), “os discursos exprimem uma memória coletiva na qual os sujeitos estão inscritos.
Trata-se de acontecimentos exteriores e anteriores ao texto, e de uma interdiscursividade,
refletindo materialidades que intervêm na sua construção”.
Desse modo, podemos perceber que assim como o interdiscurso sustenta a
possibilidade de todo e qualquer discurso em um universo de formações discursivas, a
memória discursiva desempenha um papel central no estabelecimento dos sentidos. Pêcheux
(1999, p.52) afirma que “a memória discursiva seria aquilo que, face a um texto que surge
como acontecimento a ler, vem reestabelecer os “implícitos” […] de que sua leitura
necessita”. Assim, a memória discursiva
autoriza as lembranças e estabelece os
esquecimentos, proporcionando, assim, o surgimento de um espaço discursivo (FD) em que
apenas alguns dizeres podem e devem ser enunciados.
3.6 Do processo de fragmentação do sujeito
A ilusão de unicidade do sujeito advém justamente desse alinhamento entre o
interdiscurso, o pré-construído e a memória discursiva em uma dada formação discursiva. A
identificação do sujeito com o discurso que o determina é o que Pêcheux ([1988], 2009)
denomina forma-sujeito:
E o caráter da forma-sujeito, com o idealismo espontâneo que ela encerra,
consistirá precisamente em reverter a determinação: diremos que a formasujeito,(pela qual o 'sujeito do discurso' se identifica com a formação
discursiva que o constitui) tende a absorver-esquecer o interdiscurso no
intradiscurso, isto é, ela simula o interdisurso no intradiscurso, de modo
que o interdiscurso aparece como o puro 'já -dito' do intra-discurso, no qual
ele se articula por 'co-referência'. Parece-nos, nessas condições, que se pode
caracterizar a forma-sujeito como realizando a incorporação-dissimulação
dos elementos do interdiscurso: a unidade (imaginária) do sujeito, sua
36
identidade presente-passada-futura encontra aqui um de seus fundamentos
(PECHEUX, [1988], 200, p.155) (destaques do autor).
Esse processo de encaixe do sujeito na formação discursiva se dá de diferentes modos.
De acordo com o autor, o sujeito pode identificar-se completamente, pode assujeitar-se
parcialmente, ou rebelar-se até o ponto de romper com uma dada FD. São essas as três
modalidades propostas pelo autor.
Na primeira modalidade, insere-se o bom sujeito e seu discurso. Segundo Pêcheux
([1988], 2009), no discurso do bom sujeito ocorre um ajuste, uma superposição entre o sujeito
universal e o sujeito da enunciação. Aí, não há divergências. O assujeitamento do sujeito ao
Sujeito é entendido, nesse caso, como total e espontâneo. Como observa Cazarin (2011), no
estágio atual dos estudos em AD, não há mais espaço para o bom sujeito entendido nesses
moldes, uma vez que toda formação discursiva, bem como toda posição-sujeito, é, em alguma
medida, heterogênea e, portanto, sujeita a conflitos.
A segunda modalidade proposta por Pêcheux ([1988], 2009) caracteriza-se pela
divergência entre o sujeito e o Sujeito. O sujeito da enunciação rebela-se, rejeita, contradiz
alguns aspectos do sujeito universal e toma uma posição que produz uma separação: estamos
diante do discurso do mau sujeito. A postura desse sujeito se evidencia por meio de um
(distanciamento, dúvida, questionamento, contestação, revolta...) com
respeito ao que o 'sujeito universal' lhe 'dá a pensar': luta contra a evidência
ideológica, sore o terreno dessa evidência , evidência afetada pela negação,
revertida a seu próprio terreno. Essa reversão apresenta traços linguísticos
'aquilo que você chama crise do petróleo', suas ciências sociais', 'tua Santa
Virgem' (como se alguém dissesse 'tua neurose'!) etc. (PÊCHEUX, [1988],
2009, p. 200)
Se na primeira modalidade estamos diante de uma identificação, na segunda
modalidade o que temos é um processo de contra-identificação. Há, porém, uma terceira
modalidade subjetiva e discursiva que consiste na desidentificação e deslocamento do sujeito
para uma outra formação discursiva ou mesmo o surgimento de uma nova FD. A respeito
dessa terceira modalidade, Pêcheux ([1988], 2009, p. 201, 202) esclarece que
isso equivaleria a dizer que a prática de produção dos conhecimentos e a
prática política de tipo novo constituída pelo marxismo-leninismo realizam
(acarretam ou determinam) uma dessubjetivação do sujeito, isto é,
promovem um tipo de anulação da forma sujeito (dessasujeitamento, ruptura
ou fragmentação do sujeito , como o sugere atualmente uma certa concepção
formalista de 'escritura')? A resposta é não (…) Na realidade, o
funcionamento dessa 'terceira modalidade' constitui um trabalho
37
(transformação-deslocamento) da forma-sujeito e não sua pura e simples
anulação. (…) funciona de certo modo às avessas, isto é, sobre e contra si
mesma, através do 'desarranjo-rearranjo' do complexo das formações
ideológicas (e das formações discursivas que se encontram intrincadas nesse
complexo).
Pretendemos demonstrar como diferentes saberes presentes na memória discursiva
precisam ser mobilizados a fim de que, ao realizar um gesto de interpretação, o sujeito possa
atribuir sentidos. De acordo com Pêcheux (1999, p.52),
tocamos aqui um dos pontos de encontro com a questão da memória como
estruturação de materialidade discursiva complexa, entendida em uma
dialética da repetição e da regularização: a memória discursiva seria aquilo
que, face a um texto que surge como acontecimento a ler, vem restabelecer
os 'implícitos' (quer dizer, mais tecnicamente, os pré-construídos, elementos
citados e relatados, discursos transversos, etc.) de que sua leitura necessita: a
condição do legível em relação ao próprio legível.
Buscamos compreender em que medida se dá a reação do sujeito do discurso das
pérolas aqui analisadas em relação ao discurso publicitário. Em que grau esse sujeito se
contra-identifica com a Forma sujeito do discurso publicitário. Mais ainda, procuramos
investigar se essa contraidentificação é suficiente para avançar para uma desidentificação a
ponto de se instaurar uma nova FD capaz de abrigar os saberes produzidos pelo sujeito
presente nas pérolas. Em outras palavras, o sujeito dos anúncios aqui apresentados permanece
na mesma FD estabelecendo com ela uma relação de tensão e conflito, migra para uma FD
diferente ou promove o surgimento do que poderia ser chamado de acontecimento discursivo?
A tensão de um dado sujeito com a formação discursiva a que está(va) assujeitado
pode produzir dois tipos de acontecimentos: um acontecimento enunciativo ou um
acontecimento discursivo. O constante trabalho em AD de retorno à teoria oportunizou, como
nos mostra Indursky (2008 ), a percepção de que o sujeito não se desdobra apenas em bom ou
mau sujeito: a fragmentação da forma sujeito é condição para a compreensão de uma
formação discursiva heterogênea e capaz de absorver saberes vindos de seu exterior. Assim, já
não é possível compreender um sujeito discursivo que se alinhe integralmente com a forma
sujeito da FD a que está assujeitado. Por outro lado, pensar em um sujeito que se revolte
completamente contra uma dada FD não dá conta dos discursos que atualmente têm sido
analisados. Podemos dizer que dentro de uma mesma formação discursiva podemos encontrar
sujeitos que demonstram diferentes graus de assujeitamentos. Desse modo, estamos tratando
de posições sujeito que formam um continuum que iria da maior adesão até a menor adesão
38
possível que se possa firmar com a forma sujeito sem que isso signifique o abandono da
formação discursiva.
Quando a contra-identificação do sujeito é tal que os conflitos com alguns dos saberes
presentes em uma FD específica se tornam tão intensos a ponto de novos sentidos emergirem
e serem suportados nessa esfera discursiva, estaríamos diante de um acontecimento
enunciativo. Indursky (2008) aponta o surgimento da posição-sujeito da Teoria da Libertação
que emergiu dentro da FD cristã católica. Trata-se de um novo saber que a referida FD teve
condições de abrigar.
Há, porém, ainda outra possibilidade: o sujeito do discurso pode estabelecer uma
relação tão polêmica com a forma-sujeito de uma FD a ponto de seu dizer não ter mais como
transitar naquele âmbito discursivo. Nesse caso, o sujeito poderá migrar para uma outra FD já
existente com a qual estabeleceria um novo processo de assujeitamento a outras formação
ideológica e formação discursiva. No entanto, pode ocorrer outra situação: a saída do sujeito
de uma dada FD pode provocar o surgimento de outra formação discursiva até então
impensada. Essa situação exemplifica aquilo que pode ser chamado de acontecimento
discursivo, como foi o caso dos saberes produzidos pelo discurso dos integrantes do
Movimento Sem-terra em torno dos sentidos do direito à propriedade, conflito que permitiu
a emergência de sentidos do direito à terra.
As pérolas do Desencannes aqui apresentadas são exemplos de como diversos dizeres
concorrem para a formulação e circulação de sentidos e de como o sujeito necessita ter acesso
a esses dizeres presentes na memória discursiva a fim de atribuir sentidos a essas pérolas e
perceber os efeitos de humor. “A historicidade está aí apresentada justamente pelos deslizes
(paráfrases) que instalam o dizer no jogo dos diferentes” (ORLANDI, 2007, p. 81). A pérola
número 3, vencedora de uma das edições dos concursos promovidos pelo sítio eletrônico,
apresenta uma apropriação da marca e do discurso da Fundação Doutores da Alegria.
39
Fig. 3: Desencannes, 2011.
O sítio eletrônico Doutores da alegria (2010) apresenta, em sua página inicial, a
seguinte proposta:
Nossa missão é ser uma organização proeminentemente dedicada a levar
alegria a crianças hospitalizadas, seus pais e profissionais de saúde, através
da arte do palhaço, nutrindo esta forma de expressão como meio de
enriquecimento da experiência humana.
Como podemos perceber pelo excerto acima, há um ponto de convergência entre o
discurso dos Doutores da alegria e aquele veiculado pela pérola apresentada: ambos abordam
o humor em seus discursos.
O blogue Doutores da alegria também divulga textos
humorísticos em espaços que se assemelham ao FAQ YOURSELF do sítio eletrônico
Desencannes
Pingue-pongue
Uma letra? A de amor, B de baixinho, C de coração
É ou não é? Claro que é.
Ilhas Caiman ou IR? Ilha das Bermudas, onde não só os impostos como
você todinho também pode sumir do mapa.
O palhaço, o que é? Já foi ladrão de muié e agora gosta de comer acarajé e
nadar onde não dá pé. Lá em Itacaré.
Um sonho não sonhado? Porque você ainda não dormiu.
É possível que uma pérola como a anteriormente apresentada pudesse vir a ser
40
veiculada por uma instituição como os Doutores da alegria, uma vez que a relação entre os
discursos aqui pode ser considerada contratual. O deslize de sentido é mínimo, ou seja, não há
conflito ideológico entre o discurso veiculado pela pérola do Desencannes e os divulgados
pela Instituição Doutores da alegria. A relação entre as referidas peças está no nível da
identificação, da paráfrase, pois a pérola produz e faz circular o discurso com viés
humorístico semelhante às peças publicitárias comumente veiculadas pela Instituição, como
se pode verificar na peça publicitária, abaixo, figura número 4, veiculada pela instituição em
revistas de circulação nacional.
Fig. 4: Doutores da alegria, 2011
A peça traz a imagem de um leão com nariz de palhaço e vem acompanhada do
seguinte enunciado em caixa alta: “Até o leão está do nosso lado”. Abaixo, em caixa baixa,
segue um texto explicativo, em que se esclarece que o valor das doações destinadas aos
Doutores da Alegria pode ser deduzido do imposto de renda – daí a referência ao leão, um dos
símbolos da Receita Federal no Brasil.
O programa de imposto de renda da Receita Federal foi criado no ano de 1979. O
órgão encomendou uma campanha publicitária que representasse o novo programa. Dentre as
41
campanhas apresentadas, foi escolhida a que trazia o leão que simbolizaria justiça, lealdade e
mansidão - aliada à sagacidade. Desde então, a imagem do leão é facilmente associada à do
órgão federal.
