Prof. Dr. Francisco José Cahali
SUCESSÃO DECORRENTE DA UNIÃO ESTÁVEL E DO CASAMENTO
Sucessão decorrente da União Estável:
1) A polêmica da filiação híbrida
1.1) Afastando a companheira da participação na herança, na filiação
híbrida
Inventário - Modificação do plano de partilha - Inconformismo - Desacolhimento
- Ausência de expressa disciplina legal a respeito da sucessão da
companheira, quando esta concorre com filhos híbridos - Inteligência do art.
226, § 3º, da CF - Aplicação e inteligência dos arts. 1725,1658, 1829, I, e 1790,
todos do vigente CC - Impossibilidade de se conceder à companheira mais do
que teria se casada fosse – Decisão modificada de ofício, para determinar que
seja apresentado outro plano de partilha, de forma que à companheira seja
reconhecido apenas o direito de meação, com repartição da outra meação
entre os descendentes - Recurso desprovido, com reforma de ofício da decisão
agravada. (TJ-SP. AI n. 467.591-4/7-00. 9ª Câm. Dir. Priv., Des. Rel. Grava
Brazil, j. 16.01.2007).
1.2) Concorrência da companheira com filiação híbrida
Inventário - Partilha judicial - Participação da companheira na sucessão do de
cujus em relação aos bens adquiridos onerosamente na constância da união
estável - Concorrência da companheira com descendentes comuns e
exclusivos do falecido - Hipótese não prevista em lei - Atribuição de cotas
iguais a todos - Descabimento - Critério que prejudica o direito hereditário dos
descendentes exclusivos, afrontando a norma constitucional de igualdade entre
os filhos (art. 227. § 6º da CF) Possibilidade - Solução mais razoável, que
preserva a igualdade de quinhões entre os filhos, atribuindo à companheira,
além de sua meação, a metade do que couber a cada um deles - Decisão
reformada - Recurso provido. (TJ-SP. AI n. 994.08.138700-0. 7ª Câm. Dir. Priv.,
Des. Rel. Álvaro Passos, j. 24.03.2010).
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2) Afastando os colaterais, destinando a totalidade da herança à
companheira viúva na falta de ascendentes e descendentes
2.1) inaplicabilidade e inconstitucionalidade do artigo 1.790, CC.
União estável - Provado que o companheiro falecido deixou um único bem,
adquirido na constância da união estável e mediante esforço comum, deverá
ser deferida a totalidade da herança ao companheiro supérstite, quando
concorre com colaterais, proibindo-se, com a não incidência do art. 1790, III, do
CC, de 2002, o retrocesso que elimina direitos fundamentais consagrados,
como o de equiparar a companheira e a esposa na grade de vocação
hereditária [com preferência aos colaterais] - Aplicação do inciso III, do art. 2o,
da Lei 8971/94 e 226, § 3o, da CF - Provimento do Ag ln 507 284-4/6 e não
provimento do Ag ln. 499 826-4. (TJ-SP. AI n. 507.284-4/6. 4ª Câm. Dir. Priv.,
Des. Rel. Ênio Santarelli Zuliani, j. 30.08.2007).
Arrolamento. Companheiro sobrevivente. Reconhecimento incidental da união
estável, à vista das provas produzidas nos autos. Possibilidade. Exclusão do
colateral. Inaplicabilidade do art. 1790, III, do CC, por afronta aos princípios da
igualdade e da dignidade da pessoa humana e leitura sistematizada do próprio
Código Civil. Equiparação ao cônjuge supérstite. Precedentes. Agravo
improvido. (TJ-SP. AI n. 609.024-4/4. 8ª Câm. Dir. Priv., Des. Rel. Caetano
Lagrasta, j. 06.05.2009).
Agravo de instrumento. Inventário. Sucessão da companheira. Abertura da
sucessão ocorrida sob a égide do novo código civil. Aplicabilidade da nova lei,
nos termos do artigo 1.787. Habilitação em autos de irmão da falecida. Caso
concreto, em que merece afastada a sucessão do irmão, não incidindo a regra
prevista no 1.790, III, do CCB, que confere tratamento diferenciado entre
companheiro e cônjuge. Observância do princípio da equidade. Não se pode
negar que tanto à família de direito, ou formalmente constituída, como também
àquela que se constituiu por simples fato, há que se outorgar a mesma
proteção legal, em observância ao princípio da eqüidade, assegurando-se
igualdade de tratamento entre cônjuge e companheiro, inclusive no plano
sucessório. Ademais, a própria Constituição Federal não confere tratamento
iníquo aos cônjuges e companheiros, tampouco o faziam as Leis que
regulamentavam a união estável antes do advento do novo Código Civil, não
podendo, assim, prevalecer a interpretação literal do artigo em questão, sob
pena de se incorrer na odiosa diferenciação, deixando ao desamparo a família
constituída pela união estável, e conferindo proteção legal privilegiada à família
constituída de acordo com as formalidades da lei. Preliminar não conhecida e
recurso provido. (TJ-RS. AI nº 70020389284. 7ª Câm. Cív., Des. Rel. Ricardo
Raupp Ruschel, j.12.09.2007).
