A REFORMA INSTITUCIONAL PARA A GESTÃO DA ÁGUA EM PORTUGAL: AS
ADMINISTRAÇÕES DE REGIÃO HIDROGRÁFICA
A. G. Brito1,2, S. Costa2, J. Almeida2, R. Nogueira2, L. Ramos3
1
Administração da Região Hidrográfica do Norte, I.P., Rua Formosa, 254,
4049-030 Porto – Portugal; [email protected];
2
Instituto de Bioengenharia e Biotecnologia - Universidade do Minho, Campus de Gualtar,
4710-053 Braga – Portugal;
3
Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional,
Rua de “O Século”, 51, 1200-433 Lisboa – Portugal.
Resumo
Uma profunda reforma institucional no domínio da gestão da água está ser conduzida em Portugal, sendo que um
dos elementos que mais a distingue consiste na implementação de novas entidades de índole regional com
responsabilidades estratégicas e executivas, as Administrações de Região Hidrográfica (ARH). O processo de
constituição das ARH tem-se revestido de uma complexidade significativa, quer pela natureza adaptativa
subjacente à constituição de novas entidades e à adopção de novos conceitos de gestão, quer pela conjuntura de
reformulação institucional a que obriga. Assim, a presente comunicação efectua uma breve análise e discussão
de questões organizacionais, jurídicas e legais que conduziram à elaboração do diploma legal de implementação
das ARH, incluindo a respectiva estrutura, organograma e opções estratégicas relevantes.
Palavras-chave: Administrações de Região Hidrográfica, recursos hídricos, água, reforma institucional, DQA.
1. Introdução e objectivos
A necessidade de garantir uma gestão integrada da água, em conformidade com a
funcionalidade dos ciclos hidrológicos e as especificidades regionais de índole económica,
social e ambiental, reúne, desde há várias décadas, um largo consenso em Portugal. Além
disso, em especial na última década, tem-se acentuado a presença de novos riscos e desafios
emergentes, designadamente os associados a fenómenos hidrológicos extremos, à fragilidade
das zonas costeiras, à rejeição de substâncias perigosas e, não menos preocupante, à
vulnerabilidade das origens de água perante conflitos sociais e políticos. Por outro lado, um
modelo operacional de gestão da água que optimizasse a valorização do recurso em respeito
pela sua protecção e conservação e assumisse a bacia hidrográfica como unidade de gestão,
pese embora algumas tentativas de aproximação a essa abordagem, era essencial para a
protecção integrada dos ecossistemas, para a eficiência institucional e para o serviço ao
cidadão (CORREIA, 2000). Este conjunto de elementos constituiu, pode afirmar-se, o
impulso final para a profunda reforma do quadro institucional de gestão da água em curso em
Portugal, corporizada no seu arranque pela Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro (Lei da
Água), e subsequentemente concretizada pelo Decreto-Lei n.º 208/2007, de 29 de Maio, ao
determinar a constituição das Administrações de Região Hidrográfica (ARH), entidades
desconcentradas e criadas como institutos públicos dotados de autonomia financeira e
administrativa, bem como de património próprio.
Neste contexto, a presente comunicação pretende apresentar alguns aspectos do processo de
implementação destas novas entidades de gestão da água em Portugal, sendo seu objectivo
geral apresentar os principais traços da definição do respectivo modelo estratégico,
operacional e funcional. Esse trabalho foi mandado executar e foi coordenado pelo Ministério
do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional (MAOTDR),
tendo sido desenvolvido com o apoio de um conjunto de especialistas, em parceria com a
Universidade do Minho (MAOTDR, 2008).
2. Antecedentes do novo modelo institucional
A gestão da água é um processo integrador das diversas competências da administração e
engloba as componentes de qualidade e quantidade subjacente à conectividade dos ciclos
naturais e construídos da água. A gestão de recursos hídricos compreende, por isso, a
administração da água com potencial valor económico, seja em razão do usufruto do próprio
bem natural ou resultante de um aproveitamento do domínio hídrico e, em Portugal, tem um
percurso cuja origem remonta aos finais do século XIX, com a constituição dos Serviços
Hidráulicos em 1884. A Figura 1 efectua uma sinalização simplificada de alguns dos
elementos mais significativos do percurso histórico no domínio das instituições e da política
de recursos hídricos em Portugal, inicialmente centrado nos aproveitamentos hidroeléctricos e
que foi, progressivamente, integrando um outro conjunto de preocupações por via do
reconhecimento das valências ambientais, económicas e sociais da água.