Vale destacar, nesta oportunidade, que o suporte do hipertexto permite constante
interação entre os usuários de internet e os criadores das peças veiculadas no sítio eletrônico.
Por influência das críticas dos internautas à primeira pérola aqui apresentada, os criadores da
peça repensaram-lhe o layout (diagramação) e a recriaram. A peça, posteriormente
selecionada para compor o livro (MARX, 2003) lançado em dois mil e sete, teve a nova
versão assim publicada:
FIg. 5: Desencannes, 2011:
A pérola precedente, figura 5, apresenta um homem com vestes brancas, máscara no
rosto e estetoscópio, ele está caracterizado como um médico. O homem usa uma maquiagem
sobre os olhos que simula a expressão exagerada de um palhaço. Ele calça um sapato informal
42
nas cores vermelho e branco aparentemente muito maior que seus pés e com cadarços que
formam dois grandes laços. Aos seus pés, um nariz de palhaço. No canto inferior direito da
peça, podemos ver o logo da Instituição Doutores da alegria e uma cruz que alude ao
ambiente hospitalar, às ambulâncias, aos cuidados médicos, enfim. Essa cruz é personificada
com um sorriso, um nariz de palhaço e um chapéu vermelho, semelhante aos utilizados em
festas infantis disposto do lado direito da peça, inclinado, numa sugestão de descontração e
leveza. Abaixo da cruz, podemos ler a inscrição “Doutores da Alegria” (DA), em que a
palavra alegria aparece grafada em letras assimétricas e preenchidas em vermelho.
No centro da peça, podemos ler, como na pérola de número 5: “Ajude a Fundação
doutores da alegria a não virar Instituto Médico legal. “Doutores da alegria” e “Médico legal”
figuram em fonte maior e em caixa alta nas cores azul e vermelho, respectivamente. Lidos
apenas esses sintagmas, temos em relevo a alusão a um mesmo espaço discursivo, uma vez
que os doutores da alegria buscam, como vimos, anteriormente, proporcionar um ambiente
acolhedor e divertido às crianças hospitalizadas. Nesse sentido, um palhaço membro dos
“Doutores da alegria” poderia ser considerado em certo aspecto como um “médico legal”
(simpático, divertido). O homem caracterizado na peça como médico e palhaço a um só
tempo atesta a presença desse sentido. A polissemia do termo legal reforça essa atribuição de
sentido: legal pode assumir a acepção de em conformidade com a lei ou a do uso popular
que caracteriza algo que vai muito bem ou mesmo atribuir uma qualificação positiva a algo
ou alguém, nesse caso o médico.
No entanto, se consideramos o enunciado como um todo, vemos os sintagmas
transitarem de uma FD para outra, desfazendo-se assim a relação contratual e parafrástica
entre eles. Enquanto a Fundação Doutores da Alegria se propõe a auxiliar e acelerar a
recuperação de crianças hospitalizadas, o Instituto Médico Legal é o local que recebe pessoas
que faleceram e que, portanto, não mais podem receber cuidados médicos. Assim, a referência
à possibilidade de as crianças atendidas morrerem por falta de assistência, psíquica, inclusive,
explicita a necessidade que a instituição possui de receber
contribuições em forma de
recursos financeiros. Essas doações seriam, assim, manifestação da adesão dos sujeitos
interpelados pela peça à causa da Fundação Doutores da alegria.
A pérola traz ainda a seguinte legenda em fonte menor: “Alguns poucos palhaços
ajudam. Muitos outros não”. O jogo com os sentidos de palhaço propõe criação de duas
imagens, uma negativa e uma positiva, com as quais um sujeito poderia se identificar. A
palavra palhaço pode assumir, dentre outros, os sentidos de artista de circo que faz rir, pessoa
que faz e fala coisas engraçadas. Esse poderia ser entendido como o sentido presente na
43
primeira frase “Alguns poucos palhaços ajudam”, que pode ser entendido como uma
referência aos voluntários participantes do projeto dos Doutores da alegria.
A segunda frase do comentário que acompanha, por sua vez, a peça traz elíptico o
termo palhaços: Muitos outros (palhaços) não (ajudam). Dentre os sentidos presentes na
memória discursiva, o sujeito discursivo poderá acionar alguns que, entendemos, são mais
privilegiados que outros: ele poderá entender que há muitas outras pessoas com habilidades de
produzir o riso que poderiam ajudar a Fundação, mas que por algum motivo não o fazem.
Porém, ele também poderia considerar que o ato de não ajudar a Fundação é portar-se como
uma pessoa ridícula, que não merece respeito – uma das acepções de palhaço - o que recai
numa imagem desvalorizada daquele que não contribui com a causa dos Doutores da Alegria.
O sujeito é, nesse caso, incitado a identificar-se com médicos legais, com os voluntários, se
não quiser ter sua imagem associada ao palhaço, entendido em seu sentido pejorativo.
Cremos caber aqui uma breve observação acerca da figura do palhaço. De acordo com
Chevalier (1986), o palhaço pode ser descrito como o revés da figura do monarca. Para o
autor, tradicionalmente, o palhaço é a figura do rei assassinado. Simbolicamente, seria a morte
da ordem estabelecida. Nesse sentido, a figura do palhaço se aproxima da figura do anão, do
bufão e do louco – incluído aqui o Louco ou Bobo presente no tarô. Esses personagens
constituem figuras marginais, consideradas irracionais e impulsivas e que, por esse mesmo
motivo, gozam da liberdade de dizer o que mais ninguém ousaria. São eles os responsáveis
por dizer em tom grave coisas ordinárias e sem importância e em tom de graça os assuntos
mais graves. Assim como o palhaço se apresenta como a sombra do rei, o Louco é
considerado a sombra do Eremita, figura que representa a prudência e a sabedoria no tarô
(CHEVALIER, 1986).
A pérola seguinte, por outro lado, apresenta características de identificação maior com
a proposta do Desencannes do que com a FD do discurso publicitário. Nela, temos uma
mulher de cabelos claros e curtos, posicionada de perfil. Ela tem um estetoscópio pendurado
ao pescoço, usa um nariz de palhaço, parece vestir um jaleco e sopra uma luva médica como
quem sopra um balão de festa. Na luva, podemos ver o logo da Fundação Doutores da
Alegria. A mulher olha em direção ao observador da peça enquanto sopra a luva, o que sugere
cumplicidade com o interlocutor. Do lado esquerdo, escrito em branco, temos “A gente perde
o amigo, mas não perde a piada”, um enunciado que evoca um provérbio famoso.
Comumente, o provérbio “A gente perde o amigo, mas não perde a piada” (Eu perco o
amigo, mas não perco a piada) é utilizado quando, numa dada situação que envolve uma ou
mais pessoas que nutrem sentimento de estima mútua, uma delas torna-se motivo de escárnio,
44
deboche, vexação, constrangimento ou de uma simples brincadeira. Esse tipo de evento
costuma suscitar enunciados como fulano não perdoa nem os amigos, não alivia nem
mesmo para os amigos. Há, aí, uma inversão na hierarquia de valores: é mais importante rir
que conservar uma boa relação de amizade. Nesse sentido, temos a expressão perder o amigo
entendida em sua acepção de deixar de gozar de uma boa relação com outrem, perder a
confiança, a afeição de alguém com quem se tinha um determinado laço afetivo. Então, perdese o amigo.
No entanto, a pérola seguinte, de número 6,vem, ademais do provérbio, acrescida de
um comentário: “Ha, ha, ha, ha, ha... Essa foi engraçada, não? Hey, responde. Hey, acorda!
Xiiii...” (MARX, 2007). Nesse caso, poderíamos pensar outros sentidos para o provérbio
acima mencionado. É possível atribuir ao enunciado presente na pérola os sentidos citados:
deixar de ter um amigo, deixar de ter a confiança e afeição de alguém com quem se mantinha
um relacionamento amistoso. Porém, o verbo perder, aliado ao comentário que acompanha a
pérola, nos mostra que outros sentidos podem ser atribuídos ao provérbio evocado.
O verbo perder pode assumir sentidos diversos nos enunciados em que é empregado.
Dentre esses sentidos, podemos destacar: “1. deixar de possuir ou de ter; ficar sem (algo); 2.
Ficar privado da presença de (alguém) por morte; 3. Não chegar a dar à luz (um filho); 4 Ficar
privado do afeto e companhia de (alguém) por afastamento ou rompimento” (CALDAS,
2011).
45
Fig. 6: Desencannes, 2011.
Podemos ver na peça precedente a acepção de número 3 (CALDAS, 2011) em
funcionamento por meio do diálogo com os sentidos do provérbio apropriado. Não obstante a
referência ao rompimento de uma relação afetiva, também podemos ver o trabalho do verbo
perder com o sentido proposto na acepção de número dois: ficar privado da presença de
(alguém) por morte. Nesse caso, vemos tematizado o delicado tema da morte infantil. Essa
leitura desloca a pérola em questão da FD do discurso publicitário, especialmente do discurso
veiculado pela Fundação Doutores da Alegria e, nesse caso, não temos uma relação
contratual, mas polêmica, pois há. aí, marcada divergência ideológica. Uma Fundação que se
propõe a “levar alegria a crianças hospitalizadas (…) através da arte do palhaço, nutrindo esta
forma de expressão como meio de enriquecimento da experiência humana” (DOUTORES DA
ALEGRIA, 2010) não poderia veicular uma peça publicitária em que a morte de uma criança
fosse motivo de riso. Conforme Possenti (1998), as piadas – e o humor de um modo geralcomumente veiculam discursos subterrâneos, considerados tabus por nossa sociedade e a
morte é um desses temas.
Assim, o que podemos perceber é que, apesar de em todas as pérolas apresentadas até
o momento, assim como a propaganda da Fundação Doutores da Alegria, pertencerem de
algum modo ao discurso publicitário, não podemos falar que se trata exatamente da mesma
46
posição dentro de uma formação discursiva ou que existe uma relação harmoniosa no interior
da FD do discurso publicitário. O sujeito-publicitário que se expressa por meio das pérolas
aqui apresentadas porta-se como um mau sujeito, uma vez que se rebela contra as normas dos
dizeres possíveis da formação discursiva da publicidade: enquanto para o discurso
publicitário, o humor é um ingrediente que pode ou não vir a ser utilizado na produção de
uma peça, no Desencannes, uma pérola não pode ser veiculada se não possuir um viés
humorístico. O riso é apresentado no sítio eletrônico como um fim em si mesmo: “Isso é o
Desencannes. A propaganda que não existe. Imaginária. Engraçada. Absurda. Sem
compromisso. A publicidade fazendo humor de si mesma. Para brincar e se divertir”
(Desencannes, 2011).
Cabe salientar que, conforme nos mostra Indursky (2008), o surgimento de um
acontecimento, seja enunciativo ou discursivo, consiste em um evento raro. O que não é de se
estranhar. A ideologia e os discursos dominantes se sustentam por meio da paráfrase, ou seja,
é a repetibilidade que garante a permanência dos sentidos. Mas essa mesma repetibilidade está
sujeita ao que Pêcheux chamou de falha no ritual: sempre há a possibilidade de um discurso
deslizar de tal modo a ponto de se instaurar um processo polissêmico e o surgimento de novos
sentidos dentro de uma FD. Como vimos, se essa FD se mostra capaz de suportar esse novo
sentido, temos um acontecimento enunciativo com o aparecimento de uma nova posiçãosujeito. Se, por outro lado, esse novo dizer não encontra guarida no interior da FD em que
surgiu, podemos estar diante de um processo de desidentificação seguido da identificação com
uma outra FD ou podemos ainda estar diante de um acontecimento discursivo: uma nova FD
está nascendo.
No espaço destinado à apresentação da versão impressa contendo pérolas selecionadas
do sítio eletrônico principal do Desencannes, podemos ler: “ESTA É UMA OBRA
PREMONITÓRIA. Se as peças aqui apresentadas como 'não-veículáveis', é uma questão de
tempo. (…) Daqui a 15 anos algum jovem publicitário irá ler este livro e vai pensar: 'MAS O
QUE HÁ AQUI DE TÃO DIFERENTE?'” (BASTOS, 2007).
