Contemporaneidade do Consumo Sustentável e as suas
Correlações com as Práticas Empresariais e o
Comportamento do Consumidor
Verônica Macário de Oliveira
Mestre em Engenharia de Produção
Professora Assistente da Universidade Federal de Campina Grande
[email protected]
Gesinaldo Ataíde Cândido
Doutor em Engenharia de Produção
Professora Titular da Universidade Federal de Campina Grande
[email protected]
Resumo
A sociedade moderna vivencia uma busca contínua por melhoria nas condições de vida, sobre o
ímpeto da nova ordem econômica que é pautada no consumo. Isto reflete as identidades sociais
dos consumidores a partir da acumulação dos signos do prazer e da felicidade associados aos
objetos de consumo, o que caracteriza o consumo como elemento de representação social,
conforme afirma Baudrillard (1995). Por outro lado, constatou-se que os padrões e níveis de
consumo desta sociedade estão causando sérios danos ao meio ambiente, desencadeando uma
crise ambiental que questiona o custo do desenvolvimento alcançado pelas sociedades afluentes
e cria a necessidade de reflexões sobre o consumo sustentável. Neste sentido, este artigo buscou
identificar, através de uma pesquisa bibliográfica exploratória, os aspectos conceituais existentes
na literatura sobre a sociedade de consumo, o papel de influência do marketing e da cultura sobre
os consumidores, e os impactos do consumo nas questões relacionadas à sustentabilidade, bem
como a necessidade de se trabalhar na perspectiva do consumo sustentável. Este ensaio revela
uma lacuna científica neste campo de estudo. A maioria dos estudos realizados faz uma
fragmentação do tema, porém, a complexidade verificada nas inferências dos autores sobre a
bibliografia explorada associa a análise da sociedade de consumo aos estudos ambientais e
destaca a necessidade de uma reflexão mais ampla sobre as responsabilidades envolvidas no
tema. Por fim, este ensaio deve servir para alertar contra as prescrições simplistas que são
apresentadas para as mudanças que se almejam em relação aos padrões e níveis de consumo
atuais.
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1. Introdução
O cenário mundial é considerado atualmente uma aldeia globalizada, na qual se vive uma
expansão do sistema econômico em escala global, jamais vivenciada por nenhuma outra
sociedade humana e onde o modelo atual do ser humano está intimamente associado à sua
capacidade de consumir e acumular bens materiais, passando a ser considerado como homo
consumus. Neste contexto, a sociedade atual é considerada a sociedade de consumo.
Lipovetsky (2007) afirma que nesta “civilização do desejo”, construída ao longo da segunda
metade do século XX, o capitalismo de consumo tomou o lugar das economias de produção,
sustentado pela nova religião do melhoramento contínuo das condições de vida. Porém, a
melhoria da qualidade de vida que uma parcela da população humana vem alcançando nos
últimos anos tem sido conquistada, em grande parte, pelo desenvolvimento científico e
tecnológico atingido pelo homem, aliado a uma ação predatória dos recursos naturais disponíveis
em nosso planeta.
Esta nova era do capitalismo se constrói estruturalmente através das empresas e de seus
consumidores. As primeiras estão em constante busca de uma criação de valor elevado para
atender as expectativas e necessidades dos detentores de capital, ou seja, os seus consumidores.
Para tanto, diversificam a oferta para se adaptar as exigências do seu consumidor potencial,
reduzem os ciclos de vida dos produtos pela rapidez das inovações, segmentam os mercados,
favorecem o crédito ao consumo e fidelizam o cliente por práticas comerciais diferenciadas, tendo
como alvo a nova ordem econômica pautada no consumo.
Porém, a partir da década de 1980, o consumo passou a ser incluído nos discursos sobre a crise
ambiental evidenciando o impacto que o ser humano causa sobre o meio ambiente, em face da
crescente evolução dos atos de consumo. Constatou-se que os níveis de consumo atuais não
consideram a finitude dos sistemas naturais que estão sofrendo uma exploração excessiva que
ameaça a estabilidade e a sustentação desses sistemas.
Neste sentido, Leff (2006) afirma que é preciso diagnosticar os efeitos do processo de
acumulação e as condições atuais de reprodução e expansão do capital, os impactos ambientais
das práticas atuais de produção e consumo e os processos históricos nos quais se articulam a
produção para o mercado com a produção para o auto-consumo e das economias locais e as
formações sociais dos países “em desenvolvimento” para a valorização e exploração de seus
recursos. Portanto, é preciso um olhar crítico sobre as questões relacionadas à produção e ao
consumo, ao desenvolvimento econômico e social e aos aspectos de sustentabilidade, frente a
degradação e dilapidação acelerada dos recursos naturais do planeta e a agravamento do
problema dos resíduos sólidos, bem como dos problemas sociais decorrentes.
Diante dessa questão, o presente artigo consiste num ensaio teórico que tem por objetivo explorar
os aspectos conceituais existentes na literatura sobre a sociedade do consumo e o papel de
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influência do marketing empresarial sobre os consumidores e, consequentemente, o impacto
causado pelos níveis e padrões atuais de consumo ao meio ambiente e as questões de
sustentabilidade que emergem diante das atuais práticas empresariais em busca da inovação de
seus produtos e do modo de vida dos indivíduos na moderna sociedade de consumo. A
metodologia utilizada para realização deste estudo consiste de uma revisão bibliográfica de
natureza exploratória.
Além destas considerações iniciais, o artigo explora referências bilbiográficas que abordam temas
relacionados a sociedade do consumo, as correlações entre o marketing e o consumo, o impacto
do consumo no meio ambiente e, por fim, as ações da classe empresarial e dos consumidores em
busca de um consenso sobre o desenvolvimento do consumo sustentável. Na última seção são
feitas algumas inferências sobre a bibliografia pesquisada a partir da percepção dos autores.
2. A sociedade do consumo
Twitchell (2000) afirma que a sociedade contemporânea, na maior parte do tempo, está
empregando seus esforços e suas energias nos atos de produzir e consumir cada vez mais, o que
a transforma na sociedade do consumo, fundamentada no materialismo, que coloca o consumo
como elemento central e articulador de sua vida social.
Esse materialismo que fundamenta a sociedade ocidental moderna se concentra nos valores
sociais capitalistas que favorecem o hedonismo, o individualismo, o egoísmo e o utilitarismo que
impregnam os indivíduos de um comportamento direcionado ao consumo como uma forma de
representação e identidade social, tornando o indivíduo naquilo que ele consome. Além disto, o
consumidor passa a exercer papel preponderante nas relações de mercado.
