Identidade Cultural e Consumo: Uma Reflexão Histórica sobre Hábitos de Consumo de
Moda da Sociedade Recifense
Autoria: Eduardo Jorge Carvalho Maciel, Ana Paula Celso de Miranda
Resumo
Pernambuco, como não poderia fugir as regras históricas, trás na sua trajetória períodos
perpetuados até os dias atuais. Seja por fatos político, econômicos ou religiosos, nenhum
destes deixará tanto suas marcas quanto o período áureo da Cana-de-Açúcar.
Vivido entre os sécs. XVI e XVII, onde a economia pernambucana viveu seu apogeu, este
período trouxe não só divisas para Pernambuco, mas sim, um legado cultural muito mais rico
que todas as sacas deste “ouro branco” i.
O objetivo deste trabalho é traçar uma narrativa histórica, focada no denominado período
açucareiro pernambucano e seus reflexos na contemporaneidade, que venham a contribuir
com a compreensão do consumo de moda da sociedade recifense.
Como fonte e referencial de pesquisa foi utilizada a análise iconográfica, através de estudos
fotográficos, do período em questão, do acervo da Fundação Joaquim Nabuco e Fundação
Gilberto Freyre, e fotografias atuais de ritos de passagens ou outras cerimônias ocorridas na
cidade do Recife, de periódicos e sites sociais locais.
Introdução
Hoje, em contraponto a Estados vizinhos, Pernambuco vive características de consumo
distintas e contraditórias, se analisada quanto ao clima e economia destes Estados. Outro
ponto de relevância nesta analise, é a de Recife possuir característica cosmopolita e de
vanguarda e, ao mesmo tempo, perpetuar costumes ancestrais e não contemporâneos.
Diante deste cenário historicamente rico, principalmente por sua carga hereditária perpetuada,
este estudo busca contribuir academicamente despertando questões ligadas ao consumo –
preferências e gostos – e sua formação histórica e econômica.
O objetivo deste trabalho é ampliar o campo de compreensão do consumo da sociedade
recifense, sob o aspecto histórico-cultural relacionado ao período áureo da economia da canade-açúcar e o seu reflexo nos tempos atuais.
Problema de Pesquisa
Diante do ambiente apresentado acima, temos como problema de pesquisa a seguinte questão:
“Existirá uma relação entre o gosto e preferências do consumo de moda, pela sociedade
recifense contemporânea, com o período áureo da civilização açucareira?”
Consumo Simbólico da Tradição
Percebendo que consumir em nossos dias, na sua grande maioria, está associado a satisfazer
necessidade de ser e pertencer, temos em produtos e serviços valores que vão além do
funcional. Esses valores, segundo análise de Garcia e Miranda (2007), fazem parte de um
ambiente simbólico onde todos estão inseridos, e para interagir com o mesmo, fazemos uso de
seus valores materializados em objetos. Mas toda essa verdade vivida nos dias atuais, tem
uma evolução que cabe ser destacada neste estudo. Analisando Lipovetsky (2005) percebesse
que a divisão de classes constitui a maior das rupturas da história da economia social. A
princípio associada ao divino, posteriormente ligada a realeza faraônica, a distinção social vai
caminhando até chegar a níveis comumente percebidos e multiplicados por todos nós nos dias
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atuais. Essa segregação tem como grande veículo de identificação a moda e todos os seus
códigos.
Partindo do conceito que toda cultura se fundamenta no consumo, Lipovetsky (op.cit)
descreve em seus textos, que esse hábito já é percebido em períodos como o paleolítico. Neste
tempo e espaço, culturas primitivas já apresentam formas requintadas, levando as devidas
proporções, de consumo.
Não há dúvida de que os pequenos grupos de caçadores/coletores do
paleolítico tenham tido um nível de vida medíocre. Tanto nas suas habitações
como suas vestimentas são rústicas, e seus utensílios, pouco numerosos. Mas,
se não fabricam bens de grande valor, isso não os impede, por ocasião das
festas, de enfeitar-se e de admirar a beleza de seus ornamentos. Além disso – e
sobretudo –, de viver em uma espécie de abundância material, de comer
bastante nas festas, de gozar de tempo livre e de uma alimentação
suficientemente obtida sem grandes esforços. Exibindo uma atitude de
despreocupação deliberada com o amanhã, eles festejam o consomem de uma
só vez tudo o que tem em mãos, em lugar de constituir estoques alimentares
(Lipovetsky, 2005, p. 21)
Este consumo, segundo McCracken, (2003, p. 36) sofrerá uma evolução histórica até vir a se
tornar no séc. XVII, no que hoje se conhece como sociedade de consumo. Até este período, o
consumo se dava através do que foi chamado consumo de pátina, onde o valor estará
associado à história que este objeto carrega e a família a quem ele pertence. Isso fará com que
o usuário deste bem, seja imediatamente percebido em uma determinada classe social,
legitimando seus símbolos de status e evitando possíveis fraudes. Outro ponto de destaque
deste tipo de consumo está na capacidade de decodificação destes símbolos; pois seu
reconhecimento, que tem a obrigatoriedade de vir de longas datas, é facilmente percebido por
quem já faz parte deste meio há mais tempo. Será quase impossível a sua decodificação por
um novo rico. Isso apresenta neste universo de status, um valor ainda maior que é o da
hereditariedade. Quando uma família, por questões financeiras, se vê obrigada a vender um
desses objetos, o seu valor ficar reduzido ao seu equivalente material e não simbólico. Esta
família passa pela perda mais importante dos seus bens, pois sua história de valores/símbolos
irá junto com ele.