Podemos dizer que estamos presenciando, nesse caso, não uma publicação visionária,
mas talvez justamente o contrário. Pensamos estar, nesse caso, diante da atuação do trabalho
do inconsciente e da ideologia sobre esses sujeitos. Por um lado, o sujeito reconhece que as
possibilidades de dizer mudam conforme mudam os tempos (MARX, 2007), o que nós
atribuímos, entre outras coisas, às condições de produção que se reconfiguram a ponto de
proporcionar novos espaços em que dizeres antes interditados possam circular livremente ao
passo que outros perdem espaço em determinadas formações discursivas. Tornamos a
47
salientar que, ainda que esses enunciados já não sejam possíveis de ser veiculados, continuam
a fazer parte do interdiscurso e podem a vir a materializar-se em outras FD. Cremos ser neste
ponto em que a ideologia e o inconsciente trabalham e fazem um sujeito resvalar em uma
armadilha: os esquecimentos fazem com que ele desconheça que o que enuncia refere a um
dizer outro que remete a um sempre já-lá. Tomemos como exemplo a peça publicitária
abaixo:
Fig. 7: Zupi, 2012.
O anúncio publicitário com fins comerciais acima, na figura 7, traz a imagem de um
casal. O homem segura um cigarro e sopra a fumaça em direção à mulher que se encontra de
frente para ele. Seus rostos estão muito próximos. No anúncio, podemos ver centralizado o
seguinte slogan: “Blow in the her face and she 'll follow you anywhere” (Sopre em seu rosto
e ela o seguirá aonde você for). Essa é uma propaganda de cigarros com dois temas que
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encontram certa dificuldade para ser veiculados nos dias de hoje.
Atualmente, a comercialização de cigarros é permitida no Brasil, mas não sua
propaganda. Nos Estados Unidos, país onde circulou a propaganda acima, a veiculação está
restrita a jornais e revistas desde que acompanhados de advertências. Não se pode veicular
tais anúncios na televisão ou no rádio. Já a mulher, vista não como um indivíduo, mas como
um objeto de desejo a ser conquistado, ainda aparece com frequência em propagandas
veiculadas por muitas marcas comerciais como as de cerveja, carro, desodorantes e outras
mais. Talvez o ponto de conflito seja na sugestão da postura que o homem deve adotar para
conquistar a mulher: soprar fumaça de cigarro em seu rosto.
Buscamos demonstrar com esse exemplo como o sujeito das pérolas aqui analisadas se
mostra como vítima dos esquecimentos que o inconsciente e a ideologia lhe impõem: ele crê
dizer algo novo, talvez revolucionário, mas seu discurso, porém, é um retorno a sentidos e
enunciados já-ditos.
Por outro lado, percebemos que se a preservação da imagem da marca comercial é
uma das principais preocupações do discurso publicitário, o mesmo não ocorre com o
discurso do mau sujeito publicitário que produz e veicula as pérolas: “ATENÇÃO: As peças
publicitárias aqui apresentadas não possuem fim comercial e não refletem o pensamento das
marcas” (DESENBLOGUE, 2011).
Como podemos perceber, ainda que existam muitos pontos de contato entre o discurso
presente nas pérolas do Desencannes e o discurso publicitário, não podemos deixar de
salientar a existência de pontos de conflito e ruptura com a posição daquele que seria um bom
sujeito dentro da FD desse discurso publicitário.
49
4 O ESTUDO DO RISO
O riso é objeto de investigação de estudiosos de diversas áreas. O que o motiva, em
quais situações aparece e sob que forma se transvestem as situações risíveis são algumas das
preocupações desses autores. A publicidade não apresenta como finalidade principal fazer rir:
há anúncios que nada têm de risível. No entanto, é certo também que muitos dos anúncios
publicitários veiculados fazem uso de alguma estratégia para produzir o riso. O sítio
eletrônico Desencannes, por sua parte, coloca-se em posição diferente, as pérolas ali
publicadas têm como uma das suas principais funções divertir, fazer rir. Esse objetivo é
explicitado na apresentação impressa do projeto que traz publicadas as peças que não podem
ou devem ser publicadas em meios de comunicação de massa. Em um texto de introdução
dirigido aos leitores que adquiriram o livro, comenta-se: “provavelmente você gosta muito de
propaganda, ou gosta muito de humor” (MARX, 2007, p.13).
Nesta seção, explicitamos como o humor e o riso tem sido tratados por estudiosos
como Bergson ([1900] 2007), Propp ([1976], 1992), Bakhtin ([1977] 1987), Freud ([1905],
1996) e Skinner (2002) e quais as principais estratégias apontadas por esses autores como
forma de suscitar o riso. Essa compreensão contribui para demonstrarmos o modo de
funcionamento do discurso humorístico
nas peças analisadas.
Daremos relevo aqui a
demonstrar, acompanhando Possenti (1998; 2010), como o enunciado funciona para produzir
o riso.
Como veremos, assim como acontece na publicidade, alguns desses autores buscaram
compreender a produção do riso estudando objetos que não teriam em si a função de fazer rir,
como é o caso da literatura e do teatro: nem todo texto literário faz rir, assim como nem toda
encenação teatral é risível. No Desencannes, por outro lado, o riso e o humor têm lugar
relevante: “Aqui, ninguém julga se a peça funcionaria. O que vale é o humor inteligente, a
sacadinha, a propaganda impublicável” (Desencannes, 2011). De acordo com autores como
Freud ([1905], 1996) e Possenti (1998), o que torna um determinado enunciado risível é a
conjunção entre conteúdo e forma de expressão, ou seja, um enunciado não é risível apenas
pelo que diz, mas também pela forma como se diz o que se diz: o humor tem, portanto, suas
técnicas.
50
4.1 Do cômico e do risível
Para Bergson (2007), o riso é expressão de uma imaginação coletiva, é socialmente
construído, vem de um contato entre inteligências. Precisa ecoar, repercutir, para sobreviver.
Rir, para o autor, é sempre uma atitude realizada em grupo. O riso oculta um acordo entre
pessoas que se identificam como pertencentes a um mesmo grupo. É fruto dessa
cumplicidade, um acordo com outros seres reais ou imaginários.
Compartilhar valores e condições sociais é considerado também requisito para a
produção do riso: “Um homem a quem perguntaram por que não chorava num sermão em que
todos derramavam lágrimas, respondeu: ‘Não sou dessa paróquia’. O que esse homem
pensava das lágrimas seria ainda mais aplicável ao riso” (BERGSON, [1900] 2007, p.5).
Sobre esse ponto, Propp ([1976] 1992) assevera que o nexo entre o objeto cômico e a pessoa
que ri não seria natural nem obrigatório. Cada época, cada povo possui seu próprio e
específico sentido de humor e de cômico, que, às vezes, é incompreensível e inacessível em
outras épocas. Ainda que esses autores não tenham estabelecido relações com os pressupostos
teóricos utilizados para a realização deste trabalho, podemos perceber aqui que noções como
condições de produção e formação discursiva concorrem para a produção ou não do riso.
Bergson ([1900], 2007) nos mostra a presença do humano como condição para a
comicidade. Para ele, o cômico é propriamente humano. Se se ri de um animal é pela
semelhança com o humano que ele carrega consigo. Ri-se daquilo que é humano, lembra o
humano ou é fruto do trabalho/ intervenção de um ser humano. O homem, mais do que um
animal que ri, é um animal que faz rir. No entanto, há uma condição especial para que o riso
possa emergir: a insensibilidade. O riso seria, assim, incompatível com a emoção. A ausência
de empatia seria, então, uma condição para o riso.
A emoção partilhada é, assim, considerada um impedimento para o riso. A
solidariedade torna as coisas mais pesadas e austeras, ao passo que o afastamento, a
insensibilidade, a neutralidade trazem leveza e são capazes de converter os maiores dramas
em comédia. Muitas ações humanas perderiam a gravidade e passariam ao divertido se
isoladas da música e das emoções. O cômico é, segundo Bergson ([1900] 2007, p.4),
essencialmente racional e para alcançá-lo plenamente é necessário anestesiar os afetos
momentaneamente. Para esse autor, o riso se dirige à inteligência pura.
Bergson ( [1900] 2007, p.7) busca demonstrar a função social do riso. Para ele, o riso
surge quando um grupo de homens volta a atenção a um deles, e lhe descobrem certa rigidez
mecânica que causa estranhamento: um homem na rua que tropeça e cai sentado, por
51
exemplo. Uma possível pedra no caminho exigia que houvesse uma mudança de atitude, um
desvio. Mas certos efeitos de rigidez e de velocidade adquiridos fazem com que os músculos
sigam executando o mesmo movimento e impedem-no de tomar atitude diferente. Daí a
queda. São essas rigidez e mecanicidade que provocam o riso. A evocação do automatismo é,
então, o que suscita o riso.
Com efeito, as noções de rigidez e mecanicidade, que se apresentam como um desvio
a ser corrigido, permeiam os três ensaios de Bergson ( [1900] 2007) a respeito do cômico e do
riso. Para o autor, o vício cômico é a personagem principal da comédia, é a própria razão de
ser da comédia. As personagens presentes num palco são meros fantoches e, se provocam riso,
é porque desconhecem a sua condição de objetos manipulados. Uma personagem é cômica na
medida em que ignora sua condição de objeto do riso alheio. O cômico seria, assim, em certa
medida, inconsciente. A personagem cômica, por sua vez, ao descobrir-se ridículo, buscará
modificar-se, ao menos exteriormente. O indivíduo vê-se obrigado a parecer o que deveria ser
na expectativa de acabar sendo-o verdadeiramente. A vida e a sociedade exigem do indivíduo
tensão e elasticidade, que, se faltam ao corpo, produzem doenças e, se faltam ao espírito,
causam indigência psicológica e variedades da loucura.
No entanto, como acentua Bergson ([1900], 2007), esses dois atributos não são
suficientes. A sociedade exige que se viva bem e que se evite o automatismo, num esforço de
ajustamento constante e recíproco. Assim, toda rigidez de caráter, do espírito, ou mesmo do
corpo resultará suspeita pela sociedade, por constituir indício possível de letargia, dormência.
O cômico revela-se, desse modo, na rigidez e o riso se apresenta como sua correção. Tal
rigidez indicará também afastamento, excentricidade, por afastar-se daquilo que é comum à
sociedade. A sociedade não tem condições de reagir a essa situação de modo material, então o
faz por meio de um gesto. Um gesto social: o riso. O riso inspira temor e esse parece um meio
eficaz de reprimir possíveis excentricidades (BERGSON, [1900] 2007).
Dessa maneira, o riso é visto de um modo geral como tendo um caráter coercitivo e se
apresenta como uma atitude social. O riso, para ser suscitado, exige como requisito para
exercer tal função a cumplicidade: daí ser um gesto social. Como veremos mais adiante,
algumas formas de suscitar o riso não podem prescindir ao menos de uma terceira pessoa,
que, agindo como cúmplice passivo, testemunhe a situação repressiva e vexatória e dela ria.
Nesse aspecto, Bergson ([1900] 2007) e também Propp ([1976], 1992) - este último com
algumas ressalvas - corroboram com a noção de que o riso castiga os costumes.
Ocorre que nem sempre o riso foi entendido como escarnecimento e derrisão, como
atestam Propp ( ([1976] 1992), Bakhtin ([1977] 1987) e, mais tarde, Skinner (2002) e Freud
52
([1927], 2013).
Entre as personagens e atitudes que podem provocar o riso, Propp ([1976] 1992)
destaca que há personagens que suscitam ao mesmo tempo riso e simpatia. Existem
personagens cômicas não somente negativas, mas positivas também. De acordo com o autor, a
comicidade dos caracteres desse tipo não surge da presença de qualidades positivas enquanto
tais, mas da precariedade e da insuficiência dessas mesmas qualidades. O riso de zombaria é
percebido, quantitativamente, como sendo muito mais frequente e constitui-se como um tipo
fundamental de riso humano. Os outros tipos seriam encontrados muito mais raramente.
