Efeitos da declaração de insolvência
A declaração da insolvência tem várias implicações para a empresa
devedora, os créditos, outros processos judiciais e os negócios.
A declaração da insolvência afecta não só a empresa devedora, mas também outras
pessoas, além dos seus efeitos processuais, efeitos sobre os créditos e efeitos
sobre os negócios em curso.
Efeitos sobre o devedor e outras pessoas
Um dos principais efeitos da declaração da insolvência consiste no facto da empresa
insolvente e os seus corpos gerentes deixarem de poder administrar e dispor do seu
património, bem como de bens e direitos que essa entidade adquira enquanto o
processo decorrer, ficando estes a cargo do administrador de insolvência, que é
nomeado pelo tribunal.
No entanto, excepcionalmente, a empresa insolvente pode continuar a administrar
e dispor do seu património, desde que:
- tenha requerido essa administração, ou tenha apresentado um plano de
insolvência que preveja a continuidade da exploração da empresa por si próprio ou
se comprometa a fazê-lo no prazo de 30 dias após a sentença de declaração de
insolvência;
- não haja razões para recear atrasos na marcha do processo ou outras
desvantagens para os credores;
- o requerente da insolvência dê o seu acordo, caso não seja o devedor.
Excluindo este caso, a partir da declaração de insolvência, a empresa insolvente
deixa de poder administrar o seu património, podendo apenas praticar determinados
actos desde que afectem bens não integrantes da massa insolvente.
Por outro lado, a empresa deixa de poder ceder rendimentos ou alienar bens futuros
penhoráveis, qualquer que seja a sua natureza, mesmo tratando-se de rendimentos
que obtenha ou de bens que adquira posteriormente ao encerramento do processo.
Os actos realizados pela empresa insolvente que violem estas regras são
ineficazes, ou seja, não produzem efeitos. Excepcionam-se os actos celebrados a
título oneroso com terceiros de boa fé antes do registo da sentença da declaração
de insolvência, desde que não se tratem de actos que possam ser resolvidos em
benefício da massa insolvente. Assim, a outra parte que realizou o negócio jurídico
com a empresa devedora tem direito à restituição do que tiver prestado, não tendo,
no entanto, direito a receber uma indemnização pelos eventuais prejuízos sofridos.
Esta restituição é paga pela massa insolvente.
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Os pagamentos de dívidas à massa insolvente, que sejam efectuados ao
insolvente após a declaração de insolvência, apenas desoneram quem os efectua se
forem efectuados de boa fé em data anterior à do registo da sentença, ou se se
demonstrar que o respectivo montante entrou efectivamente na massa insolvente.
Os órgãos sociais da empresa devedora mantêm-se em funcionamento após a
declaração de insolvência, mas os seus titulares não serão remunerados, podendo
renunciar aos cargos com efeitos imediatos. Tal apenas não sucede quando a
administração da insolvência for assegurada pela própria empresa. Neste caso
manter-se-ão as remunerações dos seus administradores e membros dos seus
órgãos sociais.
Durante a pendência do processo de insolvência, o administrador da
insolvência tem exclusiva legitimidade para propor e fazer seguir:
- as acções de responsabilidade que legalmente couberem, em favor da próprio
empresa devedora, contra os fundadores, administradores de direito e de facto,
membros do órgão de fiscalização do devedor e sócios, associados ou membros,
independentemente do acordo do devedor ou dos seus órgãos sociais, sócios,
associados ou membros;
- as acções destinadas à indemnização dos prejuízos causados à generalidade dos
credores da insolvência pela diminuição do património integrante da massa
insolvente, tanto anteriormente como posteriormente à declaração de insolvência;
- as acções contra os responsáveis legais pelas dívidas do insolvente.
Apenas o administrador da insolvência pode exigir aos sócios da empresa devedora,
as entradas de capital diferidas e as prestações acessórias em dívida,
independentemente dos prazos de vencimento que tenham sido estipulados,
intentando para o efeito as acções que se revelem necessárias.
Obrigações da empresa insolvente para com o tribunal, o administrador
de insolvência e os credores
A empresa insolvente, os seus administradores e membros do seu órgão de
fiscalização, se for o caso, bem como as pessoas que tenham desempenhado
esses cargos nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência, os
empregados e prestadores de serviços e as pessoas que o tenham sido nos dois
anos anteriores ao início do processo de insolvência, ficam obrigados a fornecer
todas as informações relevantes para o processo que lhe sejam solicitadas pelo
administrador da insolvência, pela assembleia de credores, pela comissão de
credores ou pelo tribunal, bem como prestar a colaboração que lhe seja requerida
pelo administrador da insolvência para que este possa desempenhar as suas
funções.
