IPO E CANCELAMENTO DE OFÍCIO
Carlos Augusto Junqueira de Siqueira (*)
No auge das ofertas públicas iniciais do período 2004-7, escrevi aqui sobre o boom na primeira
metade dos anos 80 do século passado. A febre das aberturas de capital trouxe ao mercado
companhias que dele logo seriam expelidas pela via inglória da falência, da concordata, dos
maus resultados e do abandono pelos investidores.
Um dos comentários recebidos trazia-me notícia auspiciosa – Agora é diferente. Não foi. Certo,
houve uma crise no meio do caminho, a de 2008. Mas que não inibe, hoje, a abertura do capital
em outras plagas, com captação de quase 50 bilhões de dólares no 1º trimestre deste ano.
Nos idos dos anos 80, bastou a mudança de humor na denominada política monetária – que
tomou o lugar das demais políticas naquela e em outras ocasiões –, priorizando a colocação de
títulos públicos. A inflação e o mau uso dos recursos fizeram o resto do serviço.
Agora, as coisas se desencaminharam, segundo alguns, por decisões pontuais equivocadas do
governo em relação a empresas estatais e às concessionárias de serviços públicos, como já
escrevi em outro espaço.
Mas esse angu não seria suficiente para empanzinar o fôlego do mercado como se vê pelo
confronto de opiniões entre especialistas, estampado diariamente na mídia. Como se sabe, o
capital não tem pátria e não resiste às tentações da multiplicação. No entanto, usa seu poder
para manipular, punindo ou premiando conforme suas razões e caprichos. Daí, as quedas de
até 90% sobre preços praticados nos IPO’s de algumas empresas [2004-7], em relação às
cotações atuais.
Nesse contexto, particularizamos um aspecto. O cancelamento de ofício – inicialmente adotado
pela CVM como medida destinada a limpar o mercado da chamada herança maldita [ICVM nº
29/84], que consistia na existência de sociedades inativas, desaparecidas ou falidas, cujo
registro subsistia apenas formalmente, devido à regulamentação pré-CVM, baseada em
incentivos fiscais –, acabou sendo institucionalizado pela autarquia.
Apesar de ter efetuado o procedimento destinado a implementar aquela medida, quando quase
200 empresas tiveram seus registros cancelados, não consideramos adequada a sua aplicação
rotineira, pelo fato das companhias deixarem de prestar informações periódicas obrigatórias,
posição que, a propósito, foi claramente explicitada no livro “Fechamento do Capital Social”.
Ainda que praticada em mercados desenvolvidos, não deve ser tomada de forma
desconectada com a realidade do nosso mercado e da cultura de seus participantes, de
maneira simplista, resultando na possibilidade das sociedades abertas – ou seus
controladores, por meio das distribuições secundárias –, captarem recursos em volumes
expressivos, deixarem de prestar informações e receberem, como prêmio, o cancelamento do
registro sem qualquer ônus e sem oferecer prévia liquidez aos acionistas, mediante a
efetivação de uma OPA. Tudo ao abrigo da regulamentação.
Pior ainda quando, no afã de abrir capital, a peneira dos intermediadores não se mostra eficaz.
Estamos vendo cancelamentos do registro de empresas recém-chegadas ao mercado e lendo
sobre outras que pretendem fazê-lo, realizando ofertas públicas de compra de ações, mas nem
sempre praticando preços capazes de, ao menos, restituir aos acionistas valores compatíveis
com seus investimentos ainda recentes.
Leio também que a CVM iniciou processo para o cancelamento, de ofício, do registro da
Agrenco, companhia que, em 25.10.07, captou quase R$ 700 milhões no mercado e, em
27.08.08, apresentou pedido de recuperação judicial.
Em 1979, uma instituição financeira promoveu a abertura do capital da Metalflex que, na
sequência, impetrou pedido de concordata claramente já decidido e preparado antes da venda
das ações ao público.
A CVM tomou um dos primeiros grandes sustos de sua, então, curta existência, mas retomou o
prumo e cobrou providências. Num final feliz, a instituição financeira, agindo eticamente, lançou
oferta de recompra dos papéis que havia colocado, ao mesmo preço praticado na distribuição,
evitando prejuízos aos investidores e à confiabilidade do mercado.
Por outro lado, a regulamentação vigente prevê a devida apuração de fatos e práticas
irregulares cometidas enquanto a companhia deteve a condição de aberta, o que pode ser feito
posteriormente, isto é, após o cancelamento do registro.
Entendo que, em determinados casos, sopesando a gravidade dos atos ou práticas inquinadas,
a apuração e eventual responsabilização sejam efetuadas previamente à concessão do
cancelamento e, na hipótese da celebração de termo de compromisso, a OPA dirigida aos
minoritários seja exigida como condição para a interrupção do processo sancionador.
* Advogado e autor dos livros “Transferência do Controle Acionário” e “Fechamento do Capital
Social”.
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