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Sucessão da companheira. Incompatibilidade do artigo 1.790 do Código Civil
com o sistema jurídico de proteção constitucional às entidades familiares e o
direito fundamental à herança – impossibilidade da legislação
infraconstitucional alijar, direitos fundamentais anteriores assegurados a
partícipes de entidades familiares constitucionalmente reconhecidas, em
especial o direito à herança – Posição jurisprudencial que se inclina no sentido
da inaplicabilidade do ilógico art. 1.790 do Código Civil. Recurso provido, para
reconhecer a meação da companheira aos ativos deixados pelo autor da
herança, mas afastá-la da concorrência com o descendente menor, aplicandose o regime do artigo 1.829, I, do Código Civil. (TJ-SP. AI n. 567.929.4/0-00. 4ª
Câm. Dir. Priv., Des. Rel. Francisco Loureiro, j. 11.09.2008).
Revista dos Tribunais | vol. 906 | p. 1026 | Abr / 2011 | JRP\2004\17899:
Partilha - Distinção entre companheira e cônjuge sobreviventes para fins
sucessórios - Inadmissibilidade - Violação ao princípio constitucional da
igualdade que se evidencia - Inteligência dos arts. 5.º, caput, e 226, § 3.º, da
CF/1988 e dos arts. 1.829, III, e 1.838 do CC/2002.- Tribunal de Justiça do
Estado de Santa Catarina.
Argüição de Inconstitucionalidade – Sucessão – Art. 1.790, III, do CC/2002 –
Inconstitucionalidade – Dispositivo que estabelece tratamento distinto, entre
cônjuges e companheiros, para fins sucessórios – Disposição legislativa que
ofende o princípio da vedação ao retrocesso social, preceito amplamente
sufragado pela doutrina constitucionalista doméstica e estrangeira – Direito
fundamental à igualdade que se impõe. (TJ-RJ. AI n. 003265540.2011.8.19.0000. 14.ª Câm. Cív., Des. Rel. Luciano Sabóia Rinaldi de
Carvalho, j. 19.10.2011).
Incidente de arguição de inconstitucionalidade. Art. 1.790, incisos IIII e IV
do código civil de 2002. União estável. Sucessão do companheiro.
Concorrência com parentes sucessíveis. Preenchidos os requisitos legais e
regimentais, cabível o incidente de inconstitucionalidade dos incisos, III e IV, do
art. 1790, Código Civil, diante do intenso debate doutrinário e jurisprudencial
acerca da matéria tratada. (STJ. AI no REsp n. 1135354/PB. 4ª Turma, Min.
Rel. Luis Felipe Salomão, j. 24/05/2011).
Constitucional.
Direito
de
família
e
sucessões.
Incidente
de
inconstitucionalidade dos incisos III e IV do art. 1.790 do cc/2002. Não
conhecimento.
1. O manifesto descabimento do recurso especial - que busca afastar a
aplicação de lei federal sob o argumento de sua incompatibilidade com a
Constituição -, contamina também o correspondente incidente de
inconstitucionalidade, que não pode ser conhecido.
2. Incidente de inconstitucionalidade não conhecido. (STJ. AI no REsp n.
1135354/PB. Corte Especial, Min. Rel. Luis Felipe Salomão, Rel. p/ Acórdão
Min. Teori Albino Zavascki, j. 03/10/2012).
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Confira ainda:
RT 906/1026, RT 874/226 e RT 851/269
Livro: CAHALI, Francisco José. Família e Sucessões no Código Civil de
2002. Coletânea Orientações Pioneiras – v. 2, São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2005, capítulo 7, p. 291 e 292:
Ementa do Coordenador:
Sucessão – União estável – Convivência iniciada sob a égide da Lei 8.971/94 –
Falecimento quando já em vigor o Código Civil de 2002 – Irrelevância –
Aplicação da legislação anterior – reconhecido o direito da sobrevivente, na
falta de ascendentes e descendentes do falecido – Recurso provido para esse
fim.
Ementa oficial:
Arrolamento de bens – Morte do companheiro – Ausência de ascendentes ou
descendentes – Existência, porém, de colaterais noticiada pela própria
companheira – União estável iniciada na vigência da Lei 8.971/94 e que
perdurou até o falecimento do companheiro, fato ocorrido em 2004 –
Inaplicabilidade da disciplina sucessória prevista no novo Código Civil –
Atribuição à companheira sobrevivente do mesmo status hereditário que a lei
atribui ao cônjuge supérstite – Totalidade da herança devida à companheira,
afastando da sucessão os colaterais e o Estado – Inaplicabilidade da norma do
art. 1.790, III, do CC em vigor – Recurso provido. (TJSP – 6.ª Câm. de Direito
Privado – AgIn 386.577-4/3-00 – rel. Des. Justino Magno Araújo – j. 02.06.2005
– votação: por unanimidade, deram provimento ao recurso.)
2.2) constitucionalidade do artigo 1.790, CC.
Livro: CAHALI, Francisco José. Família e Sucessões no Código Civil de
2002. Coletânea Orientações Pioneiras – v. 1, São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2004, capítulo 8, p. 345 a 347:
Ação Declaratória de União Estável. Cabível a medida acautelatória de
indisponibilidade de verbas correspondentes à indenização trabalhista, uma
vez que, mesmo não tendo a agravante direito à meação sobre tal montante, é,
potencialmente, herdeira concorrente, eis que a abertura da sucessão ocorreu
na vigência do Código Civil de 2002. Inteligência do artigo 1.790, II, do Código
Civil. Citação dos Herdeiros. Não tendo ainda sido nomeado inventariante,
indispensável a citação de todos os herdeiros para a ação onde se busca o
reconhecimento da união estável. Proveram em parte, para determinar a
indisponibilidade de valores, vencido o relator. (TJRS – 7ª Câmara Cível Agravo de Instrumento 70007109945 – Data do julgamento: 08.10.2003 Relator: Des. José Carlos Teixeira Giorgis - Votação: parcial provimento à
ação).