A recusa de prestação de informações ou de colaboração é livremente apreciada
pelo juiz, nomeadamente para efeito da qualificação da insolvência como culposa.
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Por outro lado, devem ainda, sempre que tal seja determinada pelo juiz ou pelo
administrador da insolvência, apresentar-se pessoalmente no tribunal. Se a não
comparência for injustificada, o juiz poderá ordenar que compareçam sob custódia,
independentemente da multa aplicável.
Alimentos aos trabalhadores da empresa insolvente
Relativamente aos trabalhadores que necessitem absolutamente de meios de
subsistência e os não puderem angariar pelo seu trabalho, e sejam titulares de
créditos sobre a insolvência emergentes de contrato de trabalho, ou da violação
ou cessação deste contrato, até ao limite do respectivo montante, o administrador da
insolvência pode-lhes, com o acordo da comissão de credores, ou da assembleia de
credores, atribuir-lhes um subsídio à custa dos rendimentos da massa insolvente, a
título de alimentos.
Havendo motivo justificado, a atribuição de alimentos pode cessar em qualquer
estado do processo, por decisão do administrador da insolvência.
No final do processo, os subsídios atribuídos serão deduzidos ao valor desses
créditos.
Efeitos processuais
A declaração de insolvência de uma empresa devedora pode afectar o decorrer de
vários processos judiciais que directa ou indirectamente estão relacionados com o
seu património.
Anexação de processos relativos ao património da empresa devedora
Uma vez declarada a insolvência, e caso o administrador da insolvência o requeira
ao tribunal, são anexadas ao processo de insolvência todas as acções intentadas
contra a empresa devedora, ou contra terceiros, em que se apreciem questões
relativas a bens compreendidos na massa insolvente, cujo resultado possa
influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente
patrimonial intentadas pelo devedor.
Nestas acções judiciais, o administrador da insolvência substitui a empresa
insolvente, independentemente da apensação ao processo de insolvência e do
acordo da parte contrária. Se a empresa insolvente for parte de uma convenção
arbitral, e o resultado do litígio puder influenciar o valor da massa, a eficácia dessa
convenção é suspensa.
Suspensão das acções executivas requeridas pelos credores da
insolvência
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A declaração de insolvência suspende quaisquer diligências executivas ou
providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens
integrantes da massa insolvente, e impede a instauração ou o prosseguimento de
qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se no
mesmo processo houver outros executados, a execução prossegue mas apenas
contra eles.
Quanto às acções relativas a dívidas da massa insolvente, durante os três meses
seguintes à data da declaração de insolvência, não podem ser propostas execuções
para pagamento dessas dívidas. As acções, incluindo as executivas, relativas às
dívidas da massa insolvente correm por apenso ao processo de insolvência, com
excepção das execuções por dívidas de natureza fiscal.
Anexação de outros processos de insolvência
Mediante requerimento do administrador da insolvência, podem ser
anexados/apensados ao processo de insolvência os processos em que tenha sido
declarada a insolvência de pessoas que legalmente respondam pelas suas.
No caso da sociedade comercial ser insolvente, poderão ser anexados os processos
em que tenha sido declarada a insolvência de sociedades que ela domine ou com
ela se encontrem em relação de grupo.
Estas medidas tem como objectivo uma maior protecção dos credores e maior
celeridade do próprio processo de insolvência.
Efeitos sobre os créditos
A declaração de insolvência faz com que se possa exigir ao insolvente que cumpra
as suas obrigações, independentemente do prazo que tivesse inicialmente para as
cumprir, ou seja, estas consideram-se vencidas e exigíveis.
Este efeito sobre as obrigações do devedor permite que se apurem, imediatamente
a seguir à declaração de insolvência, todas as dívidas do insolvente, «estabilizandose» o seu passivo e permitindo posteriormente apurar a massa insolvente, ou seja,
o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e
direitos que ele adquira enquanto o processo decorrer.
Compensação de créditos
É possível compensar créditos sobre a insolvência, ou seja, aqueles cujo
fundamento já existe à data da declaração da insolvência, com dívidas à massa
insolvente, que são as constituídas no decurso do processo.