Para que fique ainda mais claro este processo de consumo de pátina, McCraken (op.cit., p. 53)
descreve que “a pátina de um objeto permiti-lhe funcionar como uma mídia”. Onde sua
compreensão só acontecerá quando o observado está engajado no universo observado, e assim
entende os valores de status.
Cultura de Consumo
Com a grande transformação do ocidente, em meados do séc. XVIII, que não está fundada
apenas na revolução industrial como destaca McCracken (2003), uma nova forma de perceber
valores e, conseqüentemente, de consumir será vivida. Este fato, em muito trará
transformações que serão fonte de análise de vários pensadores, mas todos com a mesma
conclusão: “[...] tal revolução do consumo representa não somente uma mudança nos gostos,
preferências e hábitos de compra, como uma alteração fundamental da cultura no mundo da
primeira modernidade e da modernidade”. McCracken (p. 21) Diante desta nova realidade, o
consumo de pátina entra em um declínio que não terá retorno.
Toda essa transformação do consumo terá início no séc. VXII, quando novas oportunidades
de compra passam a fazer parte da vida das pessoas. Essa nova forma de consumir, tem seu
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início no período elisabetano, onde por questões estratégicas, sua governante desperta novas
formas de reconhecimento dos seus súditos para com o seu governo. O “novo” passa a ter
valor neste universo.
“Os bens haviam subitamente se convertido em provas no jogo de status e
estavam sendo consumidos com entusiasmo” (McCracken, 2003. p. 31).
Outro ponto importante, também destacado pelo autor é o início do consumo individual. Não
mais existirá a compra para a família, o que originava o consumo de pátina.
Pouco a pouco, a moda antes observada apenas na realeza, migra para a nobreza, e para a
pequena nobreza, que conseqüentemente migrará até as classes mais baixas. Agora existe a
liberdade de vestir-se com signos dos superiores. Essa liberdade, em alguns momentos, não
será tão bem vista pela nobreza. Não existirá mais o claro pertencimento social vivido no
consumo de pátina, pois o novo estará ao alcance de todos que tenham dinheiro para possuílo. Um comerciante, agora tem a possibilidade e direito de usar o que um nobre usa, e esse
uso passa a ser uma “falsa” mensagem de pertencimento da classe que ele almeja ser.
Analisando um artigo de Veblen, McCracken (2003) chega a seguinte conclusão: “ seu
argumento controvertido é simplesmente o de que os observadores lêem no custo de um artigo
do vestuário o poder de compra do indivíduo que o veste. Esta é uma formulação présimbólica” (p. 24). É importante frisar que esta conclusão, ainda será em muito elaborada por
pensadores do séc. XX, onde outras questões farão parte desta análise.
“Quando os indivíduos de baixa posição começam a tomar emprestado dos de
alta posição seus marcadores de status, estes últimos são forçados a
transferirem-se para outros marcadores. Estes “efeitos trickle-down”,
identificado pela primeira vez por Simmel, operou por todo o período da
primeira modernidade. Agora sem a pátina para proteger determinados
marcadores de status, este padrão de difusão assumiu uma nova proporção e
uma nova velocidade. Agora, virtualmente qualquer marcador de status podia
ser imitado por grupos subordinados ricos. Como resultado, os grupos
superiores eram forçados a adotar outras inovações em todas as categorias de
produtos. Não havia trégua. Mal o grupo dos superiores criava uma inovação,
esta era, também, apropriada pelos grupos subordinados, e um outro
movimento era então novamente necessário. As classes aristocráticas haviam
se tornado prisioneiras de um ciclo de caça e perseguição.” (McCRACKEN,
2005).
Surge aqui o ciclo de consumo de moda de maior influência: trickle-down, onde o desejo de
ser e pertencer é o motivador do consumo. De certo, como descrevem pensadores como
Baudrillard (1968) e Belk (1982), esse consumo perpassa diretamente por questões ligadas ao
simbólico desses objetos de desejo, o seu significado vai além de seu caráter utilitário e de seu
valor comercial (este também é percebido no consumo de pátina). Essa relação está
diretamente associada a sua capacidade de comunicar relações com a cultura em que está
inserido.
Necessidades e Valores de Consumo
Em Sheth, Mittal e Newman (2001), percebemos uma visão geral dessa motivação. Seus
estudos definem a essa motivação em três etapas: necessidade, emoção e psicografia.
“ Qualquer que seja a direção da motivação, ela se manifesta em três facetas:
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necessidades, emoções e psicografia. As necessidades referem-se a distância
entre o estado desejado e o atual, prestando-se mais prontamente à
consciência e à análise cognitiva. As emoções são mais autônomas e geram
mais experiências pessoal. A psicografia combina comportamento orientados
tanto pelas necessidades quanto pelas emoções.” (Sheth, Mittal e Newman.
2001, p. 237).