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Agravo de Instrumento. Inventário. Sucessão aberta após a vigência do novo
Código Civil. Direito sucessório da companheira em curso com irmãos do
obituado. Inteligência do art. 1.709, III da novel legislação. Direito a um terço da
herança. Inocorrência de inconstitucionalidade. Não há choque entre o Código
e a Constituição na parte enfocada. A norma do art. 226 parágrafo 3° da
Constituição Federal não equiparou a união estável ao casamento nem tão
pouco dispôs sobre regras sucessórias. As disposições podem ser
consideradas injustas, mas não contêm eiva de inconstitucionalidade.
Reconhecimento das colaterais como herdeiros do de cujos. Provimento do
recurso. (TJRJ – 18ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento 2003.002.14421,
Data do registro: 07.04.2004 - Relator: Des. Marcus Faver - Votação:
provimento do recurso).
Livro: CAHALI, Francisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes
Novaes - Direito das Sucessões, 4a ed., São Paulo: RT, 2012 - Capítulo 9 Da sucessão decorrente do casamento e da união estável:
"Ainda, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo em recentíssima
decisão (14.09.2011), sendo Relator o Des. Corrêa Vianna, rejeitou, por
maioria de votos (17 a 7), a Arguição de Inconstitucionalidade do artigo 1.790
em exame (Processo 0434423-72.2010.8.26.0000 (990.10.434423-9)
1
.Enquanto se aguarda a consolidação da jurisprudência pelo Superior Tribunal
de Justiça ou o bom-senso do legislador para a reforma do Código neste
1
Por ser mais recente, e ainda, talvez pelo maior número de declarações de votos, o acórdão, e até mesmo
a respectiva ementa, ainda não se encontravam disponível no fechamento desta edição. Anote-se, por
oportuno, que no próprio TJSP se encontram decisões reconhecendo a inconstitucionalidade deste artigo;
cf.: “Agravo de Instrumento. Direito sucessório decorrente de união estável. Inconstitucionalidade
incidental do artigo 1790, II, do CC/2002. Fortes precedentes jurisprudenciais no mesmo sentido.
Aplicação do artigo 1.829, I, do CC. Equiparação entre união estável e casamento. Inteligência no artigo
226 da CF. Decisão agravada que fica mantida. Recurso improvido” (AI 994.09.278.626-9. Sexta Câm.
Dir. Priv. Des. Rel. José Joaquim dos Santos. j. 29.04.2010); ainda, no mesmo sentido: “Arrolamento.
Companheiro sobrevivente. Reconhecimento incidental da união estável, à vista das provas produzidas
nos autos. Possibilidade. Exclusão do colateral. Inaplicabilidade do art. 1790, III, do CC, por afronta aos
princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana e leitura sistematizada do próprio Código Civil.
Equiparação ao cônjuge supérstite. Precedentes. Agravo improvido” (TJSP, AgIn, 609.024-4/4. 8.ª Câm.
Dir. Priv. rel. Des. Caetano Lagrasta. j. 06.05.2009), e “Sucessão da companheira. Incompatibilidade do
artigo 1.790 do Código Civil com o sistema jurídico de proteção constitucional às entidades familiares e o
direito fundamental à herança – impossibilidade da legislação infraconstitucional alijar, direitos
fundamentais anteriores assegurados a partícipes de entidades familiares constitucionalmente
reconhecidas, em especial o direito à herança – Posição jurisprudencial que se inclina no sentido da
inaplicabilidade do ilógico art. 1.790 do Código Civil. Recurso provido, para reconhecer a meação da
companheira aos ativos deixados pelo autor da herança, mas afastá-la da concorrência com o descendente
menor, aplicando-se o regime do artigo 1.829, I, do Código Civil” (TJSP, AI 567.929.4/0-00, rel. Des.
Francisco Loureiro, j. 11.09.2008). Cf. também no mesmo Tribunal, em sentido contrário: “Agravo de
Instrumento – Decisão agravada que afastou a aplicação do art. 1.790, III, CC por inconstitucionalidade –
Inconformismo – (...) – Constitucionalidade do artigo 1.790 do CC reconhecida – Desequiparação com
matriz constitucional – Interpretação conforme a CF – Recurso conhecido em parte e, na parte conhecida
provido” (AI 0148013-58.2011.8.26.0000, rel. Des. Ribeiro da Silva, v.u., j. 13.10.2011). Ainda, merece
registro que inúmeras decisões em diversos Tribunais Estatais já foram proferidas a respeito, tanto em um
e outro sentido; porém diante da expectativa de definição em breve da matéria pelo Superior Tribunal de
Justiça, cuja atribuição, dentre outras, é exatamente a uniformização do Direito, deixa-se de indicar estes
outros precedentes que, de resto, podem ser facilmente localizados por busca nos portais dos Tribunais.
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particular2, vejamos como se apresenta a matéria na infeliz modificação
imposta à sociedade pelo Código Civil de 2002. E tudo reiterando o quanto se
disse inicialmente no sentido de que há incerteza quanto à exata exegese do
art. 1.790, como identificado no quadro indicativo disposto no item 9.4, abaixo,
onde se apresenta a sistematização a respeito. 3 Impropriamente, foi incluído o
direito sucessório do companheiro em “disposições gerais” do Livro destinado
ao direito das sucessões, em vez de se fazer a previsão na ordem de vocação
hereditária.4 Mas sem dúvida a regra destina-se à convocação do companheiro
sobrevivente, interferindo diretamente naquela ordem, de tal sorte que a
sucessão legítima se faz pela conjunção destas previsões.".