Noção corroborada por Freud ([1927], 2013). Para Bergson ([1900] 2007), há pelo menos
duas categorias de riso: uma que provoca derrisão e outra que não. Quando não há o sarcasmo
e o prazer maldoso próprios do riso de zombaria, se estaria diante de um tipo de humor
atenuado e inofensivo.
Bakhtin ([1977] 1987), por sua vez, desenvolve um estudo a respeito da cultura
popular na Idade média e Renascimento em que aponta para outras facetas e funções do riso
que não a de zombaria e correção. Seu trabalho sobre a obra do escritor François Rabelais e
sobre o humor grotesco mostra como a concepção do riso se transformou através dos séculos.
O autor busca mostrar como a comicidade das obras de Rabelais foi descontextualizada. Para
isso, Bakhtin ([1977] 1987) se dispõe a mostrar a importância e influência da cultura popular
na obra grotesca rabeliana. Compreender o papel da cultura popular na literatura é, assim,
compreender o riso e a transformação de sua concepção.
A época de Rabelais, Cervantes e Shakespeare marca a mudança capital na
história do riso. Em nenhum outro aspecto, a não ser na atitude em relação
ao riso, as fronteiras que separam o século XVII e seguintes da época do
Renascimento, são tão bem marcadas, tão categóricas e nítidas (BAKHTIN,
[1977] 1987, p.57).
Bakhtin ([1977] 1987) apresenta uma visão do riso resgatada da cultura e de festas
populares. Nesse contexto, o riso apresenta-se como público, compartilhado e constituído de
uma força regeneradora, renovadora e positiva. É rebaixamento do homem a sua condição
material, entendido aqui não de forma pejorativa. Em outras palavras, trata-se da assunção do
homem da importância de seu aspecto terreno; é o contato direto do homem com seu corpo e
suas funções fisiológicas. O riso é apresentado como uma expressão de lucidez.
O riso não é forma exterior, mas uma forma interior essencial a qual não
pode ser substituída pelo sério, sob pena de destruir e desnaturalizar o
próprio conteúdo da verdade revelada por meio do riso. Esse liberta não
apenas da censura exterior, mas antes de mais nada de grande censor
53
interior, do medo do sagrado, da interdição autoritária, do passado, do poder,
medo ancorado no espírito humano há milhares de anos. O riso revelou o
princípio material e corporal sob sua verdadeira acepção. Abriu os olhos para
o novo e o futuro. Consequentemente, ele não apenas permitiu exprimir a
verdade popular antifeudal, mas também ajudou a descobri-la, a formulá-la
interiormente. Durante milhares de anos, essa verdade se formou e se
defendeu no seio do riso e das formas cômicas da festa popular. O riso
revelou de maneira nova o mundo, no seu aspecto mais alegre e mais lúcido.
Seus privilégios exteriores estão indissoluvelmente ligados às formas
interiores, constituem de alguma maneira o reconhecimento exterior desses
direitos interiores (BAKHTIN, [1977] 1987, p. 81,Grifo do autor).
A partir do século XVII, o riso perde o caráter regenerador e alegre para tornar-se
sinônimo de infamação dogmática, perdendo seu vínculo com a concepção de mundo,
passando ao domínio particular. Ainda que conserve seu enlace com o princípio material e
corporal, torna-se restrito às esferas inferiores do cotidiano (BAKHTIN, [1977] 1987).
Ocorre nesse momento um retorno à concepção aristotélica de comédia, como
representação de homens inferiores, moralmente vis. Os estudos posteriores da obra de
Rabelais revelam, segundo Bakhtin ([1977] 1987), um distanciamento do cômico e do riso
como concepção de mundo. Embora os românticos busquem retornar à comicidade e o riso,
fazem-no de um modo muito diferente destituindo-o da relação com o grotesco e com a
cultura popular da Idade Média. Para Bakhtin ([1977] 1987, p.114), os estudos do século XX,
a exemplo do realizado por Frevge, resvalam na armadilha do anacronismo.
Febvre percebe o riso de Rabelais e de sua época como um homem do século
XX, e por essa razão ele não compreende o essencial, isto é, seu caráter
universal de concepção do mundo. Ele procura a concepção do mundo do
autor apenas nas passagens em que Rabelais não ri, ou mais precisamente em
que ele, Febvre, não ouve esse riso, em que Rabelais parece completamente
sério. Quando Rabelais ri, Febvre acha que ele diverte placidamente, que ele
se entrega a brincadeiras inocentes que, como todas as brincadeiras, não
revelam absolutamente sua verdadeira concepção do mundo que só pode ser
séria. É assim que Febvre aplica ao século XVI a compreensão do riso e da
função que tem na cultura e concepção do mundo própria da época moderna
e principalmente do século XIX, ele comete, portanto, um anacronismo e
uma modernização flagrantes (BAKHTIN [1977] 1987, p.114).
Opondo-se a essa leitura, Bakhtin ([1977] 1987) mostra que o riso na Idade média tem
o mesmo objeto que o sério. Dirige-se ao estrato superior, não lhe fazendo nenhum tipo de
concessão. Ademais esse riso busca abarcar o todo, o universal, não um ou outro aspecto
particular. O riso na Idade Média, segundo Bakhtin ([1977] 1987, p.76),“constrói seu próprio
mundo contra a Igreja oficial, seu Estado contra o Estado oficial. O riso celebra sua liturgia,
confessa seu símbolo da fé, une pelos laços do matrimônio, cumpre o ritual fúnebre, redige
54
epitáfios, elege reis e bispos”.
Bakhtin ([1977] 1987) ressalta a diferença acentuada na concepção do riso na Idade
Média e no Renascimento daquela que será apresentada nas teorias do riso posteriores,
inclusive a de Bergson ([1900] 2007), que acentuam principalmente sua função depreciativa.
Tal mudança no tratamento do riso é também atestada por Skinner (2002, p. 50):
A ideia de que o riso pode ser tanto aprazível quanto desdenhoso e, assim,
pode fazer parte de uma vida propriamente “civilizada” tornara-se
largamente aceita nas primeiras décadas do século XVII. Por isso, é chocante
descobrir que, nas duas discussões mais conhecidas sobre o riso da geração
seguinte – aquela de Hobbes e Descartes-, essas suposições são deixadas
explicitamente de lado em favor de um retorno a um ponto de vista
seguramente clássico.
Skinner (2002) acrescenta ainda que, no século XVIII, o riso passa a ser tratado com
uma hostilidade ainda maior. O ato de rir, especialmente em público, foi completamente
proscrito. Para Skinner (2002), o riso teria caído em descrédito entre os escritores do
comportamento cortês devido a uma exigência de altos padrões de decoro e autocontrole da
sociedade de então. Teria-se iniciado, assim, como
um processo 'civilizador' (…) o riso começou a ser visto como um tipo de
grosseria nos dois sentidos do termo: tanto como um exemplo de incivilidade
e indelicadeza, quanto como uma reação descontrolada e, portanto, bárbara
que precisava, numa sociedade educada, ser dominada e, de preferência,
eliminada (SKINNER, p. 72, 73).
Assim, aos poucos, o riso vai perdendo espaço e ganhando novos sentidos. O ato de rir
em público passa assim a ser desestimulado e o humor, dessa forma, acaba por avançar e
circular por outros espaços sociais.
4.2 Humor e interdição
A ideia de que o discurso que suscita o riso goza de um poder dizer que ultrapassa o
bloqueio das interdições sociais, parece ser corroborada por alguns dos autores que estudam o
riso. Possenti (1998) apresenta esse fator como um argumento para o estudo de piadas:
“piadas são interessantes porque são quase sempre veículo de um discurso proibido,
subterrâneo, não oficial, que não se manifestaria, talvez, através de outras formas de coletas
de dados, como entrevistas” (POSSENTI, 1998, p.26).
Brait (2008, p.15) acrescenta que
55
o deslindamento de valores sociais, culturais , morais ou de qualquer outra
espécie parece fazer parte da natureza significante do humor. Assim sendo,
uma manifestação humorística tanto pode revelar a agressão a instituições
vigentes, quanto aspectos encobertos por discursos oficiais, cristalizados ou
tidos como sérios.
Ao tratar dos temas veiculados pelos chistes, Freud ([1905], 1996, p.103) corrobora
com tal compreensão: “um chiste nos permite explorar no inimigo algo de ridículo que não
poderíamos tratar aberta ou conscientemente, devido a obstáculos no caminho; ainda uma vez,
o chiste evitará as restrições e abrirá fontes de prazer que se tinham tornado inacessíveis”
(Grifos do autor). E acrescenta que uma das principais finalidades do chiste é tornar possível a
satisfação de um instinto - seja libidinoso seja hostil - diante de um empecilho. O chiste é uma
forma de manobrar um obstáculo e, assim, obter o prazer de uma fonte que o empecilho
tornara inacessível.
Essa, entendemos, pode ser também a razão de os discursos que suscitam o riso, tais
como as piadas, a propaganda e, certamente, as peças que analisamos neste trabalho,
operarem com muitos estereótipos. A esse respeito, Possenti (2010, p.40) acrescenta que
o estereótipo deve ser concebido como social, imaginário e construído, e se
caracteriza por ser uma redução (com frequência negativa), eventualmente
um simulacro. Assim o simulacro é uma espécie de identidade pelo avesso –
digamos, uma identidade que um grupo em princípio não assume, mas que
lhe é atribuída de um outro lugar, eventualmente, pelo seu Outro.
O sítio eletrônico Desencannes veicula muitas pérolas que provocam o riso ao fazer
uso de estereótipos, como é o caso do anúncio seguinte:
56
Fig. 8: Desencannes, 2011.
Na figura de número 8, temos uma pérola que traz a imagem do globo terrestre numa
posição que evidencia parte dos continentes americano, africano e europeu. Nessa imagem,
uma seta vermelha parte do local correspondente ao Brasil e (parece) contorna(r) o globo,
fazendo um percurso não visível ao observador e reaparece apontando para o local
correspondente a Portugal. Abaixo dessa figura, podemos ler “Voos diretos Brasil-Portugal,
todos os dias”. Tal anúncio reaparece publicado em Marx (2007, p. 94, 95) acompanhado do
seguinte comentário: “A menor distância entre dois pontos dependendo do ponto de vista”. A
pérola em questão traz assinalada como rota do voo Brasil-Portugal aquela que representa a
maior distância entre os dois países, quando a opção que proporcionaria uma viagem mais
breve seria a travessia do Oceano Atlântico em uma trajetória em linha reta.
O referido comentário acrescentado em Marx (2007) evoca ainda uma sentença
matemática que enuncia que a menor distância entre dois pontos é uma reta. Assim, a
apresentação de uma rota de voo que descreve uma trajetória curvilínea como “a menor
distância entre dois pontos dependendo do ponto de vista” pode ser lida como uma ironia que
faz referência ao estereotipo do português como indivíduo pouco inteligente e em cujo ponto
de vista uma rota curvilínea seria a opção de viagem mais breve (com menor distância) entre
Brasil e Portugal.
O recurso da ironia, ainda que não provoque por si só o riso, é largamente utilizado em
57
enunciados com fins humorísticos. Podemos verificar tal possibilidade de leitura pela
logomarca da empresa aérea TAP air Portugal trazida no canto inferior direito da pérola, que
identifica o anúncio como pertencente a uma companhia aérea portuguesa.
4.3 Temas para obtenção do riso
Propp ([1976] 1992), com o intuito de compreender o que faz rir, parte da hipótese
preliminar de que a comicidade está ligada necessariamente à vida espiritual do homem.
Diferentes situações do cômico revelam um ponto comum: o riso surge da manifestação
repentina de defeitos ocultos e inicialmente imperceptíveis. O riso é então punição dada pela
natureza por um defeito oculto ao homem. O deslocamento da atenção revela tais defeitos.
Para o autor, nem todos os defeitos provocam o riso: somente os mesquinhos.
O riso é apresentado como arma de destruição: ri-se do nu em aspecto e situação
parecidos com as em que se ri do gordo: é o princípio físico que obscurece o princípio
espiritual. A pornografia não é engraçada, mas a semi-indecência o é. Há comicidade ainda no
comer e na embriaguez. A embriaguez só é engraçada quando não é total. Não são engraçados
os bêbados, mas os ditos altos. A embriaguez que chega ao vício não poderia, segundo Propp
([1976] 1992), ser ridícula. Lembra que são comumente ridículas as funções fisiológicas
involuntárias do corpo humano: arrotos, secreções de toda espécie, funções excretórias,
soluços, cheiros, perfumes, bafo, flatulência.