A economia neoclássica simplesmente assume, usualmente de maneira irrefletida,
o conceito de “soberania do consumidor”, um indivíduo racional e livre-pensante,
que busca maximizar sua satisfação através de um amplo cálculo dos vários
méritos e limitações dos bens em oferta contra seus preços. Trata-se de uma
concepção que vê o consumidor como a principal fonte de poder nos sistemas
econômicos capitalistas. (PORTILHO, 2003, p. 53)
Desta forma, contata-se que o consumidor mantém a busca pela realização material e, em uma
análise mais profunda sobre o seu comportamento de consumo, suas necessidades e seus
valores são influenciados por familiares, amigos, religião, formação cultural, educação e ações de
marketing. Portanto, o consumo possui muitas dimensões e não é somente a prática de ações
como escolha de objetos de consumo, compra, uso e descarte.
Contra essa imagem, muitos autores apontam que o consumo é mais significante e mais central
para o entendimento da sociedade contemporânea do que os acadêmicos tem tradicionalmente
considerado. Desta forma, destaca-se a proeminência da cultura de consumo, em si mesma, e
não simplesmente considerada como um fenômeno derivado da produção, de modo que é
necessário examinar os problemas de consumo sob a ótica das necessidades das pessoas
inseridas nesse contexto.
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Bauman (2008) afirma que esta sociedade de consumo tem como base de suas alegações a
promessa de satisfazer os desejos humanos em um grau que nenhuma sociedade do passado
pôde alcançar. Porém, a promessa de satisfação só permanece sedutora enquanto o desejo
continua insatisfeito; mais importante ainda, quando o cliente não está “plenamente satisfeito”. Ou
seja, é uma busca incessante por uma satisfação que, em tese, nunca será alcançada.
Nesse sentido, a felicidade e a qualidade de vida dos indivíduos inseridos na sociedade
mercantilista dependem cada vez mais da satisfação adquirida no ato de consumir. Porém, a
busca pelo alcance da satisfação dos desejos humanos é constantemente renovada, tornando a
necessidade de consumir uma constante das aspirações humanas, criando um ciclo infinito.
Num mundo em que uma novidade tentadora corre atrás da outra a uma
velocidade de tirar o fôlego, num mundo de incessantes começos, viajar
esperançoso parece mais seguro e muito mais encantador do que a perspectiva
da chegada: a alegria toda está nas compras, enquanto que a aquisição em si,
com a perspectiva de ficar sobrecarregado com seus efeitos diretos e colaterais
possivelmente incômodos e inconvenientes, apresenta uma alta probabilidade de
frustração, dor e remorso. (BAUMAN, 2008, p. 28)
Baudrillard (1995) destaca o milagre do consumo como elemento propulsor da felicidade do
indivíduo dentro da sociedade do consumo. Porém, esta felicidade é momentânea e nunca
plenamente alcançada, criando um ciclo de renovação acelerada do crescimento econômico,
dentro do qual surgem, a todo instante, novas expectativas e necessidades de consumidores para
serem satisfeitas pelo mercado.
O consumo passou, então, a ter uma forte relação com a busca de satisfação e felicidade dos
indivíduos ao exercerem o seu papel de consumidores. Lipovetsky (2007) apresenta em seu livro
cinco modelos paradigmáticos que comandam a inteligibilidade do prazer e da felicidade na
sociedade moderna, ou seja, na sociedade de consumo que:
1)
Assemelha-se a um sistema de estimulações sem fim das necessidades que tanto mais
aprofunda a decepção e a frustração quanto mais ressoam o convite à felicidade, onde a
sociedade que mais exibe a festa da felicidade é aquela na qual mais há carência.
2)
Interpreta o cosmo das necessidades multiplicadas ao máximo como explosão do princípio
hedonístico, exacerbação da vida dos sentidos, prevalência dos desejos de gozo aqui e agora, a
época é marcada pela promoção do instante.
3)
Reconhece na cultura contemporânea o prolongamento e a acentuação dos antigos
valores puritanos hostis aos gozos sensíveis. O hedonismo dos costumes é uma aparência
enganosa e o mundo que nos rege é, na realidade, ativista e performativo, suas palavras-chave
são competição, excelência e urgência. Tudo não é mais do que demonstração de poder,
exploração máxima de potenciais e superação de si.
4)
Cria um clima de menos frivolidade e de benevolência que a exasperação dos conflitos
inter-humanos, os tormentos da inveja, o desprazer de contemplar o sucesso do outro. A
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solicitude mercantil é a ilusão que esconde a guerra venenosa de cada um contra todos, a
alegria perversa de ver destruída a alegria dos outros.
5)
O último modelo insiste na privatização das existências posta em marcha pela civilização
consumista, ou seja, as sociedades de consumo impulsionaram uma individualização extrema
dos modos de vida e aspirações, criando o moderno processo de emancipação do indivíduo que
organiza uma nova cultura, na qual o consumismo, os cultos do corpo e do psicologismo, as
paixões por autonomia e realização individuais fizeram da relação consigo mesmo uma
dimensão dotada de um relevo excepcional.
Embora os modelos defendam razões distintas para justificar o comportamento de consumo da
sociedade moderna, todos enfatizam o consumo como o caminho a ser percorrido pelos seres
humanos para alcançar o prazer e a felicidade, destacando as crenças e os argumentos que os
impelem ao ato de consumir.
Ressalta-se, também, que a cultura de cada sociedade afeta diretamente e de várias formas as
necessidades, a busca e os estágios de avaliação de alternativas de como os indivíduos tomam
suas decisões de compra e consumo. As sociedades que estão inseridas em modelos
econômicos capitalistas apresentam o consumismo dirigido para o mercado, ou seja, a troca de
uma mercadoria defeituosa, ou apenas imperfeita e não plenamente satisfatória, por uma nova e
aperfeiçoada.
Dentro desse contexto, Barbosa e Campbell (2006, p. 7) destacam que “pode-se viver sem
produzir, mas, não sem consumir”. Portanto, o consumo assume a centralidade das questões
culturais e sociais da moderna sociedade capitalista. Porém, se não há vida sem consumo, o
consumo implica, necessariamente, em diminuição ou esgotamento de recursos naturais
necessários à produção. Desta forma, a questão central, então, transfere-se para a ocorrência de
um consumo excessivo e sua variável, ou seja, a obsessão por vender e consumir sem
preocupações com os problemas ambientais e sociais resultantes destes processos.