Figura 1. Perspectiva
histórica da gestão de recursos hídricos em Portugal
Conforme é dado verificar pela Figura 1, anteriormente à formação das ARH em 2008, o
modelo de gestão assentava instrumentalmente no Instituto da Água (INAG), com
competências nos domínios do planeamento, monitorização e gestão de infra-estruturas, e nas
Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), que aglutinaram as
Direcções Regionais do Ambiente e Recursos Naturais, entidades de índole regional com
competências de licenciamento, fiscalização e, em parte, da monitorização operacional físico-química. Este modelo, suportado por um conjunto de diplomas legais promulgados em 1994,
teve o seu mérito e valor, conseguindo resultados assinaláveis. Contudo, não conseguiu fazer
face ao desenvolvimento de um número de constrangimentos, designadamente os seguintes:
 dificuldades na integração das políticas da água nas políticas de ordenamento do território,
apesar da unidade de comando, sobretudo a nível do desfasamento temporal da aprovação
dos diferentes instrumentos, a falta de orientações quanto à aplicação das opções a nível
espacial, a produção de informação sem recurso a critérios e regras de aplicação comuns,
a inexistência de delimitação cartográfica do Domínio Público Hídrico e a ausência de
consideração de diversos aspectos ao nível dos Planos Municipais de Ordenamento do
Território (SARAIVA et al, 2006);
 reduzida capacidade de resposta no licenciamento das utilizações do domínio hídrico,
sendo os prazos médios para o licenciamento elevados e, por diversas razões, algum
défice de actuação no terreno;
 carência de um sistema adequado de gestão de recursos humanos que valorize os
resultados e o desempenho;
 efectividade reduzida na aplicação de um regime contra-ordenacional, em parte devido ao
facto dos meios insuficientes e, também, em resultado da ineficiente articulação entre os
processos de planeamento, licenciamento e fiscalização;
 elevado número de intervenientes da administração na gestão dos recursos hídricos, aliado
ao facto de as atribuições não serem claras e os mecanismos de comunicação entre estes
serem insuficientes;
 em termos de participação pública, uma cultura de reduzida participação nas decisões,
tomadas sem o envolvimento directo dos interessados;
 lacunas de informação ao nível dos serviços e infra-estruturas;
 no âmbito ibérico, a articulação entre Portugal e Espanha ao nível das bacias hidrográficas
transfronteiriças, por via da Convenção de Albufeira, pode ser favorecida pelo facto da
gestão das águas ser efectuada por bacia hidrográfica em Portugal.
Não obstante estes constrangimentos, é de frisar o esforço de planeamento que foi levado a
efeito nos últimos dez anos pelo INAG, tendo sido produzido o Plano Nacional da Água
(publicado em 2002), assim como os Planos Regionais das Regiões Autónomas dos Açores e
da Madeira (em 2003 e 2008, respectivamente). Em termos de Planos de Bacia Hidrográfica,
Planos de Ordenamento da Orla Costeira e Planos de Ordenamento de Albufeira, foram
aprovados, nos últimos 15 anos, um total de 54 planos de recursos hídricos, os quais se
encontram actualmente em vigor (Figura 2).
Figura 2. Planos
de recursos hídricos em vigor (Portugal)
3. As Administrações de Região Hidrográfica
3.1. Competências e sistema de planeamento
A transposição para a ordem jurídica interna da Directiva 2000/60/CE, do Parlamento
Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro (Directiva-Quadro da Água (DQA)), a qual
estabelece um quadro de acção comunitária no domínio da política da água, foi
consubstanciada na Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro (Lei da Água) e no Decreto-Lei n.º
77/2006, de 30 de Março, tendo-se definido um novo modelo jurídico-institucional, em parte
assente nas denominadas Administrações de Região Hidrográfica. A Figura 3 representa a
área de jurisdição das ARH do Norte, do Centro, do Tejo, do Alentejo e do Algarve e as
Regiões Hidrográficas dos Açores e da Madeira. A figura mostra a diferença entre estas novas
delimitações de carácter hidrológico e a delimitação administrativa afecta à jurisdição das
CCDR do Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve.