3) Não aplica o CC, artigo 1.790, pois é mais benéfico que o inciso I, do
artigo 1.829
Medida cautelar. Atribuição de efeito suspensivo a recurso especial. Inventário.
De cujus que, após o falecimento de sua esposa, com quem tivera uma filha,
vivia, em união estável, há mais de trinta anos com sua companheira, sem
contrair matrimônio. Incidência, quanto à vocação hereditária, da regra do art.
1.790 do CC⁄02. Alegação, pela filha, de que a regra é mais favorável para a
convivente que a norma do art. 1829, I, do CC⁄02, que incidiria caso o falecido
e sua companheira tivessem se casado pelo regime da comunhão parcial.
Afirmação de que a Lei não pode privilegiar a união estável, em detrimento do
casamento. Medida liminar parcialmente deferida, apenas para determinar a
partilha, no inventário, da parcela incontroversa do patrimônio, promovendo-se
reserva de bens. - O art. 1.790 do CC⁄02, que regula a sucessão do 'de cujus'
que vivia em união estável com sua companheira, estabelece que esta
concorra com os filhos daquele na herança, calculada sobre todo o patrimônio
adquirido pelo falecido durante a convivência. Trata-se de regra oposta à do
art. 1.829 do CC⁄02, que, para a hipótese de ter havido casamento pela
comunhão parcial entre o 'de cujus' e a companheira, estabelece que a
herança do cônjuge incida apenas sobre os bens particulares. - A diferença nas
regras adotadas pelo código para um e outro regime gera profundas
discrepâncias, chegando a criar situações em que, do ponto de vista do direito
2
Dentre os principais projetos, como já referido, somos favoráveis à aprovação do Projeto de Lei 508 de
2007 do Deputado Sérgio Barradas, para o qual contribuímos na sua elaboração.
3
Com a perspicácia de sempre Flávio Tartuce bem sintetiza as principais questões e posições doutrinárias
a respeito do malfadado artigo 1.790 em exame em seu artigo Da Sucessão do Companheiro. O Polêmico
art. 1.790 do CC e suas controvérsias principais. ( in www.ibdfam.org.br/?artigo&artigo=692.
03.11.2010.1-7, ou Sucessão do Companheiro – O Polêmico Artigo 1.790 do CC e suas Controvérsias
Principais. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, ano VII, número 39, página 102, Porto
Alegre: Magister 2010).
4
Neste sentido, INÁCIO DE CARVALHO NETO (A sucessão do cônjuge e do companheiro no novo Código
Civil, RBDFam, vol. 15, p. 30-31): “Ademais, também criticável o fato de o novo legislador ter regulado
a sucessão do companheiro no capítulo das disposições gerais da sucessão em geral (Capítulo I do Título I
do Livro V da Parte Especial), enquanto que a sucessão do cônjuge é corretamente tratada no capítulo da
ordem de vocação hereditária, que se coloca no âmbito da sucessão legítima (Capítulo I do Título II). Isto
só se explica pelo fato de que o Projeto original não se referia ao companheiro, tendo sido o tema
acrescentado, sem muito cuidado, em revisão no Congresso”.
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das sucessões, é mais vantajoso não se casar. - A discussão quanto à
legalidade da referida diferença é profundamente relevante, de modo que se
justifica o deferimento da medida liminar pleiteada em ação cautelar, para o fim
de reservar os bens controvertidos no inventário 'sub judice', admitindo-se a
partilha apenas dos incontroversos. Medida liminar parcialmente deferida.
(STJ. Med. Cautelar n. 14.509/2008. 3ª Turma, Min. Rel. Nancy Andrighi, j.
21.08.2001).
4) Aplica-se CC, art. 1790, inciso I, para concorrência dos filhos comuns e
descendentes comuns
Enunciado 266 da III Jornada de Direito Civil:
“Art. 1.790: Aplica-se o inc. I do art. 1.790 também na hipótese de concorrência
do companheiro sobrevivente com outros descendentes comuns, e não apenas
na concorrência com filhos comuns.”
5) A companheira herda nos bens comuns e nos particulares (além da
meação) - CC, 1790, III
Apelação. Ação de reconhecimento de sociedade de fato, cumulada com
petição de herança. Elenco probatório que permite afirmar com tranquilidade a
existência de prolongada, pública e estável união entre a apelante e o "de
cujus". Impossibilidade, no entanto, de provimento do pleito de ser a exconvivente reconhecida como única herdeira, face a entendimento firmado pelo
Órgão Especial deste Egrégio Tribunal, de constitucionalidade do art. 1.790, III,
do CC (aplicação do parágrafo único do art. 481 do CPC). Ex-companheira
que, por isso, além da meação dos aquestos que titula por direito próprio, faz
jus também a 1/3 da herança remanescente. Sentença reformada. Recurso
provido em parte, com ressalva do entendimento pessoal do relator, que era
pelo provimento total e pela inconstitucionalidade do referido dispositivo do
Código Civil (...)” (TJ-SP. Apel. n. 911.3269-49.2009.8.26.0000. 10ª Câm. Dir.
Priv., Des. Rel. Cesar Ciampolini, j. 12.03.2013).
6) Concorrência sucessória entre cônjuge e companheiro sobrevivente
Enunciado 525 da V Jornada de Direito Civil:
“Os arts. 1.723, § 1º, 1.790, 1.829 e 1.830 do Código Civil admitem a
concorrência sucessória entre cônjuge e companheiro sobreviventes na
sucessão legítima, quanto aos bens adquiridos onerosamente na união
estável.”
