Full Dent. Sci. 2014; 5(19):507-510.
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Fratura radicular horizontal – relato de caso
Horizontal root fracture – case report
Franciele de Freitas Lima1
Egas Moniz de Aragão2
Maria Isabel Anastacio Faria2
Alexandre Roberto Heck2
Resumo
O objetivo do presente trabalho é relatar um caso de fratura radicular horizontal tratada
com Ca(OH)2 e obturada com MTA. Paciente do sexo feminino, 20 anos, apresentou-se para
tratamento queixando-se de dor e discreta mobilidade no dente 21. A paciente relatou ter
sofrido uma queda há 2 meses e batido a boca. No exame clínico, observou-se que o dente
21 apresentava discreta mobilidade e alteração de cor, dor moderada na percussão vertical
e horizontal, ausência de vitalidade pulpar, aspecto e coloração gengival normais, ausência
de deslocamento da porção coronária e coroa do dente hígida. O exame radiográfico revelou
fratura horizontal no terço médio desta raiz. Foi realizado o tratamento endodôntico do segmento radicular coronário à linha de fratura, sendo o canal radicular esvaziado, modelado e
preenchido com Ca(OH)2 a 1 mm aquém da linha de fratura. Este foi trocado com intervalos
trimestrais até completar 1 ano e 3 meses. Com o auxílio de um microscópio clínico, foi realizado o preenchimento total do segmento radicular coronário à linha de fratura com MTA.
Após 20 meses, o dente encontra-se assintomático e, radiograficamente, com presença de
lâmina dura e ausência total de infecção. Concluiu-se que o MTA é viável para obturação do
remanescente coronário em um caso de fratura do terço médio radicular.
Descritores: Endodontia, fraturas dos dentes, traumatismos dentários.
Abstract
The aim of this study was to report a case of horizontal root fracture treated with Ca(OH)2
and filled with MTA. The patient, a 20 year-old woman, presented for treatment complaining
of pain and discrete mobility of tooth 21. The patient reported that she hit her mouth on an
accidental fall 2 months before. During intra-oral examination it was observed that the tooth
21 presented discrete mobility and color alteration, moderate pain on vertical and horizontal
percussion, negative response to vitality test, normal gingival aspect and coloring, no displacement of coronal portion, and the crown was healthy. Radiographic examination showed
horizontal fracture in the middle third of this root. Access cavity and chemical-mechanical
preparation were performed to 1 mm short of the fracture line, and Ca(OH)2 was used for
intra-canal dressing. Using a clinical microscope, the coronal portion of the canal was filled
with MTA. After 20 months the tooth is asymptomatic; radiograph showed complete healing
1
2
Esp. em Endodontia – UFPR.
Prof. Adjunto – UFPR.
E-mail do autor: [email protected]
Recebido para publicação: 14/12/2012
Aprovado para publicação: 17/05/2013
Como citar este artigo:
Lima FF, Aragão EM, Faria MIA, Heck AR. Fratura radicular horizontal – relato de caso. Full Dent. Sci. 2014; 5(19):507-510.
Relato de caso / Case report
Full Dent. Sci. 2014; 5(19):507-510.
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between the fragments with no infection. It was concluded that MTA filling can be an alternative to the routine treatments of horizontal root fracture in the middle third.
Descriptors: Endodontics, tooth fracture, dental trauma.
Introdução
O traumatismo dentário pode envolver três estruturas: dentes, alvéolo e tecidos moles adjacentes. O
tratamento desses traumatismos irá depender do dano
e das estruturas atingidas8,17,23.
Entre esses traumatismos estão as fraturas radiculares que podem ocorrer devido à uma série de fatores
como traumas oclusais, restaurações mal adaptadas,
acidentes e perda de estrutura dentária por razões diversas. As fraturas radiculares podem ser divididas em
verticais ou horizontais.
As fraturas verticais têm um prognóstico desfavorável em quase todos os casos. As fraturas horizontais,
por outro lado, apresentam prognóstico mais favorável, podendo ocorrer nos terços cervical, médio ou apical, dando origem a dois fragmentos: um coronário e
outro apical10.