Figura 3. Delimitação
esquemática das áreas de jurisdição das ARH e das CCDR
No quadro do estudo efectuado e que foi traduzido pela publicação do Decreto-Lei n.º
208/2007, de 29 de Maio as ARH foram constituídas como entidades de carácter
desconcentrado, de âmbito regional, dotadas de autonomia administrativa e financeira e
património próprio. Estas novas instituições especializadas no domínio água, com enfoque na
gestão integrada por bacia hidrográfica (incluindo nelas as águas costeiras adjacentes),
prosseguirão as atribuições antes detidas pelo Instituto da Água (INAG) e pela Comissão de
Coordenação e Desenvolvimento Regional Norte (CCDRN) em matéria de planeamento,
licenciamento, fiscalização, monitorização e gestão de infra-estruturas no âmbito das
respectivas circunscrições territoriais de actuação.
Entre as competências mais relevantes das ARH salienta-se a sua actuação no planeamento de
recursos hídricos, nomeadamente através da elaboração e execução dos Planos de Gestão de
Bacia Hidrográfica e dos Planos Específicos de Gestão das Águas, assim como da elaboração,
ou colaboração com o INAG, nos Planos de Ordenamento da Orla Costeira, Planos de
Ordenamento dos Estuários e Planos de Ordenamento de Albufeiras de Águas Públicas. Neste
sistema de planeamento merece destaque os Planos de Gestão de Bacia Hidrográfica, a nova
geração de planos que as ARH deverão preparar e que sucedem aos Planos de Bacia
Hidrográfica incorporando os novos desafios da Directiva Quadro da Água, assim como os
Planos de Ordenamento de Estuários, uma figura jurídica inovadora. A este propósito, a
Figura 4 representa a articulação entre os instrumentos de intervenção de diversos domínios
(incluindo os planos de recursos hídricos e os planos especiais de ordenamento do território
relacionados com os recursos hídricos) prevista na Lei da Água, em Portugal.
Figura 4. Articulação
entre os instrumentos de intervenção previstos na Lei da Água
3.2. Organização e princípios de gestão
A implementação das ARH está focada em dois vectores estruturantes para a sua organização.
Um deles é a componente estratégica, assente na qualidade dos serviços e na eficácia do
cumprimento dos objectivos atribuídos às ARH; o outro é uma componente operacional,
centrada nos recursos humanos, logísticos, financeiros e patrimoniais necessários, por forma a
assegurar a sua sustentabilidade. Neste sentido, os princípios de gestão que procuram
estruturar o exercício da missão das ARH são os representados na Figura 5.
Figura 5. Princípios
de gestão no exercício da missão das ARH
Na concretização destes princípios está subjacente um conjunto de linhas de orientação, a
saber:
i) adequação da missão das ARH ao cumprimento da programação decorrente da DQA, na
sua dupla vertente de garantia da quantidade e da qualidade dos recursos hídricos, incluindo
a acção em favor da salvaguarda de pessoas e bens;
ii) obtenção de receitas, assente na capacidade de licenciamento e fiscalização;
iii) controlo de custos, minimizando as despesas inerentes à sua actividade corrente e
atendendo às que as ARH incorrem em resultado de compromissos nacionais ou que
derivem de acções dos utilizadores do recurso;
iv) serviço centrado no utilizador, com simplificação de procedimentos, incluindo a
entrada electrónica de processos e a gestão digital da documentação, apostando na
convergência para o conceito de “balcão único”;
v) qualidade dos recursos humanos em termos de perfil e número, sem menosprezar a
capacidade de lhes assegurar a respectiva formação e motivação;
vi) foco no essencial do serviço da Administração do Estado, com contratação de
serviços externos e/ou delegação de competências para o cumprimento de actividades bem
definidas;
vii) garantia de informação de qualidade e actualizada, criando condições para a geração
de conhecimento, para a qual as novas tecnologias de monitorização, informação e decisão
são decisivas.