Podemos encontrar afirmação semelhante em Bergson ([1900] 2007), Bakhtin ([1977]
1987), Freud ([1905], 1996) e Possenti (1998). Ao tratar do riso na Idade Média e,
especialmente, na obra rabelaisiana, Bakhtin ([1977] 1987) aponta o que chama de princípio
material e corporal como uma das principais fontes do riso. O ato de rir era liberado em
celebrações populares que sucediam algumas das importantes celebrações religiosas da época,
como a Páscoa.
Do alto do púlpito, o padre permitia-se toda espécie de histórias e
brincadeiras a fim de obrigar os paroquianos, após um longo jejum e uma
longa abstinência, a rir com alegria e esse riso era um renascimento feliz.
Essa brincadeiras e histórias alegres de tipo carnavalesco referiam-se
essencialmente à vida material e corporal (BAKHTIN, [1977] 1987, p.69).
Bakhtin ([1977] 1987) acrescenta ainda que os principais temas tratados nas obras com
o fim de suscitar o riso envolviam o comer - a glutonaria -, e o beber- a embriaguez- que eram
sempre retratados em tom hiperbólico pelos autores de obras do realismo grotesco. Com
58
efeito, é
comum encontrar esses temas nas piadas e demais textos que buscam provocar o riso. Freud
([1905], 1996, p.98), ao tratar do smut (obscenidade), observa que “o material sexual que
forma o conteúdo do smut inclui mais do que é peculiar a cada sexo; inclui também o que é
comum a ambos os sexos, a que se estende o sentimento de vergonha — vale dizer, o que é
excrementício no sentido mais amplo”.
Possenti (1998) lista os principais temas sobre os quais versam as piadas e mostra que
se destacam assuntos como sexo, loucura, desgraças e defeitos físicos e observa que, nas
piadas, são considerados defeitos a velhice, a calvície e a obesidade. Bergson ([1900] 2007)
apresenta, ao lado dos defeitos causados pelo automatismo humano, aqueles que escapam ao
controle do indivíduo, a exemplo dos defeitos físicos e psicológicos, tais como loucura,
surdez, miopia, desordens na fala etc.
Propp ([1976], 1992) acompanha esse pensamento ao afirmar que a comicidade se
apresenta na diferença. Assim, qualquer particularidade ou estranheza que distingue uma
pessoa do meio que a circunda poderia vir a torná-la ridícula. A deformidade, desse modo,
também seria considerada cômica, assim como os defeitos físicos seriam cômicos, mas
somente aqueles cuja existência e aspecto não pareçam ofensivos ou causem revolta, e ao
mesmo tempo não suscitem piedade e compaixão, o que corrobora a exigência de ausência de
empatia apontada por Bergson ([1900] 2007). De fato, é possível encontrar em muitas piadas,
assim como nas pérolas do Desencannes, muitas alusões relacionadas ao que comumente se
consideram defeitos físicos e às funções fisiológicas, sobretudo as excretoras, como pode ser
observado a seguir:
59
Fig. 9: Desencannes, 2011
A pérola acima,de número 9, apresenta uma série de cinco outdoors dispostos ao longo
de uma estrada. Podemos ver um carro ao final da estrada. O primeiro e o segundo outdoor
trazem escrita a sílaba Ga escritas em branco sobre fundo verde. O terceiro outdoor apresenta
a frase Gagueira tem cura. Na sequência, temos um quarto anúncio com o enunciado
“Fonoaudiologia Anhembi Morumbi”, em que o nome Fonoaudiologia aparece destacado em
amarelo. Por fim, a última peça traz as informações e a logomarca da Universidade Anhembi
Morumbi”.
Podemos ver tematizado nos três primeiros outdoors o tema dos defeitos físicos como
recurso para produzir humor. Ao fazer a leitura das três peças em sequência, temos uma
alusão à fala de um indivíduo que sofre de gagueira “Ga-Ga- Gagueira tem cura”. A repetição
das sílaba Ga, na segunda e terceira peças (gagueira), concorrem para a produção desse
sentido humorístico na peça da figura de número nove.
60
Fig. 10:Desencannes, 2011.
A pérola acima, figura 10, anuncia o modelo de carro Mini Cooper e exibe uma
imagem em que dois homens adultos, aparentemente portadores de nanismo, correm. Eles
trajam roupas esportivas e uma faixa na altura do peito com os números cento e um e setenta e
dois, o que sugere que disputam uma corrida. Novamente, temos a utilização do tema do
defeito físico como recurso para produzir o riso. O sentido humorístico dessa pérola se
constrói por meio da substituição da imagem do carro que estaria sendo anunciado por uma
imagem de dois corredores anões. A associação dessa imagem com o nome do carro Mini
cooper produz sentidos outros: trata-se de uma corrida em miniatura (mini). Contribui para a
produção desse sentido o fato de, em nossa sociedade, serem utilizadas termos como
pequenino, mini, nanico para referir-se aos portadores de nanismo. Tais termos costumam ser
empregados muitas vezes com sentido pejorativo. Assim, nessa leitura, Mini cooper deixa de
designar o carro para referir-se à corrida em que os participantes são anões (mini).
A pérola seguinte figura11, traz a imagem centralizada de um bonsai. Fincada na terra
do vaso, ao lado da árvore há uma placa em que podemos ler “Dia da árvore com show de
Nelson Ned”. No canto inferior esquerdo está a inscrição “21 de setembro, no Parque do
61
Ibirapuera”. No espaço reservado a esclarecimentos a respeito da pérola publicada, podemos
ler “Pequenas árvores, grandes cantores. “O Nelson Ned é o meu maior ídolo”. Esse anúncio
foi selecionado para integrar o livro e, na publicação, aparece acompanhado do seguinte
comentário “Uma homenagem a um gigante da música” (MARX 2007, p.85)
Fig. 11:Desencannes, 2011.
Nelson Ned é um cantor e também compositor brasileiro de músicas românticas. O
artista é portador de nanismo, mede cento e doze centímetros de altura. Em 1996, lançou uma
biografia cujo título faz referência a sua condição física: “O pequeno gigante da canção”.
Como podemos perceber, a imagem de Nelson Ned não aparece na propaganda. Em vez disso,
temos em destaque a fotografia de um bonsai.
O bonsai, espécie árvore anã presente na pérola acima, é cultivado artesanalmente.
Trata-se de uma árvore que tem o seu crescimento limitado propositadamente pelo homem.
No entanto, a técnica de cultivo de bonsai inclui a necessidade de que a árvore mantenha as
mesmas proporções de uma árvore grande e frondosa. A proposta é a miniaturização sem
deformidades (ARTE DO BONSAI, 2013). No entanto, apresentado no anúncio acima e
entrelaçado com outros dizeres, o bonsai contribui para a produção de um efeito de humor.
62
Nesse aspecto, podemos ver a coincidência de sentidos na aproximação da imagem do
Bonsai, árvore com o crescimento impedido por imposição do homem e a figura do anão,
deliberadamente deformado. Ademais reforçam o sentido de humor os comentários acrescidos
à pérola. Se tomados ironicamente, o sentido de humor se torna ainda mais enfático pela
interação entre a palavra gigante, a imagem de uma árvore em miniatura e a referência a um
cantor anão.
Os ditos defeitos físicos, conforme observamos anteriormente, são frequentemente
motivo de riso. O anão, assim como o gago,o cego, o surdo, é um dos personagens associados
a esse tipo de humor. Chevalier (1986) nos mostra que o anão é tido como motivo de riso há
muito tempo e que no passado teve função semelhante a que o humor e o riso têm hoje em
nossa sociedade: expressar aquilo que de outa maneira não poderia ser dito. Como explica o
autor,
2
por su libertad de lenguaje y de gestos, junto a los reyes, las damas y los
grandes de este mundo, personifican las manifestaciones incontroladas de lo
inconsciente. Se los considera irresponsables e invulnerables, pero se los
escucha con una sonrisa -como a alienados (que revelan otro mundo)- a
veces rechinante, como sonreímos- a quienes nos cantan las cuatro verdades,
es decir, toda la verdad. Se allegan entonces con la imagen del loco y del -+
bufón (CHEVALIER, 1986, p.444).
Os anões, segundo o autor, além da baixa estatura, apresentavam, frequentemente,
algum tipo de deformidade, como a corcunda. Acreditava-se que tais defeitos físicos eram um
erro da natureza ou mesmo a imputação de algum castigo por faltas cometidas. Além disso,
essas deformidades também eram atribuídas a flagelos impostos por membros poderosos da
sociedade: 3“El bajo imperio aplicaba recetas muy antiguas para fabricar monstruos y enanos.
Los enanos son también la imagen de deseos pervertidos. La compañía de enanos se convirtió
además em una moda durante el Renacimiento” (CHEVALIER, 1986, p.445). Assim, vemos a
permanência desse modo de produção de riso ainda que com algumas alterações. Ainda que
não seja frequente presenciar situações em que dizeres interditados são ouvidos da boca de
anões, a presença deste personagem segue sendo produzindo humor e evocando esses outros
sentidos que um dia estiveram mais marcadamente presentes.
2Por sua liberdade de linguagem e de gestos, junto aos reis, damas e os grandes deste mundo, personificam as
manifestações incontroladas do inconsciente. são considerados irresponsáveis e invuneráveis, mas são ouvidos
com um sorriso – como se ouve os alienados (que revelam outro mundo)- ás vezes entredenrtes, como sorrimospara quem nos diz umas verdades, quer dizer, toda a verdade. aproximam-se à imagem do louco e do bufão.
3O baixo império usava receitas muito antigas para fabricar monstros e anões, Os anões são também a imagem
de desejos pervertidos. Além disso, companhia de anões se converteu em moda durante o Renascimento.
(Tradução livre nossa).
63
O anúncio da figura de número 12, por sua vez, apresenta um tema bastante explorado
pelo discurso humorístico: as relações sexuais e a sexualidade de um modo geral. O
Desencannes divulga muitas peças que apresentam produtos como pílulas contraceptivas,
preservativos, lubrificantes íntimos, produtos de higiene íntima e outros:
Fig. 12: Desencannes, 2011.
Na peça precedente, de número 12, podemos ver a propaganda de um preservativo
masculino da marca Blowtex. A peça apresenta em letras grandes, na cor preta, centralizado, o
enunciado “Aquele dia você me esqueceu”. No canto inferior direito, a imagem de uma
embalagem do preservativo e sob ele o dizer: “Mas hoje eu lembrei de você. Feliz dia dos
pais”. A pérola em questão aborda o tema das relações sexuais sem proteção e a consequente
gravidez não planejada. O tema da gravidez indesejada/não planejada, comumente abordado
em enunciados humorísticos, aparece aqui no discurso de um suposto filho que parabeniza seu
pai pela data comemorativa do dia dos pais. Essa possibilidade de leitura se delineia a partir
da interpelação do sujeito pelo dêitico você - que convoca o interlocutor que se vê diante do
anúncio- seguida por outro dêitico eu, que poderia ser atribuído a um suposto filho que nasceu
por conta do deslize cometido pelo pai no momento da relação sexual sem proteção (você me
esqueceu). Vale notar que no enunciado “você me esqueceu” temos ainda uma ambiguidade:
poderia tratar-se do esquecimento do método contraceptivo – hipótese que pode ser sustentada
pela presença do preservativo anunciado na peça; também seria possível tratar-se do
esquecimento do risco de uma concepção bem sucedida por meio da relação sexual (me
64
esqueceu/eu lembrei de você). A essa segunda leitura pode ser acrescida a congratulação feita
ao pai pelo filho (Feliz dia dos pais).
No entanto, muitos dos discursos veiculados por enunciados de caráter chistoso não se
referem especificamente a defeitos ou mesmo às funções fisiológicas anteriormente referidas.