Os conceitos de necessidades e desejo, segundo os autores, estarão sempre muito próximos do
conceito de motivação. Onde por definição a necessidade é um sentimento de privação do
estado desejado. Para entender melhor essas necessidades, visto que enumerá-las seria
impossível devido a variantes infinitas de cada ser humano, Temos na construção da
hierarquia de Maslow (2001) onde ele define que as necessidades de nível mais alto ficam
dormentes até que as de nível mais baixo sejam satisfeitas. Maslow, segundo análise de Sheth,
Mittal e Newman (2001), não faz distinção entre necessidades e desejos, mas, hoje me dia, a
maioria dos estudiosos o fazem. De acordo com essa distinção, apenas as duas primeiras
classificações da hierarquia de Maslow seriam “necessidades”, ao passo que as três seguintes
seriam classificadas como desejo.
Esclarecendo a diferença entre necessidade e desejo, Solomon (2002) apresenta um exemplo
bastante prático desta sutil diferença:
“A maneira específica como uma necessidade é satisfeita depende da história
única do indivíduo, suas experiências de aprendizagem e ambiente cultural. A
forma peculiar de consumo usada para satisfazer sua necessidade é chamada
de desejo. Por exemplo: dois colegas de uma aula podem sentir seus
estômagos roncarem durante a aula no horário do almoço. Se nenhum deles
comeu nada desde a noite anterior, a força de suas respectivas necessidades
(fome) seria a mesma. Porem, os modos como cada pessoa procede para
satisfazer essa necessidade podem ser muito diferentes. A primeira pessoa
pode ser vegetariana, fantasiando engolir um grande punhado de frutas secas.
enquanto a outra pode adorar carne , ficando entusiasmada com a perspectiva
de comer um cheeseburger gorduroso com banta frita” SOLOMON (2002, p.
97).
Outro ponto de análise importante neste quesito diz respeito a valores. Estes, ainda sobre a
análise de Sheth, Mittal e Newman (2001) estão divididos basicamente em universais e
pessoais.
A busca de produtos orientados pelo desejo, são uma constante no universo do consumo. Isso
se dá principalmente por seus valores emocionais e/ou sociaisii; ao mesmo tempo que
buscaremos produtos orientados pela necessidade, onde sua performance será nosso
parâmetro decisório.
Consumo de Moda
Focando no objeto desse estudo, que é o consumo de moda, percebemos, outras variantes
serão decisórias na escolha de um produto.
Tendo a moda como um veículo de comunicação, existe no trabalho de Garcia e Miranda
(2007), uma análise que facilitará o entendimento. Segundo as autoras, “Como mídia
secundária, a moda é um instrumento poderoso de inserção humana no contexto cultural.
Tornado-se também ela, um sujeito ativo que detém o poder para agir de diferentes formas e
processos comunicacionais” (Garcia e Miranda, op.cit.,p. 103). Sua análise apresenta
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determinados aspectos motivadores deste consumo. São eles:
Moda como instrumento de comunicação – neste grupo de análise a moda passa a
ser a embalagem pela qual o indivíduo necessita ser percebido em sua sociedade.
Onde até não querer comunicar, já está sendo uma forma de negar interesses ou
padrões por esta sociedade expostos. É importante ressaltar que esta comunicação é
uma via de mão dupla, que ao mesmo tempo que analisamos somos analisados e
interpretados.
Moda como instrumento de integração – neste aspecto o motivador da adoção de
determinada mensagem/moda se dará pela necessidade de pertencimento e aceitação.
O indivíduo necessita ser reconhecido e aceito pelo grupo que almeja fazer parte. É
importante destacar que aqui o indivíduo se vestirá para ou outro, desencadeando o
fenômeno da imitação.
Moda como instrumento de individualidade – este grupo, está mais para a
necessidade de ser a exceção. Os indivíduos que fazem parte deste grupo, vão sempre
ser percebidos como adotares, os primeiros usuários. Mesmo diante desta postura de
individualismo, existe uma identificação deste grupo com o resto da sua sociedade.
Eles, querendo ou não, farão parte de um sub-grupo facilmente identificado.
Moda como instrumento de auto-estima – neste grupo, os indivíduos verão na
moda a solução para satisfazer sua auto-estima.
Moda como instrumento de transformação – fundado na carência social, a moda
passa a ser percebida como preenhedora de vazios desta sociedade contemporânea,
onde atos de consumo vem a saciar as necessidades de transformação. A roupa passa a
ser um fator “mágico”, onde o seu uso, hipoteticamente, passa a ser transferido para
seu usuário.
Sob esta ótica, Garcia e Miranda (2007) há uma intersubjetividade sobre a percepção do
consumo de moda como forma de comunicação.
“A crença é essa: as posses de alguém fazem parte do que esse alguém é. [...]
as posses influenciam a maneira como as pessoas se vêem (questão individual)
e também como se vêem umas às outras (questões sociais). No nível social, as
necessidades de consumo de moda repousam principalmente na questão da
integração: possuir produtos para interagir com determinados grupos e
simultaneamente para se distanciar de outros.” (GARCIA e MIRANDA 2007,
p. 108)
Ainda sob sua análise, é importante destacar:
“ [...] Ao consideramos a moda como expressão de valores individuais e
sociais predominantes durante um período de tempo determinado, ela pode ser
entendida como extensão visível e tangível da identidade e dos sentimentos
pessoais.” (GARCIA e MIRANDA 2007, p. 118).
Consumo de moda e referências históricas
Diante destas análises, traremos agora nosso foco de estudo para um tempo e espaço
específico da história do Brasil. Mais precisamente, este foco de análise será os valores e de
consumo e seus códigos construídos na sociedade açucareira recifense. Esses significados são
notados na obra de Gilberto Freyre.