3.3. Modelo organizacional
As soluções para as estruturas organizacionais podem assumir diferentes tipologias,
caracterizadas por conceitos e formas de funcionamento distintos1, dessa maneira alinhando a
1
Organização funcional: estabelecida segundo o conceito de departamentalização por funções em todos os níveis
da organização e assente em princípios da hierarquia e unidade de comando, na qual cada subordinado obedece
ao seu superior imediato; organização matricial: assente na articulação entre a organização funcional e a
estrutura com as especificidades da missão. As competências das ARH integram acções de
natureza distinta, nas quais se incluem tarefas desempenhadas com carácter regular e segundo
procedimentos definidos (e.g. licenciamento dos usos do domínio hídrico), que podem
classificar-se como processos, e outras de natureza especial e temporalmente limitadas (e.g.
planos de gestão de bacia hidrográfica), que podem classificar-se como projectos. Neste
sentido, a orgânica analisada no âmbito da definição do modelo estratégico e operacional para
as ARH deve representar um compromisso eficaz entre estes dois tipos de acções que, pelo
seu âmbito e natureza, requerem tratamentos diferenciados: se as acções encaradas como
processos podem ser desenvolvidas por unidades operativas com autonomia para o
desempenho dessas funções (funcionando numa lógica de actuação segundo procedimentos
pré-definidos), as acções que podem assumir um carácter de projecto requerem uma gestão
com maior flexibilidade, inovação e interdisciplinaridade entre as diferentes unidades
orgânicas. Este quadro conceptual resultou num entendimento de estruturas matriciais como
adequadas para dar resposta aos desafios das ARH, no ensejo de racionalizar recursos e
optimizar os departamentos funcionais da organização em torno de objectivos bem definidos
(projectos).
A estrutura interna não deve ser dissociada do âmbito funcional das atribuições cometidas às
ARH (Quadro I). Dessa forma, é necessário ponderar a contribuição das competências para a
consecução e operacionalização de objectivos organizacionais (como a racionalização e
transparência da administração, a qualidade dos recursos humanos ou a sustentabilidade
económico-financeira) e ambientais (como a garantia do uso eficiente da água, a protecção da
qualidade da água, a valorização da biodiversidade e a segurança e saúde pública), para os
quais o modelo de funcionamento deve garantir uma adequada capacidade de resposta.
Quadro I.
Matriz de correlação entre atribuições e âmbito funcional de actuação das ARH
Âmbi to Funciona l
Atribu ições
(Decreto Lei n.º
58/2005, de 29 de
Dezembro - Lei da
Água)
a) Elaborar e executar
os Planos de Gestão de
Bacias Hidrográficas e
os Planos Específicos
de Gestão das Águas e
definir e aplicar os
programas de medidas
Coordenaçã
Serviços
Utilizações e Gestão de
oe
AdministraLicenciament InfraPlaneament
tivos e
o
estruturas
o
Financeiros


Apoio
Jurídico
Informação
Fiscalizaçã Monitorizaç
e
o
ão
Comunicaç
ão


orientação para a realização de projectos, configurando dois fluxos de autoridade: um vertical (correspondente à
organização funcional) e outro horizontal (emanado da autoridade do gestor de projecto); organização
projectizada: estabelecida quando o funcionamento da organização é assegurado predominantemente por
projectos, na qual as equipas são definidas especificamente para esse fim e a autoridade é estabelecida
horizontalmente, em sede de projecto.
Âmbi to Funciona l
Atribu ições
(Decreto Lei n.º
58/2005, de 29 de
Dezembro - Lei da
Coordenaçã
Serviços
Utilizações e Gestão de
oe
AdministraLicenciament InfraPlaneament
tivos e
o
estruturas
o
Financeiros
Apoio
Jurídico
Informação
Fiscalizaçã Monitorizaç
e
o
ão
Comunicaç
ão
Água)
b) Decidir sobre a
emissão e emitir os
títulos de utilização dos
recursos hídricos e
fiscalizar o
cumprimento da sua
aplicação;


c) Realizar a análise das
características da
respectiva Região
Hidrográfica e das
incidências das
actividades humanas
sobre o estado das
águas, bem como a
análise económica das
utilizações das águas, e
promover a
requalificação dos
recursos hídricos e a
sistematização fluvial;


d) Elaborar ou colaborar
na elaboração dos
Planos de Ordenamento
de Albufeiras de Águas
Públicas, nos Planos de
Ordenamento da Orla
Costeira e nos Planos de
Ordenamento dos
Estuários;






e) Estabelecer na região
hidrográfica a rede de
monitorização e
elaborar e aplicar os
respectivos programas
f) Aplicar o regime
económico e financeiro
nas bacias hidrográficas
da área de jurisdição,
fixar por estimativa o
valor económico da
utilização sem título,
arrecadar as taxas, e
aplicar a parte que lhe
cabe na gestão das
águas das respectivas
bacias ou regiões
hidrográficas;

g) Elaborar o registo das
zonas protegidas e
identificar as zonas de
captação destinadas a
consumo humano;










Como se verifica, é imperiosa a articulação entre os objectivos ambientais associados à
constituição das ARH e os objectivos organizacionais para elas definidos, aspectos onde a
inovação e a tecnologia podem desempenhar um papel no desempenho operacional (e.g.