Esse é o caso de temas que de alguma maneira são considerados delicados e mesmo
desconfortáveis ou dolorosos pela sociedade. Quando tratados em outros tipos de discursos,
vêm geralmente envoltos de seriedade, por se tratarem, como afirma Possenti (1998, p.46), de
temas controlados por regras sociais do bom comportamento. É o caso do tema da morte ou
da iminência desta, por exemplo. Nos discursos de tom humorístico, esses temas parecem ser
tratados sem embaraços ou constrangimentos, como podemos ver nas pérolas seguintes, de
números 13 e 14.
A peça de número 13 tem como paisagem de fundo um ambiente bucólico. No centro
da peça, vê-se um homem idoso com os pés suspensos no ar, o que sugere um salto. O homem
tem um sorriso largo no rosto e os braços abertos em um gesto, que transmite alegria, leveza e
descontração. Acima da imagem do homem, podemos ler: “Câncer, eu?!”. Na parte inferior,
temos o nome da marca do produto oferecido, Lacuna inc., seguido do slogan: “Lembre-se:
com Lacuna você pode esquecer”. A pérola faz parte de um conjunto de peças cujo briefing4
propõe a divulgação de um produto fictício, o Lacuna Inc., que promete apagar lembranças
indesejáveis. O nome do produto e sua função concorrem para o sentido de promover uma
espécie de amnésia lacunar: apenas as más lembranças deverão ser apagadas.
A peça aborda a um só tempo dois temas bastante delicados em nossa sociedade: a
morte e o câncer. O câncer designa uma doença que se refere a qualquer espécie de tumor
maligno que tende a se espalhar pelo organismo e pode levar o doente à morte. É comum
encontrarmos pessoas que sequer toleram pronunciar o nome da doença, tamanho o
desconforto que a possível iminência da morte causa.
Na figura13, temos o tema da doença utilizado para produzir humor. O slogan é
construído sobre um jogo de linguagem que acentua o sentido lúdico da peça: “lembre-se:
você pode esquecer. Pode criar uma lacuna.”. O sujeito é convocado (você pode) a utilizar o
produto como subterfúgio à dor de lidar com um tema tão delicado. O anúncio acena com a
promessa de um produto que dará como recompensa a eliminação de seu sofrimento. O
produto não proporciona a cura de sua doença, mas possibilita a ignorância de uma condição
incômoda, e, portanto, a ausência da dor psíquica provocada por saber-se enfermo.
4 O Briefing é um documento utilizado nas agências de publicidade para transmitir a descrição da situação
dos objetivos e das oportunidades do cliente (empresa); Ele é a base para o processo de planejamento e
criação
65
Fig. 13:Desencannes, 2011
A pérola apresentada na figura 14 tematiza a morte e aborda outros estereótipos
bastante explorados pelo discurso do humor. Nela, podemos ver um homem idoso deitado
sobre uma cama de um quarto. Ele tem olhos fechados, veste uma camisa preta e na mesinha a
seu lado há quatro velas acesas. Do outro lado da cama, vemos uma mulher de pé, vestida de
negro, com um lenço em uma das mãos e um terço em outra. Ela é jovem, tem um leve sorriso
nos lábios e olha na direção do observador, em uma atitude que sugere cumplicidade. Na parte
superior da peça, podemos ler o slogan: 'Há males que vem para o bem...” escrito em letras
brancas e posicionado à esquerda. No canto direito inferior, temos a logomarca do produto
Sinaf seguros: em um retângulo azul, o nome “Sinaf” em caixa alta
na cor branca,
acompanhado do que parece ser uma chama e, mais abaixo,em fonte menor, lemos “seguros”.
66
Como que saindo de trás do retângulo, estão algumas notas de cinquenta reais:
Fig. 14:Desencannes, 2011.
A cena e o slogan evocam, conjuntamente, alguns discursos que operam com fortes
estereótipos explorados nas piadas e demais discursos de tom humorístico em nossa
sociedade. O slogan é uma retomada de um provérbio popular “Há males que vêm para o
bem...”. Tal provérbio costuma ser aplicado em situações em que um indivíduo passa por
algum tipo de infortúnio e é consolado pela ideia de que, naquele evento, há algo de
proveitoso, de bom que pode ser extraído, seja um aprendizado, seja um novo caminho que se
lhe apresenta.
No entanto, o olhar e o sorriso nos lábios da provável viúva nos remetem a outros
sentidos atestados por piadas e provérbios que constroem a imagem da mulher jovem que se
relaciona com um homem mais velho como a de alguém que está seguramente mais atraída
pelo dinheiro e segurança do que pelo amor. Essa mudança de domínio discursivo é reforçada
por esse mesmo provérbio que, no cenário da peça em questão, ganha uma nuance irônica. O
provérbio, que costuma figurar em situações que sugerem consolo, aparece nesta pérola sob a
forma de ironia reforçada pelo olhar da possível jovem viúva que solicita cumplicidade. Por
67
meio da ironia, o sujeito é levado a tomar parte nesse gesto de interpretação, que apresenta a
morte do marido de idade avançada não como uma situação que inspira pesar e consternação,
mas alívio e lucro.
Muitas das vezes, a mulher é apresentada como objeto e moeda de troca por parentes.
Essa imagem do papel da mulher em alguns tipos de relacionamento é atestada em provérbios
como: “Homem velho e mulher nova, ou corno ou cova”, ou em piadas como as seguintes,
selecionadas por Folkis (2004)
1.Não sei que hei de dar a minha esposa no dia do seu aniversário.
- E por que não lhe perguntas o que ela deseja?
-Oh! Não. O meu dinheiro não dá para tanto. (JM, 12/12/1940)
2.O marido: - Morreu o capitalista Amaral e deixou dois mil contos
para a viúva. Tu não tens inveja?
A esposa: - Não. Eu não quero ser viúva de ninguém... Só de ti,
unicamente. (JM – 21/05/1942).
3- Eu venho pedir-lhe a mão de sua filha. Ganho o suficiente para sustentar
uma família.
- Está muito bem; eu a concedo. Mas previno-o de que somos oito. (JM 19/09/1940).
4. A noiva: - Ele é baixo, gordo, careca e tem meio milhão de contos.
As amigas (em coro): - Oh! Luiza, que sorte a tua! (JM - 13/8/1942)
Assim, esses dizeres que circulam em nossa sociedade sob a forma dos mais variados
discursos nos autorizam a atribuir esses sentidos à pérola acima, que mobiliza esses discursos
estereotipados a respeito da mulher. Nessa pérola, temos uma possível viúva jovem de um
homem mais velho. Ela está em uma cena que sugere luto, porém suas feições não sugerem
pesar, mas satisfação. O slogan, assim como o logo do produto, rodeado de notas de cinquenta
reais, reforçam esses sentidos: a morte do marido é um mal apenas aparente: a jovem esposa
será recompensada com a percepção do valor do seguro de vida de seu cônjuge.
No entanto, poderíamos ainda ver os sentidos deslizarem dessa FD que enuncia tais
juízos a respeito de casamentos entre mulheres jovens e homens de idade avançada para uma
outra FD: a que trata de relações entre pais e filhos. De fato, não há impedimentos para a
circulação desse sentido na peça em questão. A aparente diferença de idade ente a jovem e o
homem idoso poderia sugerir tratar-se não de marido e mulher, mas de pai e filha. Nesse caso,
a motivação financeira estaria mantida, mas o discurso da traição conjugal e do casamento por
interesse não.
Para Mussalim (1996), ao propor uma leitura unívoca da representação e papel da
mulher na sociedade, a publicidade mutila a individualidade do sujeito que ocupa a posição de
consumidor, uma vez que impõe padrões físicos, morais e de comportamento a serem
68
seguidos. Desse modo, o sujeito é reduzido a um tipo pré-construído que funciona pela
tentativa de silenciamento, dentro do próprio discurso veiculado, de tudo que possa se
apresentar como contraditório ao padrão ali estabelecido. Esse fechamento do discurso é,
assim, um modo de evitar qualquer tipo de réplica ou contestação. Nesse sentido, apesar de a
peça não se configurar como um anúncio publicitário efetivo, com fins comerciais, opera com
estratégias discursivas semelhantes.
4.4 Dos mecanismos de produção do riso
Bergson ([1900], 2007) se propõe a determinar os procedimentos de fabricação da
comicidade. A repetição e a inversão são apresentadas como dois procedimentos eficazes na
produção do riso. Trata-se de por o mundo às avessas. O réu que dá lição de moral no juiz e
da criança que pretende dar lições aos pais, por exemplo, são casos de inversão de papéis e de
uma situação que se volta a quem a criou.
A interferência de séries é outro mecanismo de produção do cômico. De acordo com
Bergson ([1900], 2007), uma situação é sempre cômica quando pertence simultaneamente a
duas séries de acontecimentos independentes e pode ser interpretada ao mesmo tempo em
sentidos distintos. É o riso do quiproquó. O mal entendido também estaria nessa categoria.
Assim, a pérola de número 2 (Chegamos ao fundo do poço), apresentada na primeira seção,
representaria este tipo de mecanismo.
Esse mesmo mecanismo é destacado por Possenti (1998), quando mostra que uma
piada traz um texto compatível com mais de um script, ou seja, há ao menos duas leituras
possíveis e, para que a piada funcione, o leitor/ouvinte deve descobrir aquela menos evidente.
A ironia é um mecanismo de linguagem que faz uso desse duplo script, e conta com a
participação efetiva do leitor/enunciatário para produzir determinados efeitos de sentido.
Segundo Brait (2008, p.34),
há ainda outros a serem sublinhados: a ideia de contradição, de duplicidade
como traço essencial a um modo de discurso dialeticamente articulado, o
distanciamento entre o que é dito e o que o enunciador pretende que seja
entendido; a expectativa da existência de um leitor capaz de captar a
ambiguidade propositalmente contraditória desse discurso (destaque da
autora)
A figura 15 apresenta a propaganda de cigarros de chocolate da marca comercial Pan
com o enunciado “o que não mata engorda”, que retoma um dito popular idêntico. Esse
enunciado estabelece um jogo com os discursos que se referem ao consumo de tabaco
69
(cigarros) e que podem ser recuperados em enunciados como os veiculados em propagandas
promovidas pelo Ministério da Saúde no Brasil: “O ministério da saúde adverte: fumar é
prejudicial à saúde” ou “fumar causa aborto espontâneo” ou ainda “fumar causa câncer de
pulmão”.
Fig. 15: Desencannes, 2011
A associação do uso prolongado de cigarro com a morte é trazida nessa peça que
mostra que o cigarro de chocolate (o que não mata) pode provocar aumento de peso
(engorda). No canto inferior da pérola, acompanhado da marca Pan, podemos ler “Cigarros de
chocolate. Para você não se queimar”. Mais uma vez, temos um jogo com dois scripts ou duas
séries. O sujeito é convocado (para você) a fazer uso do cigarro de chocolate, pois esse não
queima como o cigarro de tabaco que necessita de fogo para ser aceso. Mas, ao mesmo tempo,
a expressão “se queimar” retoma também o sentido de perder prestígio, credibilidade. Se, há
algumas décadas, o uso do cigarro estava ligado a valores como liberdade, charme e prestígio
- como atestam os slogans de propagandas efetivamente veiculadas, como “Charm. O
importante é ter charme”, “Camel". O sabor de uma nova aventura”, “Hollywood. O
sucesso”- atualmente, seu consumo é desaconselhado e mal visto, o que é evocado em “para
você não se queimar” (ALMANAQUE, 2011).
A respeito desse fenômeno de superposição de dois enunciados, ao analisar um chiste,
Freud ([1905], 1996, p.31) observa:
70
Ora, este comentário por nada é um chiste. Nem é um chiste a bela analogia
de Goethe, que decertos não foi calculada com o objetivo de fazer-nos rir.
Exclusivamente quando esses dois fatos são postos em conexão entre si,
submetidos ao peculiar processo de condensação e fusão, o chiste emerge e
um chiste da primeira ordem.
Freud ([1905], 1996) apresenta, além da condensação, outras técnicas de produção de
chistes, como a condensação acompanhada de leve modificação e o uso múltiplo de um
mesmo material. Tais técnicas poderiam ser assim esquematizadas, como propõe o autor:
1.
Condensação
a) Com formação pela palavra composta
b)Com modificação
2.