“Em sociedades chamadas burguesas, o modo das mulheres casadas se
apresentarem em público, constitui um dos meios dos seus maridos se
afirmarem prósperos ou socialmente bem situados. Sendo assim, é preciso que
os vestidos de esposas ou de filhas variem de menos a mais exuberantemente e
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caros, e adornados como expressão, quer da constância de status alto dos
maridos e pais, quer como expressão de aumento de prosperidade ou de
ascensão sócio econômico ou políticas ou na ocupação de cargos ilustres de
maridos ou pais” (FREYRE 1986, p.31).
Esse seria um ponto alto na observação do consumo simbólico de uma época da sociedade
açucareira recifense.
Em séculos passados, mais precisamente entre os séculos XVI e XVII, está localizado o
apogeu da economia da sociedade recifense onde o luxo era tão exacerbado que chegava a
transpor as condições mais luxuosas da própria corte portuguesa, como no uso de garfos nas
refeições, coisa rara nesta época e indicador de comportamento de alto luxo não só pela posse
como pela sofisticação que residia no uso deste instrumento. Já era notada presença de
produtos importados fruto da passagem constante de navios vindos da China, Índia, Peru e das
Canárias; onde os senhores de engenho adquiriam seus chapéus, bengalas e adornos para suas
residências. Não só do material se constituía esta importação, também era notado no
comportamento refinado e nos tratos de mando desta sociedade fidalga. (Freyre, 2002)
O status de Senhor de Engenho, segundo o relato do jesuíta João Antônio Andreoni não era
mero indicador de dono de terra mas constituía em símbolo que ainda hoje é usado para
designar “aquele que é ouvido, obedecido e respeitado” (PINHO, 1970).
“ Em 1857, anúncio no Diário de Pernambuco, jornal em circulação até os
dias de hoje, tornava evidente o que vinha sendo, há anos, a europeização do
trajo e do calçado no Brasil, através não só da importação de artigos
europeus com a de chegadas, ao nosso país de, além de artistas, artesãos. No
referido anúncio, informa-se terem acabado de chegar de Paris um Sr.
Blanchin, “ ótimo official de sapateiro, e a Madama Blanchin, perita
engomadeira de roupa fina”... ofereciam seus préstimos “por chegarem com
todos os aparelhos necessários para as suas artes. Evidente requintes novos
para o Brasil, sendo de presumir dos sapatos que já fossem de aparência
discreta” (FREYRE, 1997, p. 119-120)
Estes homens e mulheres da sociedade açucareira usavam a moda para posicionar seu status.
Segundo Quintas (2007), a cor escura predominou entre as silhuetas patriarcais, fiéis adeptas
do estilo europeu. Modas que correspondiam a climas temperados e frios, longe da
tropicalidade do nosso país. O estilo de vestir feminino explorou excessivamente requintes de
complementos: rendas, babados, bicos. A indumentária acompanhou a escala social. Muitas
jóias, muitos enfeites, muita arrogância. O poder da cana residia nas roupas extravagantes,
adornos não menos extravagantes. A mulher seguiu à risca o que a França a orientou e o
homem pautou sua indumentária sob o signo da Inglaterra. (Freyre, 2002).
“ Nessa civilização regional predominantemente rural – e açucareira – já se
fazia notar uma complementação urbana, com Olinda e o Recife – o Recife
como porto de mar, importantíssimo para a exportação do açúcar e para a
importação de valores europeus e africanos [...]. Se podem esses surtos de
desenvolvimento sociocultural brasileiro ser denominados civilizações é que
não lhes faltaram características urbanas de convivência. Mas essas
características, sobre base e sobre espaços principalmente rurais. De onde
poderem ser considerados exemplos de ajustamentos toscamente urbanos. Ou
antecipações de toscos ajustamentos urbanos (FREYRE, 1982. p. 12)
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Ainda como parte integrante desta civilização, existirá a forte influência do colonizador
português. Esse por sua vez, carrega características que o diferenciam do resto do continente
europeu neste período, tornando o mais cosmopolita de todos os tempos. Aliado a isso, sua
grande facilidade de adaptação e transformação, o faz “o desbravador de caminhos, um
plástico em sua maleabilidade cultural”, afirma Quintas (2007). Essas características, somadas
aos trópicos e ao tempero mouro presente neste ambiente, constroem todo um apurado
estético, que chega a ser percebido até por marginais como é o caso da estética do cangaço.
Uma moda de valores claramente representados em símbolos do trajo, traz mais uma
característica única ao nosso caso de estudo que é a incoerência da casa grande x ocasiões
sociais. Tanto no traje feminino como no masculino, existia um desleixo excessivo nas roupas
usadas em casa. A mulher, onde focamos nosso caso de estudo por conta de um número maior
de elementos que ajudam nossa análise, no ambiente familiar apresentam-se com roupas
largas, chinelos sem meia e com cabelos descuidados. Um desleixo oriundo as horas de ócio
vivido por esta sociedade. Importante salientar, que esta “vida fácil”, vivida por nosso objeto
de estudo, também é um signo de luxo. O mandar fazer é sem dúvida uma referência de
poder.
Quando tratamos do homem deste período, nota-se uma que não difere das mulheres. Este
também está entregue ao ócio, e em muitos casos, suas atividades físicas se resumem a
cavalgadas pelo pasto. Sua preferência será sempre a contemplação, entregue aos cafunés –
hábito genuinamente masculino, com um toque de lasciva – de esposas e mucamas. Quando
jovem, este homem terá hábitos delicados, que em dados momentos da juventude não difere
muito seu corpo das linhas femininas. Pés delicados, pele clara e corpo franzino. De certo que
esta aparência só perpetuara até o matrimônio, onde ambos os sexos sofrerão alterações no
peso e no cuidado com o corpo (FREYRE 1997).