licenciamento, fiscalização, monitorização) e no serviço ao utilizador (e.g. disponibilização de
informação actualizada).
3.4. Estrutura operacional
As ARH consubstanciam um conceito territorial da gestão da água, reconhecendo as
assimetrias do território nacional e as intra-especificidades dos recursos hídricos ao nível das
bacias hidrográficas, pelo que pretendem desenvolver estratégias diferenciadas consoante os
diferentes desafios de natureza ambiental, socioeconómica e jurídica que as mesmas
encerram. Em paralelo, é preciso dar um enfoque às singularidades dos ecossistemas
aquáticos e terrestres associados às águas doces e às águas de transição e costeiras, conhecido
como é o facto de estarem sujeitas a distintos riscos naturais e pressões sobre o regime
dominial, bem como a diferentes factores de contexto legal e socioeconómico. Este enfoque
territorial procura incrementar a integração da administração dos recursos hídricos com as
entidades que confluem nestas áreas e com o ordenamento do território, orientação que não é
alheia à necessidade de, em Portugal, se reforçar a capacidade de intervenção das políticas
públicas na zona do litoral (MAOTDR, 2006). A par desta preocupação, importa registar o
valor ambiental dos estuários, domínio das águas de transição, os quais constituem umas das
zonas onde a pressão humana mais se faz sentir em Portugal, assim como os recursos do mar,
que consubstanciam uma oportunidade estratégica para o desenvolvimento nacional. Este
conjunto de elementos levou a perspectivar a ARH com departamentos operacionais por
objectivos e não por funções, ou seja, com um Departamento de Recursos Hídricos
Interiores e um Departamento de Recursos Hídricos do Litoral. Esta é uma designação
muito clara em termos de evidência exterior, para o cidadão.
Por seu turno, congregar esforços nas unidades operacionais de licenciamento e fiscalização
constitui uma chave do sucesso de implementação, sendo claro que estas tarefas são as que
asseguram equidade e financiamento das intervenções. Justifica-se, assim, a agregação destas
funções sob a responsabilidade coordenada de um único departamento instrumental para cada
área territorial, julgando-se ser necessário ultrapassar as clássicas reticências em aglutinar
sobre a mesma coordenação departamental estas duas competências (sem se sobrepor o
desempenho da tarefa de fiscalização com a actividade de inspecção cometida à InspecçãoGeral do Ambiente e do Ordenamento do Território). Esta opção assume que o essencial é um
correcto exercício de comando e controlo relativamente às obras e empreendimentos em que
as ARH podem estar envolvidas e, conforme referido, não obsta a que haja uma optimização
de recursos humanos em torno de projectos concretos. Verifica-se, ainda, que o cerne das
tarefas que configuram um compromisso jurídico da Administração se centra num único
departamento para cada área territorial de intervenção.
Por outro lado, as actividades consideradas como serviços transversais de gestão (ou de
apoio) estão concentradas em departamentos específicos. Ainda assim, as tarefas de
administração geral e patrimonial, financeira e jurídica podem estar, ou não, integradas com
as tarefas de planeamento e monitorização e comunicação. A opção foi a de diferenciar as
actividades de gestão segundo a sua natureza administrativa e técnica, perspectiva que resulta
na consideração de dois departamentos transversais, um com competências administrativas,
patrimoniais, financeiras e jurídicas e o outro dedicado às actividades de planeamento,
monitorização, informação e comunicação (Figura 6).