O deslocamento e mobilidade do fragmento coronário, bem como a distância entre eles são muito importante para o diagnóstico, tratamento e prognóstico
do caso6. Quanto mais cervical a fratura, pior o prognóstico, visto que o reparo é afetado negativamente
pela proximidade do meio bucal devido à maior possibilidade de contaminação e também pelo fato do cemento, nesta região, ser acelular, portanto, com menor
capacidade de reparo5. A vitalidade pulpar também é
de suma importância para definir a conduta a ser adotada frente a fratura.
Relato de caso / Case report
Revisão de literatura
O tratamento de uma fratura radicular horizontal
dependerá do terço em que ela ocorreu, do deslocamento do segmento coronário e da vitalidade pulpar.
Nos casos de fratura radicular horizontal localizada no
terço cervical, esta pode ser tratada por tracionamento ortodôntico com exposição da mesma e reconstituição protética. Já as fraturas localizadas nos terços
médio e apical com vitalidade pulpar, o tratamento
recomendado é a redução da fratura com reposicionamento do segmento coronário e imobilização
por aproximadamente 8 semanas, acompanhado de
testes de vitalidade pulpar periódicos12. Aras et al.1
(2008) ressaltaram que a intervenção odontológica
em alguns casos de fratura horizontal pode não ser
necessária, caso não haja mobilidade ou deslocamento do segmento cervical e o paciente não apresente sintomatologia dolorosa. Quando ocorrer necrose
somente do segmento cervical trata-se endodonticamente este até a linha da fratura, mantendo-se intacta
a porção apical. Porém, quando há necrose também
da porção apical com formação de lesão este deve ser
removido cirurgicamente9.
Entre as alternativas para o tratamento da porção
cervical indica-se o uso de MTA (Mineral Trióxide Aggregate), um pó, composto por silicato tricálcico, aluminato tricálcico, óxido tricálcico e óxido de silicato,
além de óxido de bismuto, para dar radiopacidade ao
material. Comercialmente, o material é encontrado nas
cores cinza e branco e, segundo algumas pesquisas,
não há diferença entre os dois produtos3,11,22,24. Desde a
sua introdução na Endodontia, em 1993, o seu uso tem
se expandido cada vez mais para induzir a reparação
óssea e radicular. Sua principal indicação de uso era o
preenchimento de perfurações radiculares e de furca
e como material para obturação retrógrada19. Todavia,
atualmente é também indicado como agente capeador
nos tratamentos conservadores da polpa, como material estimulador na apicificação, como tampão apical e
como material obturador de canal no tratamento endodôntico de dentes decíduos e permanentes2,14.
Proposição
O objetivo do presente trabalho é relatar um caso
clínico de fratura radicular horizontal localizada no terço médio da raiz, com necrose pulpar do segmento coronário, no qual foi realizado o tratamento endodôntico e obturação com MTA.
Relato de caso
Este trabalho foi submetido ao parecer do Comitê de Ética e aprovado pelo mesmo sob protocolo
552/2012. Paciente do sexo feminino, 20 anos, leucoderma, apresentou-se no curso de especialização em
Endodontia da Associação Brasileira de Odontologia do
Paraná, em janeiro de 2006, queixando-se de sintomatologia dolorosa e discreta mobilidade no incisivo central superior esquerdo, dente 21, e sensibilidade ao frio
no incisivo lateral superior do mesmo lado, dente 22.
Durante a anamnese, a paciente relatou ter sofrido
uma queda há cerca de dois meses traumatizando os
dois elementos dentais, desde então, tem sentido os
dentes “diferentes”.
No exame clínico, observou-se que o dente 21
apresentava mobilidade discreta, pequena alteração de
cor, dor leve a moderada na percussão e pressão vertical e horizontal, ausência de vitalidade pulpar, ausência
de sensibilidade à palpação, aspecto e coloração gengivais normais, ausência de deslocamento da porção
coronária e coroa dentária hígida.
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gráfico mostrou- se sem alterações e com presença da
lâmina dura. Nesta consulta, foi realizado, com a ajuda
de um microscópio clínico, o preenchimento total da
porção coronária do canal com MTA (Mineral Trioxide
Aggregate), e o dente foi novamente restaurado provisoriamente com ionômero de vidro (Figura 3).