Bauman (2008) afirma que a sociedade de consumidores desvaloriza a durabilidade, igualando a
“velho” a “defasado”, impróprio para continuar sendo utilizado e destinado à lata de lixo. Nesta
sociedade, não se espera que os consumidores jurem lealdade aos objetos que obtêm com a
intenção de consumir. Numa sociedade de consumidores, o verdadeiro “ciclo econômico”, aquele
que de fato mantém a economia em expansão, é o ciclo do “compre, desfrute, jogue fora”.
Portanto, para uma sociedade que proclama que a satisfação do consumidor é o seu maior
propósito, o consumidor satisfeito se apresenta como uma ameaça para o seu futuro e
desenvolvimento. Nesse sentido, a satisfação deve ser apenas uma experiência momentânea,
uma vez que na cultura do consumo a satisfação está associada à estagnação econômica. Na
sociedade moderna, o sistema dos objetos é estruturado pelos princípios de diversificação
marginal e de renovação perpétua (BAUDRILLARD, 1995).
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Lipovetsky (2007) afirma que é atribuída a publicidade a função de aculturar as massas à
nascente da sociedade de consumo, difundindo um novo modo de vida centrado na aquisição de
produtos mercantis e, no decorrer do tempo, essa influência não fez mais que ampliar-se. Nesta
sociedade de consumo, toda a máquina econômica se consagra a vida material mercantil através
da renovação dos produtos, da mudança dos modelos e dos estilos, da moda, do crédito, da
sedução publicitária.
Para Bauman (op. cit.) a cultura consumista é marcada por uma pressão constante para que
sejamos “alguém mais”. Os mercados de consumo se concentram na desvalorização imediata de
suas antigas ofertas, a fim de limpar a área da demanda pública para que novas ofertas a
preencha. As ofertas do mercado atuam, neste contexto, como principal fator influenciador e
propulsor dos padrões e níveis de consumo que são registrados na moderna sociedade
capitalista.
Desta forma, o marketing praticado pelo mercado surge como peça chave da sociedade de
consumo, sendo responsabilizado por muitos críticos como o desencadeador do consumo
desenfreado e principal responsável pelos problemas ambientais decorrentes deste consumo.
Para analisar os argumentos utilizados em tal discurso, a seguir, são apresentadas algumas
discussões relacionadas ao papel influenciador do marketing sobre o consumo, a cultura do
consumo e a emergência do consumo sustentável no âmbito da sociedade de consumo, discutida
nesta seção.
2.1 O marketing, a cultura e a crise ambiental
Kotler e Armstrong (2007) definem marketing como um processo administrativo e social pelo qual
indivíduos e organizações obtêm o que necessitam e desejam por meio da criação e troca de
valor com os outros. Para os autores, o marketing deve ser entendido como um instrumento de
satisfazer necessidades.
As necessidades humanas, conceito mais básico por trás do marketing, são definidas como
situações de privação percebida que podem ser físicas, sociais ou individuais, e são consideradas
pelos teóricos de marketing como requisitos humanos básicos. Kotler e Keller (2006) afirmam que
o marketing não “cria” necessidades: as necessidades existem antes dele. O marketing,
juntamente com outros fatores sociais, influenciam os desejos, que são necessidades
direcionados a objetos específicos que possam satisfazê-las.
Porém, diversos críticos enfatizam que o marketing “cria” necessidades. Mendes (2005) afirma
que o marketing, e em especial a propaganda, bem feito pode provocar dois efeitos sobre um
mesmo produto: inicialmente traz um maior número de consumidores para o produto; e em
segundo lugar, e mais importante, o marketing “cria” necessidades nas pessoas para o consumo
daquele específico produto, incutindo na mente do consumidor que “aquele é o produto” e “ o
resto é o resto”.
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Neste mesmo sentido, Hammes (2004) afirma que a cada dia, um novo produto é lançado no
mercado e o marketing encarrega-se de torná-lo atraente e necessário. Nesse sentido, o consumo
serve aos interesses das indústrias que buscam lucros, e os cidadãos se tornam vítimas passivas
e manipuladas dos publicitários.
Os consumidores são obrigados a encontrar um nicho de mercado para as coisas
valiosas que possam vir a obter ou esperar desenvolver, devem observar com
atenção as oscilações do que é demandado e do que é oferecido, e seguir as
tendências do mercado. (BAUMAN, 2008, p. 142)
Segundo Portilho (2003), essa perspectiva atribui aos consumidores um papel profundamente
passivo em relação aos agentes produtivos, descrevendo-os ora como manipulados, ora como
vítimas insensatas. Porém, contrariamente aos posicionamento apresentados acima, a autora
afirma que o consumidor não deve ser visto como vítima passiva e manipulada pelas forças do
mercado e oscilações da moda. Os consumidores são responsáveis pelos seus atos de consumo
e o fazem de maneira consciente, de certo modo, sob a influência do marketing empresarial,
porém, não de maneira manipulada.
Kotler e Armstrong (op. cit.) destacam que os críticos acusam o sistema de marketing de incitar
interesses excessivos pela posse de bens materiais. Porém, os críticos não consideram que esse
interesse por bens materiais é um estado de espírito natural, mas como uma questão de falsas
necessidades criadas pelo marketing.
Considera-se que essas críticas superestimam o poder das empresas de criar novas
necessidades. Os consumidores têm mecanismos de defesas contra a propaganda e outras
ferramentas do marketing. Os profissionais de marketing são muito mais eficazes quando apelam
para necessidades reais do que quando tentam criar novas necessidades. Além disso, as pessoas
procuram informar-se antes de fazer compras importantes e, em geral, não confiam em uma fonte
só.
Corroborando com essa linha de pensamento, Lipovetsky (2007) enfatiza que o marketing reflete
o consumidor. A publicidade moderna aparece mais como uma caixa de ressonância do que como
uma agente de transformação social e cultural. O marketing, naturalmente, procura estimular os
desejos de consumo, mas só o consegue surfando nas tendências da época. Portanto, conclui-se
que o marketing e a publicidade se adaptam mais à sensibilidade social do que impõe novos
caminhos, quanto mais aumenta o seu poder de incitação, mais está a escuta da sociedade.