Figura 6. Estrutura
orgânica adoptada para as ARH
Em qualquer das configurações orgânicas apresentadas, o modelo de organização interna das
ARH incentiva a formação de equipas de projecto, as quais permitirão cruzar as competências
dos diversos departamentos (constituindo um dos melhores exemplos deste tipo de abordagem
as matérias de planeamento enquadradas na elaboração/acompanhamento dos planos de
gestão). Por outro lado, é necessário ter presente que o modelo orgânico possui uma lógica de
gestão adaptativa, que permitirá assegurar a progressividade e a capacidade de resposta das
ARH a novas prioridades ou desafios, induzindo a seu tempo as alterações organizativas que
se revelem adequadas. Aliás, a própria estrutura interna das diferentes ARH poderá ser
reformulada, designadamente ao nível dos serviços específicos de cada Departamento.
Por último, é ainda de registar o papel dos Conselhos de Região Hidrográfica (CRH),
enquanto órgãos consultivos das ARH. Existe a expectativa que os CRH possam dinamizar a
capacitação do Estado e reforçar o processo de acesso e participação dos cidadãos na tomada
de decisão.
3.5. Algumas oportunidades
O novo modelo de gestão de recursos hídricos baseado nas ARH é credor de diversas
oportunidades. Assim, a configuração desconcentrada da gestão dos recursos hídricos pode
minimizar as actuais fragilidades ao nível da articulação com o ordenamento do território e
com os sectores utilizadores de recursos hídricos ou por eles afectados, antecipando a procura
e compatibilizando usos, sobretudo quando as actividades partilham o mesmo território e têm
exigências de qualidade e de quantidade diferentes em relação aos recursos hídricos. Por outro
lado, a relação com os utilizadores pode ser potenciada a níveis de envolvimento e
responsabilização pouco prováveis no anterior quadro institucional e normativo, através da
possibilidade de delegação de competências nas autarquias e em associações de utilizadores.
Configura-se, assim, uma oportunidade para um ciclo de planeamento mais articulado e
integrador das políticas sectoriais, que deve ser absorvido pelos instrumentos de gestão
territorial.
Espera-se que este novo modelo organizacional, congregando as competências relativas à
gestão de recursos hídricos em entidades especificas - em contraste com o modelo precedente,
no qual essas atribuições estavam cometidas a entidades com um vasto e diversificado leque
de responsabilidades (como é o caso das CCDR, entidades incumbidas de executar as
políticas de ambiente, de ordenamento do território, de conservação da natureza e da
biodiversidade, de utilização sustentável dos recursos naturais, de requalificação urbana, de
planeamento estratégico regional) -, resulte num grau de especialização que potencie a
eficácia, sem prejuízo da necessária articulação intersectorial. É uma oportunidade para ter
entidades fortes e intervenientes, com capacidade efectiva de fiscalização e com credibilidade
técnica no domínio da água, permitindo optimizar procedimentos e regras, no sentido de os
adaptar às novas exigências legais, tanto nacionais como comunitárias. A expectável
colaboração entre a Autoridade Nacional da Água e as ARH promoverá a oportunidade de
concertação e harmonização política e estratégica.
3.6. O regime económico-financeiro
A edificação da capacidade financeira das ARH tem por motivação central contribuir para a
protecção, ou recuperação, do bom estado de qualidade das águas, nela integrando a defesa e
valorização dos recursos hídricos nas suas múltiplas vertentes. Os seus proveitos advêm das
dotações do Estado mas, em especial, de receitas próprias directamente associadas à sua
actividade. Estas resultam de uma fracção da taxa de recursos hídricos (TRH), decorrente do
regime económico-financeiro estipulado no Decreto Lei n.º 97/2008, de 11 de Junho, da
aplicação das medidas de protecção e valorização dos recursos hídricos, da cobrança de
coimas, das taxas devidas por serviços de licenciamento, autorização ou emissão de parecer,
assim como das quantias cobradas pela realização de estudos e outros serviços especializados.
As ARH podem, ainda, participar em entidades de direito privado, se for imprescindível para
a prossecução das suas atribuições e mediante autorização dos membros do Governo
responsáveis pelas áreas das Finanças e do Ambiente.