Apesar de todo o requinte e modernidade desta civilização, com acesso a produtos finos e
raros vindo de toda parte do mundo, esta é uma épocas onde a saúde não tão evoluída.
Doenças comuns do nosso dia-a-dia e de fácil solução, serão causadoras de perdas
principalmente de filhos pequenos. Anjos sobem aos seus, sem sequer terem tido a
oportunidade do aconchego do colo de suas mães, declara Freyre. Este excesso de mortes,
inserido numa religiosidade católica, traz a esta sociedade a permanência da cor preta e roxa.
Preta no luto fechado, quando de parentes próximos; ou roxa, quando abrandada pela
juventude do seu usuário. Eis aqui mais um fato curioso desta civilização. Com a permanência
do luto em todas as famílias, e conseqüentemente a necessidade de comunicar posses através
da vestimenta, surgindo assim o luto de luxo. Surge neste período, artesãos e costureiras,
especializadas na produção de trajes pretos ricos em detalhes e em materiais. Mas uma vez, a
mulher mídia da mensagem de riqueza e prosperidade do seu marido, encontra uma forma de
ressaltar suas características econômicas (QUINTAS, 2007).
Com o declínio da cana de açúcar, a cidade do Recife ainda carregará o posto de uma das
mais importantes cidades do país.
“Até meados dos anos 50, o Recife era incontestavelmente a principal cidade
do Nordeste, por muitas décadas a terceira capital do país, como também o
pólo cultural mais atuante, depois de São Paulo e Rio de Janeiro (TELES,
2000. p. 15).
Ainda sob a ótica de Teles (2000), a decadência em muito se dá pela falta de lideranças
políticas, tanto locais como nacionais. Mesmo assim, será sempre notado seu apogeu, ainda
oriundo do período açucareiro, nas fachadas dos prédios e casarios do Bairro do Recife (bairro
que dá origem a cidade). São fachadas suntuosas, de um requinte de adornos que deixa claro o
senso estético apurado e o gosto pelo refinado.
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Hoje, a economia do estado de Pernambuco já não é unicamente da cana de açúcar; apesar de
ainda ser um dos setores de importantes economicamente e culturalmente. Pernambuco ainda
carrega consigo o título de um dos melhores ambientes logísticos do país. Sua economia
baseada no comércio e nos serviços possui outros setores, que vão da agricultura irrigada a
pólos de alta tecnologia da informação. Como herança cultural da grande miscigenação de
informações vividas há tempos atrás, faz de Pernambuco um caldeirão de ritmos, artes
plásticas e manifestações culturais.
Método de pesquisa
Este estudo percebe na iconografia uma grande ferramenta para fundamentar sua proposta de
trabalho. Foi utilizando como método a análise semiótica de imagens paradas de Gemma
Penn (PENN 2002 apud. BAUER e GASKELL) onde o analista trabalha com um conjunto de
instrumentais conceptuais, para uma abordagem sistemática dos sistemas de signos, a fim de
descobrir como eles produzem sentido.
Tendo como objetivo apresentar uma possível relação entre gostos e costumes da sociedade
recifense, com fundamento histórico no período da cana-de-açúcar, este trabalho buscou como
objeto de análise, fotografias de época em contraponto a fotografias atuais de ambientes
sociais na cidade de Recife.
Considerando que a relação entre o mundo real e o sujeito não pode (ou não precisa) ser
traduzido em números, o estudo também buscou na análise denotativa não exaurir
informações num inventário tradicional, criando critérios pré-estabelecidos de observação
para identificação dessas semelhanças.
Critérios de análise
Quanto às imagens de época
Para garantir uma fidelidade do material analisado, este trabalho focou sua fonte de pesquisa
na Fundação Joaquim Nabuco e Fundação Gilberto Freyre. Estas possuem em seu setor de
iconografia, um acervo significativo de imagens do período desejado (séc. XVI e XVII).
Dentre o vasto número de possibilidades, foram escolhidas imagens que prezassem pela
clareza dos seus elementos de composição, e também pela quantidade de informações que
poderiam ser geradas por esses elementos.
Para que o trabalho fosse mais abrangente em sua análise, foi escolhido imagens de tipos
masculinos, femininos, adolescentes e infantil, tentando com isso despertar as possibilidades
de relação, passado e presente, através de suas referências.
Quanto às imagens contemporâneas
Como fonte de análise do tempo presente, este estudo buscou imagens de eventos socais
recifenses nos anos de 2006 e 2007; tendo como fonte de pesquisa fotos de eventos sociais,
foi utilizado sites de jornais recifenses (coluna social do Diário de Pernambuco e Jornal do
Commercio) e sites sociais (Bob Flash). Usando do mesmo fundamento do para escolha das
imagens de época, foram escolhidas imagens que contribuíssem com elementos que
facilitassem a análise desejada.
Quadro de critérios pré-estabelecidos
Fundamentado nos texto de Quintas (2007) e Freyre (1987), onde são descritos com detalhes
trajes do 1º período em estudo, descrevemos abaixo, características e pontos encontrados nos
acervos pesquisados e seus critérios de análises.