Os adversários da publicidade se enfurecem porque ela procura, em suas últimas
tendências, difundir valores e mensagens de sentido, tal como um sistema
totalitário. A acusação é forte, a argumentação, frágil. Onde existe dominação
despótica quando o marketing dos valores não faz mais que seguir a ideologia
triunfante dos direitos humanos, da moralidade mínima ou da ecologia? Controle
da cultura pelo poder da marca? Estamos longe disso, a publicidade exalta
apenas o que é consenso. (LIPOVETSKY, 2007, p. 182)
Neste sentido, constata-se que o consumo não é uma atividade passiva, secundária e
predeterminada, mas sim dotada de suas próprias práticas, ritmos, significados e determinações.
7
Esta cultura de consumo, disseminada nas sociedades capitalistas, repleta de signos de felicidade
e prazer, é que impõem as empresas uma corrida pela inovação de seus produtos e processos,
sob o risco de se tornarem obsoletos frentes as novas demandas do mercado, o que causa
impacto direto sobre a sua capacidade de sobrevivência.
Na economia atual, a tendência à personalização dos produtos e dos serviços é decorrente da
preeminência da inovação sobre a produção. Nos mercados globalizados, a realização de ganhos
de produtividade já não basta, é cada vez mais pela reatividade, pelo lançamento de produtos
novos, que se constrói a vantagem competitiva e se realiza o aumento nas vendas. Neste sentido,
para as empresas sobreviverem no mercado e garantirem a sua sustentabilidade é necessário
inovar em produtos, processos e serviços que visem atender as mudanças na demanda do
mercado.
Portanto, mesmo em tempos de crise, de desaceleração do crescimento, as empresas hesitam
em reduzir seus investimentos em pesquisa e desenvolvimento, porque quanto mais uma
empresa inova e põe produtos novos no mercado, mais o crescimento de seu montante de
negócios, de sua produtividade e de seu valor bolsista é importante. Nos dias atuais, o
inovacionismo suplantou o produtivismo repetitivo do fordismo, ou seja, os setores em
crescimento são aqueles em que o ritmo das renovações e de inovação de produtos é mais
elevado. (LIPOVETSKY, op. cit.)
O autor enfatiza que não é menos verdade que a corrida à inovação e aos lançamentos de
produtos e serviços pelas empresas não pode dispensar as estratégias de comunicação
destinadas a fazer vender, aumentar a notoriedade, construir a imagem de suas marcas. Neste
sentido, o marketing é a ferramenta utilizada pelos agentes produtivos para alcançar tais objetivos,
ou seja, transmitir aos consumidores a mensagem de que as suas necessidades e desejos,
identificados pelos profissionais de marketing, podem ser satisfeitos pelos inovadores produtos e
serviços que estão sendo lançados e disponibilizados no mercado. Porém, isso não faz do
marketing e da publicidade os grandes responsáveis pela cultura de consumo disseminada na
sociedade moderna.
Blackwell, Miniard e Engel (2005) enfatizam que as empresas e o marketing, consequentemente,
estão orientados para o consumidor, ou seja, o foco está em como as organizações se adaptam a
mudanças no estilo de vida e no comportamento do consumidor. Segundo os autores, esta
orientação reconhece o papel dos consumidores em moldar os aspectos da sociedade, incluindo o
governo, as organizações sociais e todas as áreas da vida, e é importante para as nações que
utilizam uma economia de mercado.
Diante do exposto, constata-se que a cultura tem um profundo efeito em como e por que as
pessoas compram e consomem produtos e serviços, afetando os produtos específicos que as
pessoas compram, assim como a estrutura de consumo, a tomada de decisão individual e a
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comunicação em uma sociedade. Portanto, o elemento central da questão do consumo não é o
marketing e as atividades de publicidade, não é tão simples assim.
Na verdade, é o comportamento do consumidor que direciona e influencia a estrutura e o
funcionamento do mercado, e este possui tantas outras variáveis, tão ou mais importantes que o
marketing e a publicidade, que influenciam o comportamento de compra e consumo, dentre as
quais se podem citar a influência de familiares, dos amigos, da religião, da formação cultural e da
educação.
É evidente, portanto, que a forma como a sociedade de consumo molda seus membros está
associada a cultura de consumo que nela está disseminada, cobrando dos indíviduos o dever de
desempenhar o seu papel de consumidores, como forma de manifestar a sua identidade e
representação social. Porém, verifica-se a emergência de um movimento que enfatiza a dimensão
coletiva inerente às relações e decisões individuais de consumo.
Neste sentido, constata-se que a atividade de consumo pela sociedade moderna tem causado
impacto sobre o meio ambiente, inserindo no contexto da sociedade de consumo as questões
referentes a crise ambiental. Além disto, Jackson (2006) enfatiza que sem um aumento contínuo
nos níveis de consumo doméstico, o crescimento econômico daria lugar ao espectro da recessão
e ao medo do desemprego, o que dá origem ao seguinte questionamento: é possível preservar o
milagre do crescimento econômico e, ao mesmo tempo, alcançar importantes metas ambientais?
Portilho (2005) afirma com muita propriedade que a problemática ambiental começa a ser
redefinida, relacionando-se aos altos padrões de consumo e estilo de vida, em face do
deslocamento da preocupação com os problemas ambientais relacionados à produção para uma
preocupação com os problemas ambientais relacionados ao consumo. A Conferência de
Estocolmo, realizada em 1972, deu início ao debates sobre a relação homem e meio ambiente e,
neste mesmo ano, um documento publicado pelo Clube de Roma chama a atenção para os
impactos que o aumento nos níveis de afluência pode causar em termos de esgotamento dos
recursos e degradação ambiental.
Porém, apenas a partir da década de 1990 é que se intensificou a percepção do impacto
ambiental dos altos padrões de consumo das sociedades e classes afluentes, possibilitando a
emergência de um novo discurso dentro do ambientalismo internacional que passa a focalizar o
consumo sustentável como centro das questões ambientais.
Jackson (2006) afirma que, nesta década, o consumo passou a ser reconhecido como elemento
vital nos debates sobre desenvolvimento sustentável, com destaque para a Agenda 21,
documento elaborado durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento - Rio 92, que consiste em um documento que estabelece um programa de ação
para implementar as decisões tomadas durante a realização da “Rio 92”, estabelecendo as
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responsabilidades dos Estados em eliminar sistemas insustentáveis de produção e consumo, o
qual dedicou o capítulo às políticas públicas para mudança nos padrões de consumo.