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Assim, a partir da declaração de insolvência, os credores da insolvência podem
compensar os seus créditos com essas dívidas desde que se verifiquem
determinados requisitos, como o crédito ser exigível judicialmente, e as obrigações
em causa terem por objecto coisas da mesma espécie ou qualidade. Além disso, a
compensação tem de preencher os requisitos legais exigidos antes de ter sido
declarada a insolvência.
No entanto, a compensação não é admissível:
- se a dívida à massa se tiver constituído depois da data da declaração de
insolvência, designadamente em consequência da resolução de actos em benefício
da massa insolvente;
- se o credor da insolvência tiver adquirido o seu crédito de outrem, após a data da
declaração de insolvência;
- com dívidas do insolvente pelas quais a massa não seja responsável;
- entre dívidas à massa e créditos subordinados sobre a insolvência.
Vencimento das obrigações
Um dos efeitos mais importantes da declaração de insolvência é determinar o
vencimento de todas as obrigações do insolvente, desde que não estejam
subordinadas a um acontecimento futuro e incerto (ou seja, a uma condição
suspensiva).
No entanto, as obrigações ainda não exigíveis à data da declaração de
insolvência obedecem a um regime especial. Assim, se não fossem devidos juros
remuneratórios, ou fossem devidos juros inferiores à taxa de juros legal, a obrigação
considera-se reduzida para o montante que, se acrescido de juros calculados sobre
esse mesmo montante, respectivamente, à taxa legal, ou a uma taxa igual à
diferença entre a taxa legal e a taxa convencionada, pelo período de antecipação do
vencimento, corresponderia ao valor da obrigação em causa.
Se se tratar de uma obrigação fraccionada, ou seja, de uma obrigação que pode
ser cumprida em várias prestações, esta regra é aplicável a cada uma das
prestações ainda não exigíveis.
Na contagem do período de antecipação do vencimento, considera-se que este
ocorreria na data em que as obrigações se tornassem exigíveis, ou em que
provavelmente tal ocorreria, sendo essa data indeterminada.
Planos de regularização
O vencimento imediato, tal como descrito em cima, de dívidas abrangidas em plano
de regularização de impostos e de contribuições para a segurança social, tem os
efeitos que os diplomas legais respectivos atribuem ao incumprimento do plano,
sendo os montantes exigíveis calculados em conformidade com as normas desses
diplomas.
Créditos por alimentos
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O direito a exigir alimentos do insolvente relativo a período posterior à declaração de
insolvência só pode ser exercido contra a massa se nenhuma das pessoas que a lei
considera obrigadas a prestar alimentos estiver em condições de os prestar, e
apenas se o juiz o autorizar, fixando o respectivo montante.
Conversão de créditos
Para efeitos da participação do respectivo titular no processo de insolvência, os
créditos:
- não pecuniários são considerados pelo valor em euros estimável à data da
declaração de insolvência;
- pecuniários cujo montante não esteja determinado são considerados pelo valor
em euros estimável à data da declaração de insolvência;
- expressos em moeda estrangeira ou índices são considerados pelo valor em
euros à cotação em vigor à data da declaração de insolvência no lugar do respectivo
pagamento.
Uma vez reconhecidos, tanto os créditos não pecuniários como os expressos em
moeda estrangeira ou índices consideram-se definitivamente convertidos em euros.
Extinção de privilégios creditórios e garantias reais
Com a declaração de insolvência ditada pelo tribunal, extinguem-se:
- os privilégios creditórios gerais que forem acessórios de créditos sobre a
insolvência de que forem titulares o Estado, as autarquias locais e as instituições de
segurança social constituídos mais de 12 meses antes da data do início do processo
de insolvência;
- os privilégios creditórios especiais que forem acessórios de créditos sobre a
insolvência de que forem titulares o Estado, as autarquias locais e as instituições de
segurança social vencidos há mais de 12 meses antes da data do início do processo
de insolvência;
- as hipotecas legais cujo registo haja sido requerido nos dois meses anteriores à
data do início do processo de insolvência, e que forem acessórias de créditos sobre
a insolvência do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança
social;
- se não forem independentes de registo, as garantias reais sobre imóveis ou
móveis sujeitos a registo integrantes da massa insolvente, acessórias de créditos
sobre a insolvência e já constituídas, mas ainda não registadas nem objecto de
pedido de registo;
- as garantias reais sobre bens integrantes da massa insolvente acessórias dos
créditos considerados como subordinados.