Critério de análise 01 – Modelagem.
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Nos séc. XVI e XVII, com já foi descrito anteriormente, a moda tinha na cópia de
padrões europeus suas regras. A modelagem feminina mantinha-se ajustada ao corpo
no tronco. Suas mangas eram fartas e volumosas nos ombros, ajustadas ao punho. Os
decotes praticamente ausentes nas idades mais avançadas, era discreto quando jovem,
mostrando um pouco do colo, que poderia ser coberto por véus ou chalés. As saias
mantinham o rigoroso padrão europeu. Sempre longas e fartas, guardavam a
“decência” das suas usuárias.
Critério de análise 02 – Cor.
A cor predominante nos trajes femininos será:
Para vestidos de passeio – Cinza rato; toupeira; castanho não muito escuro; resedá;
musgo; bege carregado; tijolo; violeta.
Para vestidos de visita e cerimônias – Campangne heliotrópio, cinzento pérola; bege
claro; groselha; azul Sèrvres; verde esmeralda, mordoré; rubi escuro; e violeta de
parma.
Para vestidos de baile e teatro – Rosa deste o tom mais suave até o ao mais
carregado; azul celeste; verde aguar; branco; amarelo canário; marfim; creme; rubi;
gris; gema de ovo; palha; e pêssego.
É importante lembrar que o uso da cor, está diretamente relacionado com a
condição da mulher em análise. Esse terá uma gradação mais suave se for usado
por mulheres mais jovens e solteiras. Os tons mais fechados e escuros, serão
destinados as senhoras.
Critério de análise 03 – Materiais.
Nesta análise, estaremos atentos a tecidos pesados e nobres, assim como o veludo e o
brocado. Destacaremos também o uso de pedrarias e bordados requintados, porem
discretos na sua forma visual. Outro pondo que caberá a nossa análise são os
aviamentos, tais como: bicos, rendas, fitas, pregas e nervuras, comuns neste período.
Critério de análise 04 – Composição.
O uso exagerado de acessórios, símbolos de valor como correntes de ouro, brincos,
pulseiras e até o pince-nez – acessório fundamental na composição do traje no final do
séc. XVI, tanto para homens quanto para mulheres; serão aqui analisados.
Outro ponto deste critério será a superposição e número de peças usadas em um traje.
Critério de análise 05 – Gestual.
Como nosso objeto de análise é a imagem estática, o que por um lado também nos
ajuda por sua dramaticidade, trabalharemos o gestual dos personagens nelas
fotografados. Neste período, é notada a hierarquia na composição familiar, onde o
patriarca ocupava o local de destaque no grupo. Mas a mulher, também tem sua
construção de personagem nesta cenografia. É clara a postura de submissão e ao
mesmo tempo de nobreza, de pertencimento a valores e herança cultural.
Análises de resultados
Abaixo, o trabalho apresenta similaridades percebidas durante esta análise. São elas:
Forma – constantemente é percebido volumes e comprimento referência do primeiro período
analisado. Tanto no feminino quanto no masculino, e recorrente a modelagem muito próxima
dos padrões do séc. XVII. Mesmo quando modernizada, percebemos suas referências
adaptadas ao nosso tempo.
Cor – neste critério, fica ainda mais clara nossa percepção. Principalmente se analisada pelo
aspecto tradicional do uso das cores em ocasiões sociais. Foi recorrente o uso de cores
escuras, mesmo em ocasiões mais descontraídas ou em horários onde essa cor não é
recomendada por consultores de etiqueta. Mas sua associação as suas referências de valor,
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talvez seja um dos motivadores desse uso.
Materiais – apesar da cidade do Recife está situada na região nordeste do Brasil, área
reconhecidamente tropical com temperaturas elevadas, o uso de tecidos nobres e pesados, tais
como tafetá, chantum e até o mesmo o veludo, serão percebidos nestes trajes. Outro detalhe
relevante é o uso de aviamentos de adorno, como pedrarias e redás, nas peças analisadas.
Mais uma vez, o horário e o uso desses adornos/aviamentos não estão dentro dos padrões
convencionais.
Composição – neste critério a superposição é o ponto de destaque nesta análise. Mais uma
vez vemos uma incoerência do clima da cidade do Recife e a real necessidade de agasalhar-se.
Outro destaque é o excesso de acessórios, presente nas imagens analisadas. É importante
ressaltar a renovação desses acessórios, onde não são exatamente os mesmos do primeiro
período analisado, mas renovações materializadas para os nossos dias.
Gestual – devido ao acesso de novas tecnologias, esse quesito é o mais sutil de ser
trabalhado. No primeiro período em análise, o acesso a fotografia era privilégio de poucos, e
esse registro era praticamente um evento familiar ou social, onde todo um cuidado era tomado
para não perder a oportunidade de gravar as informações desejadas. Nos dias atuais, com a
facilidade do registro em equipamentos digitais de fácil acesso por vários níveis sociais, não
trás mais esse cuidado e elaboração fotográfica. Mesmo assim, este critério é importante para
nossa análise visto registrar a postura assumida e representação, em alguns casos, do
personagem desejado. Nas fotos do séc. XVI e XVII, vemos uma clara construção de valores,
seja no posicionamento altivo do personagem da figura 01, ou na postura submissa de alguns
personagens da figura 02.
Quando feita a análise para os dias atuais, apesar desse registro não possuir mais os cuidados
como já foi dito acima, ainda percebesse semelhanças na postura e gestos característicos dos
personagens analisados.