Ger (1999) aponta a emergência do foco no consumo sustentável nas políticas ambientais em
substituição à ênfase ao controle dos processos de produção. Portanto, os discursos relacionados
às questões ambientais passaram a considerar a mudança de paradigma do princípio estruturante
e organizador da sociedade moderna, da produção para o consumo, isto é, passaram a considerar
o comportamento social do consumo como elemento desencadeador da crise ambiental.
Ressalta-se que apenas recentemente, verificam-se o surgimento de pesquisas que associam a
análise da sociedade de consumo aos estudos ambientais, talvez como resultado da definição da
crise ambiental como um problema de estilo de vida e consumo e do surgimento de expressões
como “consumo verde” e “consumo sustentável” (PORTILHO, 2003).
A despeito disto, Marques (2005) afirma que o consumo deve ser considerado um dos grandes
causadores da degradação ambiental, podendo comprometer seriamente a sustentabilidade, na
medida em que se torne excessivo e desnecessário, determinando a extração de mais recursos
naturais para atender a demanda social, bem como no que se refere a destinação dos resíduos
decorrentes desse consumo.
Destarte, Feldman (2005, p. 147) ressalta que
O consumo é essencial para a vida humana, visto que cada um de nós é
consumidor. O problema não é o consumo em si mesmo, mas os seus padrões e
efeitos, no que se refere à conciliação de suas pressões sobre o meio ambiente e
o atendimento das necessidades básicas da humanidade. Para tanto é necessário
desenvolver melhor compreensão do papel do consumo na vida cotidiana das
pessoas.
É nesta perspectiva que surgem as discussões da relação existente entre a questão ambiental e o
comportamento dos indivíduos da sociedade de consumo, dando início a uma abordagem
centrada no consumo sustentável como um dos principais elementos para o desenvolvimento
sustentável.
Bauman (2008, p. 51) afirma que “a economia consumista se alimenta do movimento das
mercadorias e é considerada em alta quando o dinheiro mais muda de mãos; e sempre que isso
acontece, alguns produtos de consumo estão viajando para o depósito de lixo”. Dessa forma, é
praticamente impossível conseguir dar uma destinação adequada para os resíduos que são
produzidos diariamente em face do consumo.
Nessa mesma linha de pensamento, Gonçalves (2003) afirma que a produção de lixo é inevitável
e inexorável. Por outro lado, a lata de lixo não é um desintegrador de matéria. A humanidade vive
em ciclos de desenvolvimento e neste momento está sendo vivenciado um ápice do desperdício e
irresponsabilidade na extração dos recursos naturais esgotáveis.
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Baudrillard, já em 1970, afirmava que o que caracterizava a sociedade do consumo era a
ausência de reflexão, de perspectiva sobre si mesma. Porém, atualmente, diversas informações
sobre as práticas de consumo estão disponibilizadas na mídia e possibilitam, aos consumidores,
embates reflexivos sobre o seu ato de consumir e os impactos sociais e ambientais decorrentes.
Além das questões referentes a extração dos recursos naturais de forma desordenada no intuito
das indústrias atenderem a demanda crescente, há uma preocupação ambiental quanto a
geração de resíduos sólidos urbanos, que é diretamente proporcional ao consumo. Quanto mais
se consome e quanto mais recursos são utilizados, mais resíduos são produzidos. Estima-se,
hoje, que a população mundial, com mais de 6 bilhões de habitantes, esteja gerando 30 milhões
de toneladas de resíduos por ano.
Desta forma, segundo Dias e Salgado (1999), o aumento da população associado ao incremento
da necessidade de produção de alimentos e bens de consumo, leva o homem a transformar cada
vez mais a matéria-prima, gerando maiores quantidades de resíduos, tanto no processo de
produção industrial quanto no de consumo, ocasionando uma crise ambiental tanto na extração
desmedida dos recursos naturais necessários à produção, quanto na destinação final dos
resíduos resultantes do consumo desses produtos.
Como visto acima, há um consenso sobre a necessidade de se agir rapidamente para reverter a
degradação do meio ambiente natural e os consequentes impactos sobre a sociedade. Jonas
(2006), ao tratar da ética da responsabilidade sobre o futuro, enfatiza que somente a prevenção
do mal maior e não a obtenção do bem maior justifica que, em certas circunstâncias, se arrisque a
totalidade dos interesses alheios, no interesse deles mesmo, com exceção dos grandes riscos da
inovação tecnológica e do desenvolvimento econômico e social decorrentes, porque estes não
são assumidos com a finalidade de salvar o que existe ou abolir o insuportável, mas para melhorar
permanentemente o já alcançado, isto é, o progresso, cuja versão mais pretensiosa pretende
construir um paraíso terrestre.
É neste contexto que se inserem as questões do consumo sustentável na sociedade de consumo,
onde os aspectos dos discursos assumidos sobre o desenvolvimento sustentável diante dos
atuais padrões e níveis de consumo da sociedade capitalista moderna visam proteger, no futuro,
os interesses sociais, estimulando reflexões sobre as mudanças sociais, culturais, econômicas e
tecnológicas que se tornam necessárias para a construção do projeto de uma futura “sociedade
sustentável”, sob o prima da ética da responsabilidade.
Leff (2006) afirma que a crise ambiental foi o grande desmancha-prazeres na comemoração do
triunfo do desenvolvimentismo, expressando uma das falhas mais profundas do modelo
civilizatório da modernidade. Segundo o autor, a degradação ecológica é a marca de uma crise de
civilização, de uma modernidade fundada na racionalidade econômica e científica, que tem
negado a natureza como fonte de riqueza, suporte de significações sociais e raiz da co-evolução
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ecológico-cultural. A crise ambiental colocou a descoberto a insustentabilidade ecológica da
economia capitalista ao tratar os recursos do ecosssistema como infinitos e à disposição dos
interesses humanos.
Portanto, do ponto de vista ambiental, a sociedade de consumo se vê como insustentável, posto
que implica em um constante aumento da extração de recursos naturais, e do despejo de
resíduos, até o ponto de ameaçar a capacidade de regeneração da natureza desses mesmos
recursos imprescindíveis para a sobrevivência humana. Assim posto, destaca-se a importância de
incluir nos debates sobre sustentabilidade as ações das empresas e o papel dos consumidores
em busca de um consenso sobre consumo sustentável.