São créditos subordinados os que são graduados depois dos restantes, ou seja,
aqueles que a lei entende deverem ser satisfeitos em último lugar por resultarem de
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situações que merecem menos protecção. Assim, por exemplo, são subordinados os
créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor, ou os
créditos por suprimentos.
Privilégio creditório é a faculdade concedida pela lei a certos credores,
independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros. Este
privilégio abrange os juros relativos aos últimos dois anos, se forem devidos, e são
de duas espécies: mobiliários e imobiliários.
Os privilégios mobiliários são gerais, se abrangem o valor de todos os bens
móveis existentes no património do devedor à data da penhora ou de acto
equivalente; são especiais, quando compreendem só o valor de determinados bens
móveis.
Declarada a insolvência, não é admissível o registo de hipotecas legais que
garantam créditos sobre a insolvência, inclusive após o encerramento do processo.
No entanto, estas hipotecas legais podem ser registadas se o seu registo tiver sido
requerido nos dois meses anteriores à data do início do processo de insolvência.
Concessão de privilégio ao credor requerente
Os créditos não subordinados, ou seja, os primeiros créditos a serem graduados, do
credor que tenha requerido a situação de insolvência posteriormente declarada,
passam a beneficiar de privilégio creditório geral, graduado em último lugar, sobre
todos os bens móveis integrantes da massa insolvente, relativamente a um quarto
do seu montante, num máximo correspondente a 500 unidades de conta – o que
actualmente corresponde a 51.000 euros.
Se o processo intentado por um credor for prejudicado pela declaração de
insolvência do devedor noutro processo instaurado posteriormente, este privilégio é
atribuído ao requerente no processo mais antigo.
Suspensão da prescrição e caducidade
A sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos
de prescrição e de caducidade oponíveis pela empresa devedora, durante o decurso
do processo.
Efeitos sobre os negócios em curso
A declaração da insolvência tem consequências nos negócios que à data em que
esta é declarada não tenham ainda sido totalmente cumpridos tanto pela empresa
insolvente como pela outra entidade que com ela negoceia.
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Regra geral, o cumprimento destes contratos fica suspenso até que o administrador
da insolvência opte pela execução ou recuse o cumprimento. No entanto, a outra
parte do negócio pode fixar um prazo razoável ao administrador da insolvência para
este exercer a sua opção, findo o qual se considera que recusa o cumprimento.
Se o administrador optar por recusar o cumprimento, e sem prejuízo do direito a
que a coisa em causa seja retirada da massa insolvente, se for o caso:
- nenhuma das partes tem direito à restituição do que prestou;
- a massa insolvente tem o direito de exigir o valor da contraprestação
correspondente à prestação já efectuada pelo devedor, na medida em que não
tenha sido ainda realizada pela outra parte;
- a outra parte tem direito a exigir, como crédito sobre a insolvência, o valor da
prestação do devedor, na parte incumprida, deduzido do valor da contraprestação
correspondente que ainda não tenha sido realizada;
- o direito à indemnização
dos prejuízos causados à outra parte pelo
incumprimento.
No entanto, o valor desta eventual indemnização está limitado pelo valor da
obrigação eventualmente imposta nos termos da segunda alínea, depois de abatido
o quantitativo a que a outra parte tenha direito, por aplicação da terceira; e constitui
crédito sobre a insolvência.
Poderá ser feito um «acerto de contas» através da compensação destas
obrigações até à concorrência dos respectivos montantes.
De destacar, no entanto, que a opção pela execução é abusiva se o cumprimento
pontual das obrigações contratuais por parte da massa insolvente for
manifestamente improvável.
Qualquer convenção que pretenda excluir ou limitar a aplicação destas regras
relacionadas com os efeitos da declaração de insolvência nos negócios em curso
não produz quaisquer efeitos.
Ressalvam-se apenas os casos em que a situação de insolvência, uma vez
ocorrida, possa configurar justa causa de resolução ou de denúncia do contrato em
atenção à natureza e conteúdo das prestações contratuais, o que poderá suceder,
por exemplo, no caso da prestação a que a empresa insolvente se obrigara, ter
natureza infungível, ou seja, apenas poder ser cumprida por aquela.
Há no entanto determinados contratos que têm regras específicas neste âmbito, e
que de seguida se referem.
Venda com reserva de propriedade e operações semelhantes
No contrato de compra e venda com reserva de propriedade em que o vendedor
seja a empresa insolvente, a outra parte poderá exigir o cumprimento do contrato
se a coisa já lhe tiver sido entregue na data da declaração da insolvência.