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7) Deferido direito real de habitação à companheira
União Estável. Imóvel que serviu de residência à família de propriedade
exclusiva do Varão. Reconhecimento do direito real de habitação à
companheira. Sentença reformada. Recurso provido, com observação. (TJ-SP.
Apel. Cív. n. 617.909.4/7-00. 8ª Câm. Dir. Priv., Des. Rel. Caetano Lagrasta, j.
18.02.2009).
União estável. Reconhecimento. Companheiro já falecido. Termo inicial. Prova.
Alegação da existência de contrato de união estável. Partilha de bens. Direito
real de habitação ao companheiro sobrevivente. Distribuição da sucumbência.
1. Constitui união estável a convivência sob o mesmo teto, com publicidade e
notoriedade, evidenciando a comunhão de vida e de interesses. 2. Deve ser
reconhecida a entidade familiar no período em que o casal conviveu more
uxório, que, diante do conjunto probatório, iniciou em agosto de 2004 e cessou
com o óbito da companheira, em setembro de 2007. 3. Sendo a união estável
regida pelo regime da comunhão parcial, devem ser partilhados, de forma
igualitária, os bens adquiridos a título oneroso, na constância da vida em
comum. 4. Se não há prova da existência de contrato firmado entre as partes
disciplinando a união estável, não há como reconhecer que as partes tenham
estabelecido que a união estável seria regida pelo regime da separação de
bens. 5. O companheiro sobrevivente faz jus ao direito real de habitação, que é
assegurado pela Lei nº 9.278 /96, o direito real de habitação é deferido ao
companheiro sobrevivente independentemente da sua condição pessoal, social
ou econômica, mas o exercício desse direito perdura tão-somente “enquanto
durar a viuvez”. 7. Cabível a exclusão da partilha dos créditos e aplicações
financeiras e seus dividendos, descritos nos autos, pois recursos exclusivos da
de cujus . 8. Tendo as partes cada uma decaído de parte dos seus pedidos,
cabível a distribuição proporcional dos ônus sucumbenciais. Recurso da ré
provido, em parte, e desprovido o do autor. (TJ-RS. Apel. Cív. n. 70046196259.
7ª Câm. Cív., Des. Rel. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j.
25/04/2012).
Confira ainda:
Enunciado 117 da I Jornada de Direito Civil:
“Art. 1831: o direito real de habitação deve ser estendido ao companheiro, seja
por não ter sido revogada a previsão da Lei n. 9.278/96, seja em razão da
interpretação analógica do art. 1831, informado pelo art. 6º, caput, da CF/88.”
8) Usufruto vidual
Livro: CAHALI, Francisco José. Família e Sucessões no Código Civil de
2002. Coletânea Orientações Pioneiras – v. 2, São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2005, capítulo 7, p. 289:
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Ementa do Coordenador:
Sucessão – União estável – Usufruto vidual previsto no art. 2.º, I, da Lei
8.971/94 – Revogação pelo Código Civil de 2002 que regulou inteiramente a
matéria de sucessões do companheiro no art. 1.790 – Decisão mantida.
Sucessão – União estável – Pretendida meação e quinhão hereditário sobre o
patrimônio adquirido a título oneroso durante a união – Inadmissibilidade –
Inteligência dos arts. 1.725, 1.790, II, e 1.829, I, do CC e do art. 226, § 3.º, da
CF – Recurso não provido.
Ementa Oficial:
Inventário – União estável – Usufruto vidual – Direito não previsto no novo
Código Civil – Pretendida cumulação dos direitos de meação e herança
acarretando diminuição na participação dos herdeiros necessários –
Inadmissibilidade – Companheira que tem uma participação correspondente à
metade dos bens adquiridos juntamente com o falecido – Situação equivalente
à que lograria se fosse casada no regime da comunhão parcial de bens. (TJSP
– 9.ª Câm. de Direito Privado – AgIn 336.392-4/8-00 – rel. Des. Ruiter Oliva – j.
29.06.2004 – votação: por unanimidade, negaram provimento ao recurso.)
Sucessão decorrente do Casamento:
1) Aplicando o CC, artigo 1.829, inciso I, herda sobre os bens particulares
+ meação e herda sobre a totalidade do acervo
Civil. Sucessão. Cônjuge supérstite casado no regime da comunhão parcial.
bens particulares deixados pelo autor da herança. Participação como herdeiro
na sucessão legítima. - O cônjuge supérstite casado no regime da comunhão
parcial com o falecido, tendo este deixado bens particulares, além de sua
meação, concorre com os descendentes, na sucessão legítima, participando da
totalidade do acervo da herança, consoante a ordem de vocação hereditária
estabelecida no artigo 1829, I do Código Civil de 2002. (TJ-DF. AI n.
2004.00.2.009630-8. 5ª Turma Cív., Des. Rel. Dácio Vieira, j. 10.10.2005).
Inventário - Sucessão Legítima - Regime de Comunhão Parcial de Bens - Bens
Comuns e Particulares - Cônjuge Supérstite - Meeiro e Herdeiro. Tendo sido o
casamento celebrado no regime de comunhão parcial, deixando o falecido
bens particulares, receberá o cônjuge supérstite a sua meação nos bens
comuns adquiridos na constância do casamento e concorrerá com os
descendentes na partilha dos bens particulares. (TJ-MG. Proc. n.