Múltiplo uso do mesmo material
c)como um todo e suas partes
d) em ordem diferente
e) com leve modificação (FREUD, ([1905], 1996 p.42)
É possível encontrar pérolas e slogans (S) que fazem uso de algumas dessas técnicas:
Produto: Fixador de próteses dentárias Corega
S1: Com Corega a sua dentadura não escorrega.
Criador: Huston Raquer Stehling
S2: Arroz Tio João: um amido para toda hora
S3:Paixão de Cristo II. Se você gostou do primeiro, vai amar o próximo.
(MARX, 2007, p. 138, 139)
Para Freud ([1905], 1996), em casos de condensação com leve modificação, como
ocorre no slogan (S1) na citação precedente, quanto mais sutil for a modificação, melhor será
o chiste.
No slogan referido, ocorre uma sutil alteração no termo escorrega, que se
transforma em escorega . O enunciado que faz referência a um fixador de prótese dentária se
superpõe a “Com Corega sua dentadura não escorrega”, de modo a deixar entrever que o
verbo escorregar passa a portar o nome da marca (esCorega). Processo semelhante ocorre em
S2: “Arroz Tio João. Um amido para toda hora” e em S3: “Paixão de Cristo II. Se você gostou
do primeiro, vai amar o próximo”, em que se alude àquele que é considerado pelo discurso
religioso cristão como um dos mais importantes dos mandamentos divinos: “Amar o próximo
como a si mesmo”
Sobre os casos de uso múltiplo do mesmo material, Freud destaca ser essa uma
categoria que comporta subcategorias que, de um modo geral, fazem uso do duplo sentido
seja a partir de nomes próprios, seja com o jogo entre o sentido tido como literal e o
71
considerado metafórico ou mesmo os jogos de palavras, como ocorre na ilustração de número
nove. A pérola 15 apresenta, sobre um fundo na cor marrom que se assemelha à textura da
pele curtida de um animal, o seguinte enunciado destacado em letras brancas “Se sua
namorada não dava no couro, agora ela vai dar”. Na parte inferior da peça, centralizada, em
tamanho menor, temos a imagem de um carro acompanhada do dizer: “Golf Generation.
Agora com banco de couro da fábrica”. Logo ao lado, no canto inferior direito da peça, vemos
ainda o logotipo da marca da fábrica de carros Wolkswagen:
Fig. 16: Desencannes, 2011
A figura de número 15 traz uma propaganda que é uma dentre as muitas que operam
com duplo sentido. Mais do que isso, podemos observar que as pérolas com algum tipo de
conotação sexual são muito comuns e aparecem em grande quantidade. Em Marx (2007), há
uma seção dedicada às perolas cujo tema é sexo. No entanto, ao observarmos mais
detidamente, verificamos que as pérolas que de algum modo tratam de temas sexuais estão
também distribuídas em outras seções. Freud ([1905], 1996, p.109) assinala que “não existe
reivindicação mais pessoal que a da liberdade sexual e em nenhum outro ponto a civilização
exerceu supressão mais severa que na esfera da sexualidade”. É possível que tal supressão
seja o motivo da preferência pelos trocadilhos e duplos sentidos de natureza sexual. A pérola
precedente opera um jogo com a expressão popular “dar no couro” utilizada em situações
informais com o sentido de estar disponível e ser bem sucedido em um ato sexual, revelar um
desempenho satisfatório. Ademais, o verbo dar tem entre suas acepções a de “consentir em ter
relação sexual”, conforme registrado em Caldas (2011). Essa acepção é apresentada pelo
72
dicionário como um uso tabu do verbo que é utilizado geralmente para referir-se à conduta da
mulher (consentir ou não o ato sexual).
Desse modo, o que temos, inicialmente, é uma articulação entre a namorada que
consente o ato sexual e mostra-se disponível para tal ato que resulta satisfatório. Ocorre,
porém, que o mote para o enunciado dessa pérola é o anúncio de um novo modelo de carro da
marca comercial Wolkswagen que divulga como item de série os bancos revestidos de couro
(“agora com bancos de couro de fábrica”). Esse enunciado, reforçado pela imagem de fundo
que se assemelha a um retalho de pele de animal curtido (couro) empreende um diálogo com
o dizer anterior e seus possíveis sentidos. Assim alguns dos sentidos que poderíamos
apreender nessa peça seriam se sua namorada não assente em realizar o ato sexual, dentro de
um carro com bancos de couro (dar no couro), agora ela irá concordar (ela vai dar). Ou se sua
namorada não podia realizar o ato sexual em um carro com banco de couro (caso em que não
haveria a posse do veículo), agora ela poderá fazê-lo.
O investimento do caráter polissêmico do verbo dar para construir piadas, slogans,
provérbios e demais enunciados que podem adquirir um sentido humorístico é comum e
costuma lograr êxito. Gatti (2007), em estudo sobre o humor em provérbios alterados, elenca
uma quantidade significativa de provérbios que, alterados, funcionam pelo duplo sentido do
verbo dar e evocam um sentido sexual. O autor analisa provérbios como “é dando que se
engravida”, “é dando que se ganha má fama” e “quem dá as pobres cria os filhos sozinha”
que dialogam com o provérbio “É dando que se recebe”, provérbio esse que enuncia um dos
valores (virtudes) difundidos entre os cristãos: a caridade. Apesar de os provérbios alterados
atestarem que, de fato, o mais comum é que o verbo dar refira-se especialmente à conduta
feminina, há algumas exceções como em “Quem dá aos pobres nunca será uma bicha rica”.
Sobre esses provérbios, Gatti (2007, p. 83) observa:
Podemos afirmar que, se enunciados como esses sobrevivem ainda hoje na
sociedade, é porque as coisas não estão absolutamente resolvidas (talvez
nunca estejam...)no campo da sexualidade.
Para os discursos que se inscrevem nessa tendência conservadora (ou
machista)
sobre a sexualidade, a figura feminina, ou melhor, a figura da boa moça,
sempre está associada à virgindade, à pureza, etc. Quando um desses traços
foge dessa convenção há uma repreensão discursiva estabelecida, ou seja,
para as mulheres que não se mantêm“puras”, os adjetivos que serão
atribuídos a elas serão sempre pejorativos. (…) Dessa forma, praticar um ato
sexual, para uma mulher, no discurso do PA, significa ganhar má fama, ou
seja, na sociedade em que tal discurso circula, provavelmente (ou
certamente), a mulher não possui a mesma liberdade sexual que o homem.
73
A exploração do caráter polissêmico das palavras é um recurso dos mais eficazes para
produzir o deslizamentos de sentido de um dada FD para a outra, nesse caso, a FD do humor.
4.5 Dos humores da língua
Passemos, então, a verificar mais detidamente o que há de linguístico na produção do
riso. Possenti (1998) propõe o estudo de piadas com o fim de descrever as chaves linguísticas
que são o meio que desencadeia nosso riso. Os ingredientes linguísticos das piadas são, assim,
seu principal foco. Em outras palavras, a pergunta linguística que o autor busca responder é
qual a característica textual, verbal da piada?
De acordo com o autor (1998, p. 27),
é possível tentar classificar piadas com base no nível, ou melhor, no
mecanismo linguístico que é posto em causa de maneira central (embora
toda a tentativa de classificação acabe falhando, pelo fato fundamental de
que as piadas em geral acionam mais de um mecanismo simultaneamente).
Poder-se-ia falar de piadas fonológicas, morfológicas, sintáticas, lexicais etc.
Mas, o que se lerá a seguir é mais um esboço de enumeração dos
mecanismos envolvidos nas piadas, ou para cuja elucidação elas poderiam
contribuir, do que propriamente uma tentativa de classificação. Começo
pelos clássicos níveis linguísticos.
Inicialmente, Possenti (1998) propõe a análise fonológica da piada: “- Sabe o que o
passarinho disse pra passarinha?/ -Não./ - Qué danoninho?”. Do ponto de vista linguístico,
essa piada tematiza as possibilidades de leitura da sequência danoninho que “pode ser lida
como numa só palavra, significando um pote pequeno de danone (danoninho), ou,
alternativamente, como “que(r) da(r) no ninho”, ou seja, como uma cantada que o passarinho
passa na passarinha”, explica Possenti (1998, p.28). Novamente, temos, nesse exemplo, a
acepção sexual do verbo dar, caso em que a sequência é lida como danoninho, os acentos
seriam representados da seguinte maneira [dànonínho], em que a sílaba de maior saliência
recebe o acento agudo e a de menor saliência, o acento grave. Mas para que a referida
sequência possa ser lida como uma “cantada” do passarinho (dar+no+ninho), seria necessário
representá-la com dois acentos principais: [dánonínho]. Ademais, como observa Possenti
(1998), é preciso para que tal leitura seja possível que a sequência seja lida sem nasalização
[dãnoninho], caso em que o da não poderia ser considerado uma palavra (verbo dar), o que
inviabilizaria a leitura do enunciado como humorístico.
Situação semelhante ocorre na pérola seguinte, em que o duplo sentido é explicitado
na sequência de imagens. Nesse caso, temos uma peça que se assemelha às tirinhas de jornal:
74
o texto é construído em três imagens. Na primeira, podemos ver um pássaro com um laço na
cabeça, o que sugere tratar-se de uma fêmea. Diante dela, um pássaro sem nenhum adorno que
pergunta: “Quer da no ninho?”. Na imagem seguinte, logo abaixo, a passarinha desfere um
tapa no passarinho e exclama: “Tarado!”. Na última cena, vemos o passarinho sozinho com
um hematoma roxo ao redor do olho, carregando uma embalagem de iogurte danoninho da
marca comercial Danone, aparentemente, lamentar “Mulheres...”.
Fig. 17: Desenhell, 2011.
Na pérola em questão, temos o mal entendido esclarecido pela sequência dos
acontecimentos. No entanto, se observarmos, veremos que a sequência (quer da no ninho) é
representada de forma a dar espaço para a leitura feita pela passarinha do dar com a acepção
de praticar o ato sexual. No terceiro momento, se mostra que a passarinha compreendeu mal a
proposta do passarinho: tudo não passou de um mal entendido.
A pérola da figura de número 18, por sua vez, também oferece possibilidades de
leitura diferentes
75
Fig. 18: Desencannes, 2011.
No caso da pérola da figura 18, temos o uso do recurso de montagem: a imagem de um
ninho de pássaros dentro do qual podem ser vistas duas peças confeccionadas nas cores azul e
vermelho no formato das letras d e a dispostas nessa mesma ordem, formando a sílaba da.
Nesse anúncio, temos, novamente, para que o efeito de sentido humorístico possa ser
construído, a necessidade de que não haja nasalização. Desconsideramos, portanto, a
realização de [dãnoninho]. O que temos aqui é a trama de Danoninho marca comercial e da
possível segmentação entre da+ no +ninho, ou seja, a sílaba da localizada dentro do ninho.
Além disso, a pérola dialoga com outros dizeres humorísticos – como os mais acima
apresentados - e, dessa forma, recupera como efeito de sentido de humor a sequência
dar+no+ninho.
Possenti (1998) apresenta as possibilidades de avaliar as piadas em seu aspecto
morfológico:
Na verdade, a piada anterior poderia ser considerada morfológica, na medida
em que seu problema é a divisão de palavras. Bastaria pôr em primeiro plano
a formação de uma sequencia (danone+inho) ao lado da outra (da(r)
+no+ninho), para que isso fique evidente.”
No caso da piada anterior, a sequencia em questão seria (da+ no+ ninho). E
para essa leitura não se admitiria que a sílaba “da” fosse nasalizada
(POSSENTI,1998, p.30).