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Esta regra também se aplica no caso de insolvência da empresa locadora, ao
contrato de locação financeira e ao contrato de locação com a cláusula de que a
coisa locada se tornará propriedade do locatário depois de satisfeitas todas as
rendas combinadas.
A cláusula de reserva de propriedade, nos contratos de alienação de um
determinado bem em que o comprador seja a empresa insolvente, só é oponível à
massa se tiver sido estipulada por escrito, até ao momento da entrega da coisa.
Esta cláusula estabelece, num contrato de compra e venda, que a propriedade da
coisa não se transmite com mera celebração do contrato, mas apenas com o
cumprimento das obrigações da outra parte, ou com a verificação de qualquer outro
evento. A oponibilidade a terceiros desta cláusula, quando se trate de bem imóvel ou
de bem móvel sujeito a registo, regra geral está dependente de registo.
Se o administrador se recusar a cumprir o contrato, quando essa recusa for possível,
dá à outra parte o direito de completar a sua prestação, e de exigir, como crédito
sobre a insolvência, a parte da contraprestação em dívida.
Se o administrador optar por recusar o cumprimento, e sem prejuízo do direito à
separação da coisa, se for o caso:
- nenhuma das partes tem direito à restituição do que prestou;
- a massa insolvente tem o direito de exigir o valor da contraprestação
correspondente à prestação já efectuada pelo devedor, na medida em que não
tenha sido ainda realizada pela outra parte;
- a outra parte tem direito a exigir, como crédito sobre a insolvência, o pagamento da
diferença, se positiva, entre o montante das prestações ou rendas previstas até final
do contrato actualizadas para a data da declaração de insolvência, e o valor da coisa
na data da recusa, se a outra parte for o vendedor ou o locador, ou da diferença, se
positiva, entre este último valor e aquele montante, caso a outra parte seja o
comprador ou o locatário.
O valor de uma eventual indemnização por prejuízos causados à outra parte pelo
incumprimento do negócio está limitado pelo valor da obrigação eventualmente
imposta nos termos da segunda alínea, depois de abatido o quantitativo a que a
outra parte tenha direito, por aplicação da terceira; e constitui crédito sobre a
insolvência.
Poderá ser feito um «acerto de contas» através da compensação destas
obrigações até à concorrência dos respectivos montantes.
Venda sem entrega
Independentemente do estabelecido relativamente às operações a prazo, se a
obrigação de entrega por parte do vendedor ainda não tiver sido cumprida, mas a
propriedade já tiver sido transmitida, o administrador da insolvência não pode
recusar o cumprimento do contrato, no caso de insolvência do vendedor.
Se a empresa insolvente for o comprador, a recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvência, tem os mesmos efeitos da recusa do cumprimento
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pelo administrador no caso da venda com reserva de propriedade e operações
semelhantes, o mesmo se aplicando aos contratos translativos de outros direitos
reais de gozo.
Contrato-promessa
No caso da empresa insolvente ter prometido vender, o administrador da
insolvência não pode recusar o cumprimento de contrato-promessa através do qual
se produz efeitos reais sobre um bem, se já tiver sido entregue a quem promete
comprar.
À recusa de cumprimento de contrato-promessa de compra e venda pelo
administrador da insolvência são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as
regras da recusa do cumprimento pelo administrador descritos na venda com
reserva de propriedade e operações semelhantes, na insolvência que respeite ao
que promete comprar bem como no caso de insolvência de quem promete vender.
Operações a prazo
Se a entrega de mercadorias, ou a realização de prestações financeiras, que tenham
um preço de mercado, tiver de se efectuar em determinada data ou dentro de certo
prazo, e a data ocorrer ou o prazo se extinguir depois de declarada a
insolvência, a execução não pode ser exigida por nenhuma das partes.
Nesse caso, o comprador ou vendedor, consoante o caso, tem apenas direito ao
pagamento da diferença entre o preço ajustado e o preço de mercado do bem ou
prestação financeira no segundo dia posterior ao da declaração de insolvência,
relativamente a contratos com a mesma data ou prazo de cumprimento, a qual,
sendo exigível ao insolvente, constitui crédito sobre a insolvência.
Estes créditos poderão ser utilizados para compensação, uma vez que em ambos os
casos o vendedor é obrigado a restituir as importâncias já pagas, até à concorrência
dos respectivos montantes.
Se o vendedor for o insolvente, o direito à restituição constitui para a outra parte
crédito sobre a insolvência.