1.0024.03.182553-2/001. Des. Rel. Geraldo Augusto, j. 03.10.2006).
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2) Aplicando o CC, artigo 1.829, inciso I, não herda se não há bens
particulares
Agravo de Instrumento – Inventário – Sucessão Legítima – Cônjuge
Sobrevivente – Inc. I do art. 1.829 do CCB – Vocação Hereditária –
Concorrência – O cônjuge sobrevivente casado pelo regime da comunhão
parcial de bens detém o direito de meação e herança, na forma do art. 1.829 do
CCB, na hipótese de o autor da herança deixar bens particulares. Todavia, no
caso, inexistindo bens particulares, conforme reconhece a própria viúvameeira, deve o Juízo, desde logo, porque questão de direito, excluí-la da
classificação de herdeira, mantida, apenas, a sua condição de meeira. Recurso
provido. (TJ-RS. AI 70013227533. 7ª Câm. Cív., Des. Rel. Ricardo Raupp
Ruschel, j. 21.12.2005).
Confira ainda:
Enunciado 270 da III Jornada de Direito Civil:
“Art. 1.829: O art. 1.829, inc. I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito
de concorrência com os descendentes do autor da herança quando casados no
regime da separação convencional de bens ou, se casados nos regimes da
comunhão parcial ou participação final nos aquestos, o falecido possuísse bens
particulares, hipóteses em que a concorrência se restringe a tais bens,
devendo os bens comuns (meação) ser partilhados exclusivamente entre os
descendentes.”
3) Pretensão de exclusão da cônjuge viúva da participação sobre bens
doados ao ‘de cujus’
Livro: CAHALI, Francisco José. Família e Sucessões no Código Civil de
2002. Coletânea Orientações Pioneiras – v. 2. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2005, Capítulo 7, p. 280:
Ementa do Coordenador:
Sucessão – Concorrência do cônjuge sobrevivente com ascendente –
Pretendida exclusão da participação da viúva sobre os bens adquiridos por
doação – Inadmissibilidade – Inteligência dos arts. 1.829, II, e 1.837 do CC –
Decisão mantida.
Ementa Oficial:
Sucessão – Pedido, formulado por ascendente de autor da herança, falecido
sem descendentes, de exclusão do rol dos herdeiros, do cônjuge supérstite,
com quem era casado no regime da comunhão parcial de bens, ante a forma
de aquisição dos mesmos – doação. Erigida pela legislação vigente à época do
óbito – no caso, o vigente Código Civil – à condição de herdeira de seu falecido
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marido, não tem importância qualquer eventual incomunicabilidade do bem, em
decorrência do regime de bens do casamento e da respectiva forma de
aquisição, que serviria, isto sim, para inibir-lhe a qualidade de meeira, não
assim a de herdeira que o Código Civil em vigor, em boa hora, lhe assegurou,
tal como, há tempos, o reclamava a consciência jurídica nacional. Inteligência
dos arts. 1.829, II, e 1.837 do CC. Agravo não provido. (TJRJ – 2.ª Câm. Cív. –
Ag In 19083/2004 – rel. Des. Maurício Caldas Lopes – j. 07.12.2004.)
4) Regime da Separação de bens: convencional e obrigatória
Inventário - Viúva casada com o autor da Herança no regime de separação
convencional de bens. - Direito à sucessão legítima em concorrência com a
filha do falecido. Inteligência do art. 1.829, I, do Código Civil. Vedação que
somente ocorre, entre outras causas, se o regime de casamento for o de
separação obrigatória de bens. Recurso improvido. (TJ-SP. AI n. 313.414-4/100. 3ª Câm. de Direito Privado, Des. Rel. Flávio Pinheiro, j. 4/11/2003).
Livro: CAHALI, Francisco José. Família e Sucessões no Código Civil de
2002. Coletânea Orientações Pioneiras – v. 1, São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2004, capítulo 8, p. 345 a 347:
Inteligência dos arts. 1.829, Inc. I, e 1.838, ambos do novo Código Civil
Brasileiro. O cônjuge supérstite casado sob o regime de separação obrigatória
de bens só herda se não houver descendentes. Na falta de descendentes,
herdará em concorrência com o ascendente. Em falta de descendentes e
ascendentes, a sucessão é a ele deferida por inteiro. Rejeitaram as
preliminares suscitadas pelo agravado, Negando provimento ao recurso.
Unânime. (TJRS – 7ª Câmara Cível - Agravo de Instrumento 70006500243 –
Data do julgamento: 13/08/2003 - Relator: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Votação: por unanimidade, negaram provimento ao recurso).
4.1) Afastando o direito à herança do cônjuge casado pelo regime de
separação convencional
Direito das sucessões – Recurso especial – Pacto antenupcial – Separação de
bens – Morte do varão – Vigência do novo código civil. Ato jurídico perfeito.
Cônjuge sobrevivente. Herdeiro necessário. Interpretação sistemática. 1. O
pacto antenupcial firmado sob a égide do Código de 1916 constitui ato jurídico
perfeito, devendo ser respeitados os atos que o sucedem, sob pena de maltrato
aos princípios da autonomia da vontade e da boa-fé objetiva. 2. Por outro lado,
ainda que afastada a discussão acerca de direito intertemporal e submetida a
questão à regulamentação do novo Código Civil, prevalece a vontade do
testador. Com efeito, a interpretação sistemática do Codex autoriza conclusão
no sentido de que o cônjuge sobrevivente, nas hipóteses de separação
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convencional de bens, não pode ser admitido como herdeiro necessário. 3.