Do ponto de vista lexical, as piadas também poderiam ser analisadas considerando as
diferentes acepções nas diversas situações em que as palavras podem ser empregadas. Com
76
efeito, boa parte das piadas que fazem uso do duplo sentido estão ancoradas na polissemia das
palavras, baseiam-se no recurso da ambiguidade lexical:
Fig. 19: Desencannes, 2011
Na figura de número 19, pérola vencedora do concurso Desencannes 2006, temos um
caso de enunciado humorístico construído pelo recurso lexical. O concurso realizado em 2006
foi temático: para participar da seleção, os candidatos deveriam seguir as orientações
constantes no briefing. O produto, uma pílula contraceptiva de emergência, deveria ter como
marca fantasia o nome Post-dril. Na pérola acima, temos a imagem de uma caixa de
medicamento da marca Post dril disposta no canto inferior direito da peça acompanhada da
informação “pílula do dia seguinte”. Acima, em tamanho destacado do lado direito, a palavra
Evita e, à esquerda, uma fotografia em preto e branco de uma mulher que sorri: Eva Perón,
atriz e figura política argentina.
Nesse anúncio, podemos perceber como a memória discursiva, concebida nos moldes
da AD como social e ideológica, se estabelece em redes que concorrem para que alguns
sentidos sejam evidenciados e outros apagados. Esse jogo de evidência e apagamento permitenos perceber como a repetibilidade, sob a qual está fundamentado todo e qualquer discurso,
pode permitir um deslizamento de sentidos tal que proporcione o surgimento de outras
77
posições sujeitos que podem vir a provocar conflitos dentro de uma mesma FD ou mesmo a
migração para uma FD distinta.
Maria Eva Duarte, Evita, nasceu na Argentina em situação de extrema pobreza. Na
juventude, mudou-se para a capital e engajou-se nas causas em favor das classes mais
desfavorecidas e uniu-se a Juan Perón, que logo se tornaria presidente daquele país. Ao lado
do marido, membro do partido laborista (partido dos trabalhadores) da Argentina, Eva
construiu asilos, orfanatos, abrigos para desempregados e escolas de enfermagem que levaram
seu nome. Seu trabalho junto aos pobres lhe rendeu títulos como la abanderada de los
pobres (defensora dos pobres), la dama de la beneficencia. Eva, no entanto, era uma figura
bastante polêmica. Os militares a consideravam um elemento subversivo.
Eva morreu por complicações decorrentes de um câncer em 26 de julho de 1952. Sua
morte causou grande comoção entre uma parte bastante significativa da população argentina.
Seu corpo foi velado durante quinze dias e, por medo de que as homenagens e peregrinações a
seu túmulo se estendessem por mais tempo fazendo de Eva um mito, os militares, então no
poder, decidiram por esconder o seu corpo. Eva Perón foi embalsamada e permaneceu sem
túmulo definitivo por cerca de 20 anos. Seu corpo chegou a ser retirado da Argentina e
enviado a Roma, onde foi sepultado sob o nome falso de Maria Maggi de Maggistris, em
1971, catorze anos depois de sua morte. Essas resoluções e a tentativa de negar-lhe um nome
e um local de sepultamento, no entanto, serviram apenas para fortalecer a imagem de Evita
como um mito a ser venerado pelos argentinos. Eva é ainda hoje considerada no país como a
mulher mais amada da Argentina.
Podemos dizer que, no interdiscurso, estão todos os sentidos possíveis de ser
enunciados. Tudo aquilo que pode vir a ser dito, todos os dizeres que poderiam fazer parte de
qualquer FD que venha a se materializar e mesmo aquele que por força de mudanças
conjunturais deixaram de circular livremente. Pode-se perceber que, no imaginário de boa
parte do povo argentino, Eva é um símbolo que inspira grande respeito. No entanto, a história
de Evita não tem a mesma representatividade para o povo brasileiro. Na pérola de número 18,
vemos uma repetição que revela um deslocamento substancial de sentido. Aparentemente,
poderíamos pensar em paráfrase, uma vez que estamos diante de uma peça que traz a
fotografia de Eva Perón e uma palavra que designa o seu apelido mais famoso. O sufixo -ita
em língua espanhola denota, assim como o seu equivalente mais comum, -inha, em língua
portuguesa, afetuosidade.
Até este ponto, poderíamos considerar o efeito parafrástico do discurso. Ocorre que há
outros elementos a ser considerados na constituição de sentidos da peça em questão: a
78
presença da caixa de medicamento contraceptivo.
A presença concomitante da figura de Eva Perón e da pílula do dia seguinte é
entrelaçada pela palavra Evita que tanto pode designar o diminutivo do nome Eva, usado
como apelido afetuoso como pode referir ao verbo Evitar. À polissemia da palavra, podemos
acrescentar um efeito de polissemia do discurso, como pensado em AD: uma aparente
repetição-coincidência faz deslizar os sentidos e produz um efeito de humor. Assim, a peça
produz um efeito de dessacralização, uma vez que o humor tem como um de seus propósitos a
irreverência em busca por extravasar aquilo que não pode ser dito de outra maneira ou em
outras estâncias discursivas. O humor faz circular sentidos que, como nos mostra Freud
([1905], 1996) não poderiam emergir de outro modo. Ao mesmo tempo, ainda que para os
brasileiros a figura e a importância de Eva Perón não sejam tão vivas e claras, à revelia, aquilo
que se buscou silenciar, a figura da mulher que foi ocultada após o golpe militar, que então
não deveria ser sequer nomeada, ressurge em outros espaços discursivos em pleno século
XXI. Isso nos mostra que, ainda que um dado discurso e sentido seja desautorizado e
apagado, não deixa de existir e pode voltar a circular de modos inesperados. O sujeito não
pode conter os sentidos.
A ambiguidade, já foi anteriormente apontada por Freud ([1905], 1996) como
mecanismo de condensação, por Bergson ([1900], 2007) e por Possenti (1998) ao tratá-la
como a operação de dois scripts, como vimos mais acima. Em Marx (2007, p.84), essa pérola
está publicada acrescida do seguinte comentário: “Uma campanha de cunho social: incentiva
uma menor produção de argentinos no mundo”. Tal informação traz consigo uma espécie de
isca que funciona como uma pista que orienta o sentido menos óbvio - ou segundo scrpit ,
como sugere Possenti (1998)- e ajuda a produzir o sentido humorístico da pérola, que traz a
imagem de uma famosa figura feminina de nacionalidade argentina.
O comentário evoca ainda a rivalidade entre brasileiros e argentinos muito difundida
em piadas. Como observa Possenti (1998), além de rivais dos brasileiros no futebol,
argentinos são descritos nas piadas como arrogantes e presunçosos. Esses sentidos podem ser
resgatados em piadas como:
P: O que se joga pra um argentino quando ele está se afogando?
R: O resto da família.
P: Como se faz para reconhecer um argentino em uma livraria?
R: Ele é o que pede o mapa-mundi de Buenos Aires.”,
P: Qual a semelhança entre um argentino humilde e o Super-Homem?
R: Nenhum dos dois existe (PIADASNET, 2011).
79
Possenti (1998) destaca ainda que problemas comuns à tradução, à dêixis, à variação
linguística e a aspectos da sintaxe são os ingredientes em que muitas piadas se alicerçam. O
autor ressalta que comumente as piadas fazem uso de mais de um aspecto da língua.
Conforme apresentamos, os motivos para a obtenção do riso bem como suas técnicas
são muito variados. Bergson ([1900], 2007) e Propp ([1976] 1992), embora admitam que é
possível produzir um riso que não tenha como finalidade específica escarnecer do objeto de
riso, concordam em que esse é o tipo mais frequente de humor presente em nossa sociedade.
Por outro lado, cremos ser importante observar que Freud nos apresenta anos após sua
publicação sobre o estudo de chistes uma outra forma de obtenção do riso. Para o autor,
enquanto o chiste é uma forma de extravasar uma emoção que de outro modo não poderia ser
expressa, a raiva e a agressividade, por exemplo, o humor se processa de uma outra forma e é,
inclusive, do âmbito de uma instância psíquica distinta. Enquanto o chiste responderia pelos
apelos do id, o humor seria uma manifestação do superego. Se por um lado, o chiste
extravasa, por outro, o humor serve à economia dos afetos.
Dessa forma, para o autor, o humor é uma das formas que o superego encontra para
poupar o ego do sofrimento. E acrescenta Freud (1927, [2013]):
É verdade que o prazer humorístico jamais alcança a intensidade do prazer
do cômico ou dos chistes, que jamais encontra vazão no riso cordial.
Também é verdade que, ocasionando a atitude humorística, o superego está
realmente repudiando a realidade e servindo a uma ilusão. Entretanto (sem
saber exatamente por quê),encaramos esse prazer menos intenso como
possuindo um caráter de valor muito alto; sentimos que ele é especialmente
liberador e enobrecedor. Além disso, a pilhéria feita por humor não é o
essencial. Ela tem apenas o valor de algo preliminar. O principal é a intenção
que o humor transmite, esteja agindo em relação quer ao eu quer as outras
pessoas. Significa: ‘Olhem! Aqui está o mundo, que parece tão perigoso!
Não passa de um jogo de crianças, digno apenas de que sobre ele se faça
uma pilhéria!’”
Assim, encontramos também no estudo dos autores aqui apresentados a presença de
um riso mais cordial e que goza de um trânsito mais livre, bem como do riso com efeito
estruturador que se perdeu com o tempo, como nos mostra Bakhtin ([1977] 1987). No
entanto, como podemos perceber, o humor de um modo geral e o riso tem circulado em
nossos dias por espaços não-oficiais, não-institucionalizados e como aponta Possenti (1998)
há uma certa resistência em aceitá-lo como objeto de estudo, embora, como demonstra esse
autor em seus trabalhos, pesquisar tal tema seja perfeitamente possível.
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5 CONCLUSÃO
A compreensão do modo de funcionamento do discurso publicitário bem como dos
traços que lhe são característicos permitiram estabelecer em que consiste sua Formação
discursiva e quais os sentidos por ela privilegiados. Aliado a isso, a busca por compreender o
humor e o riso, assim como seus efeitos e suas técnicas permitiram a criação das condições
necessárias para que as análises pudessem ser realizadas.
A fim de criar o suporte necessário às análises, entrecruzamos os conceitos a respeito
das esferas discursivas da publicidade e do humor e riso. Apoiados no referencial teórico
ofertado pela Análise de discurso pecheutiana, percebemos em que momentos as pérolas aqui
analisadas se aproximavam ou mesmo coincidiam com os
saberes presentes na FD do
discurso publicitário e em quais pontos o conflito surgia de forma a ameaçar romper com essa
FD.
As análises permitiram expor os sentidos possíveis das propagandas proibidas. Mais
do que isso, permitiram perceber o trabalho da ideologia e do inconsciente sobre o sujeito e
seu discurso. Ao atribuir o adjetivos de impublicáveis e proféticas a suas peças, o sujeito
esquece de que muitos dos sentidos produzidos por elas já estiveram em circulação.
O que poderíamos dizer a respeito das pérolas do Desencannes é que dizeres que
foram banidos do discurso publicitário encontraram outra via para se fazerem presentes. Já
não são veiculados na mídia considerada convencional, mas continuam sendo enunciados de
dentro da FD do discurso publicitário, ou seja, o espaço de veiculação, nas atuais Condições
de produção tornou-se mais restrito. Mas esses dizeres sobrevivem transitando por outros
lugares e tem como grande aliada a rede mundial de computadores.
Assim, o que o sujeito apresenta como uma ruptura com a FD do discurso publicitário
não é mais do que uma das muitas facetas, ou melhor, das muitas posições que esse sujeito
pode assumir dentro dessa FD para produzir sentidos por meio de seu discurso. Ainda que
haja um conflito com a posição-sujeito que melhor se alinha à Forma-sujeito, entendemos que
isso não é suficiente para estabelecer uma ruptura.
Lembramos que a aprovação de algumas pérolas no Festival de Cannes indica que,
apesar dos conflitos citados, a FD do discurso publicitário carrega nas atuais Condições de
produção a possibilidade de abrigar os sentidos produzidos por essas pérolas. Desse modo,
constatamos a relação de embate das pérolas do Desencannes com alguns dos traços do
discurso publicitário, mas não a ruptura com a FD que lhe deu origem.
Poderíamos dizer que, assim como o riso precisou encontrar outros meios para fluir,
81
alguns dos sentidos antes plenamente aceitos no discurso publicitário precisaram encontrar
outras vias para sobreviver. Sendo assim, não estamos diante do novo e do inédito, mas do jáconhecido (porém esquecido) circulando por outras sendas da Formação discursiva
publicitária.
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