Após uma semana, reabriu-se o dente e observou-se a condição do MTA colocado. O mesmo encontrava-se com sua presa final e a restauração definitiva com
resina composta foi realizada.
A proservação três, seis e vinta e quatro meses mostrou aspectos clínicos de um dente normal e assintomático, radiograficamente com presença de lâmina dura e
ausência total de sinais de infecção (Figuras 4-6).
Figura 1 – Radiografia periapical revelando
uma fratura radicular horizontal no terço médio
do dente 21.
Figura 2 – Radiografia de odontometria.
Figura 3 – Radiografia periapical demonstrando o preenchimento total da porção coronária do
canal com MTA.
Figura 4 – Radiografia de proservação após
três meses.
Figura 5 – Radiografia de proservação após
seis meses.
Figura 6 – Radiografia de proservação após
vinte e quatro meses.
Lima FF, Aragão EM, Faria MIA, Heck AR.
O exame radiográfico revelou fratura horizontal no
terço médio da raiz do dente 21, sem a presença de
lesão radiolúcida e o dente 22 intacto (Figura 1).
Devido à ausência de vitalidade, realizou-se o tratamento endodôntico do rema nescente coronário do
dente 21. No primeiro atendimento, foi realizado o preparo químico-mecânico 1 mm aquém da linha de fratura
até a lima #80 (Figura 2), preenchimento com hidróxido
de cálcio e restauração provisória com ionômero de vidro. O hidróxido de cálcio foi trocado em intervalos trimestrais, até completar um ano e três meses.
No final deste período, na reavaliação, observou-se
ausência de mobilidade, de sinais clínicos como sensibilidade à percussão, palpação e pressão. O exame radio-
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Discussão
A conduta adotada diante de uma fratura radicular
horizontal irá depender, principalmente, do terço em
que ela ocorreu, do deslocamento do segmento coronário e da vitalidade pulpar.
No caso apresentado, como havia necrose da porção cervical e a porção apical estava intacta, optou-se
pelo tratamento endodôntico no segmento coronário
usando o Ca(OH)2 como curativo de demora para indução da formação de uma barreira de tecido duro, como
citado por Chueh et al.7 (2009) e Yildirim et al.25 (2009).
Esses autores ressaltam também que se pode usar o
MTA para induzir a neoformação de tecido duro. Baek
et al.4 (2005) observaram além da presença de neoformação de cemento sobre o MTA, a cicatrização óssea e
a inserção de ligamento periodontal na região.
No caso relatado, após o uso do Ca(OH)2 e a formação da barreira, o segmento cervical do canal radicular foi totalmente preenchido com MTA, como indicado por Huang15 (2008) e por Kusgoz et al.16 (2009),
os quais relataram o uso do MTA preenchendo o segmento coronário em três casos de fratura horizontal.
Segundo Hardy et al.13 (2004), as boas características do MTA se dão devido à sua grande biocompatibilidade; o que está de acordo com Ribeiro et al.18
(2005) que em sua pesquisa constatou que o MTA não
é citotóxico, nem genotóxico, e não induz à morte celular. Shipper et al.21 (2004) deixam evidente também
a capacidade de selamento marginal do MTA na retro
obturação se comparado a outros materiais.
Sarkar et al.20 (2005) prepararam, endodonticamente, dentes extraídos que foram obturados com MTA e
estocados em fluido tecidual sintético a 37º por dois meses. Após esse período foi observado a produção de uma
camada interfacial aderente na parede dentinária, o que
indica hidroxiapatita em composição. Os autores concluíram que o cálcio, íon dominante liberado do MTA, reage
com o fosfato do fluido tecidual sintético constituindo a
hidroxiapatita. A camada interfacial entre a dentina e o
MTA resulta de uma reação similar. A habilidade de selamento, biocompatibilidade e atividade dentinogênica
do MTA são atribuídas a estas reações físico-químicas. O
MTA não é um material inerte, e sim bioativo.
Relato de caso / Case report
Conclusão
O presente caso ilustra o sucesso no tratamento
de uma fratura radicular horizontal com o uso do MTA
preenchendo o canal na sua porção cervical, prevalecendo-se assim, sua propriedade indutora de reparo.
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