Recurso conhecido e provido” (STJ, REsp 1.111.095/RJ, 4.ª Turma, Rel. para
acórdão Ministro Fernando Gonçalves, j. 01.10.2009).
Direito civil. Família e Sucessões. Recurso especial. Inventário e partilha.
Cônjuge sobrevivente casado pelo regime de separação convencional de bens,
celebrado por meio de pacto antenupcial por escritura pública. Interpretação do
art. 1.829, I, do CC/02. Direito de concorrência hereditária com descendentes
do falecido. Não ocorrência.
- Impositiva a análise do art. 1.829, I, do CC/02, dentro do contexto do sistema
jurídico, interpretando o dispositivo em harmonia com os demais que enfeixam
a temática, em atenta observância dos princípios e diretrizes teóricas que lhe
dão forma, marcadamente, a dignidade da pessoa humana, que se espraia, no
plano da livre manifestação da vontade humana, por meio da autonomia da
vontade, da autonomia privada e da consequente autorresponsabilidade, bem
como da confiança legítima, da qual brota a boa-fé; a eticidade, por fim, vem
complementar o sustentáculo principiológico que deve delinear os contornos da
norma jurídica.
- Até o advento da Lei n.º 6.515/77 (Lei do Divórcio), vigeu no Direito brasileiro,
como regime legal de bens, o da comunhão universal, no qual o cônjuge
sobrevivente não concorre à herança, por já lhe ser conferida a meação sobre
a totalidade do patrimônio do casal; a partir da vigência da Lei do Divórcio,
contudo, o regime legal de bens no casamento passou a ser o da comunhão
parcial, o que foi referendado pelo art. 1.640 do CC/02.
- Preserva-se o regime da comunhão parcial de bens, de acordo com o
postulado da autodeterminação, ao contemplar o cônjuge sobrevivente com o
direito à meação, além da concorrência hereditária sobre os bens comuns,
mesmo que haja bens particulares, os quais, em qualquer hipótese, são
partilhados unicamente entre os descendentes.
- O regime de separação obrigatória de bens, previsto no art. 1.829, inc. I, do
CC/02, é gênero que congrega duas espécies: (i) separação legal; (ii)
separação convencional. Uma decorre da lei e a outra da vontade das partes, e
ambas obrigam os cônjuges, uma vez estipulado o regime de separação de
bens, à sua observância.
- Não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens, direito
à meação, tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se o regime de
bens estipulado, que obriga as partes na vida e na morte. Nos dois casos,
portanto, o cônjuge sobrevivente não é herdeiro necessário.
- Entendimento em sentido diverso, suscitaria clara antinomia entre os arts.
1.829, inc. I, e 1.687, do CC/02, o que geraria uma quebra da unidade
sistemática da lei codificada, e provocaria a morte do regime de separação de
bens. Por isso, deve prevalecer a interpretação que conjuga e torna
complementares os citados dispositivos.
- No processo analisado, a situação fática vivenciada pelo casal – declarada
desde já a insuscetibilidade de seu reexame nesta via recursal – é a seguinte:
(i) não houve longa convivência, mas um casamento que durou meses, mais
especificamente, 10 meses; (ii) quando desse segundo casamento, o autor da
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herança já havia formado todo seu patrimônio e padecia de doença
incapacitante; (iii) os nubentes escolheram voluntariamente casar pelo regime
da separação convencional, optando, por meio de pacto antenupcial lavrado
em escritura pública, pela incomunicabilidade de todos os bens adquiridos
antes e depois do casamento, inclusive frutos e rendimentos.
- A ampla liberdade advinda da possibilidade de pactuação quanto ao regime
matrimonial de bens, prevista pelo Direito Patrimonial de Família, não pode ser
toldada pela imposição fleumática do Direito das Sucessões, porque o
fenômeno sucessório “traduz a continuação da personalidade do morto pela
projeção jurídica dos arranjos patrimoniais feitos em vida”.
- Trata-se, pois, de um ato de liberdade conjuntamente exercido, ao qual o
fenômeno sucessório não pode estabelecer limitações.
- Se o casal firmou pacto no sentido de não ter patrimônio comum e, se não
requereu a alteração do regime estipulado, não houve doação de um cônjuge
ao outro durante o casamento, tampouco foi deixado testamento ou legado
para o cônjuge sobrevivente, quando seria livre e lícita qualquer dessas
providências, não deve o intérprete da lei alçar o cônjuge sobrevivente à
condição de herdeiro necessário, concorrendo com os descendentes, sob pena
de clara violação ao regime de bens pactuado.
- Haveria, induvidosamente, em tais situações, a alteração do regime
matrimonial de bens post mortem, ou seja, com o fim do casamento pela morte
de um dos cônjuges, seria alterado o regime de separação convencional de
bens pactuado em vida, permitindo ao cônjuge sobrevivente o recebimento de
bens de exclusiva propriedade do autor da herança, patrimônio ao qual
recusou, quando do pacto antenupcial, por vontade própria.
- Por fim, cumpre invocar a boa-fé objetiva, como exigência de lealdade e
honestidade na conduta das partes, no sentido de que o cônjuge sobrevivente,
após manifestar de forma livre e lícita a sua vontade, não pode dela se
esquivar e, por conseguinte, arvorar-se em direito do qual solenemente
declinou, ao estipular, no processo de habilitação para o casamento,
conjuntamente com o autor da herança, o regime de separação convencional
de bens, em pacto antenupcial por escritura pública.