Consideram-se prestações financeiras, designadamente:
- a entrega de valores mobiliários, excepto se se tratar de acções representativas de,
pelo menos, 10% do capital da sociedade, e não tiver carácter meramente financeiro
a liquidação contratualmente prevista;
- a entrega de metais preciosos;
- os pagamentos em dinheiro cujo montante seja determinado pela taxa de câmbio
de moeda estrangeira, pela taxa de juro legal, por uma unidade de cálculo ou pelo
preço de outros bens ou serviços;
- opções ou outros direitos à venda ou à entrega de valores mobiliários, metais
preciosos ou aos pagamentos em dinheiro, de montante a determinar em função de
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taxa (cambio ou juro legal) por uma unidade de cálculo ou pelo preço de outros bens
ou serviços.
Às operações a prazo não abrangidas nestas regras são aplicáveis as regras da
recusa do cumprimento pelo administrador descritos na venda com reserva de
propriedade e operações semelhantes.
Efeitos nos contratos de locação
Locação é o contrato pelo qual alguém se obriga a proporcionar a outrem o gozo
temporário de uma coisa mediante retribuição. Este contrato chama-se
arrendamento quando a coisa sobre que incide é imóvel, ou aluguer quando a
coisa é móvel, como por exemplo um veículo.
Locação em que a empresa insolvente é locatária
A declaração de insolvência não suspende o contrato de locação em que a
empresa insolvente seja locatária, mas o administrador da insolvência pode sempre
denunciá-lo com um pré-aviso de 60 dias, se nos termos da lei ou do contrato não
for suficiente um pré-aviso inferior. Se essa denúncia ocorrer, obriga ao pagamento,
como crédito sobre a insolvência, das retribuições correspondentes ao período
entre a data de produção dos seus efeitos e a do fim do prazo contratual estipulado,
ou a data para a qual de outro modo teria sido possível a denúncia pela empresa
insolvente, deduzidas dos custos inerentes à prestação do locador por esse período,
bem como dos ganhos obtidos através de uma aplicação alternativa do bem locado,
desde que imputáveis à antecipação do fim do contrato, com actualização de todas
as quantias, para a data de produção dos efeitos da denúncia.
Se a coisa locada não tiver sido ainda entregue à empresa à data da sua
declaração de insolvência, tanto o administrador da insolvência como o locador
podem resolver o contrato, sendo lícito a qualquer deles fixar ao outro um prazo
razoável para o efeito, findo o qual cessa o direito de resolução.
Locação em que a empresa insolvente é locadora
A declaração de insolvência não suspende a execução de contrato de locação em
que a empresa insolvente seja locadora – ou seja aquela que proporciona a outrem
o gozo temporário de um bem mediante retribuição - , e a sua denúncia por qualquer
das partes apenas é possível para o fim do prazo em curso, sem prejuízo dos casos
de renovação obrigatória.
Se, porém, o bem a locar ainda não tiver sido entregue ao locatário à data da
declaração de insolvência, tanto o administrador da insolvência como o locatário
podem terminar o contrato, sendo lícito a qualquer deles fixar ao outro um prazo
razoável para o efeito, findo o qual cessa o direito de resolução.
A alienação do bem locado no processo de insolvência não priva o locatário dos
direitos que lhe são reconhecidos pela lei civil em tal circunstância.
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Contratos de mandato e de gestão
Os contratos de mandato, incluindo os de comissão, que estejam relacionados com
a massa insolvente, caducam com a declaração de insolvência do mandante, ainda
que o mandato tenha sido conferido também no interesse do mandatário ou de
terceiro, sem que o mandatário tenha direito a indemnização por eventuais danos
sofridos.
No entanto, o contrato de mandato mantém-se em vigor:
- se for necessário que o mandatário pratique actos que evitem prejuízos previsíveis
para a massa insolvente, até que o administrador da insolvência tome as devidas
providências;
- pelo período em que o mandatário tenha exercido funções desconhecendo, sem
culpa, a declaração de insolvência do mandante.
A remuneração e o reembolso de despesas do mandatário constituem dívidas da
massa insolvente, na primeira hipótese, e dívida da insolvência, na segunda.
Estas regras aplicam-se, com as devidas adaptações, a quaisquer outros contratos
pelos quais o insolvente tenha confiado a outrem a gestão de assuntos patrimoniais,
com um mínimo de autonomia, nomeadamente a contratos de gestão de carteiras
e de gestão do património.