Figura 1 - Imagem de época – Séc. XVI a XVII
01 – Figura de senhor pernambucano
trajado sob regras da época.
Critérios
01 – Forma – comprimentos e volumes trabalhados dentro das regras européias. Casaca
com comprimento mais longo, e gola com recorte acentuado. Ligeiro volume nas
mangas.
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02 – Cor – predominância da cor escura,neste caso a cor preta.
03 – Materiais – gola em veludo e corpo da casaca em tecido espesso, possivelmente lã.
04 – Composição – percebe-se a superposição da casaca sob uma camisa de colarinho
marcado. Além disso, destaca-se o volume da gravata e o suo da cartola. Em sua mão
esquerda, o uso de jóias, possivelmente um anel de graduação ou de referência familiar.
05 – Gestual – a figura apresenta uma postura viril, com o olhar altivo e superior. Sua
postura ereta indica força, posse e autoridade.
Figura 2 - Imagem de época – Séc. XVI a XVII
02 – Família patriarcal
pernambucana
Critérios
01 – Forma – tanto no vestuário feminino como no masculino, temos uma cópia de
formas européias. Nos homens, predomina a modelagem inglesa, mais próxima do corpo
e com valorização para golas e pequenos volumes nos ombros. Já para as mulheres, é
clara a influência francesa, com volumes superiores (mangas e colo) e inferiores (saias
rodadas e amplas), marcados por cinturas ajustadas ao corpo.
As crianças, são uma reprodução das roupas dos adultos, com alguns exageros nos
volumes das golas e amplitude das mangas.
02 – Cor – predominância da cor escura para todos os gêneros e idades.
03 – Materiais – Nós homens o uso de tecidos pesados, mesmo quando usados em
superposições (coletes e camisaria). São tecidos opacos, sem brilho e de forte valor
agregado na sua matéria-prima.
Para as mulheres, tecidos facilitadores de volumes (tafetás e brocados). Notasse o forte
uso de babados valorizando o colo, bem como o uso de rendas
Para as crianças, repetem-se os mesmos tecidos, mas surgem a variação entre o claro e
esculo.
04 – Composição – os looks apresentam várias referências de poder. São elas:
Masculino: traje dentro de padrões europeus da época; uso de chapéus e acessórios
como broches (insígnias ou referências de família) uso de relógios de ouro, jóias de
prestígio na época.
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Feminino: traje dentro dos padrões europeus, com requinte francês notado nos volumes
e modelagem dos vestidos. Esmero na forma de construir o penteado. Uso de jóias e
acessórios como o leque.
Infantil: mais uma vez, vemos o modelo europeu como referência. Tanto nos meninos
como nas meninas vemos o uso de meias longas e rendas.
05 – Gestual – a cena apresenta uma clássica hierarquia patriarcal. Onde os homens, na
sua maioria, estão de pé em posição se superioridade. Nota-se o olhar imparcial e
superior, notadamente o personagem central da foto, que possivelmente, dentro dos
padrões da época, tratava-se da pessoa mais importante a ser fotografada.. As mulheres,
possuem a postura de submissão aos maridos/pais, mas está presente a nobreza na forma
de sentar-se e no olhar de superioridade. As crianças, fazem parte desta escala
hierárquica, em sua posição rente ao chão.
Figura 3 – Imagem contemporânea – 2006 a 2007
03 – Casamento ocorrido no período da tarde – Cidade do Recife
Critérios
Masculino
01 – Forma – modelagem, comprimento e desenho dentro das regras da casaca
inglesa. Destacamos o desenho da gola e o volume da gravata.
02 – Cor – cor clara, mas apropriada ao horário do evento. O dourado presente na
cor da gravata e no detalhes do primeiro colete.
03 – Materiais – tecidos apropriados ao clima [gabardine, algodão e cetim]
04 – Composição – o look apresenta uma superposição de peças. É importante
destacar o uso de 02 coletes [1º colete em gabardine e o 2º colete em cetim].
Apesar de um desenho mais contemporâneo da lapela, a camisa e laço da gravata
estão dentro de padrões do séc. XVII.
05 – Gestual – mesmo diante de uma foto casual, percebesse o tem de seriedade e
altivez. Este ressaltado pelo função do objeto de análise e o evento que participa.
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Feminino
01 – Forma – modelagem e volumes contemporâneos.
02 – Cor – cor clara, dentro dos padrões tradicionais da função do objeto de
análise.
03 – Materiais – tecidos nobres [tafetá, cetim e tule de seda]. Destacamos o uso
de pedrarias e bordados sofisticados no vestido e véu.
04 – Composição – o look apresenta uma contemporaneidade no seu conjunto,
mas cabe destacar o uso de pedrarias e ricos detalhes em bordados da composição,
além de jóias de grande proporção [brincos e tiara]
05 – Gestual – neste caso, por se tratar de uma foto casual, o objeto de análise
apresenta uma postura descontraída e prazerosa em participação do evento.
Figura 4 – Imagem contemporânea – 2006 a 2007
04 – Família recifense em baile de debutantes – Cidade do Recife
Critérios
Masculino [adulto e infantil]
01 – Forma – modelagem e design contemporâneos.
02 – Cor – cor escura, tanto para o adulto quanto para a criança. Destacamdo o
contraste na cor da gravata.