- O princípio da exclusividade, que rege a vida do casal e veda a interferência
de terceiros ou do próprio Estado nas opções feitas licitamente quanto aos
aspectos patrimoniais e extrapatrimoniais da vida familiar, robustece a única
interpretação viável do art. 1.829, inc. I, do CC/02, em consonância com o art.
1.687 do mesmo código, que assegura os efeitos práticos do regime de bens
licitamente escolhido, bem como preserva a autonomia privada guindada pela
eticidade. Recurso especial provido. Pedido cautelar incidental julgado
prejudicado. (STJ. REsp 992749/MS. 3ª Turma, Rel. Ministra Nancy Andrighi, j.
01/12/2009).
Confira-se também, no mesmo sentido:
STJ, REsp 689.703/AM, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 20.04.2010, votação
unânime: "3. A dissolução do casamento pela morte dos cônjuges não autoriza
que a partilha de seus bens particulares seja realizada por forma diversa da
admitida pelo regime de bens a que submetido o casamento. Estabelecido o
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regime de separação de bens mediante pacto antenupcial, inviável o pedido de
meação formulado pelo cônjuge supérstite."
Agravo de Instrumento - Inventário - Insurgência Contra a Decisão que incluiu a
Cônjuge Sobrevivente como herdeira necessária do de cujus - Regime de
separação convencional de bens - Art. 1.829, I do Código Civil de 2002 Interpretação Sistemática de textos e princípios jurídicos - Abrangência dos
arts. 1.513, 1.639, 1.641 e incisos, 1.647 e 1.687, do mesmo Código Civil, e
arts. 1º e 5º da Constituição Federal - efeitos e relevância da vontade
manifestada pelos cônjuges quando do casamento - Exercício da Liberdade
lhes assegurada pela Legislação Civil e pela Carta Magna- Princípios da BoaFé e isonomia - Recurso Provido. (TJ-MG. Proc. n. 1.0105.03.096604-5/001.
Des. Rel. Hyparco Immesi, j. 10/03/2005).
5) Inexistência de reserva de ¼ ao cônjuge sobrevivente, quando da
concorrência com filiação híbrida
Enunciado 527 da V Jornada de Direito Civil:
“Art. 1.832. Na concorrência entre o cônjuge e os herdeiros do de cujus, não
será reservada a quarta parte da herança para o sobrevivente no caso de
filiação híbrida.”
6) Direito Intertemporal
Agravo de Instrumento - Inventário -Sucessão em Geral - Direito Intertemporal A sucessão e a legitimação para suceder devem ser reguladas pela lei vigente
ao tempo da abertura daquela - Inteligência dos artigos 1.577 do CC/1916 e
1.787 c/c 2.041 do vigente Estatuto Civil. Sucessão aberta na vigência do
Código Civil de 1916. Viúva que não ostenta a qualidade de herdeira. Recurso
nesta parte improvido. AGRAVO DE INSTRUMENTO - Inventário Reconhecimento à Meação nos Aquestos – Usufruto Vidual - Direito
inexistente, não obstante contraído o casamento sob o regime de comunhão
parcial de bens. Direito Real de Habitação - Possibilidade de extensão à viúvameeira, ainda que casada sob regime diverso do da comunhão de bens.
Homenagem ao princípio constitucional da igualdade na proteção da entidade
familiar, seja constituída pelo casamento, seja pela união estável. Recurso
parcialmente provido para esse fim. (TJ-SP. AI n. 555.796-4/9. 3ª Câm. Dir.
Priv., Des. Rel. Egidio Giacoia, j. 27.05.2008).
7) Doações X Separação de Bens
Processual civil. Recurso especial. Ação de conhecimento sob o rito ordinário.
Casamento. Regime da separação legal de bens. Cônjuge com idade superior
a sessenta anos. Doações realizadas por ele ao outro cônjuge na constância
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do matrimônio. Validade. São válidas as doações promovidas, na constância
do casamento, por cônjuges que contraíram matrimônio pelo regime da
separação legal de bens, por três motivos: (i) o CC/16 não as veda, fazendo-o
apenas com relação às doações antenupciais; (ii) o fundamento que justifica a
restrição aos atos praticados por homens maiores de sessenta anos ou
mulheres maiores que cinqüenta, presente à época em que promulgado o
CC/1916, não mais se justificam nos dias de hoje, de modo que a manutenção
de tais restrições representa ofensa ao princípio da dignidade da pessoa
humana; (iii) nenhuma restrição seria imposta pela lei às referidas doações
caso o doador não tivesse se casado com a donatária, de modo que o Código
Civil, sob o pretexto de proteger o patrimônio dos cônjuges, acaba fomentando
a união estável em detrimento do casamento, em ofensa ao art. 226, parágrafo
3.º, da Constituição Federal (STJ. REsp 471.958, 3ª Turma, Min. Rel. Nancy
Andrighi, j. 18.12.2008).
8) Efeitos da Renúncia - art. 1.810 do Código Civil
Enunciado 575 da V Jornada de Direito Civil:
“Concorrendo herdeiros de classes diversas, a renúncia de qualquer deles
devolve sua parte aos que integram a mesma ordem dos chamados a suceder”
Para outros precedentes e debate doutrinário a respeito do assunto,
recomenda-se a seguinte obra: CAHALI, Francisco José e HIRONAKA, Giselda
Maria Fernandes Novaes - Direito das Sucessões, 4a ed., São Paulo: RT, 2012
- Capítulo 9 - Da sucessão decorrente do casamento e da união estável.
08/08/2013 16:32
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