Neste contexto, foi desenvolvida uma ferramenta de modelação económico-financeira,
contemplando custos de investimento anualizados e custos de exploração, manutenção e
gestão geral, assente num conjunto de pressupostos relacionados com o período em análise
(preços, vida útil dos investimentos, comparticipação de fundos comunitários, coimas e
penalidades por contra-ordenações ambientais, taxa de recursos hídricos (TRH) e dotações do
orçamento de estado). Existe também um conjunto de indicadores-padrão, proporcionando
que algumas rubricas de custo possam ser estimadas de forma indirecta, em função dos
indicadores adoptados. Considerando o seu carácter de apoio à decisão, a ferramenta
informática foi desenvolvida na plataforma Microsoft® Office Excel, integrando os dados de
base, cenários e inputs definidos na sua programação física e financeira, de forma a efectuar,
de forma expedita e eficaz, a análise dos outputs gerados, bem como o controlo e alteração de
variáveis e cenários que se pretendam avaliar. Os outputs gerados permitem a realização de
análises de sensibilidade dos resultados às variáveis e pressupostos cenarizados, através do
cálculo de elasticidades e níveis de resistência, da detecção de variáveis críticas, da análise de
cenários e da estimação do risco associado, assim como a realização de simulações ex-ante e
ex-post.
4. Conclusões
O sentido da reforma conduzida pelo MAOTDR foi o de constituir um modelo institucional
apropriado à missão de proteger e valorizar as componentes ambientais das águas, permitindo
a sua gestão racional, integrada e eficiente, facilitando a respectiva integração nas políticas
sectoriais e a salvaguarda da segurança e da saúde pública. Nesse sentido, tentando ultrapassar
diversos constrangimentos identificados no modelo binário de gestão em vigor nos últimos
anos e tendo em conta as oportunidades inerentes ao novo cenário determinado pelo quadro
legal comunitário, foram definidos os princípios e as linhas de orientação para as ARH, tanto
no que se refere à componente estratégica, como à componente operacional, por forma a
assegurar a sua sustentabilidade e a capacidade de intervenção.
Agradecimentos
Os autores manifestam o seu profundo agradecimento a um conjunto de especialistas que
colaboraram e apoiaram o presente trabalho, designadamente, Prof. António Bento Franco,
Prof. António Betâmio de Almeida, Eng. Artur Magalhães, Prof. A. Gonçalves Henriques,
Prof. António Pinheiro, Eng. Campos Correia, Dr. Carlos Pinto Lopes, Dra. Conceição
Cordovil, Eng. Eira Leitão, Prof.ª Graça Saraiva, Eng. Guedes Marques, Eng. Jaime Melo
Baptista, Prof. Luis Veiga da Cunha, Dra. Luísa Branco, Prof.ª Maria do Rosário Partidário,
Eng. Mineiro Aires, Dr. Orlando Borges, Eng. Pedro Serra, Dr. Robin de Andrade, Eng.
Rocha Afonso, Prof. Rui Ferreira dos Santos, Dr. Tiago Souza d’Alte, Eng.ª Valentina Calixto
e Prof. Veloso Gomes. Entendem ainda expressar o seu agradecimento à Eng.ª Susana Sá
(técnica estagiária da ARH do Norte, I.P.), pela sua colaboração na compilação de dados,
tratamento de gráficos e imagens e revisão do presente artigo.
Referências
CORREIA, F.N. (2000), Water Resources Management in Portugal, in Water Resources
Management – Brazilean and European Trends and Approaches, Ed. Gilberto V. Canali,
Francisco N. Correia, Francisco Lobato, Enéas S. Machado. ABRH, Porto Alegre, 2000.
MAOTDR (2006), Relatório Bases para a Estratégia de Gestão Integrada das Zonas
Costeiras, MAOTDR, 26 de Janeiro.
MAOTDR (2008), Administrações de Região Hidrográfica, MAOTDR, 1.ª Edição, Lisboa.
SARAIVA, G., ABREU, A.C., CALIXTO, V., HENRIQUES, A.G., REIS, J., SEIXAS, A.,
TADEU, C. (2006), Apreciação nº 02/CNA/2006 relativa à articulação entre a gestão da
água e o ordenamento do território, Grupo de Trabalho XI constituído no seio do Conselho
Nacional da Água, MAOTDR, Lisboa, 5 de Dezembro.
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