2.1. A classe empresarial e o papel do consumidor: em busca de um consenso
sobre o consumo sustentável
Diante da constatação da crise ambiental tratada anteriormente, os empresários buscam uma
rápida assimilação ideológica do discurso ambiental, estimulados pela persistência e a pressão
que exercem os movimentos ambientalistas e os partidos políticos, procurando invalidar a
acusação de “vilões da ecologia”, o que pode significar, no médio prazo, perdas de mercado.
Esta visão surge da crescente força da ecologia como tema público e da consequente demanda
por produtos “verdes”, sendo esse, portanto, o maior argumento de venda do ambientalismo como
negócio. Segundo o Instituto Akatu (2002), foi à articulação, cada vez maior, do movimento
ambientalista em torno da crítica aos modos de produção e consumo, que instigou a classe
empresarial a adotar os discursos de produção e consumo ecologicamente corretos. Nesta
temática, ganha força um antigo debate do movimento ambientalista, alimentado pela
contraposição entre duas grandes vertentes: a militância pela redução da produção e do consumo
versus a proposta da modificação dos padrões de produção e consumo.
Tal discussão remete, invariavelmente, à questão da sustentabilidade e, com relação ao problema
do consumo sustentável, segundo Jackson (2006), emergem as seguintes questões: Consumir de
forma mais eficiente? Consumir de forma mais responsável? Consumir diferente? Consumir
menos?
Para Jackson (op. cit.), não há um acordo sobre uma definição precisa para o consumo
sustentável e nem um domínio para a aplicação do conceito. Há uma variedade de
posicionamentos sobre a extensão em que o consumo sustentável aborda as questões de
comportamento do consumidor, estilo de vida e consumismo e outras definições parecem
favorecer uma abordagem que se concentra nos processos de produção e consumo de produtos,
sugerindo que o caminho para o consumo sustentável reside, principalmente, na produção mais
eficiente de produtos mais sustentáveis.
12
Dentro desse contexto, o consenso institucional dominante enfatiza que o consumo sustentável
consiste em consumir produtos mais sustentáveis, o que se consegue, principalmente, através de
melhorias na produtividade na conversão de recursos em bens econômicos, realçando o papel
das empresas produtivas e dos seus processos para o alcance do consumo sustentável.
Hewitt (2003) afirma que não há nada errado com o aumento do consumo, fato que deve ser
saudado como um sintoma do aumento dos padrões de vida das sociedades afluentes. Para a
autora é muito justo que os mais pobres no mundo aspirem escapar da pobreza e desfrutar de tais
padrões. Por outro lado, é necessário certificar-se de que os produtos e serviços consumidos
sejam projetados para não prejudicar o meio ambiente. Pode-se desfrutar de mais conforto, mais
prazer e mais segurança sem, automaticamente, aumentar os impactos prejudiciais e onerosos
para o meio ambiente. Mas isso requer repensar os modelos de negócio, para fazer uso mais
produtivo dos recursos naturais.
Segundo Cohen (2007), mais ênfase tem sido dada no “consumo mais eficiente” em oposição ao
“consumir menos” ou “consumir diferentemente”. Nesta mesma linha de pensamento, Lipovetsky
(2007), aponta que em pesquisas realizadas na França que 15% a 20% dos consumidores podem
ser considerados “anticonsumidores” que optam por produtos éticos, recusam a identificação com
as marcas, compram alimentos biodinâmicos, interrogam-se sobre o impacto ambiental dos
produtos: comportamentos que demonstram uma preocupação em ser antes ator “responsável”
que “vítima” passiva do mercado.
Sob essa perspectiva, Jackson (2006) adverte que a discussão do consumo sustentável não pode
ignorar as questões relacionadas ao comportamento do consumidor, estilo de vida e a cultura do
consumo, uma vez que estes desempenham um papel vital na determinação da escala global do
consumo de recursos. Vincular o consumo sustentável apenas as questões tecnológicas e ao
desempenho do processo produtivo cria uma nova segmentação de mercado para consumidores
verdes e conscientes, porém a escala de consumo de recursos e impactos ambientais associados
permanecem crescendo. Desta forma, a posição institucional atual não está adequada aos
desafios da sustentabilidade.
Observa-se, portanto, que concomitantemente ao desenvolvimento da sociedade de consumo
torna-se necessário desenvolver um consumidor engajado nas questões sociais, “responsável”
por seus atos de consumo, para o qual o consumo não deve ser separado de uma interrogação
ética ou cidadã, que questiona os impactos dos seus atos sobre o meio ambiente e o
desenvolvimento social.
Define-se, então, consumo sustentável como um ato de equilíbrio. Trata-se de consumir,
protegendo o meio ambiente, utilizando os recursos naturais com sabedoria e promovendo a
qualidade de vida agora, e mesmo assim não estragar a vida dos futuros consumidores.
13
De certa forma, a ética constitui outro “setor” de ponta da sociedade de consumo, diz Lipovetsky
(op. cit.). No campo individual, os consumidores podem pressionar as empresas a oferecem
benefícios maiores nos produtos e serviços adquiridos, em troca dos sacrifícios que fazem na sua
obtenção, como qualidade, preço, segurança, entre outros. Neste contexto, os consumidores,
através de uma reflexão sobre os seus atos de consumo, podem perseguir outros objetivos
baseados em outros valores, inclusive não materialistas, mesmo pondo em risco o seu ganho
econômico, o que explica a ação de alguns consumidores em defesa do meio ambiente.
Jackson (2006) afirma que a dissociação entre recursos materiais e econômicos requer uma
sofisticada compreensão das motivações e comportamentos dos consumidores e, em particular,
da relação entre os desejos do consumidor e da materialidade dos produtos. Desta forma, tornase necessário buscar respostas para os seguintes questionamentos: Por que consumimos? Por
que consumimos produtos materiais? Quais fatores condicionam a nossa escolha de produtos
materiais? O que esperamos ganhar consumindo bens materiais? Como somos bem sucedidos na
resposta a essas expectativas? Segundo o autor, todas estas questões se tornam vitais na
tentativa de reduzir o impacto de material relacionado aos padrões de consumo das sociedades
afluentes.
Uma das abordagens encontradas na literatura sobre o consumo sustentável tratam o
consumismo como uma patologia, outra busca identificar tipos de comportamento e padrões que,
se replicados e ampliados, pode levar a um consumo sustentável no nível macro e outra
apresenta as desvantagens sociais e psicológicas do consumo, defendendo o movimento em
direção à simplicidade voluntária, enfatizando que é possível viver melhor consumindo menos.