03 – Materiais – tecidos apropriados ao clima [gabardine, algodão e cetim]
04 – Composição – os looks apresenta contemporaneidade na sua composição.
Destacamos o contratas no usos gravatas com cores vibrantes, não muito como
para o público masculino.
05 – Gestual – neste caso, por se tratar de uma foto casual, o objeto de análise
apresenta uma postura descontraída e prazerosa em participação do evento.
Feminino [adulto e adolescente]
01 – Forma – modelagem e design com referências retrô. Uso de corpetes
modelando busto.
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02 – Cor – cores mais escuras para o traje do adulto e mais claras para o caso do
infantil. Contrate [verde musgo e preto] nas cores trabalhadas no look do adulto.
03 – Materiais – tecidos nobres [tafetá, brocados e chatum]. Destacamos o uso
de bordados [look adulto] e a aplicação de fitas de veludo sobre o chatum [look
adolescente]
04 – Composição – os looks apresentas contemporaneidade mas com forte
referências no retrô [anos 50]. É importante destacar o uso de jóias de grande
proporção, bem como o valorização de papeis reforçado pelas cores adotadas
nos objeto de análise.
05 – Gestual – neste caso, por se tratar de uma foto casual, o objeto de análise
apresenta uma postura descontraída e prazerosa em participação do evento.
Considerações finais
Quando valores culturais são facilmente percebidos no consumo de moda contemporâneo, o
estudo dessa perpetuação trás uma análise bastante rica e fundamentada em fatos e períodos
de impacto na cultura ou sociedade analisada. Estes valores terão sua história construída,
principalmente, em um auto-reconhecimento dos que fazem parte deste grupo fundamentada
em valores sociais. É o que este estudo denomina de empoderamentoiii.
Tendo a sociedade recifense como foco de análise, percebe-se no empoderamento um reflexo
de um período de glória, que construiu nos seus habitantes um sentimento de ser e
reconhecer-se em um nivelamento superior a outras regiões e estados brasileiros da época. O
acesso a novas tecnologias, a troca de experiências e matérias com outras culturas, associadas
ao sentimento de posse do “ouro branco” como riqueza aparentemente inesgotável, constrói
na história de Pernambuco valores perpetuados através dos tempos. Esse sentimento de
pertencimento pernambucano, também será percebido pelo seu irredentismos, registrado em
batalhas e explosões de inimigos que viriam a ferir essa tradição e sentimento de posse. Nessa
trajetória histórica, existiram alguns momentos de baixa neste sentimento de
pernambucanidade, mas nunca foi percebido no consumo de moda deste grupo a perda de
referências do período áureo da cana-de-açúcar, transcrita no requinte e riqueza de seus trajes
em aparições sociais.
Hoje, percebem-se no consumo de moda da sociedade recifense, inúmeras referências deste
período. Seja nos volumes, cores e matérias empregados nos trajes, tanto masculino quanto
feminino, este estudo encontra, ma maioria das vezes, elementos de conexão com o tempo
passado.
É curioso perceber, que mesmo com a decadência deste setor na economia pernambucana, e
com o ranço histórico dos senhores de engenho associado a autoritarismo e privilégios sociais,
que membros que nunca fizeram parte desta classe mais elevada, reconheçam nestes signos
elementos de valor e de adoção de moda.
Diante deste universo analisado, percebe-se nesta sociedade, indicativos que leva a crer que a
tradição, fundamentada em processos históricos, pode vir a ser um fator decisório no consumo
de moda. Historicamente, dentro de uma classificação pessoal debruçada na experiência
também como membro desta sociedade, classifico este fenômeno como Civilização do
Açúcar. Onde a sociedade açucareira, vivida em toda sua glória nos séc. XVI e XVII,
perpetuasse em gostos, modos e conseqüentemente consumo de moda da cidade do Recife.
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Referências
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manual prático - Petrópolis, RJ – Edt. Vozes - 2003
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BAUER e GASKELL. Pesquisa Qualitativa com Texto, Imagem e Som, Rio de Janeiro,
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TELES, José. Do Frevo ao Mangue, São Paulo, Edt. 34, 2000
BEZERRA, Bruno. Caminhos do Desenvolvimento, São Paulo, Edições Inteligentes, 2004
On line
Wikipédia – www.wicipedia.com.br
Bob Flash – www.bobflash.com.br
JC On Line – www.jornaldocommercio.com.br
Diário de Pernambuco – www.diariodepernambuco.com.br
i
Apelido de valorização dado ao açúcar no período áureo de sua produção em Pernambuco. Hoje este termo tem
uma função pejorativa associada a decadência e falência dos seus produtores
ii
Definição de valores sociais e emocionais - Sheth, Mittal e Newman (2001).
Valores sociais são encontrados quando indivíduos escolhem produtos que veiculam uma imagem congruente
com as normas de seus amigos e conhecidos, ou então a imagem social que eles desejam projetar. Ele existe
quanto o produto passa a ser associado a um grupo.
Valores emocionais referem-se ao prazer e à satisfação emocional que o produto ou serviço oferecem, gerando
emoções positivas e prazerosas ao seu usuário [ex. o uso de um perfume que torna seu usuário mais atraente, ou
o aumento de confiança por vestir uma roupa de determinada marca de prestígio].
iii
Termo popular usado para designar pessoa que expressa, em palavras ou gestos, poder associado à nobreza.
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1 Identidade Cultural e Consumo: Uma Reflexão Histórica