Contrato de prestação duradoura de serviço
Os contratos que obriguem à realização de prestação duradoura de um serviço no
interesse da empresa insolvente, e que não sejam contratos de mandato e de
gestão, não se suspendem com a declaração de insolvência, podendo ser
denunciados por qualquer das partes, desde que seja respeitada a antecedência
obrigatória do pré-aviso.
Só há direito a indemnização por denúncia antecipada do contrato se esta for
efectuada pelo administrador da insolvência.
Nesse caso, o montante da indemnização, que será paga como crédito à
insolvência, corresponde ao montante das retribuições relativas ao período entre
a data de produção dos seus efeitos e a do fim do prazo contratual estipulado,
ou a data para a qual de outro modo teria sido possível a denúncia pelo insolvente,
deduzidas dos custos inerentes à prestação do contratado por esse período, bem
como dos ganhos obtidos através de uma aplicação alternativa do objecto do
contrato, desde que imputáveis à antecipação do fim do contrato, com a
actualização de todas as quantias para a data de produção dos efeitos da denúncia.
Procurações
É prática corrente as empresas passarem procurações, nomeando outras
entidades como suas procuradoras. Assim, a procuração é o acto pelo qual a
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empresa atribui a outrem, voluntariamente, poderes que permitem a essa
pessoa/entidade representá-la. Salvo disposição legal em contrário, a procuração
reveste a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar.
Salvo nos casos em que os contratos de mandato se mantém mesmo depois de
declarada a insolvência do mandante, a declaração de insolvência do representado
faz com que caduquem as procurações que digam respeito ao património integrante
da massa insolvente, ainda que conferidas também no interesse do procurador ou
de terceiro.
O procurador que desconheça sem culpa a declaração de insolvência do
representado não é responsável perante terceiros pela ineficácia do negócio
derivada da falta de poderes de representação.
Contas correntes
A declaração de insolvência implica o termo dos contratos de conta corrente em que
a empresa insolvente seja parte, sendo encerradas essas contas.
Actos que prejudicam a massa insolvente
Para evitar que a empresa devedora se aproveite de relações especiais, orgânicas
ou de grupo, ou outras, para praticar actos que prejudiquem os credores, o
administrador da insolvência pode resolver determinados actos, ficando tudo
como se esses actos nunca tivessem sido praticados ou omitidos, consoante o caso,
beneficiando assim a massa insolvente e por inerência, os próprios credores.
Em termos gerais, para que se possa utilizar este regime, é necessário que:
- os actos praticados ou omitidos prejudiquem a massa insolvente - ou seja,
sejam actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a
satisfação dos credores da insolvência;
- esses actos tenham sido praticados nos quatro anos anteriores à data do início
do processo de insolvência;
- tenha existido má fé de terceiros intervenientes nesses actos - ou seja, que estes,
à data do acto, soubessem que a empresa se encontrava em situação de
insolvência, tivessem conhecimento do carácter prejudicial do acto e de que se
encontrava à data em situação de insolvência iminente; ou soubessem que tinha
sido iniciado o processo de insolvência da empresa.
A lei presume que existe má fé em relação a actos cuja prática ou omissão
tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de
insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa
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especialmente relacionada com a empresa insolvente, ainda que essa relação
especial não existisse nessa data.
Há no entanto excepções a estas regras de resolução destes actos, ou seja,
mecanismos que facilitam a sua aplicação. Assim, por um lado, há actos
relativamente aos quais se presume existir má fé de terceiros; por outro, há
actos que podem ser resolvidos independentemente da verificação de
qualquer condição, mesmo que praticados ou omitidos fora dos prazos
contemplados na lei, porque a lei os considera prejudiciais à massa e não admite
prova em contrário.