Porém, assas abordagens não tratam o cerne das questões levantadas anteriormente, ou seja, as
motivações dos consumidores.
As Ciências Sociais são repletas de modelos de comportamento do consumidor que oferecem
uma variedade de versões diferentes da natureza e do papel do "consumidor moderno“ incluindo:
a satisfação das necessidades funcionais, a construção da identidade, a busca de status e
distinção social, a fronteira entre o sagrado e o profano, e a busca de significado pessoal e
coletivo.
Da vasta literatura sobre consumo moderno emergem três aspectos fundamentais: 1) não se pode
ater apenas aos aspectos funcionais dos produtos materiais porque estes possuem um papel
simbólico na vida dos consumidores; 2) as restrições econômicas, as barreiras institucionais, ou
as desigualdades no acesso incentivam ativamente muitas pessoas a manterem comportamentos
de consumo insustentáveis; 3) o comportamento cotidiano dos consumidores é guiado por normas
sociais.
Desta forma, as empresas estão buscando mecanismos para alcançar esse mercado de
consumidores mais preocupados com as questões ambientais e mais exigentes do ponto de vista
14
da sustentabilidade do processo de produção das indústrias, o “consumidor consciente” e, neste
sentido, são implementadas algumas medidas como forma de demonstrar uma sensibilização com
a causa ambiental e com o consumo sustentável.
Para Handelman e Stephen (1999), esse aumento gradual da preocupação com o bem estar
socioambiental trouxe, para as empresas e para os profissionais de marketing, o desafio de
relacionar questões como responsabilidade social e ambiental, com questões estratégicas da
organização que visem atingir os seus consumidores alvo.
Na concepção do Akatu (2009), é principalmente o consumidor que tem o poder, por meio da
consciência e reflexão do seu ato de consumir (na hora de escolher o que comprar, de quem
comprar e definir a maneira de usar e como descartar o que não serve mais) de maximizar os
impactos positivos e minimizar os negativos do consumo, contribuindo com seu poder para
construir um mundo melhor.
Apesar de nem todos os consumidores calcularem os sacrifícios e os benefícios de forma
consciente, eles de alguma forma consideram esses elementos no momento da compra, e nesse
processo de análise, o consumidor apenas realiza a compra se a soma dos benefícios percebidos
for maior do que os sacrifícios percebidos. (CHURCHILL et al, 2000).
Dentro desse contexto emerge a figura do consumidor verde que pode ser definido como aquele
que além da variável qualidade/preço, inclui, em seu processo de escolha, a variável ambiental,
preferindo produtos que não agridam, ou são percebidos como não agredindo o meio ambiente.
Nesse sentido, Lipovetsky (2007) destaca que a época atual é pautada nos princípios de
precaução e a sabedoria avaliadora dos riscos maiores, onde o neoconsumidor erige-se em ator
livre que avalia os riscos e discrimina os produtos, mudando hábitos e fazendo escolhas
“esclarecidas”.
Porém, mesmo reconhecendo alguns benefícios dessa estratégia – o consumo verde – como o
fato dos cidadãos comuns sentirem que podem ajudar a reduzir os problemas ambientais,
diversos autores destacam os limites sociais, econômicos, ecológicos e políticos desta estratégia.
Segundo Portilho (2005), na atual sociedade, na qual as identidades são construídas
principalmente através dos bens de consumo, o “consumidor verde de alto gasto” pode ter um
impacto ambiental maior do que qualquer outro.
Isto pode ser corroborado a partir da colocação do Instituto Akatu (2002), ao enfatizar que esta
proposta não conseguiu ser plenamente incorporada pelo movimento ambientalista, uma vez que
para muitos, o “consumo verde” não enfrentava a finitude dos recursos naturais. Ou seja, não
resolveria os constrangimentos ecológicos, mas apenas retardaria as conseqüências trágicas
causadas pelos excessos de produção e consumo.
Guimarães (1995) argumenta que enquanto os paradigmas vigentes nas sociedades
industrializadas de consumo eram apontados como a causa primeira da problemática ambiental, o
15
consumo verde, ao contrário de promover um enfrentamento, atenderia à comunidade dos
privilegiados das sociedades afluentes, dando continuidade à sacralização da sociedade de
consumo e favorecendo a expansão do capitalismo predatório. Isso tudo leva a crer que bastariam
algumas, comparativamente, pequenas mudanças e tudo estaria bem.
Complementando esta questão, Portilho (2007, p. 119) afirma que “o consumo verde atacaria
somente uma parte da equação – a tecnologia – e não os processos de produção e distribuição,
além da cultura do consumo propriamente dita”. Desta forma, adotar apenas a postura e o
discurso do consumo verde não suplantará os impactos que o ato de consumir provoca no meio
ambiente.
Com isso, ressalta-se a questão de que o problema não está no que se consome, mas, na
quantidade que se consome. Desse modo, as mudanças devem ocorrer no sentido de mudar o
perfil do consumidor e da sociedade, alertando a responsabilidade e a questão ética destes em
saber consumir corretamente e de maneira sustentável.
Ações individuais conscientes, bem informadas e preocupadas com questões
ambientais aparecem como uma nova estratégia de mudanças em direção à
sociedade sustentável. Especialistas, autoridades, políticos e organizações
ambientalistas começam a considerar a co-responsabilidade de diversos atores,
tanto coletivos quanto individuais, deslocando o foco, do lado do input para lado
do output do sistema político. (PORTILHO, 2003, p. 27)
O deslocamento da questão ambiental para a esfera do consumo surge como uma possibilidade
agregadora e emancipatória que poderá fortalecer o interesse a participação individual e coletiva
nos dilemas e decisões políticas cotidianos, trazendo a questão ambiental para a agenda privada
e para as políticas públicas.
Portilho (op. cit) defende uma análise das práticas de consumo a partir de uma redefinição daquilo
que é tradicionalmente visto como o terreno da cidadania, da política e das relações de poder a
serem transformadas, o que exige uma ampliação e um aprofundamento da concepção de
cidadania que inclua o conjunto de práticas sociais e culturais. Afinal, se as atividades de
consumo assumem papel central na formação das identidades, é necessário considerar as novas
relações que se colocam entre cidadania, consumo e identidade.