Resolução incondicional
São os seguintes os actos que podem ser resolvidos em benefício da massa
insolvente, independentemente de se verificarem outros requisitos:
- partilha celebrada há menos de um ano da data do início do processo de
insolvência, e em que o quinhão do insolvente tenha sido essencialmente
preenchido com bens de fácil ocultação, cabendo aos co-interessados a
generalidade dos imóveis e dos valores nominativos;
- actos celebrados pelo devedor a título gratuito dentro dos dois anos anteriores à
data do início do processo de insolvência, incluindo o repúdio de herança ou legado,
com excepção dos donativos conformes aos usos sociais;
- constituição pelo devedor de garantias reais relativas a obrigações preexistentes
ou de outras que as substituam, nos seis meses anteriores à data de início do
processo de insolvência;
- fiança, subfiança, aval e mandatos de crédito, em que o insolvente tenha outorgado
nos seis meses anteriores à data de início do processo de insolvência e que não
respeitem a operações negociais com real interesse para ele;
- constituição pelo devedor de garantias reais em simultâneo com a criação das
obrigações garantidas, dentro dos 60 dias anteriores à data do início do processo de
insolvência;
- pagamento ou outros actos de extinção de obrigações cujo vencimento fosse
posterior à data do início do processo de insolvência, ocorridos nos seis meses
anteriores à data do início do processo de insolvência, ou depois desta mas
anteriormente ao vencimento;
- pagamento ou outra forma de extinção de obrigações efectuados dentro dos seis
meses anteriores à data do início do processo de insolvência em termos não usuais
no comércio jurídico e que o credor não pudesse exigir;
- actos a título oneroso realizados pelo insolvente dentro do ano anterior à data do
início do processo de insolvência em que as obrigações por ele assumidas excedam
manifestamente as da contraparte;
- reembolso de suprimentos, quando tenha lugar dentro do ano anterior à data do
início do processo de insolvência.
Forma de resolução dos actos prejudiciais e prescrição desse direito
A resolução pode ser executada pelo administrador da insolvência por carta
registada com aviso de recepção nos seis meses seguintes ao conhecimento do
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acto, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de
insolvência.
No entanto, enquanto o negócio não estiver cumprido, a resolução pode ser
declarada, sem dependência de prazo, através de um meio processual chamado
«excepção».
Quem não concordar com a resolução do acto, pode impugná-la desde que o faça
no prazo de seis meses.
Efeitos da resolução para os transmissários
Só se pode opor a resolução de um acto a transmissários posteriores se se
pressupuser a sua má fé. Esta regra aplica-se, com as necessárias adaptações, à
constituição de direitos sobre os bens transmitidos em benefício de terceiro.
Efeitos da resolução
A resolução tem efeitos retroactivos, reconstituindo a situação que existiria se o
acto não tivesse sido praticado ou omitido, consoante o caso. A acção intentada pelo
administrador da insolvência com esta finalidade depende do processo de
insolvência.
Para este efeito, a restituição do objecto prestado pelo terceiro só tem lugar se o
mesmo puder ser identificado e separado dos que pertencem à parte restante da
massa. Se tal não for possível, a obrigação de restituir o valor correspondente
constitui dívida da massa insolvente (por ser contraída no decurso do processo) na
medida do respectivo enriquecimento à data da declaração da insolvência, e
constitui dívida da insolvência quanto ao eventual remanescente.
A obrigação de restituir a cargo do adquirente a título gratuito só existe na medida do
seu próprio enriquecimento, salvo o caso de má fé, real ou presumida.
Impugnação pauliana
Os credores da insolvência não podem instaurar novas acções judiciais de
impugnação pauliana (através das quais reagem contra actos celebrados em seu
prejuízo) contra actos praticados pela empresa devedora cuja resolução tenha
sido declarada pelo administrador da insolvência.
As acções de impugnação pauliana que estiverem pendentes à data da declaração
da insolvência ou que tenham sido propostas posteriormente não serão
apensas/anexas ao processo de insolvência. Se o administrador da insolvência vier
a resolver o acto em causa, a acção de impugnação pauliana suspende-se, só
continuando a ser julgada se essa resolução vier a ser declarada ineficaz por
decisão definitiva.
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Se o tribunal decidir em favor do credor que interpôs a acção de impugnação
pauliana, este tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse,
podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de
conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.
O adquirente de má fé é responsável pelo valor dos bens que tenha alienado, bem
como dos que tenham perecido ou se hajam deteriorado por caso fortuito, salvo se
provar que a perda ou deterioração se teriam igualmente verificado no caso de os
bens se encontrarem no poder do devedor.
O adquirente de boa fé responde só na medida do seu enriquecimento.
Os efeitos da impugnação aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido.
Referências
Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, art.sº 46º, 90 a 101, 102 a 119, e 264º, nº 3
alínea b), 81 a 89, 120 a 127
Código Civil, art.sº 610 e 616, 262º e ss, 1022º e ss., 1157º e ss., artigos 270º, 733º a 735º, 847.º e
2009.º
Código Comercial, art. 334º
Decreto-Lei n.º 231/81, de 28 de Julho, art.º 21
Lei n.º 4/73, de 4 de Junho
Decreto-Lei n.º 430/73, de 25 de Agosto
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