A autora alerta para o fato de que, na prática, a estratégia do consumo sustentável tem se tornado
um simples aparato técnico-gestionário, psicologizando e despolitizando a questão. Isto pode ser
evidenciado, por exemplo, nas diversas tentativas de empregar algumas das mesmas técnicas de
gerenciamento da produção no campo do consumo e de limitar a discussão ao campo da
economia, da engenharia, do design, dos estudos comportamentais e do simples aumento da
informação aos consumidores. A maioria das propostas tem priorizado estratégias que propõem
mudar os padrões, mas não os níveis de consumo, o que acaba se confundindo com aquilo que
se propuseram a ultrapassar: o consumo verde.
16
Jackson (2006) conclui que até muito recentemente, a política dos consumidores tem sido
fortemente influenciado por preocupações com a “soberania do consumidor "e por uma fidelidade
ao modelo de escolha racional: garantir que o mercado possibilite ao consumidor fazer escolhas
eficientes. Porém, o consumo sustentável requer uma abordagem política mais sofisticada
destinada a remover estruturas de incentivos perversos e tornar o comportamento de consumo
sustentável mais fácil, para tanto, é necessário atender, no mínimo, as seguintes dimensões:
facilitar o acesso a opções mais sustentáveis; garantir que o incentivo e as penalidades das
estruturas de apoio não dificultem as mudanças desejadas; envolver as pessoas nas iniciativas da
comunidade para ajudá-las a renegociar comportamentos e as práticas insustentáveis e
desenvolver estilos de vida mais sustentáveis; exemplificar as mudanças desejadas nas políticas
e práticas governamentais.
Neste sentido, deve ocorrer uma revolução conceitual sobre os aspectos sociais, econômicos e
éticos envolvidos na questão tratada ao longo deste artigo, na qual todos os atores inseridos
dentro da sociedade de consumo devem rever seus papéis relacionados ao consumo sustentável,
não da forma fragmentada como até então tem sido abordado, mas tratando o tema de acordo
com a complexidade que este exige.
3. Considerações Finais
O debate acerca da sociedade de consumo é um objeto de estudo extremamente rico, em função
dos aspectos sociais e culturais dos comportamentos de consumo. Porém, um dos aspectos mais
importantes a ser pesquisado na esfera da nova ordem econômica pautada no consumo é o
impacto que o ato de consumir causa ao meio ambiente e a necessidade de se desenvolver
mecanismos que propiciem o consumo sustentável, uma vez que não se pode prescindir do
consumo já que este é essencial à existência humana.
Desta forma, o presente trabalho buscou explorar os aspectos conceituais existentes na literatura
sobre a sociedade do consumo, o papel influenciador do marketing sobre os atuais niveis e
padrões de consumo e, conseqüentemente, o impacto deste consumo no meio ambiente e as
questões de sustentabilidade que emergem diante das atuais práticas empresariais em busca da
inovação de seus produtos e seus processos e do modo de vida dos indivíduos na moderna
sociedade de consumo. Neste sentido, observou-se que na literatura busca-se relacionar as
questões ambientais que emergiram diante do desenvolvimento econômico ao excessivo aumento
nos níveis e padrões de consumo das sociedades afluentes, ora responsabilizando as práticas
empresariais e as atividades de marketing na manipulação do comportamento do consumidor, ora
trazendo à tona as motivações dos consumidores nos seus atos de consumo.
Porém, para sanar os problemas ambientais decorrentes dessa sociedade de consumo são
necessárias ações em grande escala, incluindo a questão da ética da responsabilidade de todos
os envolvidos no processo de produção/consumo, capazes de criar mecanismos de
17
desenvolvimento do consumo sustentável, sendo iminente uma extensão de novas práticas
políticas que considerem os aspectos de sustentabilidade. Neste sentido, a garantia do
desenvolvimento sustentável passa pela integração de ações individuais e coletivas para a criação
da consciência ambiental em empresas e na sociedade como um todo.
Desta forma, a política de consumo sustentável no contexto da sociedade de consumo pode
funcionar como uma forma efetiva de criação da consciência ambiental em empresas e
consumidores, bem como uma fonte de pressão constante para as políticas públicas em geral.
Portanto, o principal desafio para garantir o consumo sustentável consiste em desenvolver
políticas que criem normas que regulamentem e limitem os processos de exploração dos recursos
naturais e a destinação dos resíduos decorrentes da produção e do consumo, bem como
desenvolver uma perspectiva compatível com os conhecimentos fundamentais sobre o
comportamento do consumidor e a motivação humana, que reflita ambições socialmente viáveis e
culturalmente relevantes, levando em consideração a percepção de que os bens materiais
possuem valor além de suas funcionalidades, desempenhando um papel simbólico na vida dos
consumidores e que esses papéis servem de importantes funções sociais e psicológicas para
estes.
Neste sentido, ressalta-se que renunciar ao consumo é o mesmo que exigir que os consumidores
desistam de certas capacidades e liberdades que são fundamentais aos seres sociais. Portanto, a
mudança cultural a este nível não é imediata ou facilmente negociável. Baudrillard (1995) salienta
que o significado simbólico é negociado através de uma lógica social complexa que está além de
escolha individual e parece desafiar as prescrições e intervenções políticas convencionais. Os
bens materiais e serviços são profundamente enraizados no tecido cultural das sociedades
afluentes. Através deles, os consumidores não só satisfazem as suas necessidades e desejos,
como também se comunicam uns com os outros, negociam importantes relações sociais, e
buscam um significado pessoal e cultural.
Por fim, conclui-se que a questão relacionada ao consumo sustentável está longe de ser resolvida
e apresenta novos dilemas e desafios, tornando necessário amplos debates envolvendo diferentes
segmentos sociais através de uma articulação mutuamente benéfica para todos. Neste sentido,
recomenda-se a ampliação deste estudo, através da realização de pesquisas que avaliem
qualitativamente e quantitativamente as ações que estão sendo implementadas pelos diversos
atores sociais e institucionais para sanar os danos já causados ao meio ambiente, bem como
estudos que possibilitem o desenvolvimento de mecanismos de consumo sustentável entre os
diversos atores sociais envolvidos na temática que possam garantir o futuro através do
desenvolvimento sustentável. Em última análise, este ensaio deve servir para alertar contra as
prescrições simplistas para a mudança que se almeja alcançar em relação aos padrões e níveis
de consumo atuais.
18
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